PAN-AMERICANISMO NEGRO

PAN-AMERICANISMO PRETO

OLiveira Lima

Produziu entre nós grande alarma o projeto de colonização negra americana em Mato Grosso, o qual se dizia encobrir graves desígnios ocultos de anexação ou antes sujeição territorial. Um pan-americanis-mo de nova espécie ou antes de nova côr servia, como o outro, o objetivo da preponderância dos Estados Unidos no Novo Mundo. O fato logo originou um projeto de lei vedando a imigração negra no Brasil. Se é lícito aos Estados Unidos vedarem a imigração amarela, não é demais que o Brasil proíba a imigração preta. É verdade que temos incomparavelmente mais pretos do que os Estados Unidos tem amarelos, mas há pretos e pretos, como há brancos e brancos, c a tez os não torna iguais. Podem convir-nos os nossos pretos e não nos convir os pretos dos Estados Unidos. O nosso tem a alma modelada pela nossa própria e o americano a tem decerto diferente da do branco, a julgar pelas condições em que foi modelada.

Em todo caso eu penso que o projeto que levantou a celeuma patriótica, sempre respeitável mas carecendo por vezes de ser esclarecida e orientada, não encerrava plano político algum, apenas uma especulação comercial de brancos. Como o preto tem uma feição mental messiânica e o seu cristianismo é mal digerido ou antes mal inspirado pela noção bíblica de um Jeová severo e da alternativa de um terror religioso e de uma recompensa exultante, fazem facilmente com que o seu espírito antes grosseiramente místico do que idealisticamente evangélico imagine terras de promissão, como foi outrora para alguns a Libéria e agora para outros o estava sendo o Brasil, terra com efeito de igualdade.

Acresce que os negros que foram para a França em serviço militar (não longe de 400.000 entraram logo para as fileiras) ficaram perdidos pela Europa, por essas terras estrangeiras de que tinham ouvido vagamente falar e onde os brancos e as brancas os tratavam como bons camaradas. É natural que nestas condições muitos deles desejem emigrar, já tendo, aliás, aprendido a fazê-lo, pois

que por ocasião da guerra meio milhão passou do Sul para o Norte dos Estados Unidos, atraídos pelos salários elevados produzidos pelo fabrico intenso dos materiais de guerra, ao mesmo tempo que a mobilização das forças nacionais fazia diminuir o número de atividades empregadas em falsas indústrias.

Os Estados Unidos pretendem tão pouco anexar o Norte ou o Oeste do Brasil, quanto os alemães pretenderam conquistar o Sul do Brasil. Refiro-me, bem entendido, à incorporação política. Falou-se já muito entre nós em conquistas americanas há 60 anos passados, quando se tratou da abertura do Amazonas aos pavilhões estrangeiros e o Brasil se ressentiu justamente dos escritos acrimoniosos e da propaganda intempestiva do célebre hidrógrafo Maury, que não refletiam as vistas do Governo americano.

A garantia da nossa integridade está conosco mesmos: se o Brasil por si se desagregasse, é claro que poderia despertar cobiças estranhas que não desprezariam seguramente a oportunidade de satisfazer-se. Os Estados Unidos já exercem no Novo Mundo um predomínio político (predomínio não domínio) que se deve considerar agora absoluto. Queriam juntar-lhe o predomínio econômico c comercial, mas não o souberam conquistar quando tinham todas as cartas na mão e esse predomínio, pelo menos o mercantil, reverterá de futuro aos alemães, que oferecem artigos de manufatura superior, mais baratos e em melhores condições de pagamento.

Ainda o predomínio econômico, a alta do dólar o trouxe para os Estados Unidos, mas foi isto o efeito de causas naturais, sobretudo. Pode haver e há especulação, como no quanto é mercantil, mas a explicação lógica do fato reside especialmente no desequilíbrio da balança comercial em nosso desfavor e na desvalorização dos nossos produtos. No ano financeiro há pouco encerrado a exportação brasileira para os Estados Unidos diminuiu de 134 milhões de dólares, entrando a diminuição do café por 89 milhões de dólares, apesar da quantidade exportada ter aumentado de 5 milhões de libras-pêso.

Nem os Estados Unidos se serviriam de agentes pretos para executar desígnios de anexação política, agentes que saem justamente do país por não serem afeiçoados ao estado de coisas existente e aos quais não conviria um Brasil diverso do que é presentemente, nos seus sentimentos da raça, isto é, nenhuma desprezando ao ponto de aviltá-la e excluí-la.

Nos Estados Unidos tem seguido Governo e povo com relação ao problema negro um caminho errado desde o princípio. Teriam procedido o mais acertadamente abolindo a escravidão por ocasião da independência, mas duvido de que houvesse sido possível nesses termos fundar uma união cuja base livre teria evitado a tremenda guerra de Secessão. Fizeram sobretudo mal em conservar o negro escravo numa sujeição tão próxima da condição animal e de repente elevá-lo livre a uma teórica igualdade social, ao mesmo tempo que praticamente lhe disputam os direitos políticos. O nosso sistema, em que fomos primeiro guiados pela sensualidade e depois pelo sentimento, é de todo ponto preferível.

O linchamento, processo tipicamente americano, é a expressão ilegal e anárquica da diferença do nível entre as duas raças. Na recente reunião em Cincinati da American Bar Association, um congressista da Geórgia disse que a lei não basta para corrigir o linchamento, porque êle é a resultante de duas coisas que o castigo penal por si não elimina e que devem ser combatidas por um despertar da consciência pública e pela elevação moral das duas raças. ÍL preciso por um lado que os negros deixem de assaltar os brancos e por outro que os brancos atinjam tal grau de domínio sobre si próprios que se possam refrear na represália cm favor da lei.

O digno congressista esqueceu apenas que os assaltos a brancos não figuram senão em 28% nas causas de linchamento dos pretos e que uma lei federal contra os linchamentos tenderia a diminuir-lhes o número. Semelhante lei já foi, aliás, proposta e não é crível que lhe sirva de obstáculo insuperável um respeito neste caso absurdo dos direitos estaduais. Há poucos dias o attorney general ou Secretaria da Justiça dos Estados Unidos permitiu que o procurador federal do distrito impetrasse na Geórgia do juiz federal um habeas-corpus em favor de um rapaz preto, a quem o patrão conservava em estado de servidão agrária e que acusou de deixar o seu serviço antes de lhe haver pago o que devia, quando de fato lhe não pagava salário. A justiça local consentira em que o preto fosse agarrado e entregue ao patrão.

Os negros americanos não fariam jamais do Brasil um prolongamento dos Estados Unidos, mesmo pela simples razão de que não iriam em proporção bastante. Quando houvesse sido mantida a concessão de Mato Grosso resultaria um fiasco. Os grandes êxodos de populações como os que se dizem dos judeus não mais se dão, se é que jamais se deram. Por acaso vão os judeus de hoje com todas as facilidades que lhes são porporcionadas reocupar a Palestina? Uma colônia americana de côr que se instalasse no sertão do Mato Grosso não passaria provavelmente de um insucesso, mesmo porque, tendo sofrido muito na terra donde emigrariam, é humano que na Terra da Promissão esperassem mais do que a fortuna lhes poderia razoavelmente conceder.

Washington, setembro de 1921

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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