Oliveira Lima
IMPERIALISMO E PROTESTANTISMO
Um meu velho amigo, jornalista belga, tem uma idéia um tanto esdrúxula dos Estados Unidos — de um país em que nada se restaura ou se renova. Discutindo a exiguidade da representação arbitrada para a sua embaixada, refere êle que a vida é caríssima aqui por muitas razões, entre outras de que uma cadeira, por exemplo, que se quebra, é imediatamente posta de lado e substituída por outra, o que não deixa de ser até certo ponto verdade, porque a mão-de-obra sendo muito dispendiosa, mais barato é no geral comprar um móvel novo feito a máquina do que reparar o antigo. A roupa não se lava — ajunta êle, decerto por ter ouvido falar dos colarinhos, punho e peitilhos de papel. Usam-se, e, quando sujos, deitam-se fora, comprando-se limpos. Com meias de 10 centavos acontece isso, mas não com a roupa de cama e mesa e a roupa fina de corpo.
Alguma coisa de parecido acontece com a conferência sobre Imperialismo e Protestantismo nos Estados Unidos, realizada em Cuiabá pelo digno arcebispo daquela diocese c da qual recebi pelo correio um exemplar, há poucos dias. O Sr. D. Francisco de Aquino Corrêa, ilustre homem de letras a quem eu trataria de meu colega na Academia, se por uma questão de princípio eu não me houvesse distanciado da Academia, exagera tanto uma como outra coisa. O imperalismo americano não é impelido por um estímulo de conquista militar: é o resultado de uma sujeição econômica a que grande parte da América Latina se sujeita pressurosamente c gostosamente porque daí lhe sopra a brisa fagueira dos empréstimos que a fazem politicamente viver e aos seus homens de Estado. A Ilusão Americana de Eduardo Prado deixou de ser um devaneio internacional para se converter em uma realidade financeira.
Quanto ao protestantismo, é certo que é o credo de grande parte da nação americana, c que é doutrinariamente intolerante; mais do que isto, que se estivesse nas mãos de muitos dos ministros metodistas, batistas e tutti quanti, despedaçarem a unidade da Igreja Romana, de bom grado o fariam. Esta unidade, que é uma força, assusta-os e inventaram a fórmula das igrejas católicas nacionais como expressões patrióticas, que só levariam a soçobrar as respectivas nacionalidades. Não há, porém, intolerância de fato ou de atos. Catolicismo e protestantismo coexistem e até coabitam cm paz. Aqui não se fuzilam padres como no México, nem mesmo se prendem bispos como sucedeu no Brasil. Agora mesmo acaba a Universidade Católica da América, criada para sustentar a intangibilidade desta fé, de receber no seu seio durante três dias delegados das 29 principais universidades dos Estados Unidos reunidos para discussão de questões acadêmicas. Entre outros estiveram os presidentes das grandes universidades de Harvard c Yale, redutos do protestantismo. Eu não posso, à vista disso, concordar com o eminente prelado de Mato Grosso que a liberdade de culto seja perigosa e dissolvente. Conheço aqui professores católicos que regem cadeiras em universidades protestantes e vice-versa: não cadeiras de religião, bem entendido, mas de ciências puras e aplicadas, de letras, inclusive História. Ainda há poucos dias me dizia um protestante que das melhores páginas que conhece sobre a Reforma são as do Reverendo Peter Guilday, meu colega, professor de História da Universidade Católica, e vejo figurar a associação Histórica Católica dos Estados Unidos entre as sociedades congêneres, do Pacífico, do Mississipi e outras, de Ciências Políticas, de Bibliografia, etc, que no Natal próximo vão celebrar uma reunião anual, sob os auspícios da Associação His-tórica Americana, a equivalente do nosso Instituto Histórico. Éste BOO a reunião verifica-se em Washington e, sossegue o ilustre arcebispo, a seção de historia hispano-americana confina-se ao século XVIII e vai ocupar-se de assuntos tão inofensivos quanto o Tratado del Asiento à luz dos papéis de Lord Shelburne, o contrabando britânico como fator do declínio do império espanhol e o comércio da Luisiânia e das Flóridas antes da sua aquisição pela União America… a dinheiro.
Também do lado católico vejo brilhar longanimidade e não ressumbra veemência. Que me seja permitido relatar um caso que me é de algum modo pessoal.
Ao abrir-se em 1924 a minha biblioteca ibero-americana, procurei uma pessoa idônea para secretariá-la. O meu amigo Jones, da Livraria do Congresso, a maior autoridade americana em . assuntos de bibliografia hispânica, indicou-me uma moça que trabalhava no seu departamento e que já tinha alguma prática de catalogação e manusear de livros. Veio ela falar comigo, justamente numa ocasião em que se encontrava na minha livraria o bispo reitor da Universidade. A minha atual assistant librarían concordou com as condições, mas, antes de aceitá-las, declarou ser episcopal e não católica. Não Importa, foi a única reflexão do bondosíssimo e religiosíssimo Bispo Shahon.
Os Estados Unidos não oferecem espetáculo de desunião pela abundância das suas seitas: todas sacrificam igualmente no altar da pátria. Não quer isto dizer no mínimo que o Brasil renunciasse a uma parcela da sua bela fé religiosa católica, que é tradicional. Sou por demais apegado a tradições para pensar diversamente, mas não armo baterias para desvios daquele credo, que mesmo nos Estados Unidos era, na feliz expressão do Cardeal Gilbons, the falth your fathers, a crença dos antepassados.
A melhor defesa da nossa tradição religiosa está nas nossas mãos, como a do nosso patrimônio nacional. Não é o protestantismo que nos arranca concessões: é a nossa fraqueza moral que as concede ao imperialismo. Teve por acaso o protestantismo alguma coisa que ver com o império amazônico, há pouco outorgado ao Sr. Ford?
Cinco milhões de geiras, anunciam os jornais americanos, que ajuntam estarem os paraenses contentíssimos com a perspectiva do seu progresso e do progresso sobretudo da indústria do Sr. Ford.
Calculando em 1.200 libras a produção anual de cada geira serão seis bilhões de libras-pêso, bastante para quase um bilhão de pneumáticos. A superfície cultivada excederá a de todo o resto do mundo produtor da borracha, com uma produção cinco vezes maior. Diz o representante do grande milionário que várias vezes visitou o Amazonas e levou a bom termo as negociações, que as mais altas autoridades do Brasil compreendem a utilidade do plano para o desenvolvimento daquela região.
A empresa espera reduzir suas despesas abatendo e exportando boas madeiras das atuais florestas.
Para serem coerentes, deveriam os católicos estrangeiros, isto é, intolerantes, repudiar o "dinheiro protestante: o rifão português só dá de conselho que se coma a isca.
Washington, dezembro de 1927
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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