A Eleição presidencial dos Estados Unidos em 1920

Oliveira Lima

O PLEITO PRESIDENCIAL DE NOVEMBRO

Pela terceira vez chego aos Estados Unidos em plena campanha presidencial: em 1896 tratava-se do sucessor de Cleveland c a luta travada era entre o monometalismo defendido pelos republicanos e personificado por Mackinley, ao passo que os democratas radicais, com Bryan à frente, pregavam o bimetalismo. Em 1912 a contenda era entre Taft, Roosevelt e Wilson, o que deu ganho de causa aos democratas, que representavam o juste-milieu entre as preferências conservadoras do Presidente Taft e o espírito progressista cio antigo Presidente Roosevelt. As questões cm litígio eram todas de caráter doméstico, embora social, não mais sòmer.tc econômico. Agora, o eixo sobre que gira o duelo oratório Harding-Cox é a Liga das Nações, um assunto de natureza puramente externa, mas que envolve a consolidação ou o repúdio de uma velha tradição americana, que remonta a Washington: a não-interferência nos negócios do Velho Mundo, nomeadamente da Europa.

O argumento capital de que faz uso o candidato republicano Harding é que a organização da Liga das Nações, como a subscreveu o Presidente Wilson, obrigaria os Estados Unidos a mandarem seus filhos combater pelas causas européias, algumas delas de todo estranhas aos interesses americanos, deixando de ser respeitado o princípio preconizado pelo Pai da Pátria, de abstenção de alianças enleantes. Os democratas respondem pela boca de Cox que a Liga das Nações tem precisamente por objetivo evitar que surjam guerras, nas quais os Estados Unidos possam ser a com-tragôsto chamados a cooperar, conforme aconteceu na última, a bem dos seus nacionais. Os republicanos dizem preferir o sistema anterior da Corte Internacional de Justiça de Haia, mas a isto obje-tam os democratas que tal sistema nunca logrou impedir as guerras que se sucederam até à conflagração e que, para dar sanção obrigatória às suas decisões, redundaria nos Estados Unidos terem que pegar em armas em prol das soluções concordadas.

Diz-se que Cox não defende entretanto a Liga das Nações com o mesmo ardor com que o faria Wilson, se estivesse em jogo a sua própria terceira candidatura ou se viesse a intervir no pleito. Para o atual Presidente, a causa da Liga é a própria causa da humanidade, a qual merece ser apresentada com entusiasmo místico. O idealismo de Wilson não é, porém, do mesmo feitio que o espírito positivo do aspirante a seu sucessor, que acha necessário acompanhar sua defesa da Liga, da declaração de que não anuiria, como Chefe de Estado, a despachar tropas americanas para tomar parte em lutas estrangeiras e de que jamais aceitaria mandatos como o da América, que o Presidente Wilson teria por si assumido.

As multidões de eleitores americanos, às quais é preciso juntar agora as eleitoras, pois o sexo feminino vai aqui gozar do direito do voto, nunca mostraram grande interesse pelos assuntos internacionais, antepondo-lhes os nacionais e, seja por essa razão, seja pela tibieza da defesa, pelo Sr. Cox, das idéias do Sr. Wilson, o seu sucesso oratório não tem sido neste ponto tão vivo quanto seria de esperar da sua facilidade e prolixidade no discursar — pelo menos até chegar à Califórnia, onde aquele sucesso se acentuou, conquanto a política por êle ali formulada não difira essencialmente da do seu rival, consistindo na manutenção da legislação proibitiva de aquisição de propriedade territorial pelos orientais, quer dizer, japoneses e chineses, que representam um elemento importante da população da Califórnia.

Os japoneses têm iludido até certo ponto a disposição mandando vir esposas japonesas da sua terra e adquirindo bens de raiz em nome dos filhos que, nascidos nos Estados Unidos, são cidadãos americanos. O Governo americano está contudo disposto a obstar ao que trata de abuso, porque no seu entender tais cidadãos são cidadãos de duas pátrias e a grita é grande contra semelhantes cidadãos hyphenated, como aqui os chamam, de traço de união — teuto-americanos, sino-americanos etc.

O Sr. Cox joga nesta controvérsia com a velha doutrina dos State-rights, os direitos estaduais — que conduziram à guerra da Secessão, mas que são sempre caros aos democratas. Na aplicação rigorosa das leis de imigração, concebidas com um caráter xenófobo, êle vê uma aplicação dessa soberania bastante desaparecida e bastante abandonada, e não considera que com ela sofra, muito pelo contrário, o americanismo, de que faz profissão de fé. O seu americanismo não diverge senão no nome, do nacionalismo aventado pelo outro candidato, Harding: nenhum dos dois é internacionalismo. Somente Cox entende que o espírito democrata é simpático às pequenas nações, aos povos fracos e que o espírito republicano traria a pura reencarnação da teoria alemã da Deutschland über alies, isto é, a primazia dos Estados Unidos. Nunca foi difícil às repúblicas apropriarem-se do imperialismo das monarquias.

Não há dúvida que a expressão americanismo é mais atraente, mais catching, do que a de nacionalismo, e Harding sustenta que o seu fito é assimilar os alien born, a saber, os naturalizados de pátria estrangeira, pela sobreposição, nos seus espíritos, dos ideais americanos aos das suas respectivas prévias nacionalidades. Nenjuima das expressões comporta porém a adesão à doutrina de igualdade das raças que o Japão tenciona levantar novamente c com toda a ênfase na reunião da Liga das Nações de 15 de novembro próximo, em Genebra, aproveitando para tal fim a ausência dos Estados Unidos, a cuja antipatia de muitos dos seus filhos pela concepção wilsoniana não é alheia a simpatia de outras nações, pode dizer-se das outras nações, pela tese da igualdade das raças.

No caso do Japão, a situação complica-se com questões puramente políticas, não admitindo os Estados Unidos que o império nipônico queira formular para seu uso uma Doutrina de Monroe, a qual o autorizaria a ocupar a metade russa da Ilha de Sakhalin, a romper a integridade e desprezar a independência da China é a realizar a penetração econômica da Sibéria sob pretexto de combater o bolchevismo. O fato é que a separação dos Estados Unidos da Liga das Nações lhes dá o ensejo, que a ostras potências escassearia — quando mesmo fossem outras as circunstâncias —, para fazer frente à expansão japonesa. É o choque de interesses antagônicos que não cessa de anunciar-se.

Washington, setembro de 1920

II

Chame-se americanismo ou chame-se nacionalismo, o sentimento invocado pelos partidos tradicionais em luta é antagônico ao cosmopolitismo que dizem êlcs estar adulterando a alma deste povo. Trata-se de uma reação do espírito conservador, no melhor sentido da palavra, contra o anarquismo militante ou latente no mundo e do qual acaba de dar testemunho o atentado cometido cm New York, em pleno Wall Street, diante da filial do Tesouro Federal e do estabelecimento bancário de Pierpont Morgan, custando a vida a 34 pessoas, sem falar nos 300 feridos. Os jornais fazem ressaltar que nunca são americanos, sempre estrangeiros os que lançam as bombas criminosas, e que o contraste é perfeitamente legítimo contra semelhantes perturbadores da ordem pública e culpados das piores violências. O problema propriamente do trabalho, que é um fator importantíssimo do pleito, nada tem que ver com a tentativa sistemática de dissolução da sociedade organizada que semelhantes atos denunciam, pretendendo seus autores agir pelo terror.

Por isso querem Harding e Cox que o Governo do país não saia das mãos dos seus verdadeiros filhos e é bemt possível que

na próxima sessão do Congresso seja formulada legislação restritiva da imigração européia, a qual está crescendo extraordinariamente. É verdade que o êxodo para a Europa tem sido grande, mas ainda assim, de julho de 1919 a junho de 1920 as entradas somam 621.576 e as saídas 428.062, deixando uma diferença de perto de 200.000 entradas, numa proporção aliás ascendente. O milhão de imigrantes que antes da guerra os transatlânticos despejavam nos portos americanos tende a volver a ser uma realidade, apesar da redução pela guerra da população européia. Somente na Polônia 500 a 1.000 judeus estão diariamente obtendo passaportes para os Estados Unidos e um dia houve em que 8.000 fizeram filas para obter o visto.

A necessidade de braços e a alta dos salários têm operado a favor da imigração sem outras restrições além das já conhecidas e que exercem influência apreciável sobre a qualidade dos imigrantes. Faz-se, porém, sentir a indispensabilidade de assimilar esses elementos ao povo, ao ponto de identificá-los com os domésticos, sem que eles sejam tentados de pensar a agir como estrangeiros. O candidato republicano Harding pretende que a entrada dos Estados Unidos na Liga das Nações retardaria o processo em questão de assimilação social, injetando as contendas internacionais na política americana. A guerra não durou bastante tempo para o fator americano e não lhe custou sacrifícios bastantes, para que se solidificasse o seu nacionalismo. O problema ficou em aberto e será forçoso resolvê-lo nos próximos dez anos, sob pena de soçobrar a nacionalidade americana.

Culpam alguns o candidato democrata Cox, de que está fazendo campanha com apodos contra os seus antagonistas. É fato que êle tem verberado acremente a "corrupção" dos adversários c denunciado a "oligarquia senatorial" que, no seu entender, quer diminuir o país e escolheu, à última hora, o candidato no seu próprio seio, para emprestar maior vigor à política de reação que visa aplicar e que se estende do campo das reformas sociais ao das relações externas. Assim fala Cox, explicando que pela constância do eleitorado — quase todo democrata — os senadores sulistas perpetuam-se nos seus lugares e chegam assim, como presidentes de comissões, a ajeitar a seu sabor a legislação. A comissão dos Negócios Estrangeiros tem sido porém sempre presidida por um senador republicano — presentemente Cabot Lodge — e dessa partiu a discórdia.

É sabido que nas negociações da paz o Presidente Wilson pôs completamente de lado o Senado, o qual entretanto exerce funções constitucionais no tocante aos tratados, nos quais é legalmente chamado a colaborar com o Executivo. Nenhum senador fêz parte da delegação de Versalhes, sobre a qual o Presidente queria ser o único a poder exercer seu prestígio e nela se apoiar, para a aplicação dos seus ideais generosos, que os políticos europeus reduziram tão consideravelmente.

Nem o próprio candidato democrata Cox entende, aliás, impor ao país o tratado sem algumas das reservas formuladas pelo Senado,

tão simpáticas êle as encontra ao sentimento público. Apenas quer que tais reservas não sejam das que nulificam e destroem, sim das que esclarecem e completam. Este preito indireto à atitude do Senado é o melhor indício de que com este se ache de preferência o favor do eleitorado neste campo, e a melhor esperança dos democratas ainda consiste em dividir os contrários, aceitando uma fração do partido a idéia da corte arbitral de Haia tal cojno a delineou a comissão de jurisconsultos e o advogado Root, cuja influência entre os republicanos não é para ser desprezada. Harding, o candidato republicano, representante, como dizem os antagonistas, da oligarquia do Senado, põe em suspeição a referida corte internacional como derivada da Liga das Nações, à qual se opõe decididamente o elemento outrora chamado progressista do partido chefiado pelos senadores Borah, Johnson (da Califórnia) e outros, que no terreno das reformas domésticas se aproximam dos democratas, a ponto destes os andarem cortejando e de figurar na chapa presidencial democrata, como candidato à vice-presidência, um primo de Roosevelt, o apóstolo do progressismo com que o antigo Presidente cindiu há tempos o partido republicano que teve que se ressoldar para resistir à concorrência triunfadora dos democratas.

É extremamente difícil fazer prognósticos com relação ao desfecho de uma campanha na qual uns e outros *stão pondo o melhor dos seus esforços c que joga com uma porção grande de elementos e de fatores. Os democratas acusam por exemplo os republicanos de estarem cortejando os votos de descendentes de alemães; os democratas por seu lado são acusados pelos republicanos de quererem pôr o país a reboque das massas irlandesas, que pejam algumas das grandes cidades dos Estados mais importantes e que não constituem o seu elemento mais culto nem o mais adiantado. A questão da Irlanda, a questão da temperança que, resolvida muito embora por uma emenda constitucional sancionada pela resolução da Corte Suprema, quanto à sua validade ainda está sujeita a leis de interpretação sobre a proporção do álcool nas bebidas a serem legalmente consentidas, são fatores cuja ação há que ser contada. Por quanto se pode calcular, as probabilidades do momento estão mais com o candidato presidencial republicano, repetindo-se até o que ocorreu por ocasião da primeira eleição de MacKinley, em 1896 — que este não saiu durante toda a campanha de sua casa de Canton (Ohio), onde multidões o iam saudar e ouvir, ao passo que Bryan percorria o país em todos os sentidos de Norte a Sul, e de Leste a Oeste. Agora é Harding que permanece quase sempre na sua residência de Marion (Ohio) e Cox quem peregrina sem cessar, a solicitar os sufrágios dos seus concidadãos.

Washington, setembro de 1920

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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