Análise Histórico-Social do século XIX através da obra Helena de Machado de Assis

Análise
Histórico Social do século XIX através da obra Helena de Machado de Assis

Paula
Daltro

Eu jamais iria para a
fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu
iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse.

Friedrich Nietzsche

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

APRESENTAÇÃO

Capitulo I – História
e Literatura

Capitulo II – Brasil:
século XIX – sociedade, política e cultura.

Capitulo III Uma obra
machadiana e seu mestre

3.1 O
Mestre

3.2 A obra:
“Helena”

CONSIDERAÇÕES
FINAIS

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

ANEXOS

 

 

 

 



APRESENTAÇÃO

 

O
presente trabalho se propõe a apresentar noções acerca dos costumes da
sociedade brasileira elitista do século XIX através da obra Helena do
romancista Machado de Assis, escrita em 1876. A pesquisa se faz – além do
estudo da obra – baseada em pesquisadores da área que engloba as aproximações
entre história e literatura, e discute essa relação, pretendendo defender a
obra de Machado de Assis como fonte histórica.

O
estudo o qual apresentaremos se divide em três capítulos para uma melhor
abordagem e apreciação mais detalhada acerca dos itens necessários a um maior
entendimento do livro Helena enquanto fonte.

No
primeiro capitulo, faremos uma abordagem historiográfica mais concisa da
relação envolvendo história e literatura. Um novo caminho que envolve as novas
discussões relativas a história cultural.

No
segundo capítulo iremos nos deter num panorama da sociedade brasileira do
século XIX. Uma sociedade marcada pelo Império e seu universo de cultura,
sociedade e economia.

No
terceiro um leve levantamento sobre a vida pessoal e pública do escritor
Machado de Assis. Nele ainda se cumpre a intenção deste trabalho, de retirar
diretamente da obra Machadiana elementos que nos remetam à vida cotidiana,
pública e privada da sociedade do século XIX no Brasil.

 

 

CAPÍTULO
I

HISTÓRIA
E LITERATURA

 

Este
primeiro capítulo é dedicado a área do conhecimento que se dispõe a discutir a
linha que entrelaça a história e a literatura, e consegue ser ao mesmo tempo
uma linha paralela.

Mas
primeiramente vejamos o sentido de História. A palavra história vem do grego,
significa investigação, informação. Surgiu no século VI antes de Cristo, mais
especificamente na região mediterrânea, ou seja, Oriente Próximo, da costa
norte-africana e da Europa Ocidental (BORGES, 1980).

O
aparecimento da história vem como forma de explicação, primeiramente, porém,
unida à filosofia. E, ainda que a princípio, filosofia estivesse mais envolvida
nos temas: matemática, biologia, psicologia, entre outros, e, ainda que esses
mesmos, posteriormente se tornariam independentes, os gregos já associavam a
junção da história com a filosofia. Heródoto, o primeiro a falar sobre
investigação e pesquisa, considerado o pai da história, tem em sua obra mais
antiga, a seguinte consideração: “Eis aqui a exposição da investigação realizada
por Heródoto de Halicarnasso para impedir que as ações realizadas pelos homens
se apaguem com o tempo.” (BORGES, 1980, p. 18). Aí, fica clara sua preocupação
em desvendar o passado e ao mesmo tempo atenta-se ao que é real e ao que pode
ser imaginário, esforçando-se para manter a real descoberta para o mundo.



Poderia aqui ser
feita uma definição do que seria para as ciências modernas uma e outra, mas a
aproximação de ambas nos fornece fortes indícios do que é esperado neste
trabalho: demonstrar que a história não apenas pode, como sai vitoriosa quando
se utiliza das mais diversificadas fontes durante o processo de construção da
sua narrativa.

O
antagonismo básico, diriam sobre essa relação história/literatura, é que
enquanto uma se detém em narrar a realidade factual de espaços físicos e
temporais diversos, a outra vai além e se utiliza da imaginação do narrador –
escritor, ele supõe o que poderia ter sido, ele imagina e cria seu próprio
cenário. Mas mesmo com essa liberdade criativa, da qual o historiador se
abstém, o que percebemos é que as narrativas ficcionais muitas vezes se
apropriam do discurso histórico, e as que pretendemos ao longo deste trabalho
defender como fontes são aquelas em que determinada sociedade é retratada
dentro de seus reais costumes, onde um romance aparentemente inocente pode
estar carregado de signos que nos remetam às sutis representações da realidade
a ser conhecida. O conhecimento gerado a partir de então transcende o
cientificismo e os limites da história tradicional.

A
partir do século XIX , a mentalidade racional burguesa da Europa, advinda dos
longínquos séculos da Ilustração, com seu principal historiador Leopold Von
Ranke, dá à história um sentido científico, e acaba por afastá-la das artes.
Ela se torna positivista, cujo objetivo não é o de julgar, interpretar ou dar
sentido aos fatos, mas recontá-los como realmente aconteceram, através de
fontes específicas encontradas em documentos oficiais. Nesse sentido, só é
considerada ciência a disciplina que se utilizar das metodologias consideradas
científicas, que buscavam estabelecer leis universais para reger as disciplinas
sem possibilidades de erros, como se as ciência humanas e sociais fossem tais
quais as exatas. Essa racionalidade na produção historiográfica – que se estendeu
para as demais áreas das ciências sociais – acaba por excluir não apenas o
sujeito narrador de seu objeto, mas também afasta os grandes fatos de todo o
processo contínuo de formação das sociedades, onde detalhes de origens diversas
– culturais, econômicas, políticas, etc – auxiliam na elucidação dos
acontecimentos narrados, dando-lhes vida, para que se possa entendê-los em
qualquer perspectiva vislumbrada. Como já foi dito acima, para transcender as
narrativas cientificistas da história tradicional.

Em
1929, Lucien Febvre e Marc Bloch criam a revista “Annales d’historie”, pensando
e construindo de forma interdisciplinar o conhecimento (com auxílio de
psicólogos, sociólogos e geógrafos), e em 1968 esse modus operandi passa
a se denominar “Nova História” ( REIS, 2000). O que se tem a partir dos Annales
é uma grande abertura de temas, que vão muito além dos recorrentes grandes
feitos e grandes personagens, como a vida cotidiana, a mulher, a criança, a
morte, a família. A interdisciplinaridade se intensificou com frutíferos
diálogos entre várias áreas do conhecimento, com a literatura, a geografia, a
antropologia, a geografia, a economia, e tudo que fornecesse elementos para a
formação de uma narrativa histórica mais abrangente e completa, ultrapassando a
forma tradicional de representação dos fatos e fornecendo uma análise histórica
interpretativa capaz de recontar e recriar o cotidiano das sociedades , se
aproximando cada vez mais da vida privada.

O
afastamento do historiador de seu objeto também deixa de existir como no
paradigma positivista e tradicional, as experiências são indissociáveis ao
sujeito, assim como tudo o que permeou certa época jamais se excluirá à ela. (
REIS, 2000)

Podemos
perceber nos Annales uma era bastante conflituosa na História. Seu
esfacelamento (em relação à macro história, ao olhar marxista e tudo já
exposto) representa riscos e incertezas, mas também incrementa seu próprio
discurso, amplia sua disciplina e técnica, e reconstrói o papel do historiador.
Zeloí Aparecida Martins dos Santos em seu livro “História, Literatura e Memória
em Questão de Honra – 2009, chama essa nova
tendência de recriação imaginária do real, uma nova leitura crítica que envolve
os fatos conhecidos.

Até
a metade do século XX, a metodologia marxista e estruturalista predominava o
paradigma dos contextos explicados pelos cientistas sociais, mas a complexidade
nas explicações fez necessária a busca de novos métodos de se desenvolver a
pesquisa histórica.

O
que sucede é uma atenção maior dada à micro-história ( GINZBURG,1991) , o
resgate das memórias individuais, a história local, mas sem deixar a
macro-história de lado. Esta história dos indivíduos, dos grupos menores, de
regiões mais distantes, que outrora era esquecida e renegada, passa a
representar uma parte importante da história para muitos pesquisadores pelo
fato de que a grande sequência de fatos que juntos nos permitem vislumbrar a
história como a história do mundo, grandiosa, só é realmente grandiosa e
possível a partir da junção das pequenas coisas. A história de uma família não
é senão a de seus indivíduos, a de um país é a de seus estados, que são as de
suas cidades, de seus bairros, de seus anônimos habitantes.

Chegamos
então no ponto crucial de divergência entre as duas disciplinas aqui discutidas,
que não poderia ser outro senão o embate entre realidade e ficção.

As
relações entre história e literatura estão no centro do debate sobre a
disciplina histórica na atualidade. Constituindo-se em linha de pesquisa
destacada, o estudo desse intercâmbio remete, no entanto, a uma reflexão que já
acumula várias décadas e envolve diferentes áreas das humanidades preocupadas
com a linguagem. Pautado por uma ótica interdisciplinar e comparativista, tal
linha acompanha a propensão contemporânea de se interrogar as fronteiras de
conhecimento que a tradição institucional construiu.

Questionam-
se os limites entre arte, ciências e filosofia, ficção e verdade; gêneros
literários; narrativa histórica e narrativa literária. Todavia, se essa
tendência pode representar um caminho de renovação teórica, metodológica e
disciplinar, lançando indagações de enorme amplitude. (FERREIRA, 1995, p.54)

 

A
partir do século XIX, a tentativa de alguns historiadores de dar um status de
ciência à História levou ao pensamento de que a ficção seria exatamente o
oposto à verdade, excluindo qualquer possibilidade dela se tornar talvez parte
da reconstrução do passado, um instrumento a favor dos historiadores. Assim a
literatura aparece como o oposto da história e não pode ser admitida como fonte
para sua pesquisa.

Em
seu livro intitulado “Trópicos do Discurso – ensaios sobre a crítica da
cultura”, o historiador estadunidense Hayden White afirma que o problema da
interpretação na história é tratado juntamente com as tentativas de analisar a
obra dos “meta-historiadores” ( ou filósofos especulativos da história) como
Karl Marx, Hegel, Spengler e Toynbee. Ao contrário da história tradicional onde
uma reconstrução precisa do passado é o objetivo, através dos registros e
documentos que se tem, os meta-historiadores buscam fundir a interpretação com
a explicação, para que ao fim de um trabalho historiográfico o entendimento
não se detenha no “que aconteceu”, mas também no “porque aconteceu e como
aconteceu”. Para White, sem o pressuposto dos “porquês” e “comos” não se tem um
segmento satisfatório do processo histórico, mas apenas indícios e provas de
fatos que aconteceram. O importante e influente filósofo e teórico da
historiografia Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) vê na interpretação a alma da
historiografia. Para este pensador o real valor da história está “em inventar
variações ingênuas sobre um tema provavelmente corriqueiro, em elevar a melodia
popular a símbolo universal e em mostrar o mundo de profundidade, poder e
beleza que existe nela”. ( WHITE, 1994, p. 69)

Os
filósofos contemporâneos trabalham no sentido de desmistificar a história e
dar-lhe um status puramente científico, buscando separar a narrativa histórica
da interpretação, supondo que interpretação é opinião. Para eles, o que não é
estritamente científico não é digno de ser conhecido. Neste sentido, o
historiador deve manter uma visão positivista explicativa da história, apenas
expondo os fatos conhecidos em documentos e fontes formais, ou identificar leis
que sejam determinantes para a análise do processo histórico.

Para
Claude Lévi-Strauss, por exemplo, qualquer narrativa histórica consiste num
esquema fraudulento de pura interpretação, para ele:

os historiadores devem
decidir se querem explicar o passado (caso em que são obrigados a modos míticos
de representação) ou apenas acrescentar ao corpo de “fatos” que requerem tão
representação. E este dilema só pode ser evitado, afirma ele, se reconhecermos
que “a história é um método ao qual não corresponde um objeto específico”; é uma
disciplina sem um objeto particular que lhe seja atribuído com exclusividade.”
(WHITE, 1994, p.73)

O
crítico literário Northrop Frye afirma, assim como Lévi-Strauss que a
construção da representação histórica é interpretativa, mas para Frye o
historiador não deve impor padrão à seus dados e à sua narrativa, com exceção
aos fatos em que tenha condições de contemplar fielmente. Para Frye, tanto na
ficção como na história “enquanto lemos, estamos cônscios de uma seqüência de
identificações metafóricas; quando terminamos de ler, estamos cientes de um
padrão estrutural organizador ou de um mito conceitualizado”.(WHITE, 1994).

Todavia, o que percebemos, tanto do lado dos críticos da
história enquanto interpretativa, quanto dos que defendem essa interpretação é
que a busca a dar um status científico à disciplina História aquece o
debate historiográfico, mas não consegue fornecer essas tais leis tão esperadas
pelos positivistas. E com as obras dos meta-historiadores, conseguimos, através
de suas interpretações, deslumbrar aspectos fantásticos do processo histórico e
da vida privada e cotidiana que com a mera explicação de documentos somos
impossibilitados de perceber.

A obra Helena do escritor brasileiro Machado de Assis
será utilizada neste trabalho, para nos remeter à essa relação entre o relato
histórico e o ficcional e para justificar a aproximação e o distanciamento
entre essas narrativas, e principalmente, para demonstrarmos através da
interpretação de Helena as tradições familiares, cotidianas e privadas do
século XIX no Brasil. Por intermédio de uma obra machadiana, uma fonte
histórica se abre para desvendar uma sociedade de época; de usos, costumes,
vivencias que nortearam o viver de um povo.

 

 

 



CAPÍTULO
II

Brasil:
século XIX – sociedade, política e cultura.

 

Este segundo capítulo é dedicado inteiramente ao século
XIX no Brasil. Aqui serão discutidas as relações de clientela e patronagem que
regeram em elevado grau de importância a sociedade, a política e a cultura
deste século. Identificar a sociedade brasileira do século XIX é um trabalho
custoso, devido à grande heterogeneidade de grupos e personagens com a qual nos
deparamos. Mesmo entre os portugueses essa tarefa é difícil:

Não parece
fácil determinar a época em que os habitantes da América lusitana, dispersos
pela distância, pela dificuldade de comunicação, pela mútua ignorância, pela
diversidade, não raro, de interêsses locais, começam a sentir-se unidos por
vínculos mais fortes do que todos os contrastes ou indiferenças que os separa,
e a querer associas êsse sentimentos ao desejo de emancipação política. No
Brasil, as duas aspirações – a da independência e a da unidade – não nascem
juntas e, por longo tempo ainda, não caminham de mãos dadas. As sublevações e
as conjuras nativistas são invariàvelmente manifestações desconexas da
antipatia que, desde o século XVI, opõe muitas vêzes o português da Europa e do
Novo Mundo. E mesmo onde se aguça a antipatia, chegando a tomar colorido
sedicioso, com a influência dos princípios franceses ou do exemplo da América
inglesa, nada prova que tenda a superar os simples âmbitos regionais. (HOLANDA, 1962, p.9).



Assim, falar do Brasil no século XIX seria um assunto
quase que indefinível, o quadro que conseguimos avistar de longe representa uma
nação, um território com unidade, isso mesmo enquanto colônia. O que vemos em terras
brasileiras são diversas províncias diversificadas, nunca um país unificado. Em
seu livro dedicado à história do processo de emancipação do Brasil Monárquico,
Sérgio Buarque de Holanda cita, a título de demonstrar essa falta de unidade,
um trecho de discurso de regente Feijó, padre católico e estadista brasileiro,
um dos fundadores do Partido Liberal no Brasil, em 1822, diante do Congresso de
Lisboa: “”Não somos”, diz, “deputados do Brasil (…), porque cada província se
governa hoje independente””. (BUARQUE, 1962 p.16). Não havia nenhum sentimento
mais forte em relação à Coroa, nenhum respeito especial, o que havia era uma
sensação de que a ligação entre Brasil e Portugal era feita por um pacto revogável
(Pacto Colonial), e que o despotismo das Cortes ou foi o motivo, ou ao menos
justificou a impossibilidade de se permanecer com esse pacto.

Essa falta de identidade se refletia inclusive no ponto
mais forte da realeza lusitana, com variantes muito grandes de pensamento e
diversos momentos. Neste trecho percebemos um pouco a confusão que rondou as
idéias de colonos e de colonizadores:

Reflete-se a
transição na mudança de atitudes do próprio príncipe. Este, nos primeiros
momentos, parecera empolgado pelo plano de uma “federação”, no Brasil,
semelhante à que se instituíra com os Estados Unidos: é o que está expresso em
mais de um documento do punho de D. Leopoldina, particularmente na carta que
escreveu ao Imperador seu pai, Francisco I, em 23 de junho de 1822. Se assim
pensava D. Pedro às vésperas da Abdicação pensará exatamente ao contrário: na
sua famosa proclamação de Ouro Preto, de 22 de fevereiro de 1831 alertará os
mineiros contra os que “escrevem sem rebuço e concitam os povos à federação.
(HOLANDA, 1962, p. 18)

O distanciamento entre o Novo e o Velho Mundo, é talvez o
grande motivador da aproximação política e cultural entre o Brasil e alguns
países que se tornarão, em diferentes medidas, seus principais aliados, seus
principais transformadores no âmbito político e social, e seus principais
parceiros comerciais. Tamanho era o descrédito de Portugal, que nos anos de
1645 e 1647 em Pernambuco, doídos pelo abandono em que supunham ser deixados
el-rei D. João IV, os “patriotas” pernambucanos buscaram a proteção do soberano
francês.

O que perceberam mais tarde os homens letrados,
principalmente os que frequentaram as universidades européias, foi o grande
potencial da nova terra, “que o obscurantismo cobiçoso da mãe-pátria queria
para sempre jungida ao seu atraso e impotência” (HOLANDA, 1962, p.10). Tamanha
era a falta de apreço aos ibéricos, que os homens pensantes do novo mundo
poderiam igualar-se aos italianos, ingleses ou franceses, e cientes de que não
dependiam de seus compatriotas que habitavam no Velho Mundo não devotavam
respeito aos laços que os mantinham presos à Coroa e ao Reino. Como escreve
Robert Southey, poeta inglês, sobre essa relação entre Portugal e Brasil em
1800, “galho tão pesado não pode continuar unido, por muito tempo, a tronco tão
gasto”.(HOLANDA, 1962, p. 11).

No início do XIX, o mundo ocidental assistia uma série de
ataques oriundos da França, por parte do então imperador Napoleão Bonaparte (ou
Napoleão I na ocasião), que na ganância de conquistar o maior número possível
de territórios ameaça invadir e conquistar Portugal. No dia 29 de novembro de
1807 a família real portuguesa parte para o Novo Mundo, se protegendo assim de
um ataque direto à família real. Um imenso cortejo de funcionários, criados e
parasitas acompanham a realeza, e os naturais, mesmo das classes ínfimas, são
forçados a conviver com um número muito maior de estrangeiros, e passam a
julgar seus dominadores sobre outra ótica, agora muito mais próxima e real.

Nos
registros do porto do Rio de Janeiro, entre 1808 e 1822, segundo o historiador
Sérgio Buarque de Holanda, o primeiro lugar de imigração em números fica com os
espanhóis, que na realidade apenas transitavam em terras brasileiros rumo à
Buenos Aires ou à Montevidéu. O segundo, com os franceses, esses muito
desejosos, já antes mesmo de Napoleão Bonaparte, de ver o Brasil livre o julgo
dos lusitanos. Em terceiro lugar vem os ingleses, os mais interessados no
comércio.

A classe
média da colônia, formada pràticamente de pés-de-chumbo, principia agora a
enriquecer-se de elementos porventura mais ativos, ou passa a acolher ofícios
antes desconhecidos, numa espécie de cosmopolitismo de que, mesmo em épocas
mais tardias, não se conhecerão muitos exemplos. Assim é que vemos tanoeiro e
caixeiro dinamarqueses; lavrador escocês; marceneiro, caixeiro, copeiro suecos;
colchoeiro e padeiro norte-americanos; sapateiro irlandês; boticário italiano.
(HOLANDA, 1962, p.12).

Nesses novos anos o Brasil expandiu-se como se fora um
novo amanhecer, a aurora dos estrangeiros, que olhos azuis e sotaques travados
foram os responsáveis por um outro descobrimento do Brasil, o que contribuiu
também para uma aceleração no processo de emancipação.

As elite brasileiras que tomam o poder em 1822 eram
formadas por fazendeiros, comerciantes e membros de sua clientela que desejavam
um sistema escravista e tradicional de controle das importações e exportações
no país. Eram resistentes as idéias de abrir o país para a indústria, e a
abolição da escravatura desejada pelos ingleses. De acordo com a historiadora
Emília Viotti da Costa,

A
presença do herdeiro da Casa de Bragança no Brasil ofereceu-lhes a oportunidade
de alcançar a Independência sem recorrer à mobilização das massas. Organizaram
um sistema político fortemente centralizado que colocava os municípios na
dependência dos governos provinciais e as províncias na dependência do governo
central. Continuando a tradição colonial, subordinaram a Igreja ao Estado e
mantiveram o catolicismo como religião oficial, se bem que, numa concessão ao
pensamento ilustrado, tenham autorizado o culto privado de outras religiões.
Adotaram um sistema de eleições indiretas baseado no voto qualificado
(censitário), excluindo a maior parte da população do processo eleitoral.
Disputaram avidamente títulos de nobreza e monopolizaram posições na Câmara, no
Senado, no Conselho de Estado e nos Ministérios. A adoção do princípio da
vitaliciedade para o Senado e o Conselho de Estado assegurou continuidade às
elites políticas que se perpetuaram no poder graças ao sistema de clientela e
patronagem vindo a constituir uma verdadeira oligarquia. (VIOTTI, 1999, p. 10).

Apesar da falta de unidade brasileira, é
incontestável o fato de que uma escassa minoria se deteve no poder, e que por
mais variada que fosse a classe média – se é que pode-se chamar assim uma
classe tão vasta – o único grupo que podemos classificar como homogêneo é o da
classe mais alta de fazendeiros que tinha o objetivo comum de manter a economia
e a produção do país centralizadas neles mesmos. Nem ao menos da classe dos
escravos podemos dizer o mesmo, se tivermos em vista que os mais abastados e
intelectualmente favorecidos, que conseguiam alforria e por vezes até mesmo
profissões de algum conceito – como é o caso do escritor Machado de Assis,
descendente de escravos – passavam por uma espécie de processo de
branquiamento, muitos deles pensando e agindo como os artesãos e pequenos
comerciantes que se sublevaram no Rio de Janeiro em 1831, por serem contra a
excessiva centralização: reivindicavam a abolição gradual da escravatura, a
nacionalização do comércio, e chegaram a sugerir a expropriação dos latifúndios
improdutivos.

Os
grupos no poder consideravam o Ato Adicional (1834), que garantiu maior
autonomia aos governos provinciais, a última concessão aos anseios dos grupos
radicais. A partir de então, as elites se tornaram mais conservadoras e
trataram, na expressão de um de seus representantes, de “parar o carro
revolucionário”. Com esse intuito, o governo da regência criou a Guarda
Nacional, colocando à disposição das “classes proprietárias” uma força policial
que seria usada na manutenção do poder local. O Exército, por sua vez, foi
incumbido de reprimir os movimentos dissidentes em escala nacional. Dessa
forma, nos meados do século, a oligarquia consolidara seu poder. Uma nova
geração de políticos assumira o controle da nação, governando sob a tutela
protetora do jovem imperador cuja maioridade fora antecipada. Os dissidentes
dos primeiros tempos desapareceram da cena política, engolfados pelo processo
de modernização ou cooptados pelo sistema. (VIOTTI, 1999, p.12).

Na sociedade colonial, já no século XIX, a despeito do
Pacto Colonial, o movimento que acontece é o de uma certa indignação perante as
decisões da metrópole que iam contra o liberalismo e o iluminismo em voga na
Europa. As populações coloniais se apoiavam em ideologias revolucionárias que
se difundiram na Europa no século XVIII como Rousseau e Montesquieu, e o
impacto da Revolução Americana e da Revolução Francesa foram importantes no
pensamentos dessa sociedade.

Mas, apesar de influenciadas por pensadores ingleses e
franceses, após a independência, o capitalismo teve muitas dificuldades para
penetrar de fato no Brasil, devido à alguns fatores que conseguimos perceber
até hoje na “cultura brasileira”.

A
sobrevivência da estrutura de produção colonial no Brasil depois da
Independência: o trabalho escravo ou semi-servil, o latifúndio, a economia
baseada na exportação de produtos tropicais, bem como a instituição de um
sistema político paternalista baseado num sistema de clientela e na
marginalização de extensas camadas da sociedade foram responsáveis, no século
XIX, por um tipo de urbanização que não segue as formas do modelo clássico de
urbanização fundado na análise do processo urbano nas áreas centrais do sistema
capitalista. (VIOTTI, 1999, p. 232)

Emília Viotti da Costa defende em seu
trabalho “Da Monarquia a República” a tese de que o capitalismo não se
desenvolveu no Brasil graças às tendências agrárias que fogem ao modelo
clássico de urbanismo, e o único movimento maior que constatamos no século XIX
foi o crescimento urbano ao redor dos portos. Quando em 1808 a Corte portuguesa
aporta no Rio de Janeiro, a população brasileira é essencialmente rural, e a
única transformação que vemos no Brasil foi a desta cidade, palco do romance
que motiva a escrita deste capítulo. Os principais núcleos urbanos
posicionavam-se ao entorno da costa, perto dos portos que exportavam as
principais riquezas do país.

Alguns dados relativos ao fim do século
XVIII nos dão uma clareza maior sobre a urbanidade do período: 5,7% da
população do país (cerca de 2.850.000 habitantes) habitavam nas 5 maiores
cidades (Rio de Janeiro – 50.000; Salvador – 45.500; Recife – 30.000; São Luís
do Maranhão – 22.000 e São Paulo – 15.500). Os números do censo do IBGE de 2006
apontam 81% da população do Brasil como urbana[1]
, só para termos uma base da proporção ínfima da vida urbana no Brasil, voltada
quase que exclusivamente para os produtos, dentro do campo ou fora dele, tudo
isso fruto de um colonialismo que não acompanhou as tendências revolucionárias
e industriais de boa parte da Europa. A maior necessidade que a metrópole
tinha, a princípio, da colônia, era o fornecimento de matéria-prima, o que
explica essa grande concentração rural. Os grandes latifúndios formados a
partir da exportação de açúcar concentrados nas mãos de poucos agricultores, a
mão-de-obra escrava oriunda da África utilizada a partir do século XVI e o
baixo padrão de vida do trabalhador livre inibia o desenvolvimento do artesanato,
da manufatura, do comércio interno, enfim, das funções urbanas.

A
expansão colonial e o desenvolvimento do comércio internacional teriam, nos
séculos XVI e XVII, dois efeitos simultâneos e contraditórios: estimulariam em
certas regiões da Europa o desenvolvimento da produção artesanal e da
manufatura, criada com o objetivo de abastecer os mercados coloniais;
favoreceriam a diversificação profissional, a concentração urbana e o trabalho
livre, estimulando as formas de self government nos núcleos urbanos, enquanto
na área colonial a economia tenderia a assumir um aspecto essencialmente
agrário baseado no trabalho escravo, no latifúndio. (VIOTTI, 1999, p. 235).

Os fazendeiros estabeleceram moradias
nas áreas rurais, fazendo com que o latifúndio permanecesse intacto, e a
permanência do direito de primogenitura até 1835 firmou esta sociedade
patriarcal, onde todos devem obediência ao chefe que detém poder absoluto sobre
todos que dele dependem. Este tipo de organização patriarcal se estende por
todo o século XIX, fazendo-se presente mesmo nas sociedades urbanas. Os grandes
proprietários eram os detentores de toda forma de poder, tendo sob seu julgo
muitos pequenos proprietários e meeiros (arrendatários rurais) que recebiam
proteção dos grandes senhores em troca de serviços.

O conceito de clientela, advindo da
história romana onde clientela representava um grupo originário da plebe que
para sobreviver colocava-se a serviço de um patrício – ou patrono – e dele
recebia assistência jurídica e terras para cultivar, e em troca jurava
fidelidade e votava somente por indicação do patrono, na sociedade brasileira
do século XIX aparece com toda sua força, e não só no sentido de cultivo de
terras ou fidelidade política, mas em toda a gama de sorte de que o patriarca
tiver necessidade.

Dentro desse quadro agrário e
escravista, de população urbana mínima, de escassez de mão-de-obra livre, pouco
espaço havia na vida brasileira para a cultura. A única exceção a essa regra
era a catequização, que desde os primórdios do descobrimento fez suas
investidas para doutrinar a nação dentro dos preceitos do catolicismo romano.
Porém não era de interesse da igreja ensinar a nenhum homem simples a leitura
dos textos bíblicos ou qualquer outra forma de intelectualização, mas sim
manter a cultura como bem dos homens da igreja. Assim foi que os colégios
católicos monopolizaram a cultura, “fornecendo uma educação retórica e erudita,
ornamental, essencialmente definidora de status, elitista pela sua própria
natureza.” (VIOTTI, 1999, p. 238)

Este monopólio dos colégios católicos, a
propósito, em consonância ao esquema patriarcal em que se constituía a
sociedade, diminuíam muito a possibilidade de qualquer revide social, que salvo
a sorte de se libertarem destas terríveis amarras, viviam em um país completamente
elitista e excludente, com uma elite conservadora que vivia às regras de
etiqueta das melhores cortes européias, mas demorou a avançar o pensamento na
velocidade dos povos mais primitivos que conhecemos.

Mas esta elite, claro, era apenas uma pequena
parte dessa variada sociedade brasileira. Aqui em terras brasileiras, uma
monarquia conseguiu sobreviver por mais de sessenta anos rodeada de repúblicas.
Em terras brasileiras, realezas européias como os Bragança, os Bourbon e os
Habsburgo se enraizaram e se misturaram no convívio com negros, escravos,
índios e mestiços, passando por cima do calor tropical. As Cortes, dentro da
imensa população negra (cerca de 36%), e sobretudo escrava, representavam, na
visão da historiadora Lílian Schwarcz “ilhas com pretensões européias cercadas
por mares tropicais, e sobretudo africanos, por todos os lados”. (SCHWARCZ,
1998, p.15). Como já foi dito no início deste capítulo, o Brasil no XIX é tão
heterogêneo e sem identidade nacional, que talvez essa miscigenação toda, seja
ela cultural, racial, ou o que for, possa ser o principal elemento de
identificação brasileira: a mistura, as várias identidades vivendo em harmonia
(na medida do possível). O Brasil representa frente ao resto do mundo uma monarquia
rodeada de repúblicas, uma elite branca rodeada de negros, um casamento de
África com Europa, uma quase unidade composta por múltiplas facetas.

Esse item pode ser observado no aspecto
da própria realeza, D. Pedro II, considerado por muitos o pai dos brancos, era
também respeitado pelos reis africanos que aqui residiam, não podemos falar no
Brasil de grupos políticos radicais – salvo algumas minorias. Nesse sentido
caminhou também a religião:

Esses
reais dialogavam não só entre si mas também com os santos. Com efeito, no
Brasil religião e realeza estão ligadas de forma muito peculiar. Aqui não se
atribuem ao rei poderes mágicos ou transcendentais, como no clássico francês
dos reis taumaturgos estudados por Bloch, porém de toda maneira o ritual local
aprimora o “fraco” cerimonial dos Bragança. No Brasil, os imperadores passam a
ser ungidos e sagrados, numa tentativa de dar sacralidade a uma tradição cuja
inspiração era antiga mas a realização datada. Nesse movimento, ao mesmo tempo
que os monarcas ganham santidade, os santos, quando muito adorados, ganham
realeza no Brasil. (SCHWARCZ, 1998, P.19)

O que acontece é um novo modo de traduzir a
cultura européia e africana em um novo continente, e, ao mesmo tempo de fundir
as duas. E, apesar da distância clássica entre os senhores e os escravos,
conseguimos identificar elementos que travam um franco diálogo entre as duas
classes, numa peculiar e particular categoria de monarquia e religião.

 



CAPÍTULO
III

Uma
obra machadiana e seu mestre.

 

3.1.
O Mestre.

 

Nascido no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 , na
Quinta do Livramento ( no morro do Livramento). Filho de um operário mestiço de
negro com português. Da infância ao processo de adolescência, o que se sabe e
que perdeu a mãe e uma irmã. Joaquim Maria Machado de Assis ingressa no mundo
da escrita logo cedo, aos 16 anos, ao dia 12 de janeiro de 1855 com o poema
“Ela”, publicado na revista “Marmota Fluminense”. Podemos dizer que foi “ seu
primeiro trabalho impresso e com ele se iniciou sua colaboração no periódico de
Paula Brito, que se estendeu ate 1861” ( CAVALCANTE, 2003).

Em
muitas de suas obras conseguimos resgatar elementos literários que remetem à
uma análise da sociedade em que o autor vivia fatos que são sutil e
inteligentemente incorporados ao texto.

Capistrano
de Abreu, amante e crítico dos estudos históricos, em 1880 troca
correspondências com Machado a propósito de juntos escreverem uma História do
Brasil. Apesar de muito crítico dos historiadores tradicionais que
representavam a grande maioria da categoria no país, e também dos literatos que
tinham pretensões de historiadores, Capistrano escreveria para Machado quando
este iniciava a publicação de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”: Sei que há uma
intenção latente porém imanente a todos os devaneios, e não sei se conseguirei
descobri-la. (CHALHOUB, 1998,p. 37)

Neste
propósito de descobrir essa “intenção latente”, Sidney Chalhoub sugeriu que em
“Memórias Póstumas” Machado reescreveu a história da sociedade do Antigo Regime
no Brasil. Para Roberto Schwarz, uma leitura apurada desta obra faz com que o
romance se torne uma alegoria política, o que de fato é extremamente plausível,
principalmente se pensarmos no politizado Machado de Assis, que detém um
domínio absoluto da linguagem e muito conhecimento acerca da sociedade.
Linguagem tal que traduz e expressa todas as atividades da sociedade
paternalista do século XIX e suas políticas de dominação.

Mais dia,
menos dia, demito-me deste lugar. Um historiador de quinzena, que passa dias no
fundo de um gabinete escuro e solitário, que não vai às touradas, às câmaras, à
Rua do Ouvidor, um historiador assim é um puro contador de histórias.E repare o
leitor como a língua portuguesa é engenhosa. Um contador de história é
justamente o contrário do historiador, não sendo um historiador, afinal de
contas, mais do que um contador de histórias (…) (ASSIS, apud GRANJA, 1998,
p.68).

No
ano de 1860, Machado de Assis começa a escrever no Diário, jornal que
militava a favor das idéias liberais, onde o jovem com então 16 anos ganhou
espaço para desenvolver seu estilo, e de registrar os acontecimentos do
período.

Os debates
nas câmaras, as medidas do governo, os assuntos e boatos que haviam ocupado as
conversas na Rua do Ouvidor, até as novidades literárias e os espetáculos dos
teatros lírico e dramático, tudo isso, entre outros, eram os assuntos que
povoavam os textos que Machado publicava semanalmente no Diário. (GRANJA, 1998,
p.69)

Em Outubro de 1861, Machado assume a sessão de crônicas
da semana, comentando os acontecimentos gerais públicos e sociais. Esses
pequenos trechos de suas publicações periódicas nos revelam a tendência
crítica, e não apenas literária e desinteressada de Machado de Assis, que em
1872 é nomeado primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, carreira que seria sua principal fonte
de renda ao longo da vida. Em 1889 assume o cargo de diretor da Diretoria do
Comércio no Ministério. Simpatizante das idéias de Lúcio de Mendonça de criar a
Academia Brasileira de Letras, Machado é um de seus fundadores e dono da
cadeira de número 23, elegendo como seu patrono o escritor José de Alencar.

 

3.2
. A obra: “ Helena”
sua imaginaçles se prendem, e onde o autor, poeta ou romancista
des de conor

Em
1876, aos 37 anos, Machado de Assis redige o livro Helena. No romance, o
espírito paternalista e escravista que predominava a sociedade brasileiro do
século XIX é estampado através da tradicional família dos Vale. Composta pelo
patrono Conselheiro Vale, seu filho Estácio e sua irmã Úrsula, a herança que o
Conselheiro deixa quando falece, já no início do livro, é irônica ou
propositalmente um indício do que Machado pretende fazer nas entrelinhas: o pai
deixa para a família uma filha bastarda, Helena, e deixa não apenas que cuidem
do trato formal, mas também a afeição e seus sentimentos, os quais seu filho
Estácio aceita complacentemente.

A garota acaba por ganhar verdadeiramente a afeição de
seus parentes, sua tia no início fica receosa de se aproximar de Helena, como
seria de se esperar de uma dama da alta sociedade perante uma bastarda
aparentemente sem classe. Helena e seu irmão mantém um contato muito próximo,
acabam se apaixonando, até a história se desenrolar e ele descobrir que Helena
era apenas enteada, e não filha de seu pai, e que o verdadeiro genitor da moça
continua vivo, e é um simples e pobre homem, de nome Salvador. A paixão dos
irmãos acaba em tragédia, culmina na morte de Helena, a intrusa que alterou as
firmes estruturas da família Vale.

O contexto social de então: as políticas de dominação
vigentes extremamente paternalistas, que faziam do Brasil a extensão de seus
quintais, de suas vontades, levavam a sociedade e a política a convergirem
direto aos seus anseios. Machado de Assis dominava a língua, e todo o
vocabulário usado por essa política de domínio paternalista, conseguindo assim
expôr sutilmente disfarçado de romance toda ideologia das atividades da época
em questão.

Em Helena, o
cenário desenhado em torno da abertura do testamento do conselheiro do Vale é
descrição exemplar, se bem que levada às fronteiras do absurdo, de um ritual de
afirmação da vontade senhorial: o conselheiro é tão conhecedor de suas
prerrogativas – “a estrita justiça é a vontade de meu pai”, diria Estácio
[H278] – que resolve não só legar seus bens, mas também seus sentimentos em
relação a Helena. (CHALHOUB, 1998, p. 95).

A abertura do testamento do conselheiro do Vale é uma das
primeiras passagens do livro, e exatamente como revela a citação acima, a
herança que tão honrado personagem deixa a seu filho é não outra que seus mais
íntimos desejos.

Estácio, filho do rico conselheiro, representa os frutos
dessa sociedade, a vontade de tradição e de perpetuação das políticas
dominantes vigentes. Helena, sua herança, representa a mudança, o novo legado
que chega para “abalar a estruturas”, para balançar a firme, estruturada, e tradicional
família dos Vale. E Helena chega para dividir o amor também do melhor amigo do
irmão, de nome Mendonça, que é criticado por Estácio por ter caído em pobreza e
por ver sua bela irmã como mero interesse econômico.

A propósito do nome Estácio, que no dicionário significa
uma gíria para “palermo” ou “vítima de furto”, “tolo”, se caracteriza uma das
maiores habilidades de Machado: a linguagem. Tantos são os detalhes dentro da
obra, que os nomes das personagens nos indicam sua posição, sua personalidade e
afins. Estácio é ligeiramente ingênuo, pacato, facilmente enganado e bobo, como
na passagem em que Helena o pede que a ensine a cavalgar, e quando a garota vai
tomar aulas com o irmão se mostra uma exímia amazona. No começo da brincadeira,
da mentira contada ao irmão, Helena pergunta o nome da égua : Moema, que em
linguagem tupi significa mentira. Esse jogo de palavras é feito o tempo todo, e
ao pesquisador mais astuto revela muito sobre as intenções do autor.

Essa inocência de Estácio se devia à sua criação
feminina, à sua mãe, que graças ao marido áspero, cuja maior paixão na vida foi
as mulheres – e não necessariamente a sua – criou seu filho à sua semelhança.

Estácio
recebera efetivamente de sua mãe uma boa parte destas. Não sendo grande
talento, deveu à vontade e à paixão do saber a figura notável que fez entre
seus companheiros de estudos. Entregara-se à ciência com ardor e afinco.
Aborrecia a política; era indiferente ao ruído exterior. Educado à maneira
antiga e com severidade e recato, passou da adolescência à juventude sem
conhecer as corrupções de espírito nem as influências deletérias da ociosidade;
viveu a vida de família, na idade em que outros, seus companheiros, viviam a
das ruas e perdiam em coisas ínfimas a virgindade das primeiras sensações.
(…) Juntava às outras qualidades morais uma sensibilidade, não feminil e
doentia, mas sóbria e forte; áspero consigo, sabia ser terno e mavioso com os
outros. (ASSIS, 1997, p.13)

Uma análise deste trecho nos remete a vida privada das
classes mais altas, onde a criação dos filhos pequenos era responsabilidade da
mãe, mas por mais que eles convivessem a maior parte do tempo com ela, a
sociedade paternalista dominava mesmo dentro das famílias, e a vontade dos
pais, dos senhores, sempre era soberana, como fica explícito neste trecho em
que a tia Úrsula reclamava a adoção da menina na família:

D. Úrsula
ergueu os ombros como repelindo semelhante consangüinidade. Estácio insistiu em
trazê-la a mais benévolos sentimentos. Invocou, além da vontade, a retidão do
espírito de seu pai, que não havia dispor uma coisa contrária à boa fama da
família.

-Além disso,
essa menina nenhuma culpa tem de sua origem, e visto que meu pai a legitimou,
convém que não se ache aqui como enjeitada. Que aproveitaríamos com isso? Nada
mais do que perturbar a placidez da nossa vida interior. Vivamos na mesma
comunhão de afetos; e vejamos em Helena uma parte da alma de meu pai, que nos
fica para não desfalcar de todo o patrimônio comum. (ASSIS, 1997, p.15)

Sobre
a questão da escravatura, é particularmente romântica e imbuída mais de
sentimentos que de fatores práticos a fala de Machado de Assis logo no quarto
capítulo do livro, mas ainda assim crítica e loquaz, como segue neste
parágrafo:

(…)Dos
próprios escravos não obteve Helena desde logo a simpatia e boa vontade; esses
pautavam os sentimentos pelos de D. Úrsula. Servos de uma família, viam com
desafeto e ciúme a parenta nova, ali trazida por um ato de generosidade. Mas
também a esses venceu o tempo. Um só de tantos pareceu vê-la desde princípio
com olhos amigos; era um rapaz de dezesseis anos, chamado Vicente, cria da casa
e particularmente estimado do conselheiro. Talvez esta última circunstância o
ligou desde logo à família do seu senhor.
Despida de interesse, porque a
esperança da liberdade, se a podia haver, era precária e remota, a afeição de
Vicente não era menos viva e sincera; faltando-lhe os gozos próprios do afeto,
— a familiaridade e o contato, — condenado a viver da contemplação e da
memória, a não beijar sequer a mão que o abençoava, limitado e distanciado
pelos costumes, pelo respeito e pelos instintos, Vicente foi, não obstante, um
fiel servidor de Helena, seu advogado convicto nos julgamentos da senzala. (ASSIS,
1997, p.26)

O
que se percebe aí também é a referência ao espírito de Helena, a jovem que
representa de certa forma uma quebra de paradigmas, algo imparcial, acima dos
costumes e adaptável a qualquer classe de gente, totalmente atípica daquela
sociedade. Helena é a quebra das tradições, a resposta aos falsos moralismos e
aos severos costumes escravistas, elitistas, patriarcais e capitalistas do XIX.


No quinto capítulo do livro Helena, um trecho
chama muita atenção: durante um passeio à cavalo, Helena e Estácio encontram no
percurso um escravo de cerca de 40 anos, sentado no capim descascando uma
laranja e dividindo alguns pedaços com duas mulas que conduzia. Estácio, ao
vê-lo, faz um pequeno discurso para sua irmã sobre riqueza, o rapaz tem idéias
de que a fortuna compra até mesmo tempo aos homens, idéia completamente
elitistas, como vê-se na fala: “(…)A riqueza compra até o tempo, que é o mais
precioso e fugidio bem que nos coube. Vê aquele preto que ali está? Para fazer
o mesmo trajeto que nós, terá de gastar, a pé, mais uma hora ou quase.” (ASSIS,
1997, p.18)

Ao contrário desse olhar embriagado pelo espírito
capitalista que já se encontra semeado na sociedade de posse em pleno século
XIX, a jovem Helena, adaptável a qualquer casta e situação, segundo Machado de
Assis, defende a alegria do escravo em aproveitar a liberdade que tem durante
aquela demorada trajetória a pé por estar longe da senzala, e defende ainda que
o tempo deve ser aprazível, e não gasto com a maior quantidade de coisas no
menor prazo. Estácio se admira com a habilidade de raciocínio na jovem, e
afirma que ela deveria ter nascido homem. Claro, numa sociedade onde as
mulheres apenas serviam o lar, e onde nem o direito a livros mais conceituais
era-lhes permitidos, apenas um homem teria condições de pensar a respeito das
condições de vida e liberdade. Não é de se admirar o espanto do rapaz.

O espírito de Helena se revela então contestador e
humanístico, apesar de ter todo o estudo e a estrutura para se manter como uma
dama da alta sociedade, Helena tem a antipatia da tia Úrsula no que concerne as
suas idéias acerca da pobreza acima citadas, e também a do amigo da família Dr.
Camargo, médico de prestígio, que deseja inserir Estácio na vida pública como
deputado. O rapaz disse que iria consultar a irmã para decidir se aceitaria a
cadeira ou não, pois “há nela muita reflexão escondida, uma razão clara e
forte, em boa harmonia com as suas outras qualidades feminis”(ASSIS, 1997, p.24).
Neste ponto do livro, já fica clara a posição e a identidade de Helena: ela é
como a consciência dessa classe elitista, bastarda, que veio de fora para
tentar libertá-los das amarras sociais machistas, preconceituosas, e
materialistas. Com doçura e discretamente a moça expõe seus ideais, que na
grande maioria vai contra as duras tradições senhoriais.

Mas apesar disso tudo, Helena tem ciência de como
funciona a sociedade e qual seu papel, e apesar de expor alguns pensamentos
“atrevidos” em momentos mais íntimos, aconselha o irmão a aceitar o cargo para
agradar a tia e o Dr. Camargo, pai da futura esposa de Estácio, a senhorita
Eugênia – a quem Estácio se distância cada dia mais por conta de um amor
Helena, que cresce conforme o outro diminui.

Ao capítulo X, Estácio se indispõe com Helena por conta
de um passeio a cavalo que ela fez sem ele, com a companhia do pajem, e quando
os dois conversam sobre o assunto Helena assume ao irmão que ama alguém.
Pensando o rapaz no assunto, surge mais um trecho importante do livro onde é
possível desvelar os valores patriarcais já comentados ao longo deste trabalho,
de tão intrigante sociedade: “(…)Era forçoso esperar uma noite inteira,
demora que o afligia, porque, dizia ele consigo mesmo, cumpria-lhe velar pela
sorte de Helena, como irmão e chefe da família, indagar de seus sentimentos, e
ordenar o que fosse melhor.”(ASSIS, 1997, p.33)

Ao decorrer da narrativa, o principal motivo que leva
Helena a mais profunda tristeza, e Estácio ao noivado com Eugênia é a cobiça de
Dr. Camargo, pai da moça e amigo do conselheiro do Vale. Dr. Camargo sabe da
filiação verdadeira de Helena, e dos passeios que a moça faz toda manhã até a
casa de seu verdadeiro pai, e faz chantagem com ela para que leve o irmão a
casar com sua filha. Camargo representa a sordidez ambiciosa por dinheiro, e a
única personagem a perceber tal caráter e a sofrer com ele é justamente a única
que não se insere na ideologia de dominação política senhorial, “apesar do
perigo constante de invasão e rapina por seus algozes, e certamente por isso
mesmo, o desafio de Helena, Luís Garcia, Capitu e outros tantos era afirmar a
diferença no centro mesmo dos rituais da dominação senhorial.”(CHALHOUB, 1998, p.99)

Acontece, no capítulo de número XVII do livro, que
Mendonça, grande amigo de Estácio, se apaixona por Helena, e durante uma viagem
do rapaz recebe a afirmativa de casamento da jovem. Estácio, que já amava a
suposta irmã, volta às pressas, e neste diálogo pode-se perceber a ordem
“natural” das coisas: “ Helena, disse Estácio no dia seguinte, logo que pôde
falar a sós à irmã, – sabes por que vim mais depressa? Foi por tua causa. O
Mendonça escreveu-me dizendo haver alcançado de ti uma promessa de casamento.(ASSIS,
1997, p.134)

Pode-se perceber no trecho que segue, a obediência
feminina à figura do pai (no caso representado pelo irmão) e também à igreja,
visto que o padre Melchior, que reside dentro da propriedade dos Vale, é figura
constante nos diálogos mais íntimos da família, conselheiro respeitado, que
representa a grande influência da Igreja católica nos negócios não apenas
religiosos, mas também públicos e privados. Aqui, seguindo o diálogo citado
acima, fica bastante clara a posição privilegiada que a igreja detém:

Diz Helena:

-(…) Ou eu
não devo casar nunca, ou posso desposar um homem digno, que me ame. Não casar
foi um tempo o meu desejo; não o é hoje, desde que você, titia e o padre
Melchior ambicionam ver-me casada e feliz. (…) (ASSIS, 1997, p.135)

Após uma conversa com Estácio, que estava enciumado do
casamento da irmã e impondo condições, Mendonça desiste do matrimônio para não
ser visto pela sociedade como interessado no nome e riqueza de Helena.

Quando o padre Melchior descobre que Helena e Estácio se
amam, e vai conversar com o rapaz – ou abrir seus olhos – sobre tal
circunstância, profere o seguinte discurso:

– (…) A
planta ruim bracejou um ramo para o coração virgem e casto de Helena, e o mesmo
sentimento os ligou em seus fios invisíveis. Nem tu o vias, nem ela; mas eu vi,
eu fui o triste espectador dessa violenta e miserável situação. São irmãos e
amam-se. A poesia trágica pode fazer do assunto uma ação teatral; mas o que a
Moral e a Religião reprovam, não deve achar guarida na alma de um homem honesto
e cristão. (ASSIS, 1997, p.177)

No XXI capítulo do livro, Estácio vê Helena saindo da
casa do verdadeiro pai, que a garota visitava quase todo dia em passeios
matinais acompanhada de seu pajem. O trato do rapaz com Salvador, pai da moça,
é carregado de conotações, trás consigo todo preconceito incrustado no peito
das altas classes, nos mostra a grande diferença social/econômica brasileira no
século em questão, e mostra ainda não só a falta de preocupação, mas a própria
ojeriza dos mais abastados frente os pobres. Estácio chega na casa de Salvador,
e com as mãos machucadas pede ajuda afim de saber onde a garota havia entrado,
Salvador pede que o rapaz entre, e “Em qualquer outra ocasião, Estácio teria
recusado o convite, porque o espetáculo da pobreza lhe repugnava aos olhos
saturados de abastança. Agora, ardia por haver a chave do enigma.” (ASSIS, 1997
p.155)

Já dentro da casa, uma fala de Estácio denota não apenas
sua repugnância à pobreza, mas também sua indignação perante quem se deixa
abater por ela:

– Há de
perdoar-me, interrompeu Estácio com um ar de familiaridade indiscreta, que lhe
não era habitual; eu creio que um homem forte, moço e inteligente não tem o
direito de cair na penúria. (ASSIS, 1997, p.158)

Helena sabia de seu pai verdadeiro, mas o enredo a redime
de qualquer culpa. O Conselheiro também sabia não ser pai da garota, mas
enganado pela mãe dela sobre uma viuvez adotou a menina como filha. Helena na
adolescência descobre a mentira, mas a pedido de Salvador mantém tudo em
segredo. Quando Estácio descobre suas visitas ela confessa, mas por
arrependimento adoece e morre. A heroína, cujo papel era o de afirmar a
diferença existente nas sociedades, mesmo no seio da sociedade de dominação
senhorial perece, talvez numa alusão a Shakespeare, grande inspirador de
Machado de Assis, talvez por representar o porção mais fraca da sociedade,
talvez ainda pelas duas coisas.

 

 

 



CONSIDERAÇÕES
FINAIS

Conclui-se que no
romance Helena os personagens são focalizados dentro de uma visão de análise.
Os interesses sociais e econômicos são notáveis quando o pai de Eugênia quer
que sua filha se case com Estácio, que tem uma situação favorável em ambos os
sentidos.

As políticas de dominação
senhorial são explicitadas em todos os atos efetuados ou desejados por Estácio,
seja em seu trato com as mulheres, com o padre Melchior ou com o pai de Helena.
A educação e tradição elitista também fica clara ao decorrer do romance, nas
representações das relações sociais e nas ambições pessoais.

Machado de Assis,
apesar de receber muitas críticas acerca da ausência, em sua obra literária, de
críticas sociais sobre a história do Brasil, é um analista social e político do
século XIX, e através de sua obra é possível refletir sobre muitos aspectos
desta sociedade.

O que se conclui
também é que a História não é apenas uma, ela se compõe de várias, e necessita
das mais variadas interpretações, das mais diferentes linhas historiográficas e
discursivas, de análises críticas e idéias originais. O que faz da história uma
ciência sábia não é somente o rigor do método científico, mas a busca
incessante por caminhos que levem a uma reconstrução do passado em novas
perspectivas, não em apenas uma e nunca definitiva. E a literatura, ou algumas
literaturas, fornece à história uma representação social muito particular,
muito difícil de ser encontrada em outras fontes.



Helena e Estácio
estabelecem um clima de amor e morte, em que ela prefere, no lugar da inserção
social e da submissão, num final melodramático, a morte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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ANEXO

 

Primeiro
poema publicado por Machado de Assis aos 16 anos de idade.

Em
12 de janeiro de 1855.

ELA

Seus olhos que brilham tanto,

Que prendem tão doce encanto,

Que prendem um casto amor

Onde com rara beleza,

Se esmerou a natureza

Com meiguice e com primor

Suas faces purpurinas

De rubras cores divinas

De mago brilho e condão;

Meigas faces que harmonia

Inspira em doce poesia

Ao meu terno coração!

Sua boca meiga e breve,

Onde um sorriso de leve

Com doçura se desliza,

Ornando purpúrea cor,

Celestes lábios de amor

Que com neve se harmoniza.

Com sua boca mimosa

Solta voz harmoniosa

Que inspira ardente paixão,

Dos lábios de Querubim

Eu quisera ouvir um -sim-

P’ra alívio do coração!

Vem, ó anjo de candura,



Fazer
a dita, a ventura

De minh’alma, sem vigor;

Donzela, vem dar-lhe alento,

“Dá-lhe
um suspiro de amor!”


ASSIS, Machado de, 1839 – 1908

O Almada & outros poemas / Machado de Assis – São Paulo

Globo 1997 – pág 80 (Obras completas de Machado de Assis)

 

 

 

Publicado originalmente em Diário do Rio
de Janeiro
, Rio de Janeiro, 1867.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

À OPINIÃO PÚBLICA

5 DE MARÇO DE 1867.

 

 

Dizem
alguns que V. Excia. não existe; outros afirmam o contrário. Mas estes são em
maior número, e a força do número, que é a suprema razão moderna, resolve as
dúvidas que eu porventura possa ter. Creio que V. Excia. existe, em que pese aos
mofinos caluniadores de V. Excia. Se não existisse, como se falaria tanto em seu
nome, na tribuna, na imprensa, nos meetings, na praça do comércio, na
rua do Ouvidor? Das criações fabulosas não se fala com tanta insistência e generalidade,
salvo se houvesse uma conspiração para asseverar aquilo que não é, e isto
repugna-me acreditar. Também por muito tempo se duvidou da existência de Mr.
Hume, aquele célebre mágico que transformava os ovos em carvão, mas, se bem me
lembro, apareceu um dia o dito mágico, e daí em diante ninguém mais duvidou
dele. O mesmo há de acontecer com o judeu errante, de quem falam todos, e que
eu creio que existe, sem ser a cholera-morbos, e que há de aparecer mais
dia menos dia, tenho essa esperança.

É a
maioria da gente que tem razão, e quando falo em maioria suponho ter produzido um
desses argumentos invulneráveis, até mesmo no calcanhar, apesar de quanto possa
ter dito o visconde de Albuquerque.

Assentado
isto, receba V. Excia. esta carta que é a primeira da série com que eu pretendo
estrear na imprensa.

É costume
entre a gente trocar os bilhetes de visita a primeira vez que se encontra. Na
Europa, ao menos, é tão necessário trazer um maço de bilhetes, como trazer um
lenço. V. Excia. terá desejo de saber quem sou. Di-lo-ei em poucas palavras.

Se a
velhice quer dizer cabelos brancos, se a mocidade quer dizer ilusões fracas, não
sou moço nem velho. Realizo literalmente a expressão francesa: Un homme entre
deux âges
. Estou tão longe da infância como da decrepitude; não anseio pelo
futuro, mas também não choro pelo passado. Nisto sou exceção dos outros homens
que, de ordinário, diz um romancista, passam a primeira metade da vida a
desejar a segunda, e a segunda a ter saudades da primeira. Não sou alto nem
baixo; estou entre Thiers e Dumas, entre o finado marquês de Abrantes e o
visconde de Camaragibe. Cito os dois para dar cor local à comparação, e ficar
logo às boas com a crítica literária. Além disso, há um ponto de contato entre
o orador francês e o orador brasileiro; ambos obtiveram um apelido quase
idêntico pela semelhança da eloqüência parlamentar. Onde não há nenhum ponto de
contato é entre os outros dois: nem o Sr. Camaragibe faz romances, nem
Alexandre Dumas faz política, e creio que ambos se dão bem com esta abstenção.

Não sou
votante nem eleitor, o que me priva da visita de algumas pessoas de consideração
em certos dias, gozando, aliás, da estima deles no resto do ano, o que me é
sobremaneira agradável. Ao mesmo tempo poupo-me às lutas da igreja e às
corrupções da sacristia.

Não privo
com as musas, mas gosto delas. Leio por instruir-me; às vezes por consolar-me.
Creio nos livros e adoro-os. Ao domingo leio as Santas Escrituras; os outros
dias são divididos por meia dúzia de poetas e prosadores da minha predileção;
consagro a sexta-feira à Constituição do Brasil e o sábado aos manuscritos que
me dão para ler. Quer tudo isto dizer que à sexta-feira admiro os nossos
maiores, e ao sábado durmo a sono solto. No tempo das câmaras leio com freqüência
o padre Vieira e o padre Bernardes, dois grandes mestres.

Quanto às
minhas opiniões públicas, tenho duas, uma impossível, outra realizada. A
impossível é a republica de Platão. A realizada é o sistema representativo. É sobretudo
como brasileiro que me agrada esta última opinião, e eu peço aos deuses (também
creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano, porque esse dia
seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais
iluminou..

Não
freqüento o paço, mas gosto do imperador. Tem as duas qualidades essenciais ao
chefe de uma nação: é esclarecido e honesto. Ama o seu país e acha que ele
merece todos os sacrifícios.

Aqui estão
os principais traços da minha pessoa. Não direi a V. Excia. Se tomo sorvetes
nem se fumo charutos de Havana; são ridiculezas que não devem entrar no
espírito da opinião pública.

Agora que
me conhece, perguntará V. Excia. por que motivo esta primeira carta é dirigida
à sua pessoa, e que lhe quero dizer com esta dedicatória. Nada mais simples.
Entrando numa sala, cumprimenta-se logo a dona de casa; entrando na imprensa,
dirijo-me a V. Excia. que é a dona dela, segundo dizem as gazetas, e eu creio
no que as gazetas dizem.

Consinta
V. Excia. que eu não lhe faça corte. De todas as pessoas deste mundo é V.
Excia. a mais cortejada desde que um italiano escreveu estas celebres palavras:

— de l’opinione,
regina del mondo
, talvez para contrabalançar o título que as ladainhas da
Igreja dão à Virgem Maria, regina angelorum. Não será V. Excia. igual à
Virgem Maria, mas creio poder compará-la a Santa Bárbara, e realmente é uma
Santa Bárbara, que a maior parte da gente invoca na hora do temporal e esquece
na hora da bonança. Eu serei o mesmo em todas as fases do tempo, e se vier a
cortejá-la algum dia, será em silêncio, silentium loquens, como dizia S.
Jerônimo, outro advogado contra as borrascas.

Terá V.
Excia. a indiscrição de pedir-me um programa? Acho que este uso parlamentar não
pode ter aceitação nos domínios da musa epistolar, que é toda incerta,
caprichosa, fugitiva. Demais, sei eu acaso o que há de acontecer amanhã? Posso
criar uma norma aos acontecimentos? Deixe que os dias passem, e o sucessor com
ele, os sucessos imprevistos, as coisas inesperadas, e a respeito de todos
direi francamente a minha opinião.

Ou, se
quiser absolutamente um programa, dir-lhe-ei que prometo escrever com pena e
tinta todas as minhas cartas, imitando deste modo o programa daquele ministério
que consistia em executar as leis e economizar os dinheiros públicos. Profunda
política que toda a gente compreendeu de um lance. Perdoe-me V. Excia., creio
que V. Excia. apoiou esse ministério; ao menos assim dizem os amigos dele; e
creio que também lhe fez oposição; ao menos, diziam-no os parlamentares
oposicionistas. Coisas de V. Excia.

É nisto
que ninguém pode vencê-la. O dom de ubiqüidade é V. Excia. quem o tem de uma
maneira prodigiosa. Agora, por exemplo, não anda V. Excia. de um lado trajando
sedas e agitando guizos, alegre e descuidada, pulando uma valsa de Strauss,
dando a mão à tísica dos pulmões e à tísica das algibeiras, e de outro lado
envergando uma casaca preta, e distribuindo pelos candidatos políticos a palma
eleitoral? Ajuizada e louca, grave e risonha, entre uma urna e um cálice de champanhe,
na esquerda o tirso da bacante, na direita o estilo do escritor, olhar de
Cícero, calva de Anacreonte, eis aí V. Excia., a quem todos adoram, os velhos e
os mancebos, os boêmios e os candidatos.

A verdade
é que V. Excia. tem às vezes caprichos singulares; gosta da cor vermelha, e a
pretexto de eleição, inspira não sei que maus ímpetos ao leão popular, que a
tudo investe e tudo desfaz. Nessas ocasiões V. Excia. não tem cetro, como
rainha que é, tem um cacete, que é um teorema infalível. Mas nem assim perde o
caráter de opinião: é esse o parecer dos seus escolhidos.

Enfim, são
ímpetos. O pior é quando, em vez de ímpetos, apenas se emprega o meio da
corrupção das urnas, da sedução do votante, da intervenção do fósforo, —
pasmoso invento que eu coloco entre a obra de Fulton e a obra de Gusmão, vulgo
Montgolfier. Isso é que é pior. Francamente, eu creio que V. Excia. desconhece
todos esses meios, e os condena, e se acaso os sofre é por honra da firma. Em
todo caso, por que não protesta V. Excia.? É deste silêncio que algumas pessoas
tiram a conclusão de que V. Excia. não existe.

É amanhã
que V. Excia. tem de escolher definitivamente os deputados; começam duas
quaresmas, uma religiosa, outra política. Amanhã os católicos e os candidatos
vão receber a cinza, e todos recebem a cinza, — ainda os que não forem eleitos,
— uns na testa, outros nos olhos. Alegrias e decepções, dores e flores, todas
as exaltações, todos os abatimentos, todos os contrastes. Eu creio que há em
todo o império uma soma de políticos capaz de formar cinco ou seis câmaras. É
que não há outra classe mais numerosa no Brasil. Divide-se essa classe em
diversas secções: políticos por vocação, políticos por interesse, políticos por
desfastio, políticos por não terem nada que fazer. Imagino daqui o imenso trabalho
que há de ter V. Excia. em escolher os bons e úteis dentre tantos. E esse é o
meu desejo, essa é a necessidade do país. Mande-nos V. Excia. uma câmara inteligente,
generosa, honesta, sinceramente dedicada aos interesses públicos, uma câmara
que ponha de parte as subtilezas e os sofismas, e entre de frente nas magnas
questões do dia, que são as grandes necessidades do futuro, de que depende a
grandeza, ia quase dizer a existência do corpo social.

Mas eu que
falo assim obscuro e rude, quem sou eu para dar conselhos à opinião, regina
del mondo
? Perdoe-me V. Excia. É natural nos homens, e eu sou homem, homo
sum
. Ao menos veja nisto a minha boa vontade e o grande amor que lhe tenho.

Creio que
esta carta vai longa; tenho-lhe roubado demasiado tempo. Vou pôr aqui o ponto
final, e recolher-me ao silêncio, a fim de pensar nos diversos assuntos

com que me hei de
ocupar, se Deus me der vida e saúde. Devia ir vê-la hoje divertindo-se e
pulando, mas não posso. Consagro o dia de hoje a S. Francisco de Salles,
apropriado à estação de penitência que começa amanhã. Preparo assim o meu
espírito à meditação. Além de que, o bom do Santo é um dos melhores amigos que
a gente pode ter: não fala mal nem dá conselhos inúteis. Se V. Excia. cuida que
é um homem de carne e osso, engana-se; é um maço de folhas de papel metidos
numa capa de couro; mas dentro do couro e do papel fulge e palpita uma bela
alma.

 

Disponível em: http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/cronica/macr05.pdf

 

 


[1] IBGE. Disponível em (http://www.portalbrasil.net/brasil_populacao.htm),
acessado em 19/09/2009

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