ANTÔNIO DINIS DA CRUZ E SILVA

ANTÔNIO DINIS DA CRUZ E SILVA, entre os Árcades Elpino Nonacriense (Lisboa, 1731-1799) seguiu a carreira da magistratura até o cargo de chanceler da Relação do Rio de Janeiro. Entre suas numerosas poesias citam-se as odes, que pecam pela uniformidade e pelo inflado
estilo. Trabalhou também no gênero dramático; mas, de tudo quanto escreveu, melhor tem resistido ao tempo o poema herói-cômico Hissope,
qualificado por Garrett como o mais perfeito que desse gênero ainda se
compôs em língua nenhuma. Observe-se, contudo, que em certos passos o Hissope descai na sordidez nem mui dificilmente se lhe notarão galicismos.

Fala de Yan Schkopp aos seus Soldados

Valorosos soldados,
No regaço criados da vitória,
Se da Holanda murchar querem a glória

Hoje os funestos fados,

Ceda-se à sua fúria; (725)
Não dobremos no estrago a nossa injúria,
Que é desesperação, não ardimento,
O querer contrastar o firmamento.

Deixemos esta terra,
Com nosso sangue ilustre, à forte gente,
Que traz no grão Vieira, à sua frente,

Uma fúria de guerra.

De seu gênio animado,
Que não empreenderá o Luso ousado?
Ele, primeiro, arando os largos mares,
Em África plantou os pátrios lares.

Êle, de Adamastor em menoscabo,

Que a seus passos raivoso

Se opôs, dobrou o cabo,
De procelas cruéis campo espantoso;
Êle, apesar dos ventos importunos,
A grande estrada abriu dos dois Netunos,

Êle da Ibéria o jugo
Sacudiu, e é da Holanda hoje o verdugo.

(Odes Pindáricas)

Em defesa da Língua Portuguesa

Desta audácia, Senhor, deste descôco
Que entre nós, sem limite, vai lavrando,
Quem mais sente as terríveis conseqüências
É a nossa português, casta linguagem, (726)
Que em tantas traduções anda envasada
(Traduções que merecem ser queimadas!)
Em mil termos e frases galicanas!
Ah! se, as marmóreas campas levantando,
Saíssem dos sepulcros, onde jazem
Suas honradas cinzas, os antigos
Lusitanos varões, que, com a pena

Ou com a espada e lança, a Pátria ornaram;
Os novos idiotismos escutando,
A mesclada dição, bastardos termos
Com que enfeitar intentam seus escritos
Estes novos, ridículos autores;

 

(Como se a bela e fértil língua nossa,
Primogênita filha da Latina,
Precisasse de estranhos atavios)
Súbito, certamente pensariam
Que nos sertões estavam de Caconda,
Quilimane, Sofala ou Moçambique;
Até que, já, por fim, desenganados

Que eram em Portugal, que os Portugueses
Eram também os que costumes, língua,
Por tão estranhos modos afrontaram,
Segunda vez, de pejo, morreriam.

(O Hissope, canto V, vv. 130-156)

(725) se — pronome supletorio do sujeito. Não há aí voz passiva, pois o verbo está intransitivado.
(726) A nossa português, casta linguagem — no velho idioma os nomes em or, ol e ês eram invariáveis em gênero: uma pastor, mulher espanhol, língua português. Aqui, porém, Antônio Dinis, somente por arbítrio ou pela métrica, fêz uso da velha forma, pois desde o séc. XVI já variavam de gênero tais vocábulos.


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

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