Japão: Desenvolvimento Socioeconômico, História e Geopolítica no início do século XX

Oliveira Lima

NO JAPÃO*

DIREÇÃO E INSPIRAÇÃO NACIONALISTA

Destarte, quando chegou o momento em que o Japão teve, per fas aut nefas, de entreabrir seus portos à influência ocidental, a revolução nos espíritos, precursora da revolução pelas armas, estava parcialmente realizada, ainda que numa direção nacionalista, a qual veremos que não foi afinal sacrificada na febre da adaptação, antes veio a vingar sob a pesada invasão das ideias estrangeiras. O terreno achava-se predisposto para outras culturas que não a exclusiva e extensiva que lhe destinara o despotismo dos Xoguns. Foram aquelas culturas mais variadas e intensivas do que o poderiam calcular os mais peritos e esperançosos agrônomos sociais. A arrogância particularista dos dáimios, com desinteresse, magnanimidade e patriotismo aprendidos na dura escola da honra e do dever, cedeu a primazia ao regenerado poder teocrático-militar do Micado, mas este por seu turno se ofuscou voluntariamente diante da organização parlamentar, que no Ocidente somente vingou sobre escombros de nações. O campo havia sido preparado para produzir uma fanga de milho e veio a recolher-se um carroção de trigo sem muito joio. Os efeitos excederam a potência da causa, no que pese à física; a conclusão estalou as premissas, no que custe à lógica.

Onde previamente costumavam de ordinário só trabalhar a memória e reinar o empirismo, entraram a exercer-se o raciocínio e a imperar a análise científica. De limitada e comum tornou-se a ciência pasto da pesquisa individual, para daí subir de novo às mais sólidas generalizações. A compreensão dos problemas sociais e políticos dos outros povos passou a ser. de um livro selado, uma Vulgata cujos dizeres a princípio se recebiam sem debate, nascendo dela uma surpreendente adaptação material, espiritual e moral, consumada em trinta anos, e que é a assimilação mais rápida e paralelamente mais completa de civilização, portanto o maior milagre da inteligência humana que a História registra.

Vejamos como se explica esse milagre, cuja moral se nos depara exarada de antemão num popular apólogo japonês ou haibun do século XVIII, o qual celebra a liberdade do saco de lona, que toma sem hesitar a forma do seu conteúdo c tanto pode crescer mais do que um homem como caber, escondido, no peito deste, comparando tal elasticidade com a obstinação do vaso de barro, que luta por ajeitar qualquer coisa à sua capacidade invariável. Muito melhor, finaliza o apólogo, é sujeitar o coração às variadas influências da natureza sempre em mutação, como a lua e as flores, do que pretender, numa concentração egoísta, obrigar tudo a passar pela fieira de uma concepção estreita. O Japão seguiu o apólogo de Yokoi Yayu, e ainda bem que o pôde seguir.

* Excertos tirados do livro No Japão publicado por Laemmert & C, Rio (Impressões da Terra e da Gente), de Janeiro-São Paulo-Recife, 1903.

 

Após duzentos e cinqüenta anos de rigorosa solidão, em que o intercurso, o único permitido, com os holandeses de Deshima (Nagasaki) era pautado por um meticuloso cerimonial e rodeado de mil dificuldades, ainda assim dando ensejo a alguns médicos japoneses de estudarem o holandês e desta forma penetrarem um pouco nos arcanos da ciência européia; em que uma incorruptível burocracia militar proibia até os juncos do tamanho adequado à navegação no alto-mar, para não poderem os habitantes afastar-se das costas, e fiscalizava os atos e quase os pensamentos do resto da população por meio do mais sutil e disseminado sistema de espionagem; em que a instrução era vasada nos moldes chineses, aferrada aos seus clássicos emperrados, o Meiji só foi porém possível porque várias circunstâncias de caráter permanente o favoreciam e impediram o embrutecimento nacional.

Em primeiro lugar a indiferença quase agnóstica dos japoneses cultos implicava a ausência de preconceitos inabaláveis contra a infiltração de idéias estrangeiras, e que fossem baseados na religião, como os que vingam no mundo muçulmano. Esta indiferença, que se traduz tanto ou ainda mais do que pelo ateísmo, aliás recôndito no Budismo e no Confucianismo, pela facilidade de adaptação a qualquer religião sugestiva que não vá de encontro, antes se coadune com a natural suavidade da sua índole, explica muito o veloz e pas-moso progresso do Catolicismo nos séculos XVI e XVII, fazendo em cinqüenta anos, como disse, um milhão -de prosélitos. Se hoje, com tamanha liberdade de expressão, as conversões são pelo contrário diminutas, e Catolicismo e Protestantismo vegetam mais do que prosperam no Japão, é porque não só os tempos mudaram e com eles tanto o zelo desinteressado dos missionários quanto a benévola predisposição dos pagãos, como a cobiça e brutalidade européias, amplamente manifestadas e conhecidas, prejudicaram naturalmente no extremo a atividade evangelizadora.

À parte a descendência divina do Micado e a ligação desta crença com a inquebrantável fidelidade dinástica, a religião foi sempre para o japonês uma questão mais de ordem privada do que política. Todo o cerimonial e todas as práticas exteriores tais como os jejuns, a mortificação da carne e os ex-votos, que materializaram a levantada concepção de aperfeiçoamento individual do Budismo, mais confinaram esta religião à sua esfera de devoção, da qual não puderam arrancá-la os esforços dos xoguns da dinastia Tokugawa a fim de opô-la, como religião do Estado, intolerante e dogmática, ao Xintoís-mo, base da autoridade do Micado.*

* Baron A. de Siebold. L’Accession du Japon an Droit des Gens Européen, Paris, 1901.

Depois, todo o japonês, o mais pobre dentre eles, sabia ler e escrever, o que quer dizer que, mau grado a ignorância e as superstições inseparáveis do povo e próprias de um povo privado do contato com outros, o seu espírito estava de antemão aberto ao ensino e à convicção inteligente de que alheias civilizações, por mais odiosas que se façam, ont du bon.

Em terceiro lugar a capacidade de trabalho do japonês, não obstante a sua aparência indolente ou antes pachorrenta, é simplesmente prodigiosa, e, tendo em conta a densidade da população, o esforço de cada um, por mais desajudado que estivesse dos petrechos fornecidos pela invenção humana para minorar a intensidade individual daquele esforço, obraria, somando com os demais, verdadeiras maravilhas. É o caso dos formigueiros, cm que cada animalzinho, arrastando com fadiga o seu grão, contribui para o abastecimento de celeiros subterrâneos, que com razão se nos representam como um empreendimento colossal de coletivismo. O trabalhador japonês, com seus modos geralmente brandos e descansados, é discreto e industrioso como a formiga — de uma indústria morosa e todavia ativa, que é diferente do vagar industrioso, mas apático do Chinês. O japonês é nervoso, embora calmo, ao passo que o chinês é linfático, embora buliçoso. Diz-se que um japonês produz menos trabalho do que um europeu, e talvez seja verdade, mas a desproporção parece-me antes provir da falta da coadjuvação dos maquinismos modernos eda diversidade dos modos do trabalhador, que fazem reputar indolência o que apenas é suavidade. Os mesmos populares que neste momento vemos numa chaya, rindo e conversando jovialmente — mais rindo do que conversando —; fumando despreocupados os seus longos cachimbinhos de madeira e metal, coroados de uma pitada de tabaco louro que dois tragos consomem, e saboreando aos goles taçazinhas fumegantes do chá mais inofensivo do mundo pela fraqueza da infusão, ou contemplando num embevecimento sentimental a pompa quase real de uma cerejeira em flor — vê-lo-emos cinco minutos depois chafurdando quase nus na lama, negra de estrume, do arrozal, ou pelos atalhos ínvios das montanhas, transportando, sozinhos e em fila, fardos pesados dependurados das duas extremidades da grossa vara de bambu, ou, aos pares, carregando viajantes reclinados, de pernas cruzadas, no kango ou palanquim nacional.

O homem é no Japão a besta de carga por excelência, e nenhuma o iguala em resistência. Pelas estradas fora são menos freqüentes as carroças, como as que se vêem por toda a Ásia do Sul, puxadas pelos duros boizinhos singaleses ou javaneses, de bossa no pescoço e enormes pontas; e menos comuns os cavalos, como os que na China se encontram ajoujados de cestas. O lugar desses animais de trabalho é pela maior parte preenchido por enfiadas de japoneses, pequenos de estatura, curtos de pernas, mas todos músculos e tendões, que passam velozes, correndo, nos pés amarrados os waraji ou sandálias de corda e uma simples cinta de algodão branco presa nos rins, ou, quando o frio aperta, nas pernas enrolados os momohiki ou perneiras de pano escuro c no busto pendente o haragake ou bibe de azulão; levando às costas ou em carros puxados a pulso, c ao som de eternas e monótonas cantigas, todas as mercadorias imagináveis, desde o arroz enfardado em palha e as frutas mais formosas que saborosas de Yezo até os rolos de seda e os móveis incrustados de Yumoto.

Em quarto lugar devem mencionar-se a prontidão na assimilação e a perícia na imitação que, na falta de originalidade da concepção e de sublimidade do ideal, distinguem o artífice como o literato ou o sábio japonês, e não impedem que o produto da imaginação estrangeira receba na transplantação e perfilhação uma marca particular e inconfundível. Foram semelhantes predicados que, sem falar na recente e definitiva comprovação, amplamente se revelaram nos primeiros tempos da cultura japonesa pela introdução e imediato aperfeiçoamento da cerâmica, do fabrico da seda, da arte de bordar, uma palavra em todas as artes, importadas da China pela Coréia; e ainda no século’ XVII, quando o mundo europeu se pôs em pleno contacto com o asiático, pela rápida propagação das armas de fogo, manufaturadas sur place aos milhares segundo um modelo de mosquete trazido por um aventureiro português, companheiro de Fernão Mendes Pinto. Ainda hoje se usa para exprimir uma espingarda do termo tanegashima, nome da ilha onde desembarcara o dono da arma e donde se divulgou o seu uso.

As idéias e invenções de fora são absorvidas sem que se perca o cunho nacional, como parece ser o receio do patriotismo chinês, ao assustar-se com as inovações. A poesia clássica japonesa, manifestação toda particular, floresceu sobretudo no período de importação da civilização continental búdica, e as damas da corte imperial, cuja tradição de gosto poético até hoje se manteve, foram as intérpretes desse conservafitismo literário que se coadunava perfeitamente com a animação dispensada a todas as indústrias de luxo originadas da convivência coreana. O sentimento jacente sob essa aclimatação era então na essência o mesmo que atualmente predomina. O Japão introduziu estradas de ferro, telégrafos, telefones, todo o material civilizador moderno, mas, na sua vontade deliberada de conservar os estrangeiros a respeitosa distância, quer tudo isso japonês, na propriedade quando não possa ser no aspecto, e com afã e rara e característica confiança nos próprios recursos, procura na expansão da sua indústria, cm vez de buscá-los no uso e abuso do crédito público, os capitais, que somente lhe faltam para serem os seus filhos absolutamente independentes.

Faltava-nos justamente registrar como condição e explicação do êxito do Meiji — last buí not the least — o patriotismo japonês. Virtude porventura egoísta e bárbara quando encarada à luz do socialismo humanitário, é ela por certo inspiradora de belos feitos c conselheira de grandes ações. O patriotismo, cuja veemência particularmente distingue esta nação insular porque melhor pôde alimentá-lo no seu voluntário recolhimento, constituía dantes no Japão mais uma aspiração à unidade política, como a que na Europa lavrara n;i

Alemanha antes de dissolvido o Santo Império em 1806, do que um sentimento definido, compacto e agressivo. Não seria lícito esperar qualquer afirmação consciente de uma nacionalidade feita de retalhos, nominalmente sujeitos a um só suserano, de fato dependentes dos seus príncipes respectivos. A paz otaviana ditada pelos Tokugawa aproximou porém da realidade, ao ponto de quase tocá-la, aquela aspiração à unidade territorial, isto é, política, que traria como legítima, embora inesperada conseqüência, a abolição das castas e a unidade social, e que anteriormente se submergia, fragmentando-se cada vez mais, no rancor dos conflitos entre os senhores de províncias praticamente soberanos e servidos por bandos destemidos dos, quando o eram, mais leais subordinados que ilustram os fatos do feudalismo.

A CRISE AGUDA DA EUROPEIZAÇÃO

O país todo usa, no moral, geta e chapéu de coco. A crise aguda da europeização, no decorrer da qual pareciam querer fazer do Japão antigo uma tabula rasa, está terminada, para bem dos amadores da diversidade. O Japão amoldou-se à civilização ocidental, importando o que nela achou de melhor ou de mais conveniente, e combinando-o com os seus usos tradicionais e costumes caseiros. O produto pode não estar ainda amalgamado nem fundido, e oferecer as disparidades c mesmo os grotescos de um contraste imprevisto. O tempo corrigirá no entanto essa, como tem corrigido outras desigualdades históricas, e os japoneses não virão afinal a parecer mais esdrúxulos do que os germanos ou os gauleses quando se apropriaram da cultura romana sem cortarem as suas cabeleiras ou sacudirem os seus borzeguins felpudos.

É possível que a fusão nunca venha a ser tão perfeita que deixe de trair a dualidade da proveniência. Pode ser que as duas civilizações se hajam afinal aproximado, unido e frutificado, mas que os seus frutos comuns conservem estampadas as diversidades da origem. Aconteceria com tais resultados sociais o mesmo que com os mestiços de europeus e japoneses, os quais herdam dos dois lados traços que se ajuntam sem se ajustarem, que coexistem sem se harmonizarem, ofendendo o ideal estético tanto de um como do outro dos fatores do produto.

Semelhante repulsão constitui uma defesa da tradição contra o excessivo amor da novidade. Presentemente com efeito o que se nota no Japão é antes uma crise de carinho pelo estupendo passado heróico, o passado dos Micados, imperantes, depostos ou abdicados, envoltos sempre em idêntico mistério num fundo de sedas e charões, no seu palácio abarracado de Kioto ou no romântico recesso de um mosteiro budista, oculto entre árvores gigantescas; dos xoguns dominando o arquipélago do alto da torre da sua cidadela de Yeddo, rodeada de pinheiros esgalhados, de fossos cheios d’água onde se banhavam milheiros de patos bravos e de garças reais, e de pontes levadiças sobre que se abriam portões de grossas madeiras chapeadas de ferro; dos dáimios e samurais empapando os campos de arroz com o sangue das suas rixas fratricidas e amedrontando as povoações com a passagem das suas comitivas luxuosas, as quais a feroz e onipotente pragmática japonesa mandava desenrolarem-se num silêncio de morte, cerradas as habitações marginais da estrada e sopitado todo sinal de vida, até o fumo das lareiras, a fim de não empestar o ar, que só os vulcões tinham licença para escurecer. Semelhante reação alguma coisa oferece forçosamente de comum, mas não deve confundir-se com o espírito agressivamente nativista que não desapareceu com a derrota dos rebeldes de Satsu-ma; que não se apagará enquanto persistir a lembrança do Japão feudal, e é o mesmo despeito que, dispersos, arruinados e desauto-rados os hatamoto ou dependentes pessoais do xoguns, referve agora em sua vil decadência na alma ambiciosa e intolerante dos soshi, impacientes de mando e repletos de brutalidade.

A outra, a que me refiro, não é uma reação brutal: é uma reação inteligente, de estudiosos, de eruditos, ‘de apaixonados de arte e de religião, de patriotas esclarecidos e não obcecados, que admitem, sem repugnância, e sem exceção querem a europeização do Japão, sem o abandono e perda porém dos característicos nacionais, e sem a importação inconsciente e indiscriminada de tudo quanto ostenta o rótulo ocidental. A valia deste rótulo baixou aliás consideravelmente na estimação dos japoneses desde que obtiveram um conhecimento mais íntimo dos bastidores europeus, e especialmente depois dos episódios conexos com a insurreição dos boxers. Os saques vergonhosos e sangrentos de Tientsin e de Pequim, compreendendo o morticínio de mulheres e crianças e a destruição desnecessária e bárbara de obras de arte impossíveis de transportar, como os Daibutsus de bronze, feitos voar em estilhaços com pólvora, e os pagodes de porcelana, quebrados a coronhadas, deram aos japoneses — que todos reconhecem terem-se comportado, senão impecavelmente, pelo menos com moderação e disciplina absolutamente diversas — uma fraca idéia do poder moralizador do Cristianismo. Desta impressão aproveitou-se logo, com habilidade toda oriental, o Grande Lama de Pequim, vindo ao Japão, a título de recobrar livros sagrados, arrecadados com devoção, realmente para pôr em relevo, numa demonstração pública, a tolerância e gentileza de modos que o Budismo é capaz de insuflar nos seus adeptos.

A febre do modernismo ameaçara um momento consumir nos japoneses aquele carinho pelo que lhes pertence, o qual felizmente reviveu, mesmo porque o patriotismo lhes está na massa do sangue e, no âmago, os nacionais mais enfarpelados à londrina nunca deixaram de ser fundamentalmente japoneses. Uma vez reanimado, o carinho pelas coisas tradicionais a tudo se estendeu: do vestuário, cuja transmutação ficou paralisada, aos divertimentos, que des graçadamente estavam querendo ser o insípido lawn-tennis e as en fadonhas corridas de cavalos, em vez dos dias despendidos nos teatros, a rever em carne e osso o passado impressivo da nação, e a excursões aos parques e jardins em que as ameixeiras e os crisântemos deslumbram a vista com a magnificência das suas flores cencias.

É sabido quanto de tal carinho foi recipiente a religião nacional ou xintó, cujos templos baixos e pobres de enfeites, verdadeiras cabanas na arquitetura, esmagados pelos bosques verdes e bastos que os circundam, dão ao quadro uma nota tão rústica, famliiar e mística, com seus torii francos, que parecem simbolizar a fácil admissão na teogonia cm cuja honra são erguidos; suas elevadas escadarias que paralelamente conduzem o corpo às ’eminências donde se desfrutam os panoramas formosos, e convidam o espírito aos golpes de vista de conjunto, indistintos, independentes e indulgentes; seus gohei * c mealheiros que indicam que uma religião não afeta pira mente a alma, mas comporta laços temporais e envolve interesses mundanos.

Quando mesmo o velho Japão sc tivesse afundado no vórtice do ocidentalismo, uma coisa restaria entretanto para eecordá-lo através dos tempos, para fazê-lo imortal entre os admiradores do Belo: uma coisa que os dormentes de madeira e os trilhos de aço, os postes e fios telegráficos, e os próprios anúncios à americana em tabuletas grotescas reclinadas sobre campos viçosos, não puderam nem poderão estragar nem desmerecer. Refiro-me à Natureza, a encantadora natureza nipônica, misto de grandiosidade e de graciosidade, combinação de alterosas que são torrentes ruidosas mais do que rios serenos, e lagos plácidos refletindo na sua superfície espelhenta crateras em ebulição,** natureza cuja diversidade impressiona, estonteia e fascina, e cuja única nota uniforme é o esplendor da vegetação, um esplendor inexcedido cm terras tropicais. O Japão político e social mudou muito do seu aspecto, mas essa natureza, cua pompa é avivada pela elegância das formas, é a mesma exatamente que serviu de fundo as composições satíricas do pincel firme e vertiginoso de Hokusai, e que assistiu impassível ao galopar furioso dos cavalos de Yontomo e seus companheiros na perseguição inexorável da facção contrária dos Taira, da qual deriva a intermnável sucessão dos feitos do feudalismo nacional.

O conhecimento da mesma natureza explica cabalmente dois traços do caráter japonês que ferem todos os observadores: a sua admiração e filial ternura pela terra do seu berço e o seu gosto artístico, gosto feito de singeleza, de delicadeza, de sobriedade e de acabado, cujo sentimento de proporção é igualado pela discrição, e que em tudo se manifesta, nas decorações funerárias representativas do culto ancestral, como nos arranjos domésticos, espelhos da ordem e do asseio. Há com efeito tanto gosto aplicado aos túmulos dos xoguns, colocados ao abrigo de todos os ruídos mundanos, em plena comunhão com a Natureza, ao cabo de uma enfiada de capelas e pórticos ornados de flores e animais primorosamente esculpidos em madeiras caras, quanto gosto espalhado nos frisos entalhados de uma casa de campo; nos ferrolhos macios de uma habitação de cidade; nas panelas, chaleiras e outros utensílios de cozinha, sempre de contornos graciosos; nos jardinzinhos arrebicados que reproduzem paisagens silvestres e cujos repuxos borrifam d’água hortênsias colossais e jacintos vistosos.

* Pedaços de papel branco cortados de certo jeito e dependurados em pencas numa vara colocada horizontalmente à entrada do templo. No interior encontram-se por vezes gohei de ouro, ofertas dos Micados. Segundo o Professor Chamberlain, representam os gohei as antigas ofertas de pano, feitas aos deuses e colocadas nas árvores em dias de festa.

Segundo M.tford, servem essas ofertas para arredar influências nefasta ou de mau agouro.

** O Fujyyama é um vulcão em re-pouxao desde o começo do século XVIII, mas o reflexo do seu cone si_ XVIII, mas o rcflexlago de Hakone é métrico e altivo no l*Jfialmcnlc formo. um espetáculo proverbialmente famoso so (Hakone no sake-Fuji).

 

O gosto artístico dos japoneses é tão profundo e característico que, segundo narra um livro recentíssimo*r no saque das cidades chinesas, ao passo que os soldados e marinheiros ingleses se atiravam sobre as sedas e as jóias, e os russos se lançavam sobre as caixas de música e os relógios de repetição, os japoneses recolhiam os kakemonos e makimonos e as veÜias porcelanas, com tal mimo estimando estes objetos que, em vez de destruírem as peças que não podiam carregar, como sem exceção praticavam os das outras nacionalidades, cuidadosamente as repunham nos seus lugares. O escritor britânico chama por este motivo tropas artísticas a essas forças, aliás recrutadas muito mais entre a população inculta dos campos do que entre os descendentes dos polidos samurais.

O cunho do verdadeiro gosto é a sobriedade, e esta contagia os próprios colecionadores nacionais. Um amador japonês nunca se entrega ao delírio no amontoar e à prosápia no exibir de que se tornam infelizmente culpados os amadores europeus. As suas coleções compõem-se de peças mais escolhidas do que numerosas, primando pela qualidade e não pela quantidade, e que não se acumulam na celebrada "desordem artística", fatigando e ofuscando. A forma mesmo por que se efetua um leilão japonês denota a fundamental diferença de concepção. No leilão europeu acotovelam-se, espremem-se os licitantes numa excitação febril, cada qual procurando arrebanhar mais e mais barato, invejando as pechinchas dos concorrentes e babando sobre tudo a sua ganância e o seu despeito. O leilão à japonesa é pelo contrário um modelo de tranqüila dignidade, com o toque de mistério que distingue as coisas do país e que lhes aumenta o sabor. Diante de cada objeto coloca-se uma urna de votar, e o licitante, após examinar pausadamente aquilo que o tenta, deposita na urna com todo o seu sangue-frio um papel assinado indicando o preço que, sem consideração pelas ofertas de outro, está disposto a pagar pelo lote. No fim do tempo estipulado, oito ou quinze dias, percorrem-se as propostas, e o objeto é adjudicado ao maior licitante.

* A. Henry Savage-Landor, China and the AMes, London, 1901.

Em todas as relações sociais imperam nesta terra análoga reserva e idêntico decoro. Um rico japonês, que nos convide um dia a jantar, mostrar-nos-há algumas armas soberbamente temperadas e tauxiadas. Se meses depois repetir o convite, íar-nos-á (e para tanto é mister que certa intimidade se haja podido estabelecer) alguns charões de caprichosos desenhos e inimitável perfeição no envernizado, que de ordinário estão cuidadosamente arrecadados, longe da umidade, do pó e dos espanadores domésticos, e pelos quais quiçá deu somas fabulosas, pois já os jesuítas falavam em peças muito singelas, de ferro e de barro, para as cerimônias do chá, terçados de aço e kakemonos de papel, do valor, cada um, de milhares de cruzados. Nunca nos forçará a atenção ou despertará o tédio, transformando as suas salas em museu de velharias e dando aos seus hóspedes, credores da mais requintada amabilidade, ares de excursionistas pilotados com enfado. Os olhos, para regalarem-se, precisam de não ser cansados ou distraídos: têm de lixar-se e em-beber-se num determinado objeto, que seja digno de exame repousado. Vá-se lá apreciar deveras um esplêndido jarrinho de Satsuma ou umas delicadas figurinhas de Imari num aglomerado de porcelanas e faianças de todas as idades e de todos os países, depois de ter consumido horas e fatigado o cérebro na contemplação de trabalhos artísticos de todo o gênero! Nas casas ricas japonesas não se corre semelhante perigo. O ostentoso jamais se nos depara: a modéstia é o bom-tom, a simplicidade prova de um gosto educado, como o é de senso prático. Nas casas medianas, c com maior razão nas pobres, a mobília é representada pelas esteiras fofas, as almofadas c a bela vista sobre a nesga de jardim, rebuscado e simbólico.

Esse naco de verdura, enfeitado c até contrafeito, os japoneses nunca o dispensam, porque a natureza é aqui, mais do que em outra qualquer parte, a grande inspiradora, a grande educadora, a grande confidente, a grande consoladora. A poesia japonesa, que é toda ela lírica, deixa-se influenciar incomparavelmente mais pelas belezas da natureza do que pelas ansiedades do amor, pelo "delicioso pungir" da saudade, pelas frivolidades cortesãs ou pelos arroubos patrióticos. Restrito como é o seu campo, escassos como são os assuntos de que se ocupa, impessoal como é o seu hábito, essa poesia de poemas geralmente muitos curtos — tanka de 31 sílabas, sem rima — nem anima de vida os objetos inanimados, nem personifica as qualidades abstratas,* mas consente em que banhem plenamente o seu estro os eflúvios perfumados da Natureza. Verdade é que em parte alguma esta se reveste de mais seduções. O pinheiro, o trivial pinheiro, que na Europa e América é uma árvore geralmente angulosa, triste, quase lôbrega, aparece-nos no Japão como uma bonita árvore decorativa, cujos galhos se dispersam com donaire e formam uma silhueta cheia de curvas e assimetria, arrojada e incomparável, como um desenho japonês. Na Natureza como na Arte a medida, porém, conserva-se sempre. As formas das árvores nunca degeneram nesta terra no descabelado e no sinistro, assim como as formas mimosas das mulheres nunca degeneram na obesidade. As velhas ficam vergadas e encarquilhadas, sem perderem o seu encanto franzino. Há gigantes vegetais como há lutadores corpulentos, mas os primeiros salvam-se pelo garbo como os segundos pela agilidade. A graça, sempre e de qualquer forma, é o distintivo capital desta natureza singular e complexa.

* W. G. Aston, A History of Japanese Literature, London, 1899.

 

A complexidade é de resto um dos seus maiores atrativos. Tudo quanto nos parece de longe convencional ou idealizado — esses pássaros luminosos bordados sobre um* fundo douro nas preciosas colchas de seda; essa tênue reverberação do luar na neve que polvilha as encostas, negras de lava, das montanhas; essas borboletas das cores mais brilhantes e dos reflexos mais irisados que pousam de leve sobre o caolim transparente das porcelanas;-essas rosas bravias, esse lírios carnudos, essas orquídeas complicadas que se enroscam no negrume dos bronzes — tudo se encontra, tudo comporta natureza tão opulenta e tão facetada, que chega mesmo a suportar as feições artificiais.

Porque o artificialismo, que vai das árvores anãs às crianças empoadas e paramentadas como ídolos, é um traço peculiar ao Japão, onde a imaginação não prima pela espontaneidade. Também a Natureza oferece tantos e tão variados e sedutores modelos, que o copiar sempre pareceu mais fácil, mais expedito e mais producente do que o criar. Os jardineiros japoneses até roubam à Natureza a ocasião e o mérito da naturalidade. As suas concepções hortícolas são imitações de cenários mais largos e pitorescos em que as flores desempenham papel secundário ou passageiro, aparecendo no seu tempo e hora naturais para aformosearem o placo, cujo pano de fundo e bastidores são permanentemente constituídos pelas pon-tezinhas arqueadas, pelas cascatinhas que se despenham de roche-dozinhos, pelos cedros e criptomerias em miniatura, pela redução de arte, trabalhada e fadigosa, da grande e livre Natureza. Tais concepções, quando realizadas em maior escala, seguem fielmente a obra das forças naturais, mas muitas vezes simbolizam na sua disposição ou execução idéias abstratas, que as árvores, a água e as pedras podem aliás representar com certa propriedade, já que, na opinião corrente, servem de habitação a espíritos bons e maus que as animam.

O traço de artificialismo é comum ao mundo cósmico e ao mundo das idéias. Já sabemos que a escrita, as indústrias em que mais primam os japoneses, a religião búdica, única de alcance metafísico, foram importadas: não são produtos da inteligência nacional. Os entendidos vão ao ponto de afirmar que, nas produções clássicas do gênio artístico japonês, a inspiração da Natureza não é as mais das vezes direta, mas de segunda mão, sugerida pelos modelos estrangeiros. O céu e a terra são chineses, assim como nas composições poéticas dos nossos árcades o céu era pagão e a terra grega ou romana. A pintura sofreu efetivamente no Japão os mesmos efeitos gerais de ação e reação que noutros lugares. A princípio, exclusivamente dominada pela influência chinesa, tornou-se nacionalista e heróica por volta do século XIII, dando-se com a escola de Tosa ao cultivo da epopéia pátria. No século XV sobreveio a reação clássica que determinou a conhecida escola de Kanô, de novo guiada pela orientação chinesa, mas nos fins do século XVI a reação nativista e popular de Iwasa Matahei fêz surgir, ao lado das paisagens c figuras religiosas e tradicionais do continente, a reprodução dos interiores e costumes locais. Este naturalismo, logo acentuado pela escola de Chijo, porém hostilizado pelas recordações clássicas, derivou recentemente no ecletismo peculiar à nossa época.

Vê-se que no Japão, como em todos os outros países e em todos os tempos, uma luta se travou entre a tradição e a espontaneidade, o convencional e real. O ecletismo contemporâneo excede todavia os limites nacionais e pretende nada menos do que congraçar os processos europeus com os assuntos japoneses e os velhos métodos com os novos ideais. As exposições bi-anuais de Uyeno, com seus milhares de telas e kakemonos, revelam à saciedade semelhante tendência, cujos resultados são por enquanto moderadamente felizes. A história pátria e os mundos animal e vegetal continuam a constituir os campos prediletos em que se exercita o artista japonês, mas o manejar da palheta, das tintas e dos óleos europeus não faz senão recordar com saudade o traçar do pincel embebido em tinta da China, do tempo em que os artistas locais, seguindo somente suas regras e convenções, não tinham olhos senão para os próprios mestres e para a própria Natureza, zelando as qualidades e até os defeitos consagrados pelo tempo e pelo uso. A diferença que vai de um biombo sobre cujos painéis dourados um pintor puramente tradicional lançou o debuxo de uma peregrinação às cerejeiras ou aos bordos, à vista de um mar violeta e de um horizonte cinzento, a um quadro de seda, de pano ou de papel, sobre o qual um pintor eclético dos nossos dias pretendeu representar, com feições acadêmicas, à Ge-rôme, o assassinato de li Kamonno-Kami, ou com o toque quente de Rousseau um canto de vegetação nipônica, é a mesma que vai de um músico japonês que deixasse de querer entoar no koto ou no kokiu os acompanhamentos invariáveis aos seus cantos rouquenhos e suas melopéias trêmulas, para forçar as cordas de seda desses instrumentos a ressoarem sob a vibração de uma valsa de Strauss ou de uma sonata de Beethoven.

PAISAGEM JAPONESA

A paisagem japonesa é vista com singular vantagem e parece melhor do que nunca em setembro e outubro, quando ao período das mornas chuvas estivais e às semanas de calor tórrido sucede o outono com suas frescas bátegas d’água entrecortadas de dias luminosos e balsâmicos. Entre as montanhas reluzentes, sobre cuja folhagem se não descobriria um átomo de poeira, desdobra-se nesse tempo um extenso, fofo e luxuriante tapete vegetal tecido pelos arrozais maduros, cujos tons de amarelo são avivados pelo verde desmaiado das canas-de-açúcar, pelo verde clássico das filas das amoreiras, semelhantes a videiras na côr das folhas largas e no modo de crescimento dos arbustos, pelo verde rrviis carregado de dez legumes e tubérculos diferentes — feijão, batata, nabos, beringelas etc. —, pelas flores esbranquiçadas do trigo mourisco e pelo vermelho ferrugem de outras gramíneas. Do extremo Norte ao extremo Sul da comprida Ilha de Hondo, de Aomori a Kobe, o mesmo tapete se desenrola, com os mesmos desenhos caprichosos, as mesmas nuanças delicadas, as mesmas gregas vistosas, as mesmas franjas sutis, sem contudo haver dois trechos da paisagem que se assemelhem ao ponto de se confundirem.

A Natureza parece ter-se convertido no Japão em um caleidoscópio gigantesco, numa lanterna mágica em rotação, que projetasse sem descanso milhares de vistas diversíssimas. O imprevisto reina despoticamente sem que no entanto se quebre nunca a harmonia. Aqui, o mar mete-se não com violência, mas persuasivamente pela terra dentro, para cavar uma enseada profunda e fazer destacar uma península coberta de pinheiros ramalhudos e fantásticos ou uma rocha eriçada de urzes. Além, montículos revestidos de árvores viçosas semeiam irregularmente a planura como que para cortar-lhe a monotonia da superfície chata, alguns separados, deixando estender-se à vontade entre eles um vale cultivado, outros quase pegados, apenas permitindo à relva alcatifar a viela que os divide. As plantas cultivadas participam de tamanha sedução. A seara ondulante do arroz não possui a* esbelteza aristocrática do trigo nem a exuberância democrática do milho, mas tem uma gracilidade sua, que se coaduna perfeitamente com todo o meio japonês. As outras produções do arquipélago contribuem todas elas com traços peculiares e encantadores para a beleza geral do quadro. Conhecemos todos no Brasil a elegância arisca da cana-de-açúcar. O chá, podado em arbustos escuros, de copa arredondada, alinhados em fileiras regulares, empresta a alguns trechos campestres ares de jardim de ruas de buxo, um jardim plantado por Le Nôtre.

A Natureza afigura-se-nos toda ela ter sido manipulada pelo homem, em sua simetria nunca banal, em seu talento das proporções, em sua ciência da combinação das cores e dos cambiantes. Nem falta jamais ao cenário um grandioso pano de fundo — seja este o mar de côr variável até o infinito, ou o espinhaço de montanhas que a distância torna azuladas e indecisas. Dentre esta ossatura monstro de montanhas quase iguais, uma destaca-se no entanto a qualquer distância compatível com o olho nu, levantando-se solitária da planície, como que a querer entestar com o céu donde um dia baixaram os velhos deuses japoneses. Quando mesmo fosse uma das vértebras do espinhaço, o esqueleto não se apresentaria corcovado, porque a sua forma piramidal é rigorosamente geométrica. Ela porém só amplifica a gentileza do conjunto. De qualquer ponto que o encaremos, o cone do Fuji sobrepuja as demais montanhas, erguendo-se isolado da cordilheira com suas linhas que se diriam traçadas a compasso.

O nobre poeta Narihira, amante da famosa Komachi, a beleza decaída da literatura e arte japonesa, a qual expiou na miséria e no opróbrio a frieza do seu coração e a insensibilidade da sua vaidade, é sempre representado nos netsukés e nos copos cinzelados das espadas cavalgando de costas para a cabeça do animal, a fim de na passagem não perder até à última a vista do espetáculo incomparável do Fujiyama. Compreendo tanto melhor o entusiasmo dessa alma japonesa de poeta, quanto eu próprio nunca consegui passar ao alcance da montanha sagrada, sem encostar-me à janela do vagão até ela sumir-se no horizonte. Nunca me fatiguei de contemplar a imensa encosta suave que de todos os lados igualmente ascende ao seu cume e se assemelha, vista de perfil, a uma ciclópica ponte suspensa que Izanagi houvesse lançado, quando criou o Japão, para tornar mais fácil a subida da deusa Scngcn, a divindade tutelar do Fuji. Nunca me fatiguei de admirar aquela cratera que as nuvens, as brumas e os gelos tornam misteriosa à força de circundá-la, de enevoá-la, de branqueá-la, e de ocultá-la, nem aquele manto sombrio de lava e folhas, listrado de neve, no qual o gigante anda envolto e com que parece querer resguardar-se na sua marcha para o oceano, calcando a alfombra que lhe forra o caminho e cujo tom verde-nilo contrasta alegremente com o tom verde-bronze da montanha impassível

Alguma coisa há que acrescenta extraordinariamente à sedução exercida pela natureza japonesa, e é constante associação dos lugares por que transitamos com episódios dramáticos e com mitos, lendas e contos do folclore nacional. Sem falhar existe uma história, verdadeira ou fabulosa, conexa com a paisagem que admiramos ou o ponto de vista que descortinamos: a uma e a outro acha-se sempre ligada uma interessante legenda popular ou uma conhecida expressão poética. Aquela língua de terra arenosa, por exemplo, que uma porção de pinheiros enfeita, e penetra intrepidamente no mar que além vedes, quase negro do reflexo de uma nuvem côr de chumbo, nada vos traz à memória? Pois foi nem mais nem menos naqueles pinheiros que esteve dependurada a vestimenta de penas encontrada pelo pescador e restituída à fada, sua dona, em troca de uma dança celestial executada para gáudio dos espectadores do que reproduz esse incidente. Aquelas pedras tumulares, sozinhas as duas no meio de um campo de arroz, sombreadas por dois pinheiros enormes, guarnecidas em volta de flores silvestres e recobertas de ofertas de chá e incenso, sabeis o que relembram? Uma trágica história de amor, dois irmãos que cruzaram enciumados o ferro fratricida e caíram ambos vítimas da sua nefasta paixão por uma peregrina beldade. Aquele pinheiro, que acolá se esgalha em frente ao templo de Yakushi, em Nara, vergado sob o peso de séculos, amparado por muletas de madeira, mais ainda cobrindo maior superfície do que vinte pinheiros novos, julgais por acaso que nada recorda? Pois plantou-o um santo budista para que o Buda do santuário, que na outra vida corrige as muitas misérias da vida terrestre, tivesse perenemente uma oferta de verde folhagem e se compadecesse dos camponeses maltrapilhos, que labutam contra tantas desvantagens e ali vêm’ implorar bens e satisfações temporais, porque as outras fiam-nas da justiça divina. Naquele lagozinho turvo, vizinho ao pinheiro, onde nadam cardumes de carpas e cuja água vêm beber os veados do parque, tão mansos que acodem a comer nas mãos dos forasteiros, afogpu-se por uma noite sombria uma apaixonada donzela da Corte, cuja formosura serviu de passageira distração à ociosidade sensual de um Micado. Aquele sino de bronze meio oculto, apesar das suas dimensões, no bosque que reveste a encosta de Miidera sobre o lago de Biwa, não deveis ignorar que já foi uma vez arrastado até o cume de Hieizan pelo gigante Bentei, o qual só se decidiu a repô-lo no seu lugar e deixar de martirizar os tímpanos dos sacerdotes budistas da montanha com o tanger incessante do grosso badalo, a troco de um possante caldeirão de sopa de feijão. Este ichô finalmente, cujas folhas se douram no outono, e se levanta altaneiro na sua decrepitude, conservando verdes os galhos nodosos e enroscados, serviu de esconderijo ao assassino covarde que, na escuridão da noite, decepou de um golpe a cabeça do jovem ogum Sanetomo, quando este filho degenerado de Yoritomo, de volta das suas orações, descia a larga escadaria que da avenida de pinheiros e lanternas conduz ao templo de Hachiman em Kamakura.

Dir-se-ia realmente que cada sítio embelezado pela Natureza — e contam-se tais sítios por milhares no Japão — viu-se num espírito de emulação, ilustrado pelo drama ou pela imaginação. Não que precisasse deste realce para ser admirado pelos filhos da terra: bastava-lhe o encanto físico. Todos os lugares formosos do Japão acham-se desde tempos imemoriais inventariados, catalogados e descritos na sua própria literatura. Com efeito, a partir dos primeiros séculos da sua existência como nação ou antes como sociedade, os japoneses viajaram com os olhos abertos às belezas naturais do seu arquipélago, enumerando e esboçando com conhecimento e carinho todos os locais pitorescos, todas as bonitas cachoeiras, todas as árvores mesmo fora do comum que se lhes deparavam. As cinqüenta e três estações do Tokaido, nas quais se deleitaram à porfia as broxas de vários artistas célebres dos tempos modernos, contavam desde os tempos mais remotos os seus modelos escritos, a sua manifestação literária. A fantasia popular nem a religião excetua destas associações com as belezas naturais que a instigam. Rihaku, um dos Rishis ou Sennins, espécie de aspirantes a santos, que começam por ficar isentos da morte e das transmigrações, é sempre representado no ato de contemplar uma cascata, uma das inúmeras que aformo-seiam o Japão, onde um Niágara estaria fora de lugar por estar-fora de proporção, mas onde as diferenças abruptas do nível e a impetuosidade das correntes formam centenares de belas quedas-d’água, algumas eretas e elegantes com altíssimas e esguias colunas de aljôfar, outras desdobrando em toda a largura o seu lençol líquido, outras ainda tão tênues que parecem cobrir com um véu de renda branca a rocha escura e escorregadiça sobre que deslizam.

Nunca cheguei até uma dessas cachoeiras — e não poucas foram as que visitei — sem encontrar pelo menos uma dúzia de japoneses na chaya que invariavelmente se abre em todos os pontos de vista ou sítios pitorescos, oferecendo aos amadores do belo o conforto dos seus estrados de pinho abrigados do sol por alpendres de esteira de bambu e guarnecidos de cobrejÕes e almofadas; do seu tanquezinho de repuxo que levanta bolhas na água em que nadam gordos peixes vermelhos e dourados; das suas prateleiras carregadas de bebidas fortes da Europa. .. para os Europeus, e da sua chaleira de água sempre quente posta sobre as brasas do hibachi para refa-zer-se a infusão à chegada do bando de passeantes e servi-la com os confeitos e docezinhos de feijão. Aqueles japoneses não despregavam os olhos do espetáculo que tinham vindo contemplar: gozavam num fervoroso silêncio das glórias da sua natureza. Pelo caminho, indo ou regressando, muitos mais encontrava: excursionistas de sandálias de corda, com a farpeia ao ombro na ponta da bengala ou o quimono, arregaçado, a carteira de fumo e o estojo do cachimbinho dependurados da cinta; estudantes de uniforme europeu, piugas e perneiras pegadas de azulão, ou de hakama*, o ar a um tempo grave, enérgico e feliz; famílias do campo, o chefe da casa na frente, de lenço amarrado por baixo do queixo ou chapéu de vime do feitio de campânula, as mulheres mais distanciadas de sobrancelhas rapadas à navalha e dentes enegrecidos, se casadas, as jovens, quando faceiras, com o lábio inferior tinto de vermelho no centro, como se fosse uma marca de sangue vivo, e as faces alvejadas com pó de sementes de bonina.

A ternura pela natureza é comum aos japoneses de todas as idades e de quaisquer condições. Uma criança de dez anos despregará os olhos do seu papagaio de papel, que volteia creto no ar sobre a sua armação de bambu, para embebê-los num cacho de delicadas glicínias roxas pendendo airosas da latada, e contra cujas grossas hastes torcidas e entrelaçadas êle tenha ido bater de encontro, empenhado em reter a corda do seu brinquedo favorito. Um velho barqueiro, que desça o rio empurrando à vara a sua barcaça carregada de lenda e de fardos de arroz, interromperá a sua faina para ter a voluptuosidade de agarrar na margem do rio uma mão cheia das pétalas da flor de cerejeira, que no fim da primavera voejam como flocos de neve rosada.

* Saia aberta em calças largas, muito do feitio de algumas saias para damas biciclistas, que constitui entre os japoneses um traje mais cerimonioso do que os simples quimono e haori, e é vestimenta obrigatória para os estudantes dos dois sexos nas escolas do Governo e para os raros empregados públicos que preferem em serviço trajar à japonesa. No palácio imperial a hakama é igualmente de rigor com o vestuário japonês.

 

Durante o inverno não se vêem mais do que palmeiras resguardadas da geada por armaduras de palha como as capas que os camponeses do Japão usam para abrigar-se da chuva e do frio, e pinheiros recobertos por uma tenda de cordinhas irradiando a igual distância de um mastro central a prenderem-se nos ramos, que assim ajudarão a suportar o peso das cargas de neve. Não só nos parques da cidade como nas matas dos templos campesinos, encontram-se velhas árvores amparadas com carinho por estacas de madeira, bordões enormes sobre que se apoiam os seus galhos quase ressequidos. Um ministro da Fazenda conheci que, abarbado com uma operação financeira da qual se dizia depender a sorte do gabinete, atacado pelos jornais, surdamente hostilizado pela maioria parlamentar, encontrou vagar e sossego de espírito para dedicar toda uma noite, até o romper do sol, a arranjar com gosto e arte milhares de crisântemos — singelos, dobrados, decuplados — com o fim de exibi-los aos amigos do modo o mais vantajoso para o renome da sociedade de horticultura de que aquele financeiro é presidente. Nessa alma de político não secara a meiguice pelas flores. Não fosse este o país em que os sorrisos da Natureza são tidos por sorrisos da fortuna.

RENOVAÇÃO NACIONAL

A mera notação dessa radical transformação de aspectos não dará a um país o direito de ser um poucochinho vanglorioso? A guerra com a China, guerra arriscada e penosa, motivando, com pasmo do mundo inteiro, assinalados triunfos para os japoneses, naturalmente mais lhes incensou o amor-próprio, que se deu largas e se tornou fonte de grandiosas esperanças e ilusões. O japonês teve por aquela ocasião alegrias de criança, mesmo porque é como a criança, imitativo, despreocupado e espontâneo. A renovação nacional rejuvenesceu-o, como a tudo quanto o rodeia, ou melhor, acentuou-lhe, a meio de todo seu moderno afã de homem feito, o temperamento pueril — curioso, buliçoso e generoso. Não caiu em segunda meninice, antes readquiriu em toda a plenitude a vivacidade e enlevo da primeira infância.

Como as crianças, que generalizam à outrance e descobrem numa aplicação desconhecida na véspera uma panaceia universal, o japonês culto enxerga no importado método científico europeu a chave para todos os problemas, mesmo éticos, o remédio para todas as dificuldades, mesmo políticas, e arde por fazer uso constante e geral dos instrumentos de que aprendeu a servir-se. Um publicista japonês, discorrendo sobre questões sociais, invoca Spencer e Haeckel e recheia as suas páginas de termos alemães e citações escandinavas (Ibsen já foi traduzido para japonês) como qualquer bacharelando atacado de indigestão intelectual. Como para êle tudo nesse gênero é novidade, imagina sê-lo também para os outros, e não os poupa à inspeção de canto algum das suas leituras.

O paquete em que vim para o Japão foi três vezes minuciosamente visitado pelos facultativos da saúde, em Nagasaki, Kobe e Yokahama, e em Kobe detido por nove horas por causa de um chinês de Hong Kong, cujo pulso se mostrava um pouco desassossegado, porventura com o susto do aparatoso exame médico, feito por nada menos de sete clínicos. O vapor só teve livre prática depois que o exame microscópico do sangue do chinês, realizado no hospital japonês por outro cortejo de bacteriologistas, demonstrou ser malária e não peste bubônica o seu mal. O microscópio ganhou o seu dia. Num delicioso lugar de campo em que veraneei, apareceu como andaço uma ligeira erupção cutânea, da natureza da que vulgarmente se chama sangue novo. Não sabendo como explicá-la cientificamente ou a que atribuí-la, e coincidindo o aparecimento da moléstia com uma recrudescência das mariposas, abundantes naquelas montanhas, os médicos do lugar agarraram gravemente numa porção dos pobres bichinhos e mandaram proceder ao seu exame microscópico, para ver se deles derivava a propagação do mal. Pois não parece verificado que os mosquitos transmitem o impaludismo e mesmo a febre-amarela? Por que não transmitiriam as mariposas erupções de pele? A ciência, porém, proclamou a inocência das mariposas. Entretanto, o microscópio cumpriu o seu dever, c mais uma vez reconheceram os japoneses a utilidade do portentoso invento aplicado às ciências naturais.

Estou muito longe de querer com estes fatos insinuar que os japoneses parecem crianças a fazerem dixes de instrumentos acima da sua compreensão ou educação. Quero apenas mostrar quanto é disseminada e sôfrega — tão sôfrega que chega a ser infantil — a sua tendência para servirem-se dos processos experimentais que importaram e fazerem uso das lições que receberam. A observação redunda toda em abono da sua inteligência e vontade, e para formar uma justa idéia do grau de solidez do fundamento científico do Japão, país que alguns dizem achar-se somente lambuzado de civilização, nada mais é preciso do que atender à organização do seu ensino público, com 26.824 escolas primárias, freqüentadas por mais de quatro miíhões de alunos dos dois sexos.* Os que desejarem levar mais longe suas pesquisas neste campo farão bem em visitar e estudar a organização da Universidade Imperial de Tóquio, o primeiro estabelecimento de ensino superior do país c templo onde a Ciência é alvo do culto mais fervoroso. A sua freqüência era em 1899 de 2.724 alunos.

Esta instituição do Governo, que se evolveu da fusão de antigas escolas japonesas fundadas pelos Tokugawa e modernas criações ditadas pela europeização das idéias, ou antes dos processos, abrange as seis faculdades de Direito, Medicina, Letras, Ciências, Engenharia e Agronomia. Dela dependem vários hospitais, um observatório astronômico, museus, laboratórios, um laboratório marítimo de biologia, um jardim botânico, uma herdade e magníficas florestas, tudo em vista do ensino prático sabiamente aliado ao teórico. A Faculdade de Direito inclui as cadeiras de Direito Constitucional e Público, Direito Administrativo, Direito Internacional, Direito Romano, Direito Inglês, Direito Francês, Direito Alemão, códigos Civil, Criminal e Comercial e respectivos códigos de processo, Economia Política, Finanças, Estatística, Política, história da política, história das instituições e sua respectiva comparação e jurisprudência. A Faculdade de Medicina inclui as cadeiras de Anatomia, Fisiologia, Patologia e Anatomia Patológica, Química Médica, Medicina Legal, Clínica Médica, Farmacologia, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia, Pediatria, Oftalmologia, Dermatologia e Sífilis, Psiquiatria, Higiene c Farmácia. A Faculdade de Engenharia inclui as cadeiras de Engenharia Civil e Marítima, Mecânica, Construção Naval, Tecnologia das Armas, Eletricidade, Arquitetura, Química Aplicada, Tecnologia dos Explosivos, Minas, Metalurgia e Resistência dos Materiais e das Construções. A Faculdade de Letras inclui as cadeiras de Língua, Literatura e História do Japão, Língua e Clássicos Chineses, História e Geografia, Filosofia e História da Filosofia, Psicologia, Ética e Lógica, Sociologia, Pedagogia, Estética, Filologia, Língua e Literatura Inglesas, Língua e Literatura Alemãs, Língua e Literatura Francesas. A Faculdade de Ciências inclui as cadeiras de Matemática, Matemática Aplicadas, Astronomia, Física, Química, Zoologia, Botânica, Geologia, Paleontologia, Mineralogia, Seismologia e Antropologia. A Faculdade de Agronomia inclui as cadeiras de Agricultura Química e Química Agrícola, Botânica, Zoologia, Entomologia e Sericicultura, Horticultura, Silvicultura, Zootecnia, Geologia e Terrenos, Física Agrícola, Florestal e Meteorológica, Administração Agrícola e Economia Política, Anatomia Veterinária Fisiologia, Medicina Veterinária e Cirurgia Veterinária.

* Résumé Statistique de YEmpire du Japon, Tóquio, 1901.

 

Registram-se ainda, agregados à Faculdade de Direito, cursos livres sobre falências, prisões, antigo sistema judiciário japonês e dívida nacional; agregados à Faculdade de Engenharia, cursos de Desenho, Química Orgânica, Torpedos, Legislação das Obras Públicas, Estética e Vias Férreas; agregados à Faculdade de Letras, cursos de Sânscrito, Grego, Latim, Iitaliano, Holandês, Russo, Coreano e Aino, Budismo, Ciência das Religiões, História da Arte, Teoria do Conhecimento e Filosofia Oriental.

O corpo docente da Universidade poucos professores estrangeiros conta atualmente: apenas os de cadeiras especiais, como as de literaturas européias e direitos europeus. Na Faculdade de Medicina, o Professor Baelz, sábio alemão, acabou de ver festejado o 25.° aniversário do seu professorado, com o qual cessou sua ligação com a Universidade. Muitos dos catedráticos japoneses estudaram porém na Europa e Estados Unidos, e raro é o que pelo menos não visitou ou aperfeiçoou seus conhecimentos nos grandes centros de cultura como Paris, Berlim, Viena, Londres, Harvard etc. O edifícios são excelentes, dignos de qualquer capital européia, e acham-se quase todos reunidos nos terrenos do yashiki ou solar urbano do dâimio de Kaga. Como que para ligar indissoluvelmente o presente ao passado nacional, a porta de entrada da Universidade Imperial continua a ser o akamon ou portão vermelho de largo teto entalhado, recurvo e alpendrado, com duas construções laterais análogas em ponto menor, da desaparecida habitação senhorial. Entre os exercícios físicos dos estudantes enumeram-se a natação, regatas c sports atléticos. * Sobretudo não esqueçam os que percorrerem, surpresos, esses laboratórios dotados dos mais modernos instrumentos, essa biblioteca composta de 224.000 volumes, essas oficinas de engenharia, esses observatórios em que se estudam os fenômenos atmosféricos e as convulsões subterrâneas, que esta nação era, há pouco mais de um quarto de século, governada tão-somente pelo empirismo e pelo esoterismo, transmitindo-se de pais a filhos ou discípulos adotados os segredos de todo gênero, de arte médica como de arte industrial. Tampouco esqueçam, na sua admiração, que tudo quanto ela há consumado e alcançado o tem sido a despeito de uma língua, que é um instrumento complicado e imperfeito de aquisição e fixação de noções, sendo muito diferente a linguagem clássica da coloquial e esta da escrita, e tendo tido que tomar emprestado ao chinês mais da metade do seu vocabulário, inclusive quase todos os termos significando abstrações e exprimindo cambiantes do dizer.

ANIMOSIDADE CONTRA O ESTRANGEIRO

Afora a ausência de boa-fé comercial e a prosápia, o que os estrangeiros no geral notam c verberam entre os japoneses é a animosidade contra o indivíduo de raça européia, hoje não mais manifestada por atentados que a polícia local reprimiria com severidade, a bem do renome nacional, mas, ocasionalmente, por dichotes ou atos que ou resvalam sobre a nossa susceptibilidade por falta de compreensão ou não podem ser facilmente castigados. Eles, em todo caso, tornam a existência, numa das mais formosas e agradáveis terras do mundo, um verdadeiro tormento para aqueles que se agastam com tais exibições, posto que não cotidianas nem gerais, de uma rudeza um tanto primitiva e mais espontânea que intencional. É todavia inegável que semelhante aversão existe. Ficou da educação rancorosa recebida sob os Tokugawa; constitui a conseqüência da política então seguida de isolamento e desconfiança, com a instrução tresandando toda as máximas chinesas, e o vestígio persistente do desenvolvimento através da sua história, do caráter impetuoso da raça.

Desta impetuosidade que, com o favor das circunstâncias, pode degenerar em brutalidade, fornece tristes documentos, compensados pelas muitas reformas morais realizadas, tais como a guerra ao ópio, e melhoramentos materiais empreendidos, como estradas de ferro, fábricas etc, história recente da colonização da Formosa e Coréia. A primeira, cedida pela China após a guerra, tem sido, no dizer dos próprios japoneses, sujeita em boa parte a um governo duro e corrupto de carpet-baggers. Na Coréia, onde pretendem dominar, são os japoneses odiados pelos naturais, a quem maltratam, e lutarão sempre, se quiserem captar-lhes a confiança, com a recordação de algumas páginas de sangue, particularmente o assassinato da resoluta e patriótica rainha, que é corrente haver sido concertado na legação japonesa. O militarismo e a burocracia, pilares do extinto regímen, e que, passados a cal, sustentam o atual edifício, não seriam por certo capazes de engendrar um povo de uma suavidade sem fibra, como por exemplo o havaiano. O que ao militarismo faltasse em impertinência, abundaria na burocracia, e o que a esta falecesse em ousadia, cresceria no militarismo. A suavidade do japonês é um predicado todo adquirido, um produto da educação ainda mais do que da índole, nunca um indício de debilidade física ou moral.

* Calendrier de l’Université Impériale de Tokio, 1899.

 

Tanto assim é que com o estrangeiro o japonês não emprega no geral nem a décima parte da urbanidade de que faz gala para com os seus compatriotas. As maneiras rudes ou desdenhosas dos Europeus encontram o seu contrapeso e o seu corretivo numa sc-quidão intencional dos naturais, a qual jamais é grosseira, mas opõe uma barreira de gelo às pretensões de intimidade. Dois japoneses, pelo contrário, que se encontram, curvam-se repetidas vezes até o chão, esfregam os joelhos com as mãos, sorvem o ar, trocam os sorrisos mais melífluos, desfecham as frases mais amáveis do seu vastíssimo repertório de fórmulas cerimoniosas e de dizeres requintados, variando ao extremo segundo o grau social de cada um dos interlocutores. Esse repertório, eles o usam em todas as ocasiões, nas mais comuns como nas mais trágicas. Mandando um presente recoberto do clássico furoshiki de seda ou algodão, com bordados ou emblemas, o oferente pedirá humilde perdão do seu atrevimento. Vibrando uma estocada, no bon vieux temps dos xoguns, um samurai pediria desculpa do seu ato e suplicaria o desgraçado que se dignasse morrer. O certo é que a polidez constitui no japonês uma segunda natureza, ou antes já se tornou a sua natureza mesmo, e que para descorá-la foi precisa uma grande dose de grosseria ocidental. Por isso, digamo-lo sem rebuço, a aversão nacional às pessoas dos estrangeiros representa em boa parte o reflexo do desprezo e da exploração de que os europeus têm feito ou procurado fazer vítima o Japão.

Amor com amor se paga. … o rifão deve existir em todas as línguas, se é fato que os provérbios denotam a sabedoria popular. Com ser atencioso e cumprimentador, o japonês, convençamo-nos bem disto, não é mole nem vil, e o seu caráter suscetível e pundonoroso não pode ter sido transmudado com facilidade igual à do cenário em que se move. A referida antipatia não provém contudo, somente de um justificado despeito. Provém igualmente de uma predisposição à suspeita, que algumas vezes vai de encontro às melhores intenções. Dela sentem-se não raro objeto as senhoras estrangeiras que, heroicamente arrostando o animal fero e despótico que é a sogra japonesa — a qual deve ter fundado a fama universal da espécie —, hão desposado japoneses. A maior parte dessas senhoras nunca chegam a ser tratadas com desanuviada familiaridade de despreocupada intimidade pelos compatriotas dos seus maridos, verdade é que as mais das vezes por culpa própria, procurando cada pretexto para fazer sentir sua superioridade de raça e desdenhar dos costumes da sua pátria de adoção. Não é assim para estranhar que o lar japonês, o mais difícil de penetrar e observar entre as sociedades cultas lhes seja de algum modo sempre esquivo. Exemplos contam-se de carreiras políticas embaraçadas, senão cortadas por semelhantes consórcios, ou antes por falta de verdadeiro talento da mulher estrangeira, e à boca cheia cita-se como modelo de admirável inteligência e extraordinário tato uma senhora inglesa que adotou sem reserva os costumes e modos de ver japoneses, cujo esposo ocupa na Corte uma das primeiras posições, a qual tem logrado manter contra pouco disfarçadas inimizades, fundadas em preconceitos nacionalistas.

A má vontade japonesa ao estrangeiro cresce, ou pelo menos torna-se mais visível à medida que desce, não direi o nível nacional da dignidade, mas a reserva que costuma revestir e caracterizar essa dignidade. O japonês do limiar do século XX não é natural-ralmente mais o japonês súdito do Taikun, que odiava e, quando insultado, trucidava o forasteiro, mas, desprezando-o muito embora, nunca o escarnecia abertamente porque isso seria contrário ao seu código de polidez e de honra. O japonês rir-se-á, sim, com bonomia do estrangeiro em outros tempos, quando ingenuamente lhe queria bem e não havia ainda experimentado sua bruteza. Nesses tempos a filha do rei do Bango (um dos dâimios da Ilha de Kiuxiu) inventava uma inofensiva e espirituosa farsa para meter a ridículo Fernão Mendes Pinto e seus companheiros, por motivo de comerem eles com as mãos:

Porque como toda esta gente costuma a comer com dous paos, tem por muito grande çugidade fazel-o com a mão como nós costumamos.

A troça, segundo a relata o divertido cronista e por vezes fantasioso viajante, foi verdadeiramente real, e a descrição dada é tão gráfica que nos parece ver os dentinhos bem alinhados e ouvir o rizinho irônico das chamadas damas da Corte, que seriam as mekakés ou concubinas do dáimio e as serviçais, recrutadas entre as mulheres e filhas dos samurais.

Desde o tempo da Peregrinação ocorreu muita coisa e as mudanças foram numerosas. O japonês ri do estrangeiro com menos bonomia e mais rancor, depois de ter saído, do que antes de ter entrado na sua reclusão severa e no seu isolamento quase hierático. Na sua primeira convivência, sem resultados políticos, com os europeus, aprendeu êle a desconfiança. Da sua reclusão derivou a confiança extrema cm si próprio, que foi a mais sólida alavanca do Meiji e agora é o que mais eficazmente resguarda o país dos estrangeiros. Da segunda convivência com a civilização ocidental, prenhe de transformações radicais, retirou porém o japonês, com o aumento do chauvinismo, que é sempre um sentimento mórbido, a alteração de alguns característicos que lhe eram peculiares. Assim foi que a sua sobranceria baixou à medida que subiu a sua impudência.

Desde que em Colombo comecei, em minha viagem, a ver e servir-me dos jinrickshás ou carrinhos puxados por cúlis, que este ofício se me afigurou dever acarretar para os que o exercem o lugar ínfimo da escala social, e muito me surpreendia saber que os japoneses, reputados tradicionalmente tão altivos, se prestavam a assim servir de animais. Porque o jinrickshá degrada a criatura. Na Europa o trabalhador que move um carrinho, impele-o; no jinrickshá o indivíduo está atrelado aos varais, como uma besta, puxando-o. A abjeção é palpável. Só mais tarde averiguei que o jinrickshá não data dos tempos heróicos do Japão, quando o palanquim e a cadeirinha reinavam sem partilha, carregando-se como fardos: é uma invenção que data de 1870. Por outro lado verifiquei que os que vivem dessa profissão, apesar de só em Tóquio serem 50.000 e recrutarem-se muito entre os camponeses atraídos pelo viver mais folgado das cidades, se acham classificados entre a ralé da população. Diz-se hoje de um declassé, e os há, que desceu à miséria de semelhante ofício, o que se diria antigamente de um dos eta — párias cujas cabanas tinham de ser levantadas fora das cidades e cujas ocupações compreendiam o executar criminosos e abater animais, ato este repugnante à consciência búdica.

A comparação deve ser tomada com o grande desconto da diferença das épocas. É claro que hoje não existem mais no Japão desqualificações sociais provenientes do nascimento; apenas as oriundas do comportamento individual. Os eta foram considerados em 1871 cidadãos com iguais direitos políticos, se bem que a velha antipatia popular não desaparecesse com a ação do decreto imperial, persistindo sob um aspecto infinitamente mais brando. Noutro tempo os samurais distinguiam-se pela bondade que dispensavam a esses réprobos, cuja origem e motivo de reprovação pública são ainda agora objeto de variadas hipóteses. Nos dias de hoje a altivez murchou entre os que se dedicam ao mister aviltante de animal de tiro. Sobrevive, porém, a tácita reprovação dos demais: nem toda a seara foi crestada pelo vento ardente da humilhação.

Para ver que a agravação da mofa coincide e corresponde a uma diminuição geral da urbanidade na educação nacional, debaixo do influxo das idéias e costumes estrangeiros, basta lembrar que a educação feminina, mais conservadora e japonesa, ainda encerra grande proporção de ensino de cortesania, mas que os rapazes já não recebem nos estabelecimentos de instrução lições de etiqueta, que dantes até abrangiam o modo silencioso e distinto de fechai uma porta, ou antes uma corrediça. Tenho até por certo que alguns japoneses tratam de imitar, tanto quanto lhes permite a sua sua vidade, o desabamento europeu om suas relações com os estrangeiros por julgá-lo de bom-tom no Ocidente, no que não andam de todo enganados. É entretanto preciso nunca perder de vista que a muito celebrada polidez japonesa, mesmo nos seus tempos áureos, não significava tanto amenidade de trato, se bem que fosse esta geral, e exuberância de demonstrações de afeto, popularmente muito usadas em família, mas pouco em harmonia com o intransigente formalismo, o prurido estético e a estudada dignidade predominantes entre as classes altas, como significava a extrema dissimulação dos sentimentos com o intuito supercortês de não melindrar com sua exibição, quiçá inoportuna, a corrente ou disposição dos sentimentos alheios.

Assim, a impassibilidade na alegria e na dor, que nos dilata ou aperta o coração acusa o mais elevado grau da boa educação e fornece a prova mais indiscutível da nobreza de raça ou da fortaleza de ânimo, que eventualmente a pode suprir. Tal retraimento de sentimentos pessoais, que chega ao absurdo de nos comunicarem com o sorriso nos lábios uma desgraça fatal ou se referirem com quase hilaridade à enfermidade de um amigo, representa o cultivo de um característico decidamente nacional. A reserva habitual dos japoneses vai do terreno privado, a família, assunto sobre o qual, escreve uma observadora inteligente como Miss Bacon,* é quase impossível determiná-los a falarem e que o estrangeiro só a muito custo e ao cabo de longo tempo logra discutir com um nacional, até o terreno público ou social. Lembro-me que, ao mostrar-me algumas velhas estampas representando os suplícios e tratos usados no Japão há trinta e cinco anos, dizia-me o Sr. Chamberlain que era em extremo difícil levar um japonês a referir-se a semelhantes torturas, que muitos deles ainda presenciaram, dependendo todas as informações oculares a recolher sobre elas da memória dos velhos residentes europeus. Se essas e outras velhas e abolidas usanças nacionais não constassem dos documentos artísticos do tempo e não estivessem descritas nos livros contemporâneos da queda do xogunato. como o relatório da viagem de Perry. a narração do ministro inglês Sir Rutherford Alcok e o Diário do ministro americano Townsend Harris. ** o seu conhecimento correria, para aqueles que não podem folhear os livros e códices vernáculos, grave risco de obliterar-se, porquanto os japoneses tentam envolvê-las no maior mistério.

Tratar-se-á aí porventura de um acanhamento de povo recém-civilizado à ocidental, que se envergonha de suas passadas desu manidades. Também evitando tocar em questões domésticas no seu intercurso com estranhos, não é tanto que pense o japonês em ser propositalmente arisco e menos ainda grosseiro. Pelo contrário, desse modo trata êle de demonstrar uma vez mais a sua concepção particular da cortesia, a qual o manda abster-se de referir-se a coisas que não devem interessar o seu interlocutor, e calar ou esconder impressões agradáveis e sobretudo dolorosas, que só dizem respeito à própria pessoa. Em vista disto escreve-se porém vulgarmente que é o japonês um ente sem nervos, quando a verdade está em que ele é um ente dotado do mais extraordinário domínio sobre si mesmo. Anunciando-nos a morte de um parente querido, pai ou esposa, sem dúvida terá, como qualquer outro homem sensível, o coração sem grando de mágoa: todavia o sorriso lhe estará pairando nos lábios, a fim de não importunar ou incomodar a outrem.

* Miss Bacon é uma senhora americana que lecionou no Colégio das Meninas Nobres de Tóquio, estabelecimento imediatamente dependente da Mordomia da Casa Imperial, e que escreveu dois singelos trabalhos que, resumidos como são, dizem mais, o primeiro especialmente, do que muitos compactos volumes pretensiosamente escritos sobre o Japão. Os títulos desses trabalhos são: Japanese Girls and Women e A Japanese Interior.

** Editado por Griffis, o autor do Mikado’s Empire,

 

Semelhante impassibilidade acha-se muito longe de traduzir indiferença. Quando muito, indica estoicismo. Indica no entanto mais que tudo a fina têmpera de uma alma coletiva, que isolando-se nas suas alegrias e penas, busca simplesmente esquivar-se a contatos profanos, ao tesouro sagrado dos seus sentimentos. As impressões que nos são reveladas não correspondem à realidade íntima, despida de artifícios. Pensamos nos espelhos das damas da Corte de Kioto, feitos de prata polida, a um tempo resistentes e delicados, refletindo na sul superfície sólida mas de um brilho que um sopro embaciaria, rostos mascarados de traços vermelhos e de uma crosta branca, os quais são mais formosos no seu natural do que debaixo do disfarce impôs to pela moda. Aquela alma, se decomposta pela análise espectral, daria uma civilidade que não se limita às exterioridades e é ba nhada de simpatia humana; uma concepção do dever social priman do mesmo o sagrado dever filial, e uma coragem cívica cuja dureza é mitigada pela piedade ética.

Contudo o espelho é de metal, e carece de fragilidade. A alma é saturada de obrigações e, se possui compaixão, não abunda em ternura fora do círculo familar, dentro mesmo do qual a morte tinha por missão eventual salvar da deslealdade e da desonra. Essa alma viril encerra na sua síntese orgânica a principal condição de vitalidade do Japão transformado em grande potência asiática, quase em grande world power, da mesma forma que a consciência do samurai, agindo como um imperativo categórico, encerrava a fórmula química do antigo composto nacional, cujo intenso colorido tonificava todo o preparado. Asim é que os otoko-datc ou chefes por sugestão e aclamação espontânea das baixas camadas da população, guardas zelosos das liberdades populares, tinham ademanes de cavaleiros, apuros de cortesãos, posto que falando aos grandes com o desassombro dos cumniuneros defronte do poderoso Carlos V.

A coesão do caráter japonês, tal como o modelaram os séculos, anda porém ameaçada, mais do que isto, minada por várias infhj ências que buscam desagregá-lo e entre as quais já mencionei, em primeiro lugar, a disseminação das teorias ocidentais de luta pela vida e sobrevivência dos mais fortes. Como o principal segredo dfl fortaleza das nações parece ser a sua riqueza, o Japão procura ser rico. A prévia sociedade feudal estava organizada de forma a não precisar quase de dinheiro. Se era toda ela pobre, o isolamento fazia com que se bastasse a si própria. Desconheciam-se necessidades supérfluas, ou por outra, só os grandes, os muitos grandes, as podiam nutrir. As dádivas estabeleciam uma gradação. O xogum dava terras aos dáimios; estes davam rações de arroz aos samurais e faziam viver, pelo trabalho braçal, pelo trabalho artístico, limitado mas bem recompensado, e pela compra c venda de mercadorias o camponês, o artífice e o comerciante. Artistas e homens de letras viviam nas pequenas cortes provincianas, agregados às pessoas dos dáimios, para quem, e exclusivamente para quem, em agradecimento à munificiência dispensada, executavam suas pinturas e burilavam seus escritos. Pode dizer-se que entre as classes inferiores somente, sobretudo na última apontada, existia fome de dinheiro.

O desprezo deste era ingênito no fidalgo. As suas mãos não se tisnavam com o óxido do vil metal, e tanto entrava na arca do castelo ou do yashiki (palácio da cidade) quanto saía em liberalidades. Kiuso, um dos mais afamados kangakusha ou sinólogos, desses que no século XVII tanto fizeram por propagar o gosto da cultura chinesa, deixou escrito que para o samurai vinha em primeiro lugar a retidão, depois a vida, e por fim a prata e o ouro. O xogun tinha sede de mando, não de riquezas, reservando as opulências para as capelas funerárias dos seus antepassados. O Micado, esse vegetava numa pobreza que nunca lhe acarretou opróbrio, antes lhe elevou o prestígio.

Do velho para o novo Japão a maior diferença reside em que a moderna sociedade carece de dinheiro, e que não existe elemento mais dissolvente. Como, sem capitais, fazer face às exigências do progresso, que mandam possuir frotas e armamentos, renovados cada dez anos porque outras invenções tornaram obsoletas as primeiras; que mandam despertar novas necessidades entre o povo, para abrir válvulas de expansão à indústria; que mandam desdenhar as nações, como se desdenham os indivíduos pobres, pelo único fato da sua pobreza improdutiva? Por tudo isso o Japão quer ter capitais. Em seu patriotismo preferiria muito criá-los a pedi-los emprestados, no que hesita, tanto mais quanto abomina quaisquer nações que fundarem uma prosperidade vistosa e enganadora sobre a bancarrota da sua honradez, estouvadamente brincando com a sua independência. Os capitais não crescem, no entanto, espontaneamente como os bambus, embora sejam precisos para fomentar e tornar universais as indústrias utilitárias, que hoje mais valem do que as indústrias de luxo. Os maquinismos requerem largo emprego de capital, e é por meio dos maquinismos que a produção logra decuplar-se centu-plicar-se, e ao mesmo tempo permanecer ao alcance de todas as bolsas.

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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