As Diferenças Fundamentais nas Filosofias Políticas de
Hobbes e Rousseau
Paula Ignacio
Thomas
Hobbes, em seu Leviatã, nos capítulos XIII, XIV, XVIII e XXI do livro
primeiro, estabelece como base da condição natural humana a necessidade de
entregar seu direito à liberdade a um soberano, uma vez que este será capaz de,
tomando as decisões mais acertadas, preservar a vida daqueles que atribuíram a
ele este poder. Fica nítida a sua posição favorável em relação à monarquia ou
qualquer outra forma de soberania.
O mesmo não acontece na filosofia de Jean Jacques Rousseau, que cerca de
200 anos após os escritos de Hobbes adota em sua política (Do Contrato
Social, Livros I e II, capítulos 1 a 6) a democracia como forma mais
favorável de governo, e uma democracia diferente da dos gregos e latinos, que
não admite a escravidão como necessidade natural de alguns incapazes de guiarem
corretamente suas próprias vidas. Para Rousseau, a escravidão é imposição por
força física, o que não corresponde naturalmente à razão ou moralidade. Isso
significa que escravizar o inimigo após vencer uma guerra é ato de injustiça,
uma vez que isso seria o mesmo que condena-lo à morte, só que desta vez de uma
maneira favorável para o Estado vencedor. Quanto à escravidão de civis de um mesmo
Estado, isto deve ser questionado, uma vez que aquele que não detém o direito
de gozar a própria vida não tem o poder para ceder direito algum ao Estado.
“A força é um poder físico; não imagino que
moralidade possa resultar de seus efeitos. Ceder à força constitui ato de
necessidade, não de vontade; quando muito, ato de prudência”[1].
Hobbes assegura que os homens são todos iguais conforme a sua natureza, e
que aspiram às mesmas posses e ideais, e uma vez que algum destes não puder ser
gozado por todos, eles viverão em estado de guerra, afim de ou assegurarem o
que conseguiram conquistar por força, ou para tentarem conquistar aquilo que
ainda não tem. O estado de guerra, para ele, não consiste apenas na batalha ou
combate corporal, mas também no risco eminente de que a guerra aconteça. Neste
risco, não existe paz.
“Durante o tempo em que os homens vivem sem um
poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela
condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra
todos os homens. (…) A natureza da guerra não consiste na luta real,
mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há
garantia do contrário. Todo o tempo restante é de paz.”[2]
Isto significa que, para Hobbes, os homens vivem naturalmente e
individualmente em estado de risco eminente de guerra, e daí a necessidade do
pacto com um soberano. A soberania garante a conservação da vida dos associados
a esse pacto, porém, esses “associados” cedem seus direitos a ele.
Rousseau questiona a “necessidade natural” de ceder os direitos a um
soberano, uma vez que este poderá não se ocupar com a vontade geral do povo,
mas apenas consigo mesmo, uma vez que aquele que detém o poder também é
detentor de vontades próprias e individuais, e poderá utilizar os direitos do
povo como meio para o fim que é a própria auto-conservação.
Tanto Hobbes como Rousseau concordam com o fato de o ser humano ter o
direito de preservar à si mesmo, ou seja, sua própria vida, mas discordam na
medida em que um acredita em meios soberanos para este fim, enquanto o outro
estabelece que medidas democráticas são mais justas e próximas da noção de
liberdade, portanto melhores meios para a mesma finalidade.
Para Rousseau, o soberano não necessariamente é o mais forte, e não
necessariamente o mais forte deve exercer os direitos dos mais fracos:
“O mais
forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, senão
transformando sua força em direito e a obediência em dever”.[3]
Portanto, a força do mais forte nasce do direito
adquirido ao direito de outros, e, portanto, obrigando os outros a obedecerem
suas ordens. Todos são iguais, porém o poder da maioria fora concedido a apenas
um, quando há soberania. Isto não indica que uma pessoa seja mais forte que as
outras, apenas que deteve o poder da maioria. E disto segue que o poder se
estabelece, tanto nas religiões quanto no Estado, geralmente por medo e
coerção, quando os homens se encontram na condição de se obrigarem a prometerem
cumprir acordos, por medo da não-conservação das próprias vidas.
Isso, para Rousseau, não pode ser estabelecido como
acordo ou associação de qualquer natureza, pois aqueles que aceitam ceder seus
direitos a outro o fazem de maneira coercitiva, e não por natureza da razão, e
um homem não coagido a faze-lo, e que declara esta vontade, certamente está
fora de si, em estado de loucura, o que não pode também ser configurado como
associação ou contrato, já que não existe consciência do mesmo.
Porém, para Hobbes, através de coerção ou não, quando
um Estado já está instituído, não se pode voltar atrás de um poder que já fora
consentido pela vontade declarada da maioria. Desta forma, se deve tomar a
grande parte pelo todo, e agir de tal modo que agrade a maioria.
Rousseau questiona esse fato, dado que não se deve
tomar a parte pelo todo, e que não é possível declarar a vontade geral, uma vez
existente partes contrárias a tais decisões.
Nas relações de poder, Hobbes afirma que uma vez que
um pacto foi estabelecido e a vontade da maioria fora a transferência de seus
direitos civis a um soberano, estes não deverão questionar o governo deste, já
que faze-lo seria o mesmo que questionar as próprias decisões, uma vez que os
súditos agiram para beneficiar esta autoridade.
“(…) Compete à soberania ser juiz de quais as opiniões e
doutrinas que são contrárias à paz, e quais as que lhe são propícias. (…)
Pois as ações dos homens derivam de suas opiniões, e é no bom governo das
opiniões que consiste o bom governo das ações dos homens, tendo em vista a paz e
a concórdia entre eles”.[4]
Hobbes, de certa forma, justifica a censura e o poder
controlador abusivo sobre as vontades dos homens, alegando a necessidade de
paz. Porém, não é possível estabelecer a paz sem os direitos básicos de
opiniões, e isso não acontece no governo do soberano, onde há manipulação.
Rousseau acredita na democracia como melhor forma de
governo, uma vez que está diretamente ligada com a natureza de associação dos
homens. O gênero humano necessita de união, portanto formação de comunidades,
para não perecer. Porém, é necessário encontrar a melhor forma de associação,
que defenda a liberdade natural enquanto meio para essa finalidade, que é a
união para a conservação mútua.
“Encontrar uma forma
de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com
toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo
à si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”.[5]
Portanto, este filósofo nos apresenta a sua concepção
da natureza humana, que necessita viver em sociedade para não perecer sozinho,
porém abdica um pouco de uma certa liberdade, estabelecendo uma liberdade
convencional, uma vez que devem ser superadas as forças individuais, e somente
a coletividade pode atender às necessidades de preservação e existência do
homem e de seus bens.
Sobre o direito de propriedade, Hobbes acrescenta que
antes desse direito, tudo pertencia a todos, o que colocava os homens em
constante estado de guerra. A propriedade, para ele é, portanto, necessária à
paz. E o direito de propriedade cabe ao soberano decidir. Deve-se acatar a
decisão do soberano como a melhor para a conservação da paz civil.
Porém, como fora dito, nem sempre as decisões do
soberano são as mais acertadas no que diz respeito às vontades de seu povo, uma
vez que as vontades são individuais, e que os reis pensam em virtude de sua
melhor conservação, assim como todos os outros homens. O poder do soberano deve
ser limitado, uma vez que o Estado é um todo formado por pessoas individuais, e
como um organismo vivo, deve ser mantido e conservado, assim como cada uma de
suas partes.
“Os compromissos que nos ligam ao corpo social só são
obrigatórios por serem mútuos, e tal é sua natureza, que, ao cumpri-los, não se
pode trabalhar por outrem sem também trabalhar para si mesmo”.[6]
Em Rousseau, os fins não justificam os meios, pelo
contrário, os meios devem ser tão importantes e bem fundamentados quanto os
fins. Para ele, quem deseja um fim, também deseja os meios, e esse direito aos
meios não pode ser negado quando a finalidade é a conservação da própria vida
num homem.
Ambos concordam com a necessidade de se estabelecerem
Leis que regulamentem as ações dos homens, porém Hobbes acredita nessa
necessidade por causa da eminente ameaça de guerra que faz parte da natureza
dos homens, enquanto em Rousseau as Leis estabelecem a gênese do corpo
político.
Para ele, as Leis devem estabelecer regulamentações
às vontades gerais, portanto de todos para todos, portanto, é possível ser
livre e ainda assim estar sujeito às Leis, que significam as vontades desse ser
livre.
Já em Hobbes, as Leis são incompatíveis com a
liberdade, pois estas devem limitar certos direitos dos homens afim de
estabelecer a paz, e portanto, limitam suas liberdades.
As Leis e suas finalidades, que visam estabelecer a
paz para a preservação da vida daqueles que a seguem e esperam que esse
respeito às Leis seja mútuo, tem como objetivo também manter qualquer condição
de governo, e por pior que seja um governante, é melhor viver em miséria e
alienação do que em Estado de Guerra.
E certamente Rousseau questiona essa afirmação, uma
vez que coloca a necessidade humana de viver em liberdade, já que esta é sua
condição natural, o que afirma no começo do seu livro.
É possível questionar entre um e outro certas
igualdades e diferenças. Rousseau se baseou no Leviatã de Hobbes para compor
seus argumentos no Contrato Social, e concorda com ele quanto à única possível
e verdadeira justiça: a divina. Não há questionamento sobre a existência de
Deus, porém se questiona os pactos que se fazem através ou em nome Dele.
Bibliografia
- HOBBES, Thomas. Leviatã. Coleção Pensadores,
São Paulo, 1974. - ROUSSEAU, Jean
Jacques. Do Contrato Social. Coleção Pensadores, São Paulo, 1973.
[1] ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social.
[2]
HOBBES, Thomas. Leviatã.
[3]
Idem 1.
[4]
Ibidem 1..
[5]
Ibidem 1.
[6]
Ibidem 1.
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