Crônicas de Machado de Assis com a ortografia antiga.

A Semana – Coluna de Crônicas de Machado de Assis para a Gazeta de Notícias.

Organização de Mário de Alencar.Fonte: Clássicos Jackson, 1944.

1892

8 de Maio

Matto Grosso foi o assumpto principal da semana. Nunca elle esteve menos Matto, nem mais Grosso. Tudo se esperava d’a-quellas paragens, excepto uma republica, se são exactas as noticias que o affirmam, porque ha outras que o negam; mas n’este caso a minha regra é crer, principalmente se ha telegramma. Ninguém imagina a fé que tenho em telegrammas. Demais, folhas europeas de 13 a 14 do mez passado, faliam da nova republica transatlântica como de cousa feita e acabada. Algumas descrevem a bandeira.

Duas d’essas folhas (por signal que londrinas) chegam á aconselhar ao governo da União que abandone Matto Grosso, por lhe dar muito trabalho e ficar longe, sem real proveito. Se eu fosse governo, acceitava o conselho, e pregava uma boa peça á nova republica, abandonando-a, não á sua sorte, como dizem as duas folhas, mas á Inglaterra. A Inglaterra também perdia no negócio, porque o novo território ficava-lhe mui-to mais longe; mas, sendo sua obrigação não deixar terra sem amanho, tinha de suar 0 topete só em extrahir mineraes, desbastar, colonizar, pregar, fazer em summa de Matto Grosso um matto fino.

Eu, rigorosamente, não tenho nada com isto. Não perco uma unha do pé nem da mão, se perdermos Matto Grosso. E não é melhor que me fique antes a unha que Matto Grosso? Em que é que Matto Grosso é meu? Não nego que a idéa da pátria deve ser acatada. Mas a nova republica não bradou: abaixo a pátria! como um rapaz que fez a mesma cousa em França, ha trez me-zes, e foi condemnado á prisão por um tribunal. Matto Grosso disse apenas: Anch’io son pittore, e pegou dos pincéis. Não destruiu a officina ao pé, organizou a sua. Uma vez que pague, além das decimas, as tintas, pôde pintar a seu gosto, e tanto melhor se fizer obras-primas.

Patria brazileira (esta comparação é melhor) é como se disséssemos manteiga nacional, a qual pôde ser excellente, sem impedir que outros façam a sua. Se a nova fabrica já está montada (estylo dos estatutos de companhias e dos annuncios de thea-tros), faça a sua manteiga, segundo lhe parecer, e, para fallar pela lingua argentina, vizinha d’ella e nossa: con su pan se la coma.

Vede bem que a nova republica é una e indivisivel. Aqui ha dente de coelho; parece que o fim é tolher a soberania a Corumbá, a Cuyabá, que poderiam fazer as suas constituições particulares, como os diversos Estados da União fizeram as suas. Eu só havia notado, em relação a estes, a differença dos titulos dos chefes, que uns são governadores, como nos Estados Unidos da America, outros presidentes, como o presidente da Republica. A principio sup-puz que a fatalidade do nosso nascimento (que é de chefe para cima) obrigava a não chamar governador um homem que tem de reger uma parte soberana da União; mas, consultando sobre isso uma pessoa grave do interior, ouvi que a razão era outra e histórica, isto é, que a preferencia de presidente a governador provinha de ser este titulo odioso aos povos, por causa dos antigos governadores coloniaes. Não só comprehendi a explicação, mas ainda lhe grudei outra, observando que, por motivo muito mais antigo, foi acertado não adoptar o titulo de juiz, como usaram algum tempo em Israel (fedor judaico) — justamente !

Entretanto, outra pessoa, sujeita ao terror politico, tem escripto esta semanaque alguns Estados, em suas constituições e legislações, foram além do que lhes cabia; que um d’elles admittia a anterioridade do casamento civil, outro já lançou impostos geraes, etc. Assim será ; mas obra feita não é obra por fazer. Se o exemplo de Matto Ghrosso tem de pegar, melhor é que cada pintor tenha já as suas telas promptas, tintas moidas e pincéis lavados : é só pintar, expor e vender. A União, que não tem território, não precisa de soberania ; basta ser um simples nome de familia, um appellido, meia alcunha.

Depois de Matto Grosso, o negocio em que mais se faliou esta semana (não contando a reunião do Congresso), foi o processo da Geral. Os directores presos tiveram Jiaòeas-corpus. Appareceu um relatório contra os mesmos, e contra outros, mas appareceu também a contestação, depoimentos e desmentidos, além de vários artigos, os quaes papeis todos, juntos com o que se tem escripto desde começo, cortados em tiras de um centímetro de largura, e unidos tira a tira, dão uma fita que, só por falta de cinco léguas, não cinge a terra toda; mas, como não é negocio que se acabe com solturas nem relatórios, calculam os mathemati-cos do Club de Engenharia que as cinco léguas que faltam, estarão preenchidas atéquinta-feira próxima, e antes de outubro pôde muito bem

Dar outra volta completa
Ao nosso bello planeta.

Tudo isso para se não saber nada ! Eu, pelo menos, de tudo o que tenho lido a respeito d’esta Geral, só uma cousa me ficou clara (aqui os credores arregalam os olhos) e foi a legalização, e portanto a legitimação da palavra zangão, com o seu plural zangões. Aquelle nome fora adoptado antigamente com a prosódia verdadeira, — a que tinha, que era zangão, e conseguintemente fazia no plural zangãos. Mas o povo achou mais fácil ir carregando para deante, e pôr o ac-cento na segunda syllaba, fazendo zangão e zangões. Nunca os tinha visto escriptos; achei-os agora judicialmente, e não me irrito com isso. O Sr. Dr. Castro Lopes, que ha pouco tratou de bençam, querendo que se diga benção, e benções, é que ha de explicar por que razão o povo em um caso escorrega para deante e em outro para traz. Eu creio que tudo provem da situação da casca de banana, que, se está mais próxima do bico do sapato, faz cahir de ventas, se mais perto do tacão, faz cahir de costas. Zangão, bençam. Creiam, meus amigos, é a única idéa que ha de ficar dos autos.

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