ESPÉCIE ELEGÍACA – Poesia lusitana

Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)

CURSO DE LITERATURA NACIONAL

 

LIÇÃO VIII

ESPÉCIE ELEGÍACA

Esta espécie do gênero lírico, destinada aos sentimentos de dor e melancolia, foi cultivada em todos os tempos pelos maiores engenhos. Admiramos na Bíblia o Livro de Jó, sublime hino da mais sublime resignação, choramos com Si-môn:des, acompanhamos Ovídio a seu exilio, e com ele saudosos nos recordamos de Roma. Parece ser a tristeza o estado normal d’alma, e é talvez por isso que a poesia elegíaca tanto nos apraz.

Quase todos os poetas portugueses do século áureo se ilustraram nesse ramo: a brevidade porém obriga-nos a fazer seleção, mencionando unicamente os que, ao nosso ver, melhor compreenderam e desempenharam as leis da elegia.

ANTONIO FERREIRA

O mais ilustre representante da escola clássica portuguesa não podia deixar de naturalizar entre os seus a poesia elegíaca. Seus esforços nesta espécie, bem ccmb em várias outras, foram coroados do mais feliz êxito, e denlre muitas elegias, devidas à sua douta pena, escolhemos para modelo um trecho da que compôs por morte de seu amigo João de Bittencourt:

Como será meu coração tão duro Que te não ame, que te não suspire, Pois sem ti acho tolo este ar escuro?

Que coisa pode vir que mude, ou tire A lembrança de ti, meu doce am.go? Que coisa, a que já ledo os olhos vire? Chorarei eu, e chorarão comigo Musas, graças, brandura, e cortesia, E tudo mais que se nos foi contigo.

Já crescias nova hera, já crescias, Novo loureiro para dar coroas A quem tão justamente te devias.

Quantos vales pisamos, quantos montes Meu Bittancourt, colhendo ervas e flores! Quantos rios bebemos, quantas fontes! Ora, cantando a- vida dos pastores, Que tu amavas tanto; ora, escrevendo Nos ternos troncos nossos bons amores. Outrora um ouvindo, outro dizendo Aqueles sãos conselhos bons segredos Que uma alma à outra alma estava vendo. Ouvidos só dos céus e dos penedos Das mansas aves, e das águas claras, Que nós ambos banhavam, estavam quedos, Quantas verdades e surpresas raras Guardareis sempre em vós bosques sombrios, Ditoso tempo se mais me durara.

Descobre-se nestes versos uma dor calma, um profundo e verdadeiro sentimento, expressados em harmoniosa linguagem.

DIOGO BERNARDES

Rojando os ferros da escravidão, compôs o mavioso cantor do Lima saudosas endechas suspirando pela liberdade e pela pátria. A melancolia de Ovídio e a doce unção de Jó divisam-se na elegia de que aqui apresentamos alguns fragmentos:

Sobre um alto rochedo em Berbéria,

O sem ventura Alcide se sentava,

Quando o cruel senhor lho concedia,

Ali seu fraco corpo repousava,

O trabalho do seu cansado esprito

Naquele vão repouso se dobrava.

Em suspiros envolto, choro e grito,

Soltava pelos ares estrangeiros

O mal que na sua alma estava escrito.

A vista dos frutíferos outeiros,

Dos cristalinos lagos e das fontes

Fazia dos seus olhos dois ribeiros

Lembravam-lhe outros vales, outros montes,

Outras águas mais claras, outros rios,

Outros mais afastados horizontes.

Lembravam-lhe outros bosques mais sombrios,

Verdes no frio inverno e abrigá-los, E quando o sol mais arde em tão mais frios. Lembrava-lhe outros mais floridos prados, Outros ares mais leves, mais suaves, À vida humana mais acomodados. Lembravam-lhe outras feras, outras aves, Outras ervas e flores, outras plantas E outros pensamentos menos graves. Enfim que suas mágoas eram tantas, Quantas naquela parte as causas eram Que de muitas não posso dizer quantas.

Prossegue em seus queixumes, lamentando-se da sua misérrima sorte, e falando da imprudente expedição da África exclama:

Ah! jornada infelice! ah! cego engano! Deixar tão rica terra, ir a desterros Por livrar dum tirano outro tirano. Ambos imigos nossos, ambos perros, Ambos desprezadores do cruz santa, Ambos tinham um culto, ambos mil erros. Quem põe os olhos nisto não se espanta De permitir o céu castigo tanto, A descuido tamanho, a culpa tanta. Dia cheio de dor, cheio de espanto, Enquanto o céu der luz, verdura os prados, Celebrado serás com triste pranto. Morrestes, cavaleiros esforçados, Daquela multidão de bruta gente, Vencidos não, mas de vencer cansados.

Que nobre patriotismo anima a musa de Bernardes no final desta elegia! Que beleza de expressão não encerra o último verso! Aqui não se descobre nada de artificial, quem fala é o coração do valente batalhador, do mártir da dedicação e da lealdade.

PERO DE ANDRADE CAMINHA

Discípulo e ardente entusiasta de Ferreira, amigo íntimo de Diogo Bernardes, viveu este poeta na obscuridade, e posto que fossem seus versos prezados por- alguns eruditos contemporâneos, jamais gozou de popularidade, e por muitos anos foram desconhecidas as suas poesias. De tão injusto esquecimento salvou-as a Academia Real das Ciências de Lisboa dan-do-as ao prelo em 1791 em um elegante volume de oitavo. Considerando-o como elegíaco, ninguém deixará de reconhecer em Caminha grandes dotes para esta espécie de poesia; sendo a sua expressão um meio termo entre a veemência de Ferreira e a doçura de Bernardes: participando das vantagens

e dos defeitos de ambos. Tinha o seu estilo certa aspereza e notam-se por isso alguns prosaísmos em seus versos. Fugindo ao abuso, então muito em voga, das comparações, privou-se absolutamente deste grande recurso poético, que tanto contribui para o ornamento do estilo. Escolhemos dentre as suas elegias a que dedicou a Bernardes, tomando por assunto a morte do seu comum amigo, o Dr. Antonio Ferreira.

Recomendamos o seguinte trecho, repassado da mais sincera e profunda dor, e onde brilha a mais singular modéstia:

Um silêncio, Bernardes, me rompeste, Já quase a não falar deierm-naao Na dor que ora de novo a mim moveste. Igualmente a dor minha ser chorado Não pod-a em meu verso o meu Ferreira, Nem ser de mim seu esp’rito bem cantado. Entendia de m-m que à verdadeira Fama do que ele em tudo merecia, Não chegaria a minha voz inteira. Caiava, e a faiar dele me escondia Por não ofender morto um bom amigo, Que me quis tanto quando cá vivia. Com mágoa nova, nova saudade, Fizeste-me chorar ora contigo A dor que eu cá chorava só comigo. Moveste-me a alma, a nova piedade, A nova pena, a novo sentimento, Daquela grande perda desta idade. Daquela grande perda que um momento Depois de tanto mal acontecido, Não deixei de trazer no pensamento. Mas eu não choro ver dentre nós ido Este retrato só da idade ant’ga, Do céu a nossa língua conceddo. Mas faltar-me um engenho a que o meu s?ga Uma voz que ouça. e esp’rito de que aprenda. E os segredos das Musas me abra e diga. E quem o verso meu me repreenda, E o meão me concerte e mo levante Com douto avis-j e com segura emenda. Sinto faUar, Bernardes, quem me espante Com o seu bom senso, com o seu bom escrito, Com cuja imitação possa ir avante. Aquele tfaro. aqueTe puro esp’rito, De são conselho cheio, e de prudênc*a, Sempre será de mim cantado e escrito.

Fazia-me a tristeza menos grave,

Ma’s branda dura pena, a dor ma’s leve,

Fazia-me a alegria mais suave

Se teve, mágoa nossa, a vida breve,

Largo ncme terá. larga memória,

Que a toda a parte e tempo a fama leve.

Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978

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