Invasões Holandesas no nordeste do Brasil

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

 PRIMEIRA SEÇÃO – A LUTA PELA POSSE DO BRASIL –

CAPÍTULO V

Os holandeses no Brasil

É sabido que a Confederação das Sete Províncias Unidas, constituída pela União de Utrecht, de 23 de janeiro de 1579, teve que sustentar, para o reconhecimento da sua independência, uma guerra de setenta anos contra a coroa de Espanha (1579-1609 e 1621-24 de janeiro de 1648), e que durante a mesma, e por obra dela, a Confederação se elevou à categoria de primeira potência naval e comercial européia.

Nessa guerra, desde a sua união com a Espanha, era agora também envolvido Portugal, e o seu comércio, as suas colônias indefesas, eram os que mais sofriam com isso.

De preferência, iam os holandeses levantando feitorias, tomando e arrancando uma posse após outra na Ásia Portuguesa: além disso, porém, já nos primeiros tempos alguns contrabandistas e corsários holandeses apareciam na América Portuguesa.

Pela primeira vez, tanto quanto se sabe, apareceu, no ano de 1584, um navio nas costas brasileiras com a bandeira dos Países Baixos, causando ali grande sensação; depois, em 1595, como já mencionamos, encontrou o flibusteiro inglês Lan-caster, na baía de Pernambuco, três navios holandeses que prontamente se associaram a ele e, partilhando do roubo do Recife, enriqueceram; de novo, em 1604, penetraram sete veleiros holandeses na Bahia, daí levaram consigo um navio ricamente carregado e incendiaram outro.

Havia, em verdade, o governo brasileiro lançado mão de uma série de medidas de precaução: extraordinários direitos de importação foram decretados sobre o vinho (1600) e o seu avultado rendimento foi quase todo empregado na fortificação da costa; repetidas ordenações determinaram aos navios mercantes que navegassem somente em grandes frotas e sob comboio; tudo, porém, era baldado, pois de ano para ano crescia o número de corsários holandeses e que arrecadavam despojos cada vez mais ricos; assim, por exemplo, caíram-lhes nas mãos, em 1616, vinte e oito navios brasileiros e em 1623 esse número foi de 70.

Pode-se imaginar que esses incessantes sobressaltos na costa, simultaneamente com as tentativas francesas de colonização no Norte, produziam profunda impressão: toda a população da colônia vivia em exaltação febril e não pensava noutra coisa senão em ataques de inimigos; receavam-se os holandeses, os ingleses, os franceses; e mesmo das regiões infestadas de piratas na costa norte-africana, que naquele tempo já incluíam os grupos de ilhas dos Açores e Madeira na zona de suas expedições marítimas, receava-se perigo para o Brasil.

Também o governo da mãe-pátria compartilhava desses receios: desde muito

tempo, cogitava-se, novamente, do estabelecimento de uma estação naval regular no Brasil e, a propósito, consultaram-se as diversas capitanias e com elas se negociou acerca das despesas que acarretaria tal empresa, ouvindo-se também pessoas experimentadas; nada, porém, de positivo, se fez neste assunto, tão altamente importante e necessário.

Tanto mais zelosamente foi executada outra medida, cujo fim era inutilizar qualquer ponto de apoio no país que favorecesse uma eventual invasão estrangeira. Sabe-se que desde o princípio havia para os estrangeiros liberdade de entrada e colonização no Brasil, se bem que com grandes restrições. Alguns poucos imigrantes de diferentes nações — ingleses, franceses, especialmente italianos e espanhóis — tinham-se aproveitado dessa permissão e haviam-se estabelecido sob a bandeira portuguesa. Sob a dominação espanhola isso mudou: uma ordenação do rei Filipe II, cerca de 1600, renovada em 1627, excluíra terminantemente todos os estrangeiros do Brasil; todavia essa lei não foi a princípio executada rigorosamente, e ao menos aqueles que estavam estabelecidos permaneceram sem incômodos. Agora, porém, o ciúme do governo e a angustiosa preocupação do povo combinaram-se numa formal perseguição aos estrangeiros: proibiu-se empregar estrangeiros como administradores de fazendas ou ao serviço particular; recomendou-se às autoridades que fizessem a estatística do número, domicílio e cabedais de todos os estrangeiros, ou mesmo deu-se-lhes à escolha, como melhor lhes parecesse, interná-los no sertão ou desterrá-los; e, como conseqüência, em muitos lugares, tais estrangeiros receberam ordem de embarque para a sua pátria, qual aconteceu em Pernambuco, em 1607.

E não era tudo. Existia, além disso, uma classe de habitantes, dos quais se podia com razão supor que, aborrecendo o domínio ibérico, de bom grado o trocariam por outro: eram os chamados novos criatãos, isto é, judeus e mouros, que à força haviam sido batizados e deportados para o Brasil, para castigo de sua obstinada incredulidade; também estes foram agora recomendados à especial vigilância das autoridades coloniais, e com isto se abriu franco pretexto para toda sorte de suspeitas e opressões. Tudo eram providências que se acomodavam bem ao sistema acanhado da política espanhola colonial, que, porém, para a proteção do Brasil, não podiam ser de utilidade alguma, como se verificou logo nos anos seguintes.

Até aqui as empresas dos mercadores e armadores holandeses nas águas americanas haviam sido inteiramente avulsas: faltava-lhes organização centralizada, como a que no Levante produziu tão avultados lucros à Companhia das índias Orientais, privilegiada a 29 de março de 1602; e debalde se esforçaram, durante muito tempo, por uma organização semelhante.

Quando os comandantes de navios das índias Ocidentais, pela primeira vez, pediram licença e privilégios para uma Companhia das índias Ocidentais, receberam uma resposta negativa (1607), pois que os Estados Gerais receavam naquele tempo, e com razão, que uma providência dessa espécie irritasse ainda mais o rei de Espanha e perturbasse as negociações de paz que estavam em andamento.

Assim permaneceu o estado de coisas durante o armistício de doze anos (1609-1621); quando, porém, este se esgotou e a Espanha fez de novo menção de reco-^meçar a velha guerra, ficava-se livre de quaisquer contemplações e o desejo dos negociantes encontrou atenção.

Um decreto dos Estados Gerais, de 3 de junho de 1621, sancionou a instituição de uma Companhia Holandesa das índias Ocidentais e outorgou à mesma, para

campo de suas atividades, toda a América e a costa oriental da Alrica e, além disso, para toda essa esfera de ação, o monopólio, o direito de conquista e de colonização, tudo primeiramente por vinte e quatro anos (renovado a 22 de março de 1647 e extinto em 1674).

Constituiu-se então e preparou-se sem tardar esta sociedade, e o seu primeiro golpe feriu o Brasil.

No principio do ano de 1624 fez-se de vela dos portos holandeses uma poderosa esquadra, sob o comando do almirante Jakob Willekens e do vice-almirante Pieter Heyn; constava de 23 velas, com 500 peças de artilharia e 1.600 marinheiros e, além disso, achava-se a bordo o coronel Hans van Dorth, com 1.700 homens de tropa de desembarque.

Tiveram uma viagem demorada e tormentosa, na qual a frota muitas vezes foi dispersada e de novo teve de se reunir. Quando transpuseram o equador, abriram os chefes as suas cartas de prego (21 de abril) e acharam nelas a ordem para atacar o Brasil, primeiramente para conquistar a capital — Salvador.

Para ali rumou então Willekens e, depois de haver cruzado ainda alguns dias na costa, também com o fim de esperar os últimos navios retardatários, penetrou, tocado por vento favorável, com toda a sua força reunida, na Bahia (9 de maio).

Estavam ali ancorados quinze navios portugueses, que não ousaram fazer oposição séria, e a equipagem, depois de haver trocado alguns canhonaços e haver lançado fogo às suas próprias embarcações, fugiu nos botes e ficou em segurança na margem, a observar como os holandeses abordavam os navios incendiados e, depois de apagar as chamas de oito deles, os carregaram como boa presa. Ainda na mesma tarde, foram também ambas as fortalezas do porto— São Marcelo e Santo António da Barra — tomadas de assalto, com poucas perdas, e com isso ficaram os vitoriosos holandeses na posse incontestada da baía.

Salvador, a capital, igualmente pouca resistência ofereceu. Havia, em verdade, o governador-geral Diogo de Mendonça Furtado, logo à primeira notícia da aproximação da frota inimiga, mandado mobilizar toda a gente da redondeza que pudesse usar armas; a sua ordem, entretanto, poucos obedientes encontrou, e, por isso, era impossível uma resistência eficaz.

Nessa mesma noite, a maioria da população, em rápida fuga, procurou a sua salvação; e os que ficaram, quando no dia seguinte (10 de maio de 1624) os holandeses avançaram, abriram-lhes as portas e entregaram-se aos vencedores, que por sua parte não pouco admirados ficaram de tão fácil e rápido sucesso.

O governador-geral que, com alguns funcionários, se havia recolhido ao seu palácio, foi aprisionado sem resistência; em seu lugar Hans van Dorth tomou o comando da cidade do Salvador e mandou construir a toda a pressa extensas obras de fortificação, de modo que dentro de poucos dias a cidade estava suficientemente protegida, tanto do lado de terra como do mar.

Em seguida, regressou Willekens com a metade da esquadra para a Holanda, ao mesmo tempo que o vice-almirante Heyn se fez à vela, com o resto dos navios, para as costas africanas, a fim de procurar também ali fazer conquistas, no que não logrou sucesso (agosto de 1624).

Conservaram-se, entretanto, os portugueses fugitivos escondidos nas matas vizinhas, sempre crentes ainda de que, como havia feito Lancaster, no Recife, assim também Willekens só tencionava uma ocupação provisória e saquear a Bahia; dia por dia esperavam a partida do inimigo, a evacuação da cidade natal: tudo, porém, debalde.

Em vez disso, vinham proclamações, nas quais o comando holandês convidava os fugitivos a se submeterem, assegurando aos que regressassem a posse pacífica de suas propriedades, justiça e livre prática da sua religião. Poucos, na maioria novos cristãos e escravos33, atenderam ao convite; a maior parte desdenhou de submeter-se ao inimigo ou de com ele negociar e resolveu reconquistar, com as armas, a cidade natal que eles, tomados de pânico, haviam abandonado vergonhosamente ao primeiro assalto.

Em magotes cada vez maiores, a população se agregava à bandeira portuguesa, de.sorte que em breve estavam em armas 1.700 homens, entre eles 250 índios convertidos; e as autoridades da capitania reuniram-se numa aldeia missioneira, a fim de escolherem um chefe provisório para substituir o governador-geral prisioneiro, e a escolha recaiu no ouvidor Antão de Mesquita que, entretanto, poucas semanas depois, desistiu da investidura, para passar o lugar a mais hábil sucessor, o bispo de Salvador, Marcos Teixeira. Sob a direção desse bravo prelado e mais tarde, — quando depois de passados alguns meses, ele sucumbiu às canseiras da campanha, — sob o comando de Francisco Nunnez34 Marinho, deu-se começo a uma espécie de cerco irregular à Bahia, o que, embora não fazendo perigar a segurança da bem defendida cidade, contudo de diversos modos causava dano ao inimigo.

Feriu-se uma série de sangrentas escaramuças; numa delas foi morto o comandante Hans van Dorth e noutra o seu sucessor Albert Schoutens35; e Wilhelm Schoutens, que então assumiu o comando supremo, não estava à altura de cargo de tal responsabilidade, de modo que os holandeses, em breve privados de toda perspectiva de sucessos futuros, viram-se reduzidos a ficar dentro das muralhas da cidade fortificada.

Nesse ínterim, chegava à Europa a notícia da perda da cidade do Salvador, a 26 de julho, em Lisboa, e cinco dias mais tarde, em Madri (31 de julho de 1624). produzindo tanto na corte como no povo geral consternação. Consideraram muitos o fato como castigo divino pelos pecados da nação e, por isso, ordenou Filipe IV expiações públicas, preces extraordinárias e outros atos do serviço divino, de acordo com a superstição religiosa daqueles povos e daqueles tempos e tendentes a aplacar a cólera do céu. De mais importância foi que se tomaram, sem demora, providências bélicas e dentro de poucas semanas fizeram-se de vela diversas pequenas esquadras, partidas da embocadura do Tejo. Uma delas seguiu em direção às costas africanas orientais, onde logrou chegar a tempo de repelir o ataque de

Pieter Heyn às colônias portuguesas; outros navios, com munições de guerra e importantes despachos, rumaram para o Brasil e levaram ao governador de Pernambuco, Matias de Albuquerque, a nomeação régia de governador-geral, e às outras capitanias a ordem de se prepararem e acudirem sem demora aos combatentes baianos, com tropas e provisões.

Além disso, acrescentava-se a advertência às autoridades eclesiásticas de que deviam esforçar-se, de todo modo, para que a heresia holandesa, o calvinismo, não criasse raízes no país.

Em breve nova esquadra conduzia para ali outro general, Francisco de Moura, que assumiu o comando na Bahia, em substituição de Francisco Nunnez, e intensamente ativou o cerco.

Era, porém, tudo isso apenas o prelúdio. Ainda e sempre, e com o maior ardor, embora também com o vagar característico dos espanhóis, foram ativados nos dois reinos da Península Ibérica grandes preparativos; os fidalgos, as cidades de Portugal, honradas com convite de próprio punho do rei, deram contribuições voluntárias. Assim, Lisboa deu 100.000 cruzados, o duque de Bragança 25.000, e alistaram-se os filhos das mais nobres famílias. Finalmente, zarpou do porto de Lisboa a esquadra portuguesa — 27 velas, com 4.000 homens da guarnição — comandada por Manuel de Meneses; nas ilhas do Cabo Verde ficou ainda nove semanas à espera, até que chegassem também os aliados espanhóis, dom Fradique de Toledo Osório, com 40 velas e 8.000 soldados (6 de fevereiro de 1625), e então tomou rumo do Brasil a esquadra reunida, como jamais igual haviam transportado as ondas do oceano Atlântico do sul.

A 29 de março de 1625, apareceu ela na Bahia, onde justamente ancoravam uns vinte navios holandeses; este pequeno número, na maioria navios mercantes, não estava em condições de se opor à entrada do, por demais, poderoso adversário; recuaram, por isso, os holandeses, para ficarem sob a proteção das baterias de terra e deixaram o domínio do porto aos almirantes inimigos, que, sem tardar, depois de haverem feito a união das suas tropas de desembarque com o exército de Francisco de Moura, simultaneamente estabeleceram rigoroso bloqueio de São Salvador, tanto pelo lado do mar, como pelo de terra.

Constava, ali, a guarnição da praça de 2.000 homens, no máximo, e estava, portanto, em grande minoria; sem embargo, defenderam eles as suas bem fortificadas muralhas, a princípio com bravura e ousaram mui bem sucedidas surtidas; com o correr do tempo, ficaram, porém, em desvantagem, pois cada vez mais apertado se fechava o cerco dos atacantes; os navios holandeses, no porto, foram metidos a pique e a própria cidade foi bombardeada.

Debalde esperavam socorros. Em verdade, voltara o vice-almirante Pieter Heyn da sua expedição africana para as costas brasileiras e, embora sem sucesso, havia atacado a capitania do Espírito Santo (10 a 18 de março) e apenas de passagem mostrou, diante da Bahia, a distância, a sua insígnia; fraco demais para forçar a entrada, sem o auxílio prometido, e que tardava, da frota da Companhia das índias Ocidentais, que devia vir da Holanda, após um mês de espera, viu declarar-se o descontentamento na guarnição da praça. Em primeiro lugar, foi o comandante superior Wilhelm Schoutens tumultuosamente deposto do seu cargo e depois as tropas mercenárias recusaram-se a continuar a combater por uma causa perdida.

Em conseqüência, o sucessor do Schoutens, Jan Kiif, viu-se forçado a entabular negociações com o almirante espanhol e ficou resolvida a capitulação, na qual os holandeses obtiveram a concessão de livre saída e regresso à sua pátria; deviam, entretanto, entregar a cidade com todas as armas e provisões de guerra, assim como

os prisioneiros e despojos, e também comprometer-se a não mais tomar armas contra a Espanha e Portugal, antes de porem pés nas terras pátrias.

A l9 de maio de 1625 foi assinada essa capitulação: no mesmo dia desapareceram as bandeiras das Sete Províncias Unidas das muralhas de Salvador e no seu lugar foi içada a portuguesa. Estava o Brasil, novamente, liberto do domínio estrangeiro.

Os vencedores cumpriram o trato da capitulação com escrupulosa fidelidade; contudo, passaram-se muitas semanas antes que pudessem mandar vir as necessárias embarcações para o transporte dos holandeses e, nesse ínterim, apareceu a tão esperada segunda frota da Companhia das índias Ocidentais, composta de trinta e quatro velas, sob o comando do almirante Balduin Hendrikszoon (26 de maio de 1625)36. A sua aparição, todavia, em nada mudou a feição das coisas: quando o almirante viu a cidade de Salvador perdida, não ousou dar combate, mesmo porque grassava grave epidemia a bordo dos seus navios e estavam as equipagens muito enfraquecidas.

A esquadra navegou para o norte, passou de largo por Pernambuco, e desembarcou na Paraíba; e quando também aí se aproximavam inimigos, que vinham de todos os lados, deixou ela, inteiramente, as águas brasileiras. Seguiu-a, dentro em pouco, a frota de transportes que conduzia à Holanda a antiga guarnição de Salvador.

Finalmente, também reembarcaram, de regresso à pátria, os almirantes vencedores, Fradique de Toledo Osório e Manuel de Meneses, após haverem equipado a praça de Salvador com uma guarnição de mil portugueses e confiado o comando da cidade a Francisco de Moura. O cargo de governador-geral ficou, por outro lado, provisoriamente nas mãos de Matias de Albuquerque, até que, no ano seguinte, passasse, por ordem do rei, a Diogo Luís de Oliveira, conde de Miranda (1626-1635).

Falhara, desse modo, completamente, a primeira tentativa de conquista do Brasil pela Companhia Neerlandesa das índias Ocidentais, com sacrifício inútil de avultadas quantias.

Não foram mais felizes os holandeses nas regiões mais ao norte. Um duplo ataque à fortaleza do Ceará foi repelido por Martim Soares; duzentos holandeses, que de novo se haviam estabelecido em Gurupá, à margem do Amazonas, tiveram que evacuar o campo depois de encarniçado combate (1626); igual sorte tiveram diversos bandos de aventureiros, parte holandeses, parte ingleses-, que nos anos de 1629 e seguintes haviam procurado fortificar-se na ilha Tojucos, na costa do Pará.

Um capitão de navio holandês, Cornélius Jol, conseguiu, é verdade, no oceano Atlântico, tomar pé no grupo de ilhas brasileiras de Fernando de Noronha, fundando ali uma colônia; ilhas de demasiada importância marítima para que as autoridades portuguesas se desinteressassem da sua ocupação, para elas foi despachada uma esquadra de sete velas, com mil homens, a qual forçou os holandeses a retirar-se em 1629.

Apesar de tudo, mantinha a Companhia das índias Ocidentais o predomínio da bandeira batava nas águas do Atlântico, e o seu almirante Pieter Heyn era temido de todos que navegavam para o Brasil. Penetrou ele, em março de 1627, na Bahia, onde sustentou forte canhoneio contra as baterias flutuantes e de terra e,

embora o seu navio almirante fosse a pique e outro voasse pelos ares, conseguiu completo triunfo e arrebatou do porto oito navios mercantes ricamente carregados.

Após haver dominado a baía cerca de um mês, fez-se de vela, a fim de comboiar as suas presas durante parte do caminho; voltou depois e trouxe para fora três dos sete navios que se haviam refugiado muitas léguas rio acima, num tributário da baía (11 de junho de 1627).

Sem ter em conta o pequeno êxito dos seus colegas, lançou-se Pieter Heyn (8 e 9 de setembro de 1628) sobre a esquadra da prata hispano-mexicana, e também esta sucumbiu à força do seu braço e constituiu o mais rico despojo que jamais tocou a uma esquadra de guerra em mares livres. Indenizou-se com isso, e ricamente, a Companhia das índias Ocidentais de todos os prejuízos e teve bastante dinheiro para empreender nova tentativa de conquista contra o Brasil.

Desta vez, tocou à capitania de Pernambuco, que na Holanda já era conhecida como o mais rico território brasileiro e que, além disso, oferecia para a navegação às índias Orientais mais apropriado porto de escala. Iniciaram-se grandes preparativos e, para melhor conservar oculto o plano, simultaneamente, em diferentes portos, oito esquadras, uma após outra, fizeram-se de vela, e foram reunir-se na altura de Cabo Verde.

Constava então a frota de setenta velas e de mais de sete mil homens; Henrique Loncq tinha o comando supremo e auxiliavam-no, como almirante, Pieter Adry-anszoon Ita, e como chefe das tropas de terra, o coronel Weerdengurgh 37. No dia seguinte ao natal de 1629, a expedição reunida tomou rumo para oeste, e a 13 de fevereiro de 1630 apareceu nas costas de Pernambuco, diante de Olinda.

Aqui achou o conquistador facilidades. Realmente, havia o governo espanhol da Bélgica farejado, ainda a tempo, o segredo dos preparativos holandeses e informado deles aos governos de Madri e Lisboa; a notícia, porém, não achou ouvidos crentes; não se fez mais que despachar o antigo governador-geral Matias de Albuquerque, que justamente se encontrava em Madri, com o pequeno reforço de três navios com destino à colônia ameaçada. A 18 de outubro de 1629, desembarcara ele em Olinda, onde assumiu o comando militar e, embora a população teimosamente descrente não o coadjuvasse quase nada, começou, sem demora, a cuidar de melhorar a defesa do porto. Levantaram-se novas fortificações e em muitos lugares afundaram-se navios.

Estas medidas foram bastante eficientes como obstáculo à entrada da esquadra que ali ia penetrar; teve ela de contentar-se com abrir bombardeio de longe; mas, ao passo que assim chamava a atenção sobre si, desembarcava o coronel Weerden-burgh com as suas tropas algumas léguas mais para o norte, na costa. Isso foi decisivo. Os habitantes de Olinda e Recife, logo que apareceu a bandeira inimiga, abandonaram, na sua maioria, a cidade, conduzindo todos os seus bens; e, após saberem do desembarque dos inimigos, fugiram também os derradeiros e até às tropas faltou a necessária coragem.

Weerdenburgh em toda a sua marcha só encontrou aparente e fraca resistência; Olinda fora completamente abandonada, exceto por um pequeno bando que se havia recolhido ao claustro fortificado dos jesuítas e se defendeu ali com bravura, até que as portas do edifício foram destroçadas pelas balas holandesas.

Também a cidade do Recife havia sido desocupada por Matias de Albuquerque, sem luta, depois de haver ele mandado incendiar os depósitos e os navios no porto; as fortalezas do porto por fim capitularam, depois de alguns dias de resistência.

Pequena foi a presa, mas o triunfo foi completo. Ao passo que as tropas de terra ocupavam as cidades recém-conquistadas e as fortificavam segundo as regras da arte, a esquadra penetrou triunfante no porto; e poucos dias depois chegou ao Recife segunda frota, vinda da Holanda, trazendo reforços novos (princípios de março de 1630).

Ia repetir-se agora em Pernambuco o mesmo espetáculo que seis anos atrás se havia presenciado na Bahia. Reuniram-se os fugitivos ao abrigo das matas; acudiram em socorro as milícias, os índios convertidos das capitanias vizinhas, mesmo algumas tribos do Ceará e finalmente alguns navios de Portugal; viu-se, agora, Matias de Albuquerque apto a tomar a ofensiva. A meio caminho, entre Olinda e Recife, mandou ele levantar um acampamento fortificado — o Arraial do Bom Jesus (4 de março de 1630); desse ponto central partiam constantemente pequenas surtidas, que estorvavam as comunicações entre ambas as cidades, e como que mantinham prisioneiro o inimigo dentro de suas muralhas.

Assim prosseguiu a guerrilha por todo o ano, ao passo que qualquer tentativa de grande escala, um ataque dos holandeses ao arraial, um assalto de surpresa dos portugueses a Olinda, falhava completamente. Ambas as partes mantinham-se nas suas posições: os holandeses, senhores de ambas as cidades e do porto de mar, os portugueses, senhores da terra livre, esperando, quer um, quer outro, reforços prometidos pelas respectivas pátrias.

Estes chegaram no ano seguinte, 1631; primeiramente alcançou o Recife uma frota da Companhia das índias Ocidentais, de 16 velas, sob o comando de Adrian Janszoon Pater, e trouxe tropas frescas; a ela seguiu-se, quatro meses depois, em agosto, um almirante espanhol, Antônio de Oquendo, com 19 navios de guerra, que primeiramente desembarcou tropas na Bahia e em seguida tomou rumo do norte, a fim de conduzir homens para as capitanias de Pernambuco e Paraíba. Porém, de caminho, encontrou a esquadra holandesa e desenrolou-se, então, uma encarniçada batalha, na qual especialmente ambos os almirantes combateram com a maior bravura; abordando-se mutuamente, trocavam as salvas mortais, até se incendiar o navio almirante holandês; envolveu-se, então, o almirante Pater na sua bandeira e atirou-se ao mar, preferindo a morte à prisão pelo inimigo, 12 de setembro de 1631.

 

Este encarniçado combate naval não foi decisivo, depois de haverem ambas as esquadras perdido uma grande parte de suas equipagens e muitos navios, cessaram o combate, e os holandés regressaram ao Recife, a fim de fazer as devidas reparações nos seus navios avariados. Ia nas suas águas, a grande distância, em navios-transportes portugueses, uma divisão de tropas, sob o comando do napolitano, conde de Bagnuolo39, que desembarcou num ponto solitário da costa de Pernambuco e marchou, dando uma grande volta, para o arraial do Bom Jesus. Por outro lado, a esquadra espanhola logo deixou as águas sul-americanas e contentou-se em escoltar um numeroso comboio de navios mercantes, que iam do Brasil para a metrópole.

Mais importante, embora tampouco decisiva foi a guerra em terra. O comando holandês em Olinda, desde que havia recebido reforços em abril de 1631, pensou utilizar-se de sua supremacia no mar para atacar a costa brasileira, em diferentes lugares — na esperança de conseguir, deste modo, dispersar de novo as forças inimigas de terra, que, cada dia mais numerosas, se haviam reunido diante dos muros da cidade. Primeiro, empreendeu-se uma expedição marítima à ilha de Itamaracá, 22 de abril de 1631; porém a capital, Conceição, repeliu valentemente o assalto, e assim tiveram os holandeses que se contentar em construir, na ponta sudoeste da ilha, defronte da cidade de Igarazu 40, o forte Orange, que lhes assegurava o domí-

nio, primeiramente, sobre um porto conveniente, além disso, para tempos futuros, uma bem situada base de operações contra a capitania da Paraíba.

Em breve, cuidou-se de preparar novas expedições semelhantes; porém, a fim de ter para isso maior desembaraço e mais consideráveis meios, tomou o conselho de guerra a resolução de concentrar todas as suas forças no Recife, evacuando Olinda. Assentado isto, foi despachada uma mensagem ao arraial português, perguntando aos possuidores das casas se queriam resgatá-las das chamas do incêndio; como estes recusassem, a guarnição incendiou a cidade e reuniu-se aos seus companheiros no Recife (novembro de 1631). E então começou uma série de expedições navais: a primeira, à capitania da Paraíba, contra a cidade do mesmo nome; a segunda, contra Natal, no Rio Grande do Norte, dezembro de 1631); porém em ambos os lugares encontraram os atacantes a costa bem defendida e tiveram que voltar sem haver efetuado nada. Terceira expedição, dirigiu-se contra o forte e porto de Pontal de Nazaré, situado na costa de Pernambuco, sete léguas ao norte de Recife, e no qual, desde que esta última cidade estava na mão dos inimigos, se havia concentrado, por assim dizer, todo o comércio de exportação da província; esperavam os holandeses ali fazer grande presa; mas ainda desta vez a sorte não lhes sorriu, e foram repelidos com grandes perdas (fevereiro de 1632).

Haviam já passado dois anos, e ainda permaneciam os holandeses, como a princípio, adstritos a dois pontos da costa; Recife e forte Orange, suas bem fortificadas praças de armas, zombavam de todos os assaltos; porém, fora delas não lhes pertencia nem mesmo um palmo de terra. Igualmente, tampouco haviam conseguido ganhar adesão da população colonial.

Na verdade, havia a Companhia das índias Ocidentais, logo após o desembarque, convidado os fazendeiros da redondeza a fazer permutas vantajosas de mercadorias, e a princípio em muitos lugares acharam anuência; porém, o general português logo lhes pôs termo, mandando enforcar, sem processo, como traidores da pátria, os colonos que se verificassem culpados de relações com o inimigo.

Nestas circunstâncias, a situação dos conquistadores era quase desesperada; dificilmente podiam esperar sucesso: foi então que a passagem de um só homem para seu partido fez revirar a sorte das armas e encadeou a vitória irresistivelmente às bandeiras holandesas. Era ele Domingos Fernandes Calabar, mulato, originário de Porto Calvo, na atual província de Alagoas.

Não discutamos o motivo que o levou a passar para o outro partido; se tinha razões justas para descontentamento; se, como dizem as informações portuguesas, para escapar aos castigos em que incorrera por seus crimes; ou se queria tirar vingança por um castigo que sofrera; o fato é que fugiu para o lado dos holandeses, e prestou-lhes, não menos por sua bravura desassombrada como por seu conhecimento detalhado do terreno e da costa, os mais valiosos serviços (1632 e seguintes). Sob a sua direção foi, em seguida, empreendida uma série de surtidas dentro dos limites de Pernambuco; todas foram bem sucedidas, todas deram aos holandeses glória e presas: atacaram de surpresa e saquearam Olinda, onde os habitantes acabavam de se alojar de novo; igual sorte teve, mais ao norte, a cidade de Igarazu; ao sul, o forte do rio Formoso, depois de heróica resistência, foi tomado de assalto; e, o que foi mais importante, também as guerrilhas, nas quais os batavos até então sempre haviam sofrido perdas, soube Calabar conduzi-las com tanta astúcia e habilidade que as forças combatentes dos portugueses ficaram por toda a parte em desvantagem.

Nessa época, janeiro de 1633, vieram ao Recife, mandados da Holanda pela

Companhia das índias Ocidentais, dois comissários (gedelegueerde bewindhebbers), Johann Gysselingh e Mathias van Keulen; eram munidos de plenos poderes extraordinários, e da sua decisão dependeria que se abandonassem imediatamente as conquistas brasileiras, que até então davam apenas com que cobrir as despesas, ou que nelas se permanecesse e tratasse de estendê-las. Eles resolveram pelo último alvitre; e, como haviam trazido algumas tropas, julgaram-se então os holandeses bastante fortes para empreender ataque ao quartel-general inimigo, o Arraial do Bom Jesus, sexta-feira santa, 24 de março de 1633. Porém debalde; o assalto foi repelido com grandes perdas, e teve-se que procurar compensação deste malogro em outros lugares.

E isto realizou-se com extraordinário resultado. Segismundo van Schkoppe, general-chefe, a quem Calabar assistia com seu conselho e auxílio, invadiu e submeteu agora toda a ilha de Itamaracá (16 de junho de 1633 e seguintes); depois fez Calabar uma devastadora incursão nos distritos do sul de Pernambuco, a atual Alagoas; e dali seguiu-se de novo ao norte, para o Rio Grande do Norte, onde van Keulen, depois de ligeiro combate, arvorou a bandeira holandesa nas muralhas do forte do porto e da capital, Natal (dezembro de 1633).

O ano seguinte trouxe novos sucessos. Justamente ao arraial do Bom Jesus havia de novo chegado um pequeno reforço, e os portugueses, de seu lado, aproveitando-se de que uma parte da guarnição havia saído em expedição, ousaram dar assalto ao quartel-general holandês. De fato, um bando de cem homens, sob Mar-tim Soares Moreno, subiu noite escura, sem ser pressentido, às obras avançadas; e, se lhe houvesse seguido sem demora o corpo principal, talvez a cidade descuidada tivesse caído em suas mãos; porém a hesitação perdeu tudo; os navios de sentinela no porto pressentiram algo suspeito, alarmaram a guarnição, e, ao raiar a madrugada, Martim Soares teve que recuar rapidamente (1-2 de março de 1634).

Mais sorte tiveram os holandeses: primeiro trataram de conquistar os diferentes portos na costa de Pernambuco, pelos quais se fornecia de víveres o arraial do Bom Jesus, e isto conseguiram, na maior parte deles, pela perícia de Calabar (verão de 1634). A 9 de agosto chegaram então novos reforços da Companhia das índias Ocidentais, pelos quais o exército de terra elevava seu efetivo a 32 companhias, isto é, mais de 4.000 soldados, a força naval a 42 velas, com 1.500 marinheiros, e agora podia de novo o comando holandês pensar em grandes conquistas.

A 24 de novembro saíram do porto de Recife o coronel Sigismundo van Schkoppe e o almirante Lichthart, acompanhados por Calabar, com mais ou menos a metade de sua força de combate; a 4 de dezembro apareceram eles diante da embocadura do rio Paraíba, e, depois de violento combate, que durou muitos dias, foi forçada a entrada, foram tomados os fortes do porto e os vencedores entraram sem estorvo na capital da Paraíba. Porém toda a população havia fugido com os bens e haveres, e, sem dúvida, teria aqui acontecido o mesmo que dantes na Bahia e Pernambuco, se não houvesse a intervenção de dois dos mais considerados cidadãos, Bezerra e Silveira, que (não se sabe por que motivo), aderiram aos holandeses; com os seus esforços alcançaram que a maior parte da população da cidade regressasse e se submetesse; tratou-se uma formal capitulação (26 de dezembro de 1634), na qual o comando holandês, em nome da Companhia das índias Ocidentais, garantia plenamente aos novos súditos a vida e os haveres, direitos iguais aos dos holandeses, o direito de usar armas, isenção do serviço militar e livre prática da religião católica pelos sacerdotes da terra. Além disso, o comércio animado e lucrativo, que logo se estabeleceu entre a cidade da Paraíba e a Holanda, muito contribuiu para reconciliar os cidadãos com o novo domínio. Os municípios rurais da

capitania da Paraíba foram pouco a pouco seguindo o exemplo da capital; também a vizinha capitania do Rio Grande do Norte, onde até então a bandeira holandesa só tremulava em Natal, submeteu-se sob as mesmas condições. Até as tribos indígenas saíram de suas matas para fazer amizade com os novos donos do país, ao passo que, por outro lado, as tropas portuguesas, acompanhadas pelos colonos e índios que haviam permanecido fiéis, emigraram de ambas estas capitanias para Pernambuco (fins de 1634).

Aí agora era questão da guerra decisiva. A situação das coisas na capitania de Pernambuco, no princípio de 1635, era a seguinte: três praças fortificadas pertenciam ainda aos portugueses — ao norte, perto de Olinda, o Arraial do Bom Jesus e o forte do Pontal de Nazaré, e na vizinhança dos mesmos operavam em campo aberto tropas portuguesas, comandadas pessoalmente pelo general Matias d’Albu-querque e seu irmão mais velho, o donatário da capitania, Duarte d’Albuquerque Coelho; por outro lado, estava o conde de Bagnuolo, com outro exército, mais ao sul, nas denominadas Alagoas, região de brejos e lagoas, e apoiava-se na fortificada Porto Calvo. Estes três pontos foram agora, todos a um tempo, assaltados, cercados pelos holandeses e, apesar de todos os esforços para sua libertação, caíram, um após outro, em poder do inimigo: primeiro Porto Calvo, em março, depois o Arraial do Bom Jesus, a 7 de junho, e finalmente Pontal de Nazaré, a 2 de julho de 1635.

Nestas circunstâncias, tiveram os dois Albuquerques que pensar no regresso, pois a função que exerciam até agora, tornava-se inútil, insustentável; eles convidaram a que os acompanhassem todos os colonos que quisessem permanecer fiéis à pátria e à religião, e milhares de pessoas de todas as idades, de ambos os sexos e de todas as categorias sociais, atenderam ao apelo; puseram-se então a caminho para o sul, a fim de se reunirem às tropas do conde de Bagnuolo, que havia tomado posição em Alagoas. Era longa a caminhada, penosa e com toda a sorte de privações; porém todos os sofrimentos foram compensados, ao saciarem a sede de uma vingança; e foi que, em caminho, conseguiram tomar de surpresa Porto Calvo e aqui, na sua cidade natal, caiu nas mãos de seus compatriotas exasperados o temido Calabar, que pagou com a vida a traição à pátria (julho de 1635). Ele havia concluído a sua missão e a sua morte não mudou coisa alguma; porque os dois Albuquerques, impossibilitados de conservar a cidade conquistada, logo prosseguiram na sua marcha para o sul; seguiu-lhes nas pegadas um destacamento de inimigos, que de novo plantou as cores holandesas em Porto Calvo.

Foi este o primeiro capítulo da guerra batavo-brasileira, que, limitada ao espaço entre o cabo São Roque e o rio São Francisco, depois de uma luta de cinco anos, rematou com a conquista de quase todo este trecho da costa pelos holandeses. O império colonial da Companhia das índias Ocidentais ou, como era costume chamar-se "Nova Holanda", compreendia agora quatro das antigas capitanias portuguesas, Rio Grande do Norte, Paraíba, Itamaracá e quase todo Pernambuco; as suas fortalezas avançadas eram, ao norte, a cidade de Natal, ao sul, Porto Calvo, porém o posto central propriamente dito e a principal praça de armas era sempre Recife, e o seu porto era ao mesmo tempo estação para os navios holandeses das índias Ocidentais e para os corsários que cruzavam no Atlântico contra o pendão hispano-português. Por fim, o Recife também era sede do governo e este, mandatário com plenos poderes da Companhia das índias Ocidentais, era a princípio exercido pelo Conselho Político de cinco membros [politicke Raden) que se constituíra, a 21 de abril de 1630, segundo um regulamento de 13 de outubro de 1629.

Mais tarde passou a autoridade governamental provisoriamente aos dois comissários Johann Gysseling e Mathias van Keylen, que vieram em janeiro de 1633, com atribuições proconsulares, e conservaram-na em suas mãos até ao seu regresso à pátria (l9 de setembro de 1634), ocasião em que se reempossou o Conselho dos Cinco.

Quanto à atividade dessa administração, foi ela em geral branda e orientada no sentido de reconciliar os portugueses-brasileiros com a dominação holandesa. Já se disse como havia sido expressamente garantido aos habitantes da Paraíba, numa capitulação, a plena segurança das vidas e dos bens, direitos iguais aos dos holandeses, livre prática do culto católico com sacerdotes seus; as mesmas concessões tiveram todas as praças conquistadas anterior e posteriormente, e, além disso, contentou-se o governo com os impostos tradicionais e prometeu não criar novos.

Porém, tudo isso que o Conselho dos Cinco procurava fazer de bom, em grande parte desfaziam, como sói sucederem tempos de guerra, as autoridades subalternas, principalmente os militares, mercenários lansquenetes embrutecidos; não faltaram violências, opressões de toda sorte, e qualquer comunicação dos colonos portugueses com o exército de seus compatriotas era castigada com implacável severidade, como traição de guerra.

Juntava-se a isso o antagonismo de nacionalidade e de religião, o qual dificilmente poderia ser maior do que esse que existia entre os fleumáticos calvinistas holandeses e os ardorosos habitantes das terras do Sul, católicos intransigentes; especialmente tomaram os brasileiros muito a mal que a mesma liberdade de religião que os vencedores lhes concediam fosse estendida a todas as outras religiões. Porque não só colonos, funcionários e pregadores calvinistas, mas também judeus portugueses expulsos da sua pátria pela Inquisição, e que se haviam refugiado nos Países Baixos, vinham agora em multidão para o Brasil, onde podiam falar a sua língua materna e sob a proteção holandesa podiam confessar e praticar às claras a sua crença; e até era aqui permitido aos "novos cristãos" reverter publicamente da Igreja católica obrigatória para a sinagoga.

Tal era o estado da Nova Holanda brasileira; um extenso império colonial com recursos naturais inesgotáveis; porém, sempre ainda ameaçado no exterior, nada consolidado no interior, e ainda mais, o que aos olhos da companhia comercial dominante era talvez o pior inconveniente, não produzira até então lucro algum. Porque, devido à guerra, e ainda muito mais pela emigração em massa da população, que se associara à retirada das tropas portuguesas, estava deserto por toda parte o território, e a Companhia das índias Ocidentais via-se impossibilitada de mandar vir novos braços para remediar isso cabalmente; ela não possuía até então território algum na costa da África e, portanto, não podia estabelecer suficiente abastecimento em negros; a imigração européia permanecia escassa, e nestas latitudes tropicais, nas baixadas da costa, camponeses do Norte da Europa de pouco teriam valido.

Em conseqüência disto, decaía cada vez mais o principal ramo de indústria das capitanias conquistadas, a produção de açúcar, o que redundava forçosamente na diminuição do comércio e dos impostos dessas regiões. Por outro lado, para a defesa incessante dessas colônias, eram necessárias forças militares muito dispendiosas; a esquadra, na verdade, obtinha com os seus corsos bastante rendimento, e no Norte era suficiente uma pequena guarnição, porque aqui os vastos desertos do Rio Grande e Ceará separavam as possessões holandesas das vizinhas colônias portuguesas.

Tanto maior tropa da terra exigiam as regiões do Sul, pois, à margem norte

do rio São Francisco, onde mantinha ligação com a Bahia, e coberto pelas lagoas e pântanos das Alagoas, ainda permanecia sempre o conde de Bagnuolo, com um destacamento português, e dali partiam incessantes guerrilhas41 que, onde podiam, devastavam a ferro e a fogo as colônias holandesas, até no interior da Paraíba.

E não ficou somente nisso: a mãe-pátria do Brasil faria agora um novo esforço militar. Deve causar admiração que a coroa hispano-lusitana, que na Bahia tão rapidamente e com tanta energia prestara socorro, abandonasse Pernambuco à sua sorte, com tanta indiferença; mas para isto há duas razões a considerar. De um lado, estavam as finanças espanholas profundamente desorganizadas, impossibilitadas de enfrentar freqüentes expedições de tanta monta; depois — e isto era certamente o principal — a Bahia era uma capitania real, ao passo que Pernambuco era capitania feudal, e como tal competia a sua defesa primeiramente ao donatário, a família Coelho d’Albuquerque.

E esta — ao menos assim se pensava em Portugal — parece que de seu lado não solicitou, nem sobretudo, desejou, com bastante empenho, o auxílio da coroa; ela receava que esta, libertando Pernambuco, o conservasse para si, como conquistado pela espada e a título de indenização das despesas, e por isso o donatário preferia esforçar-se pelas próprias mãos e com pouco auxílio guardar o seu feudo hereditário. Contudo, esse sistema não dera bons resultados; não somente Pernambuco e mais outra capitania feudal, Itamaracá, mas também duas capitanias reais, Paraíba e Rio Grande do Norte, haviam sido perdidas; a potência marítima holandesa com os dois novos pontos de apoio no Atlântico sul, cada dia se tornava mais perigosa, e destarte despertando a corte de Madri da sua letargia, viu-se obrigada a intervir seriamente.

Seu primeiro ato foi uma mudança de funcionários: no lugar de Luís de Oliveira, foi nomeado governador-geral do Brasil Pedro da Silva (1635-1639); no lugar de Matias d’Albuquerque, Luís de Rojas y Borja, general-chefe; ambos estes homens embarcaram sem demora, com cerca de 1.700 soldados, para o lugar do seu destino, e no fim de novembro de 1635 apareceu a esquadra na altura de Pernambuco. Provavelmente, o Recife, que então só dispunha de fraca guarnição, haver-se-ia rendido diante de um rápido ataque; todavia, Rojas preferiu proceder com seguridade: reuniu-se nas Alagoas com as tropas do exército, que ali estacionavam, e depois avançou para o norte. Sem combate, caiu Porto Calvo em suas mãos; porém, ao outro lado desta cidade, em Mata redonda, topou com um destacamento holandês, sob o comando do coronel Arciszewsky, e sofreu uma completa derrota (18 de janeiro de 1836). O próprio Rojas sucumbiu; o seu sucessor no comando, conde Bagnuolo, voltou à segura região dos pântanos, ao seu antigo sistema de luta de guerrilhas; e assim passou todo o ano de 1636, sem que houvesse mudança importante no estado das coisas.

* * *

De muito maior significação para o Brasil foram as deliberações nesse tempo tomadas no seio da Companhia Neerlandesa das índias Ocidentais. Era evidente que o império colonial, que a Companhia havia conquistado na América do Sul

portuguesa, não podia dar lucro, antes de ser perfeitamente defendido e pacificado; porém, para isso era necessária não somente uma incessante convocação de forças frescas de combate, mas, antes de tudo, radical reorganização da administração. O vigente regime colegial do Conselho Político, ao qual eram subordinadas todas as autoridades civis e militares, não servia para um país que ainda permanecia sempre em pé de guerra; importava confiar a uma só mão forte toda a autoridade suprema, especialmente, porém, os negócios militares; e nesse sentido então acordou a Companhia num novo sistema, cujos traços característicos essenciais foram fixados num regulamento de 23 de agosto de 1636.

Um parente da casa principesca de Orange, que na República das Sete Províncias Unidas era detentora da dignidade do governo hereditário, Johann Moritz, conde de Nassau-Siegen (nascido a 16 de junho de 1604, falecido a 20 de dezembro de 1679), assumiu o supremo governo do império colonial batavo-brasileiro, por escolha da Companhia e com aprovação dos Estados Gerais, recebeu o título de governador-geral, capitão-general e almirante (gouverneur, Capiteyn ende Admiral-generael oever de plaizen by de Westindische Compagnie in Brasil). Nas suas mãos se enfeixava todo o poder militar; quanto à administração civil, porém, foi-lhe dada a assistência de um Conselho Secreto, de três membros (Hooge ende secrete Raden), no qual, todavia, ele presidia e tinha dois votos. Sob esta nova autoridade superior, conservou-se como autoridade de segunda instância o antigo Conselho Político (Politicke Raden), que, por sua vez, se entendia com os funcionários judiciais e administrativos dos diversos distritos. Este era o plano geral do novo governo colonial; contudo, diante da eminente personalidade do conde Moritz, cuja atividade abrangia com igual zelo e aptidão os grandes problemas como os pequenos, todas as limitações e restrições regulamentares eclipsavam-se e, de fato, só ele governava, dependendo somente da diretoria da Companhia das índias Ocidentais.

A 25 de outubro de 1636, fez-se de vela do Texel o conde Moritz de Nassau; a princípio haviam-lhe prometido 32 navios para o acompanharem, porém, a econômica diretoria baixou em breve esse número para 12 navios, com 2.700 soldados, e também o seu preparo demorou tão extraordinariamente, que o conde afinal chegou ao Recife somente com quatro velas, a 23 de janeiro de 1637. Em número era pequeno esse reforço; porém, somente a reputação do experimentado general já bastava para insuflar nova coragem no exército holandês, e sem tardar ele começou a campanha.

Dirigiu-se para o sul, às Alagoas, onde os portugueses, sob o comando do conde de Bagnuolo, ainda se mantinham e recentemente se haviam mesmo fortificado em Porto Calvo; em meados de fevereiro deu-se o encontro, e depois de sangrenta batalha, na qual de ambos os lados se combateu com a maior bravura, tocou a vitória aos holandeses.

Agora o conde de Bagnuolo teve que se resolver a também abandonar Alagoas; ele deixou apenas uma pequena força em Porto Calvo, que por sua corajosa resistência deteve o inimigo durante quatorze dias, até 3 de março; e, durante esse tempo assim ganho, executou ele próprio, com o grosso das forças, uma retirada tão rápida quanto hábil; acompanharam-no todos os colonos estabelecidos nessas regiões, levando o seu gado e haveres, e destruindo o que não pôde ser transportado.

Debalde o conde Moritz, logo depois da expedição de Porto Calvo, em marchas forçadas, correu no encalço dos retirantes, e, quando ele alcançou o rio São Francisco, a 27 de março, já estes o haviam transposto e se haviam estabelecido em Sergipe, e persegui-los até lá não lhe pareceu prudente. Contente de

haver expulsado completamente o inimigo da capitania de Pernambuco, o conde de Nassau fez alto no rio São Francisco; à margem norte deste rio, no mesmo lugar onde está atualmente a cidade do Penedo, levantou-se uma poderosa fortificação de fronteira, o forte Moritz, no qual ficou Sigismundo van Schkoppe, com uma guarnição; também as tribos índias da vizinhança, atraídas com presentes e aliança de amizade, comprometeram-se a opor-se, quanto possível, às invasões devastadoras das guerrilhas portuguesas, e com isto ficaram, finalmente, em segurança, de algum modo, as fronteiras do sul.

Poucos meses depois, foram também mais estendidas, e mais asseguradas as fronteiras ao norte; bastou um pequeno destacamento holandês para conquistar Fortaleza, a principal fortificação do Ceará; ali ficou uma guarnição. Portanto, agora estendia-se a Nova Holanda brasileira desde a margem sul do rio Ceará até à margem norte do caudaloso rio São Francisco.

Na verdade, todas estas conquistas e possessões de pouco auxílio podiam ser, enquanto ali não acudissem novos braços para as tornar rendosas, e neste sentido se pronunciou repetidas vezes o conde Moritz, e também fez o que era possível com as forças de que dispunha.

Quanto à imigração européia, ele recomendou a Alemanha, onde justamente nessa época milhares de diligentes trabalhadores estavam sem eira nem beira, por causa da devastadora guerra dos Trinta Anos; "poder-se-ia", — escreveu ele à diretoria, — "embarcar para o Brasil o maior número possível de alemães empobrecidos e sem lar; no caso, porém, de não se poder obtê-los ou de não serem em número bastante, dever-se-ia ao menos mandar para aqui os condenados das galés e penitenciárias holandesas, pois a terra fértil só espera trabalhadores para ricamente recompensar os seus esforços".

Todas essas representações absolutamente não mereceram bastante consideração, com prejuízo da própria Companhia das índias Ocidentais.

Ao mesmo tempo o governador dirigiu as suas vistas também para a África; do Recife zarpou uma esquadra para as costas de Guiné e conquistou ali a colônia portuguesa de São Jorge da Mina (29 de agosto de 1637); mais tarde, foram também arrancadas aos portugueses São Paulo de Loanda (26 de agosto de 1641) e a ilha de São Tomé (16 de outubro de 1641); e com isto ficou garantida para o Brasil holandês ao menos a possibilidade de regularmente introduzir negros.

Desde o regresso de sua primeira campanha (março de 1637), dedicou-se o conde de Nassau inteiramente e sobretudo à administração interior de seu Estado e tomou importantes disposições; todavia, não teve por muito tempo a tranqüilidade necessária para esses trabalhos de paz. Por um lado, os portugueses não ficaram sossegados; eles renovaram de Sergipe as suas guerrilhas devastadoras; por outro lado, a Companhia das índias Ocidentais, cobiçosa de terras, instigava a novas conquistas, porém ratinhando dinheiro e homens, pelo que o governador se via reduzido à necessidade de bastar-se a si mesmo e vender, em favor do tesouro colonial, as propriedades territoriais de todos os colonos emigrados. Começou então uma nova série de operações militares. Primeiramente reuniu van Schkoppe junto do forte Moritz, no rio São Francisco, um poderoso exército; porém, o general português, Bagnuolo, teve aviso a tempo e retirou-se com o seu exército e a maior parte da população de Sergipe para a Bahia, onde se foi aquartelar em Salvador, junto do governador-geral, Pedro da Silva. Os holandeses seguiram-lhe as pegadas; todavia, não conseguiram obrigar o experimentado inimigo a dar combate decisivo, e assim, depois de haverem tudo destruído no interior de Sergipe, o que ainda restava para ser destruído, regressaram ao forte Moritz (1637).

Em seguida, fez-se de vela o almirante holandês Lichthart, ao longo das costa da capitania de Ilhéus. A capital, São Jorge, rendeu-se; porém, quando os vencedores se dispersaram para saquear, tomaram armas os habitantes e depois de violento combate enxotaram os holandeses para os seus navios, para longe da costa.

E, finalmente, no princípio do seguinte ano (1638), começou, sob a direção pessoal do conde Moritz, uma terceira grande empresa, que, segundo se esperava na Holanda, ia decidir definitivamente da posse do Brasil em favor da Companhia das índias Ocidentais; tratava-se de um ataque à Bahia.

Até então viviam ali embalados em plena segurança: nem o povo, nem o governador-geral, queriam crer que os holandeses, depois do primeiro assalto tão lamentavelmente malogrado, ousassem dar segundo, e quando o conde de Bag-nuolo chegou com as suas tropas de Sergipe, para defender a capital, recebeu acolhimento nada amistoso. Desde sempre os portugueses do Brasil o haviam perseguido com mesquinha inveja, por ser estrangeiro (ele era de Nápoles), e carregavam com todas as culpas a sua cautelosa conduta militar, que era acoimada de covardia; o mesmo acontecia agora, e recusaram decididamente acolher as suas tropas dentro dos muros de São Salvador. Todavia, o conde de Bagnuolo não se deixou desencaminhar; tanto quanto lhe era possível sem auxílio de ninguém, tomou medidas de precaução, ao mesmo tempo que os seus espiões tratavam de descobrir os planos do inimigo; e depois, sem prévia consulta, entrou em Salvador, e o governador-geral, Pedro da Silva, na iminência do perigo, teve o necessário bom senso e entregou ao experimentado general o supremo comando militar.

No Recife, entretanto, faziam-se da parte dos holandeses intensos preparativos; a 8 de abril de 1638, zarpou do porto a frota, a 14 apareceu na Bahia, e dois dias depois, enganado o inimigo com um ardil de guerra, efetuou o conde Moritz, sem ser estorvado, o desembarque de suas forças, que constavam de 3.000 soldados e 1.000 índios, em todo caso superiores às dos portugueses. Apesar disso, a população de Salvador, pouco disposta aos sustos de um cerco, reclamava em tumulto que se buscasse a decisão em campo aberto; e o conde de Bagnuolo, simulando ceder a essa exigência, saiu com todas as suas forças, a pretexto de procurar o inimigo, em 19 de abril; mas ao cabo de algumas horas ele voltou, e daí em diante limitou-se prudentemente a cuidar da defesa da capital, cujos parapeitos foram reforçados e melhor protegidos.

Assim caíram um após outro os fortes avançados nas mãos dos holandeses; porém, quando investiram contra a posição principal e tentaram dar assalto noturno, foram rechaçados com perdas (21 de abril). Também segundo ataque noturno, embora precedido de longo bombardeio, não teve melhor sucesso; de ambos os lados empregaram-se todas as forças; todas as tropas foram conduzidas ao fogo; contudo os portugueses, nas suas posições bem fortificadas, resistiram com felicidade à superioridade numérica, e, depois de haver tumultuado o combate mortífero durante a noite inteira, até romper o dia, teve o conde Moritz que mandar tocar à retirada (18 de maio).

Nesse ínterim, começara a estação das chuvas e com elas irromperam as doenças no acampamento holandês; ainda mais, faltaram víveres, pois toda tentativa de abastecimento se tornava arriscada, mesmo impossível, diante das surtidas portuguesas; e, o que era pior, os ardentemente desejados reforços da Holanda tardavam sempre. Nestas circunstâncias, desta vez, o conde Moritz descoroçoou; levantou o cerco e reembarcou com as suas tropas para o Recife, depois de haver sofrido a perda, ao menos segundo relação dos portugueses, de uns dois mil homens, nas trincheiras da Bahia (26 de maio de 1638).

Este foi o primeiro grande sucesso que os portugueses obtiveram depois da perda de Pernambuco, e duplamente importante, porque ele livrara da invasão inimiga a capital, a cidadela do seu império colonial sul-americano. A população da Bahia regozijou-se, como era natural, por estar felizmente arredado o perigo, e cumulou com provas de gratidão o general que antes menosprezara, e que agora se tornara seu salvador; dezesseis mil cruzados deu a cidade, para serem repartidos entre as suas tropas. O rei Filipe IV, porém, recompensou o conde de Bagnuolo, por seu mérito militar, com um principado napolitano; ao governador-geral Pedro da Silva, por sua abnegação em submeter-se ao subalterno experimentado, não obstante sua mais alta posição, premiou com o título de conde de São Lourenço.

Nos tempos logo seguintes, limitaram-se ambos os partidos às suas antigas fronteiras, ao seu antigo sistema de pequena guerra; serviram-se os holandeses da sua supremacia no mar para inquietar as costas inimigas, como então foi, principalmente, de todo devastado o recôncavo da Bahia durante quatorze dias-(novembro de 1638); por seu lado, despacharam de novo os portugueses pequenas colunas para saquearem e destruírem as colônias holandesas.

Todavia, esse sistema, ao menos do lado dos holandeses, não era praticado por livre escolha; o conde Moritz, de bom grado, tiraria desforra do malogrado ataque a Salvador, com empreendimentos novos; também a Companhia das índias Ocidentais veria com bons olhos novas conquistas; porém, a econômica diretoria regateava continuamente dinheiro e homens. "Guerra, privações, doenças e exaustivas marchas — assim escrevia o conde de Nassau para a pátria — dizimam dia a dia os soldados; quatro mil homens seriam necessários só para as guarnições, e mal tenho esse número sob as bandeiras; como então atacar o inimigo, defender o país contra as suas devastadoras correrias?" Promessas vinham bastantes; porém, nada de auxílios; de tempos a tempos, até o exército e a estação da esquadra do Brasil precisavam dar o seu contingente para expedições marítimas no Atlântico e nos mares das índias Ocidentais: de sorte que o conde repetidamente se queixava: "não era o céu, não era a sorte, eram os seus próprios compatriotas que lhe sonegavam a vitória".

Nesse ínterim, empreenderam-se de novo preparativos na Espanha e em Portugal, para socorrer o Brasil; ordenados já no verão de 1637, prosseguiram, a princípio com incrível lentidão e somente com a notícia do cerco de Salvador (verão de 1638), foram de algum modo apressados. Finalmente, no fim do ano, fez-se ao mar, de Lisboa, uma poderosa esquadra portuguesa, comandada pelo recém-nomeado governador-geral, Fernando de Mascarenhas, conde da Torre.

Em janeiro de 1639 apareceu essa frota na altura de Recife, porém não ousou dar ataque, porque violenta epidemia havia causado grandes baixas na equipagem; ela passou de largo para a Bahia, onde o conde da Torre tomou das mãos de Pedro da Silva o governo-geral do Brasil (janeiro de 1639-5 de julho de 1640). Aqui prosseguiram então os preparativos: todos os navios mercantes, de que se pôde ter mão, foram armados, as milícias mobilizadas; além disso, veio novo reforço da Espanha, e, afinal, ficou pronta para partir uma esquadra de 90 velas, a 20 de novembro de 1639.

Tratava-se de atacar simultaneamente por terra e por mar; ao passo que o próprio governador-geral seguia a bordo, mandou ele um bom número de pequenos destacamentos, por terra, a caminho do norte, os quais de Paraíba em diante deveriam repartir-se por todo o interior das possesses holandesas, e, logo que a esquadra se mostrasse, avançariam a ferro e a fogo.

Todavia, a execução deste plano falhou; a princípio foi a esquadra portuguesa dispersada pelos temporais, de sorte que só em janeiro de 1640 se acharam de novo reunidos na altura da Paraíba 63 navios, dos quais 20 de primeira classe; teriam agora tentado o desembarque, para operarem de conjunção com as tropas de terra, que de seu lado já haviam encetado a obra da devastação; mas apressadamente acudiram de Recife os almirantes holandeses Willem Corneliszonon Loos e Jakob Huygens, com 41 velas, das quais 14 de primeira classe, e ofereceram combate ao inimigo no mar alto. Quatro vezes acometeram-se encarniçados, primeiro na altura de Itamaracá, 12 de janeiro; depois entre o rio Goiana e o cabo Branco, 13 de janeiro, em seguida na Paraíba, 14 de janeiro; finalmente, depois de uma trégua de dois dias, durante a qual as esquadras foram impelidas pelos ventos sempre mais para o norte, feriu-se na altura do Rio Grande do Norte o combate decisivo, 17 de janeiro, e "Deus abateu a arrogância do inimigo" (inscrição na medalha holandesa da vitória). Os holandeses que relativamente haviam sofrido apenas pequeno prejuízo, regressaram logo diretamente para o Recife; porém os portugueses procuraram salvação atrás do cabo São Roque e dali dispersaram-se por todos os lados; somente com um pequeno resto de navios realcançou a Bahia o governador-geral.

Assim escapava, com felicidade, ao perigo que a ameaçara, a brasileira Nova Holanda; mas sempre havia sentido o peso da mão do inimigo. Pois, antes de deixar a esquadra portuguesa o cabo São Roque, desembarcou todas as suas tropas de terra, cerca de uns 2.000 homens, nas costas do Rio Grande do Norte; recebeu o comando superior Luís Barbalho, que se encarregou de reconduzir à Bahia as tropas a ele confiadas, por terra, através do território inimigo. E ele executou com sucesso o seu propósito, realizando uma retirada como há poucas iguais na história das guerras. Debalde, repetidas vezes saíram fortes colunas holandesas para lhe embargar o passo; Luís Barbalho sumia-se de repente nas brenhas das montanhas do planalto interior, e com igual presteza ressurgia de lá, para atacar a ferro e a fogo uma colônia longínqua, para cair de chofre sobre um posto mal defendido e o aniquilar; um após outro, foi ele agregando os bandos volantes de portugueses que, desde muito, estacionados às costas dos holandeses, haviam completado a sua obra de devastação; também muitos colonos portugueses se aproveitaram da oportunidade de se porem a salvo, sob as bandeiras da pátria, com mulher e filhos e todos os bens. Foi assim seguindo a expedição militar centenas de léguas através do território inimigo, dos campos de caçada das tribos selvagens; sempre crescente em número, porém sempre em boa ordem, transpôs o rio São Francisco e alcançou por fim, necessariamente com muitas canseiras e privações, todavia sã e salva, as praias amigas da Bahia.

Esta expedição, tão audaz quanto bem sucedida, de Luís Barbalho, causou aos holandeses enormes prejuízos: porém, eles souberam tirar desforra; já num dos seguintes meses apareceram suas esquadras de novo na Bahia, assim como diante do Espírito Santo (dezembro de 1640), e, embora não conseguissem firmar ali o pé, todavia tiraram nestas costas uma vingança, a ferro e a fogo, da devastação de suas colônias do Norte.

Façamos agora, em poucas palavras, um resumo do estado das coisas. Desde a ocupação de Recife, em fevereiro de 1630, eram passados dez anos; durante esse tempo, de um lado as coroas de Portugal e Espanha, de outro lado a Companhia Holandesa das índias Ocidentais, haviam combatido pela posse do Brasil, e ainda a sorte não se tinha decidido por nenhum dos dois partidos. Mesmo até este momento as duas partes mais afastadas do continente brasileiro, na costa norte — as capitanias de Maranhão e Pará — na costa sudeste — as capitanias do Rio de Janeiro, São Vicente e Santo Amaro — ainda não haviam sido tocadas diretamente pelas tempestades da guerra ibero-holandesa; essas regiões ressentiam-se somente por lhes levar a guerra os seus filhos aos seus acampamentos tão distantes, ao passo que estorvava o seu comércio, além de que impedia a livre imigração européia e o tráfico de escravos africanos; porém, ainda nenhum soldado estrangeiro havia pisado o seu solo, e sem perturbação ia o seu desenvolvimento nacional progredindo na forma do costume.

Ao contrário, no centro estava o próprio teatro da guerra: estava de um lado a Nova Holanda brasileira, que compreendia, com a capital Recife, as capitanias do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco; de outro lado estava Salvador, a cidadela portuguesa, com as capitanias de Sergipe, Bahia, Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo; incessante lavrava a luta entre essas duas potências coloniais; logravam fazer mal uma a outra, destruir o bem-estar uma da outra, porém nenhuma estava em condições de dominar completamente.

Nestas circunstâncias nada mais natural do que surgir de ambos os lados o anseio por acabar com a inútil guerra de extermínio; não se desejava talvez a paz, mas pelo menos uma trégua, para pôr fim à decadência interna, para obter novas forças com que continuar a guerra; e a este anseio deu voz oficial, em primeiro lugar, o general-governador batavo, conde Moritz de Nassau.

A 5 de junho de 1640 apareceu em Salvador Dorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão, nomeado sucessor do até então governador-geral conde da Torre: foi o primeiro no Brasil a quem foi concedido o título suntuoso de vice-rei e capitão-general de terra e mar. Algumas semanas depois, apresentou-se na sua corte uma embaixada holandesa, que lhe entregou oficialmente uma carta de boas-vindas do conde Moritz; secretamente, porém, propunha uma trégua, e o marquês de Montalvão acedeu; ele despachou dois embaixadores ao Recife, para levar oficialmente os seus agradecimentos, e para entabular secretamente negociações.

Todavia, o português não procedia com boas intenções; há dúvidas se ele realmente esperava e procurava, com a oferta de um marquesado português, seduzir o príncipe imperial alemão protestante, para que entregasse Pernambuco e abandonasse as suas crenças e a sua bandeira; provavelmente ele queria, ao menos, aproveitar a ocasião para sondar as disposições de ânimo em Pernambuco. E o que é pior, sabe-se com certeza que, nesse mesmo tempo, quando os seus delegados negociavam, o marquês de Montalvão despachou os seus mais experimentados chefes de guerrilhas, para novas depredações, e logo mandou informar oficialmente no Recife, que "uns desertores do exército português haviam escapulido para o domínio holandês e certamente ali iam fazer estragos; fizessem, pois, o favor de submetê-los ao justo castigo" — informação cujo verdadeiro valor e significação o conde Moritz, sem dúvida, adivinhava perfeitamente.

Ainda estavam estas enganadoras negociações em andamento, quando a marcha das coisas européias lhes deu outra direção, uma verdadeira significação.

Como se sabe, a l9 de dezembro de 1640, o povo de Lisboa corajosamente sacudiu o desde muito odiado jugo espanhol, elevou ao trono o duque de Bragança, d. João IV, que pelo lado feminino descendia da antiga casa real nacional de Borgonha, e todas as províncias do reino de Portugal, sem vacilar, prestaram submissão ao rei recém-escolhido.

A 16 de fevereiro de 1641 chegou essa notícia à Bahia: sem demora, convocou o vice-rei as autoridades e os mais conceituados cidadãos a conselho; todos resolveram unânimes seguir o exemplo da mãe-pátria, e ainda no mesmo dia, içada a bandeira portuguesa solenemente, foi proclamado d. João IV de Portugal soberano do Brasil. O mesmo aconteceu no Rio de Janeiro (10 de março de 1641), e dentro de poucas semanas, em todo o território brasileiro ao sul do rio São Francisco, mais tarde na costa norte, no Maranhão e Pará; os regimentos espanhóis e italianos, que ali estavam em guarnição, não opuseram resistência alguma, foram desarmados e embarcados para a América espanhola. Então seguiu depressa o filho do vice-rei, Fernando de Mascarenhas, para Lisboa, a fim de depor aos pés do novo rei a submissão de sua colônia sul-americana.

Esta importante revolução, que restituía ou conservava o Brasil à coroa portuguesa, não exigiu luta, não custou uma gota de sangue, e quem, somente, teve que sofrer com isso foi o vice-rei.

É que em Portugal dois de seus filhos se haviam oposto à elevação da dinastia de Bragança ao trono e fugido para Madri; destarte a fidelidade e o patriotismo de toda a família Mascarenhas ficaram suspeitos; por isso o rei d. João VI despachara para a Bahia o jesuíta Francisco de Vilhena, com um documento do próprio punho, de 4 de março de 1641, que, no caso de o marquês de Montalvão recusar submissão, decretava a sua demissão. Quando Vilhena chegou, em meados de 1641, estava desde muito restabelecida a soberania portuguesa, no Brasil, a sua tarefa estava, de fato, resolvida; não obstante, serviu-se ele do manuscrito real, e os três homens designados no mesmo, Pedro da Silva, bispo de Salvador, o coronel Luís Barbalho e o provedor-mor da Fazenda, Lourenço de Brito Correa, deixaram-se cegar pela ambição: constituíram-se em regência provisória, destituíram o vice-rei de seu cargo, e remeteram-no preso para Portugal.

Ali, as investigações deixaram clara a sua inocência, a sua patriótica participação na revolução nacional, pelo que Barbalho e Brito Correa foram por sua vez chamados a contas e castigados; somente ao bispo protegeu-o a dignidade eclesiástica. No lugar deles, assumiu Antônio Teles da Silva, o primeiro governador-geral, de novo nomeado em Lisboa, a administração do Estado do Brasil português (26 de agosto de 1642 até 22 de dezembro de 1647); e a ele sucederam no mesmo cargo, mais tarde, Antônio Teles de Meneses, até 7 de março de 1650; João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa, conde de Castelo Melhor, até 4 de janeiro de 1654; Jerônimo de Ataíde, conde de Atouguia, até 18 de junho de 1657; finalmente, Francisco Barreto de Meneses, que governou de 18 de junho de 1657, até 24 de junho de 1663, e que, depois da expulsão dos holandeses, de novo enfeixou todas as doze capitanias do Estado do Brasil sob um governo único (daí em diante na verdade apenas nominal).

A declaração da independência portuguesa mudou inteiramente as relações entre as duas nações que, antes, se combatiam no Brasil; Portugal, até então amigo e aliado da Espanha, passava agora a ser amigo, natural aliado, dos inimigos da

Espanha, mormente os Países Baixos, e certamente em parte alguma foi o primeiro mensageiro do rei d. João IV saudado com maior alegria do que em Haia pelos muito altos e poderosos Estados Gerais das Sete Províncias Unidas.

Assim também na capital da brasileira Nova Holanda: o conde Moritz de Nassau brindou com uma curiosa jóia o mensageiro que, a mandado do marquês de Montalvão, lhe levou a boa nova, e manifestou numa carta, de 12 de março de 1641, os mais sinceros votos de felicidade pela independência de Portugal e da nova dinastia; e três dias duraram no Recife os festejos com que holandeses, portugueses e brasileiros celebraram unânimes a elevação de d. João IV ao trono.

Não se podia ter a menor dúvida de que daí em diante ambas estas nações tomariam o mesmo caminho na política européia, e já se iniciavam em Haia negociações para uma aliança de guerra contra a Espanha; havia, porém, uma segunda questão, que não era tão fácil de resolver.  Durante os sessenta anos da união entre Espanha e Portugal, havia a Holanda arrancado a este último reino inúmeras colônias: agora os delegados portugueses reclamavam a sua restituição, pois não era justo fazer a sua pátria expiar as culpas de Espanha, um aliado deter a legítima propriedade do outro; contudo, como bem se depreende, os Estados Gerais não podiam concordar com tão ingênua argumentação, tanto mais que todas essas conquistas não pertenciam diretamente à república batava, porém a duas associações particulares — nas índias à Companhia das índias Orientais, no Brasil à das índias Ocidentais.

Neste sentido arrastavam-se as negociações; chegou-se à convicção de que o melhor era adiar por enquanto esta questão insolúvel; e ao passo que, para as suas relações na Europa, tratavam a paz e aliança, deviam contentar-se, no que dizia respeito às possessões fora da Europa, em negociar uma trégua provisória sobre a base do atual estado de coisas. E agora os holandeses tornaram-se culpados de uma quebra de lealdade. Enquanto em Haia os delegados ainda deliberavam, a diretoria da Companhia das índias Ocidentais escreveu, a 26 de fevereiro de 1641, ao seu governador: "Ele devia aproveitar o intervalo e, antes que a iminente suspensão de hostilidades lhe tolhesse o braço, estender adiante, quanto possível, o domínio holandês". E o conde Moritz de Nassau obedeceu a esta manhosa ordem, embora de seu lado já estivesse de fato em trégua com os portugueses, havendo até a seu pedido a regência provisória de Salvador feito logo regressar as suas devastadoras guerrilhas.

Na verdade, não ousou assaltar a Bahia, como a diretoria propunha; porém, uma esquadra de quatro navios tomou posse da capital, São Cristóvão, e de toda a capitania de Sergipe, sem resistência; e o limite sul desse território, o rio Real, foi então sancionado como sendo o da Nova Holanda brasileira, pelo armistício de dez anos, firmado em Haia, a 12 de junho de 1641.

O teor desse ajuste de suspensão de hostilidades prestou-se ulteriormente, de algum modo, para desculpa de usurpações praticadas pelos holandeses, pois declarava que as hostilidades no Brasil só cessariam após a publicação do armistício aí. Essa publicação, porém, só pôde ter lugar no Recife em junho de 1642, pois a ratificação por Portugal fez-se esperar até 18 de novembro de 1641, pelos Estados Gerais até 22 de fevereiro de 164242.

Proporcionou o tratado de Haia de 1641 às regiões da costa oriental brasileira, ao menos, algum tempo de paz, da qual tanto precisavam, depois da pesada guerra de dez anos; em compensação, porém, mais ao norte, nas costas do Estado do Maranhão, acendeu-se no mesmo momento nova guerra entre portugueses e holandeses.

Essa parte do Brasil quase não havia sido tocada até então pelas tempestades da guerra; na verdade, alguns aventureiros — parte holandeses, parte ingleses — haviam feito depredações com as suas expedições marítimas e tentativas de colonização, 1626-1629, e seguintes, especialmente nas terras do estuário do Amazonas; os holandeses haviam-se, de fato, apoderado do único forte português do Ceará, e com isso de toda a capitania de igual nome, 1637; porém, o coração do Estado, o território do Maranhão e Pará, até então não tinha visto inimigo e podia sem estorvo entregar-se ao seu desenvolvimento interno, ao seu comércio interior.

Quanto ao que se refere ao tempo do primeiro governador-geral, Francisco Coelho de Carvalho, que, nomeado em 1624, só a 3 de setembro de 1626 assumiu o seu cargo, apenas há que mencionar que no seu governo prosseguiram os.primeiros trabalhos de colonização e as guerras com os indígenas, como até então, e também que no seu tempo a questão, que por toda parte se levantava entre os missionários e os fazendeiros, a respeito da posição dos índios, igualmente se suscitou ali.

A 15 de setembro de 1636, faleceu Coelho; foi seu sucessor Raimundo de Noronha, especialmente notável porque durante a sua administração se realizou a segunda já citada descoberta do Amazonas (Capítulo I). Porém Noronha não havia recebido o seu cargo de modo regular, por nomeação real, mas simplesmente como eleito pelo conselho municipal de São Luís; por esta razão foi ele demitido já o ano seguinte e chamado a Madri para justificar-se. Passou o governo-geral a Bento Maciel, homem antes cruel que corajoso; já havia exercido a administração da capitania do Pará, e feito nome na guerra contra os índios, porém, agora sustentaria com menos glória o ataque dos holandeses.

Justamente nesse intervalo entre as negociações e a conclusão do armistício de Haia, ao passo que se fazia a ocupação de Sergipe, o governador holandês, conde Moritz de Nassau, resolveu também atacar o Maranhão e para lá despachou o almirante Lichthart, com quatorze velas.

Ainda a tempo foi Bento Maciel informado do fato por um navio mercante inglês; mas ele se descuidou das medidas preventivas, e mesmo quando a esquadra holandesa apareceu diante de São Luís e sem pedir licença foi entrando no porto, ele não resolvia se devia tratá-la como inimigo ou como amiga; retirou-se para a fortaleza, ao passo que a população, tomada de pânico, fugia da cidade com os seus teres e haveres. O almirante Lichthart aproveitou-se dessa irresolução; desembarcou as suas tropas e negociou, entretanto, uma estadia provisória; apresentou-se depois, porém, de surpresa, diante da fortaleza, obrigou-a a render-se e proclamou o domínio holandês (13 de novembro de 1641): Maciel foi levado preso e pouco tempo depois morreu na prisão, no Rio Grande do Norte.

Já temos visto muitas vezes, todavia, que nas guerras brasileiras a conquista de uma capital de província pouco adiantava; assim também aconteceu aqui: uma grande parte da população conservou a sua liberdade, refugiando-se nas matas virgens; outros se submeteram a princípio por livre vontade; porém o comandante holandês, Jan Cornelis, alienou de si em breve todos os corações pelas extorsões e crueldades de que se tornou culpado, como, por exemplo, uma vez por causa de uma simples suspeita entregou a seus aliados índios, para serem comidos, 24 lavradores portugueses. Assim, apenas havia decorrido um ano depois da tomada de São Luís, reinavam abertamente as hostilidades.

Antônio Moniz Barreiros pôs-se à frente dos descontentes; na noite de 30 de setembro de 1642 atacou ele de surpresa uma fazenda holandesa, à margem do Itapicuru, com a sua pequena tropa, trucidou todos os residentes, e, depois de haver desse modo expulsado inteiramente o inimigo da terra firme, passou para a ilha do Maranhão, começou um bloqueio contra a capital, São Luís. Debalde o comandante publicou oficialmente o armistício de Haia, que ele até então havia ocultado; os patriotas não se deixaram enganar com isto; e começou então uma guerrilha, que de ambos os lados foi feita com a maior crueldade. Os brasileiros não poupavam nem um só dos hereges holandeses; os holandeses, por seu lado, não se vingavam somente nos prisioneiros de guerra, inimigos declarados, mas também nos pacíficos cidadãos, suspeitos, quando muito; foram de novo entregues muitos deles ao canibalismo dos aliados índios, outros eram embarcados e oferecidos à venda como escravos nas ilhas das índias Ocidentais; e ainda deviam considerar-se como os mais felizes aqueles que conseguiam escapar-se nus e na miséria.

Para decidir a guerra, ambos os partidos esperavam por auxílios de fora, e na verdade contavam os patriotas do Maranhão primeiramente com a vizinha capitania do Pará. Porém esta estava ela mesma na maior confusão; o comandante e o conselho municipal de Belém, que, na falta de um governador nomeado regularmente, exerciam o governo, logo nos primeiros dias receberam a notícia da tomada de São Luís, e, como tivessem que temer agora para si mesmos o perigo, chamaram em seu socorro os comandantes dos diversos distritos. Estes acudiram, de fato, mas, em vez de agirem todos de comum acordo, puseram-se a brigar; cada um queria em Belém o comando, do qual a câmara municipal não abriu mão, e assim ficaram muito tempo armados em guerra, uns defronte dos outros; pouco faltou para declarar-se uma guerra civil.

Por felicidade estavam os holandeses impossibilitados de aproveitar essa briga, que lhes teria tornado tão fácil a conquista do Pará; por outro lado, a capitania do Pará pouco ou nenhum auxílio podia dar à vizinha capitania do Maranhão; e, quando mesmo uma vez alguns comandantes dissidentes acudiram em socorro de Antônio Moniz, pouco depois novamente o abandonaram, a fim de cuidarem, egoístas, dos seus próprios interesses em causa. De novo estava a capitania do Pará na iminência de uma guerra civil; felizmente apareceu no porto de Belém, em junho de 1643, Pedro d’Albuquerque, que por patente real fora nomeado governa-dor-geral do Estado do Maranhão, e restabeleceu a ordem com severas providências; todavia poucas semanas depois ele morreu, antes que pudesse levar socorro à capitania do Maranhão.

Ficaram assim os patriotas do Maranhão completamente abandonados a si mesmos; todavia eles se esforçavam enérgicos, a princípio sob o comando de Antônio Moniz Barreiros e, quando este morreu em janeiro de 1643, sob o de Antônio Teixeira de Melo; os holandeses foram cada vez mais apertados, e como também eles não recebessem reforços que bastassem, por fim desesperaram do êxito.

A 28 de fevereiro de 1644 a guarnição de São Luís embarcou para regressar a Recife por mar; no mesmo dia, entrou triunfante Antônio Teixeira nas ruínas da cidade natal libertada; ele havia salvado o Maranhão do jugo estrangeiro, o Pará da vizinhança perigosa. E agora também o Ceará, a terceira capitania do Estado do Maranhão, voltava ao domínio português. Durante a luta no Maranhão haviam os holandeses chamado grande número de índios do Ceará e os haviam empregado no seu serviço; estes pediram então agasalho a bordo, quando a guarnição evacuou a praça de São Luís; contudo os desatenderam, deixando por sua conta que batessem em retirada para as suas terras através do território inimigo.

Irritados em extremo, resolveram os guerreiros índios tirar desforra; amotinaram os seus compatriotas, atacaram de surpresa um após outro os fortes holandeses no Camocim, Ceará, e em todos os rios da vizinhança; depois mandaram mensagem de paz aos portugueses, que sem tardar tomaram de novo posse da capitania do Ceará, e reconstruíram a capital, Fortaleza, em 1644.

Desta forma, ficava todo o Norte do Brasil perdido para os holandeses, e, como parece, eles se resignaram facilmente com isso; somente uma vez ainda apareceram oito navios holandeses, comandados pelo almirante Van der Goes, e fizeram uma tentativa de colonização nas terras do estuário do Amazonas; porém foram ao cabo de poucas semanas energicamente rechaçados (1647). Daí em diante, não foi mais perturbado o domínio português no Estado do Maranhão.

Pela guerra no Maranhão voltou a Nova Holanda brasileira de novo aos seus antigos limites setentrionais, reconduzidos ao cabo de São Roque, de sorte que daqui em diante abrangia somente as cinco capitanias, Rio Grande do Norte, Paraíba, Itamaracá, Pernambuco (com Alagoas) e Sergipe43 — ainda um império colonial extenso, do maior valor, desde que fosse bem administrado, fossem as riquezas naturais convenientemente exploradas. E sob o governo sábio do conde Moritz de Nassau foi ali efetivamente estabelecido o fundamento para progresso interno muito prometedor.

Quanto às condições materiais, como já dissemos, a guerra em primeiro lugar e ainda mais a emigração em massa dos portugueses dos territórios neo-holandeses causaram prejuízo incalculável; Sergipe e Alagoas estavam completamente desertas; nas outras capitanias o principal ramo de indústria — a produção de açúcar — ficara muito enfraquecido; em Pernambuco, onde existiam untes da guerra, em 1630, 121 fazendas de cana, havia somente 87 pelo ano de 1640; Itamaracá, em vez de 23, contava só 14; Paraíba, em vez de 20, somente 18; Rio Grande, em vez de duas, somente uma; em suma, o número de engenhos de açúcar caiu de 166 para 120, e com ele proporcionalmente a receita do Estado, a qual sem distinção de nacionalidade era arrecadada, segundo o velho sistema de impostos português, de todos os proprietários de terras; a receita normal montava agora apenas a 280.000 libras, e, se não fosse a venda de propriedades rurais particulares, confiscadas por causa da emigração dos donos, ou por sentença judicial, que proporcionava extraordinária receita, absolutamente não se teria podido cobrir as despesas da guerra e da administração.

* * *

Sem dúvida alguma não se podia reconstituir tudo isso de uma assentada; contudo fez o conde de Nassau ao menos tanto quanto estava nas suas mãos.

Por uma parte, ele proporcionou importantes facilidades ao comércio. Como era costume geral então, monopolizava a Companhia das índias Ocidentais a princípio todo o comércio nas suas terras conquistadas, e o Brasil, até então habituado ao monopólio da mãe pátria, tinha agora que padecer sob pior monopólio, o de uma companhia comercial; a importação e a exportação ficaram paralisadas; nem os colonos podiam vender os seus produtos, nem podiam abastecer-se com as mercadorias européias de que necessitavam.

A questão chegou em breve à discussão no seio da diretoria, e esta pediu o parecer do conde Moritz, o qual apontou essencialmente as desvantagens políticas do novo sistema, que chocava os hábitos dos colonos, lhes tolhia o lucro, como também devia afugentar a imigração, tão indispensável para o grande país deserto. A sua opinião prevaleceu; voltou-se ao monopólio da mãe-pátria e abriu-se a todos os negociantes holandeses o comércio da Nova Holanda brasileira} a Companhia das índias Ocidentais conservou para si somente o monopólio do pau-brasil, das provisões de guerra e o tráfico de negros, proibindo, porém, em absoluto, aos seus funcionários no Brasil a prática do comércio, a fim de prevenir abusos da autoridade no interesse pessoal.

Em segundo lugar importava trazer novos braços ao país, sempre pobre de homens e agora ainda mais deserto, e já se mencionou como o conde Moritz providenciou nesse sentido. Ele fez conquistar diversos pontos da costa da África, para facilitar um regular tráfico de negros; pediu à Companhia das índias Ocidentais que angariasse emigrantes alemães para o Brasil e ao governo holandês que esvaziasse aqui as suas galés e cárceres; mais tarde ainda propôs que se oferecessem propriedades rurais aos soldados da república, que terminassem o seu tempo de serviço, a fim de que fosse assegurada, por meio de colônias militares, a posse da nova região conquistada, à moda da antiga Roma; todavia, todas estas bem pensadas propostas, levadas à pátria, foram pregadas no deserto.

Além dos funcionários, soldados e negociantes batavos, vinham para a Nova Holanda brasileira apenas judeus portugueses e só isoladamente algum colono europeu. Nestas circunstâncias, o conde Moritz teve que pôr a sua principal mira em fazer regressar a população de língua portuguesa que havia emigrado; ele publicou proclamações nas quais assegurava, a todos que se submetessem, as mesmas vantagens da capitulação da Paraíba, isto é, garantia das vidas e dos bens, livre prática de sua religião, além disso, sob as leis holandesas, iguais direitos aos dos holandeses natos.

Demais, proporcionou àqueles que acedessem ao apelo muitos auxílios materiais: o tesouro colonial concedia-lhes crédito, quando eles queriam comprar uma qualquer das fazendas confiscadas; e para o cultivo das mesmas podiam também ser-lhes fornecidos a crédito os necessários negros pela Companhia das índias Ocidentais — providência que por um lado induziu muitos emigrados a regressarem e com isso deu novo impulso à lavoura; por outro lado, porém, não deixou de ter seus inconvenientes, pois muitos portugueses que, por este modo, obtiveram grandes propriedades, muito se endividando com isso perante o governo holandês, não almejaram outra coisa senão uma revolução, a fim de se libertarem ao mesmo tempo desse governo e do peso de sua dívida.

Não se pode em absoluto afirmar que a maioria dos brasileiros-portugueses assim pensassem; a origem régia, o cavalheirismo e a amável simplicidade do conde Moritz fizeram muito boa impressão sobre eles, e além disso percebiam que ele desejava seriamente atender tanto quanto possível aos melindres de sua nacionalidade e crença.

Na reorganização das autoridades municipais — a "Câmara" portuguesa fora agora transformada num Conselho de Vereadores holandeses; foram nomeados os vogais em igual número, tanto de holandeses como de portugueses; o alcaide ou governador da cidade, que presidia às sessões e ao poder executivo, era na verdade sempre holandês, como também eram holandeses todos os altos funcionários e membros do governo. Porém, em compensação, se achavam muitos portugueses em alta estima do conde, assim por exemplo João Fernandes Vieira, mais tarde herói da guerra da libertação pernambucana; esses eram muitas vezes em confiança admitidos no Conselho e exerciam com isso, embora indiretamente, não pequena influência política.

Igualmente dava o conde Moritz de bom grado ouvidos ao eremita brasileiro frei Manuel do Salvador, quando se tratava de assuntos da Igreja católica, e se este recebeu da Santa Sé uma carta laudatória por suas atividades (4 de junho de 1641), havia nisso de certo modo uma aprovação ao sistema adotado. Na verdade, toda comunicação com o bispo de Salvador era proibida; os padres do local tinham que prestar juramento de fidelidade, padres forasteiros não podiam entrar no país sem uma licença especial, e a sotaina não mais protegia o réu contra o Estado, como dantes sob o domínio português; todavia, por outra parte, o governador protegia liberalmente o culto católico, deixava à Igreja os seus rendimentos, construiu novas igrejas onde era preciso; e quando a intolerância estreita dos pregadores calvinistas procurava impor restrições aos católicos, como por exemplo uma proibição da Diretoria impedindo as procissões públicas, o conde não o admitia; "conceda-se aos brasileiros, não um limitado culto da Igreja — declarou ele — mas, sim, a livre e pública prática de sua religião".

Mesmo os preconceitos dos católicos foram tolerados; aos judeus foi significado que deviam praticar o seu serviço divino não mais com ruidoso esplendor, porém com toda a reserva, não construir novas sinagogas, ainda menos fazer prosélitos. Fora isto, tinham os brasileiros, quisessem ou não quisessem, que presenciar o culto calvinista de seus vencedores, que em todas as ocasiões oficiais figurava a par ou à frente do culto católico; tinha o clero católico que se conformar com que o pregador protestante procurasse, pela palavra e por escrito, desviar os seus fiéis brancos ou índios, e ele se tranqüilizava provisoriamente diante disso, porque os esforços desses missionários eram todavia de resultados duvidosos, pois se via que a imparcialidade do governador o protegeria contra todas as influenciações injutas.

Esta convicção mesmo servia de consolo ao povo brasileiro quando, como acontecia demasiadas vezes, tinha que sofrer violências e extorsões dos empregados subalternos e soldados holandeses; na verdade, pela enorme extensão dos domínios, só em casos muito excepcionais podiam as queixas dos oprimidos chegar aos ouvidos do príncipe; porém, quando tal acontecia, a justiça vinha rápida; e no castigo de alguns culpados achavam também consolação aqueles cujas queixas não eram ouvidas.

Soube, portanto, o conde Moritz de Nassau, com grande senso de governo, conter os elementos antagônicos do império colonial holandês e sossegá-los externamente; porém, reconciliá-los, fundi-los, não era coisa fácil de realizar. A dissidência entre vencedores e vencidos, entre nortistas e sulistas, entre católicos e calvinistas, permaneceu sempre de pé, e o sinal verdadeiro da reconciliação nacional, os casamentos mistos, ainda se fazia esperar; durante os vinte e cinco anos da dominação holandesa, como nos afirmam escritores contemporâneos, apenas uns cem casos ocorreram de brasileiras que se casassem com holandeses; porém de casamento de brasileiros com holandesas pode-se dizer que nenhum caso houve.

Somente com muito tempo poderiam aplainar-se estes contrastes, e com esse fator contava o conde Moritz, se é lícito assim depreender dos trabalhos e despesas que ele empregou para constituir uma digna capital à Nova Holanda brasileira.

Falou-se uma vez de transferir a sede do governo para a ilha de Itamaracá, e esta abençoada ilha, situada no ponto central do império colonial, era certamente entre todas a mais adequada, dominando toda a costa do mesmo, como uma cidadela, podendo, além disso, em caso de perigo, as frotas da mãe-pátria, poderosa no mar, mais facilmente defendê-la e libertá-la de um cerco; porém o governador e as autoridades, habituados ao Recife, deram preferência a este porto.

E então esta cidade foi embelezada e aumentada, de conformidade com o seu novo destino: o velho bairro da península, o Recife propriamente dito, estava à cunha, ponto central da circulação, muito acanhado para uma residência de príncipe; por isto mandou o conde Moritz construir para si, na ilha vizinha, Santo Antônio, na extremidade norte, um palácio, Vrijburg: mandou transplantar para aí muitas centenas de árvores já crescidas, em todo o esplendor da florescência, que, com pasmo da população, criaram raízes, e já no ano seguinte produziram frutos; e, finalmente, surgiu nessa mesma ilha uma cidade nova, chamada Maurícia, em honra do príncipe; assim se criaram como ao toque de vara de condão, um castelo de recreio, um parque, uma capital, em 1639 e anos seguintes.

Uma ponte permanente estabelecia comunicação deste novo bairro com o velho Recife; em seguida, foi construído segundo palácio, na margem ocidental da ilha Santo Antônio, Boa Vista (1643), e dali também uma ponte, voltada para o poente, ligava-se à terra firme, na mesma parte onde atualmente está o terceiro bairro, Boa Vista. Em toda a volta circundava, protetora, uma coroa de ferro, de baterias do porto e obras de fortificação.

Nesta sua residência principesca, tinha Moritz de Massau a sua corte, qual a América não teve igual, nem antes nem em séculos futuros, pois não eram somente homens da vida prática, militares, funcionários civis e eclesiásticos, negociantes e navegantes, que se reuniam sob o seu teto, à sua mesa: também ali achavam proteção, estímulo e assunto digno para as suas atividades criadoras, artistas e cientistas.

As construções de nota dentro e perto de Maurícia eram dirigidas por um arquiteto holandês, Pieter Post; seu irmão, o pintor Franz Post, foi encarregado de imortalizar com o seu pincel os cenários da natureza e as obras da mão do homem, e ao menos alguns de seus quadros, as primeiras paisagens brasileiras de valor que foram conhecidas na Europa44 e 44-A logo nos próximos anos se espalharam por toda parte pelas reproduções cuprográficas; essas gravuras e também muitas plantas e mapas serviram como ornamento para as impressões de luxo da obra que o histo-

riador do conde, Gaspar Barlaeus, publicou em latim, em Amsterdam, em 1647. Além disso, as ciências naturais foram enriquecidas de modo notável pelas investigações diligentes do holandês Wilhelm Piso, que havia acompanhado o conde como seu médico, e pelas do seu seu jovem amigo H. Markgraf (publicadas em 1648). E finalmente também a musa da poesia não ficou sem um cultor, pois o capelão do conde, Franciscus Plante, compôs um poema épico em doze cantos, as "Maurítias" (Leyden, 1647), no qual glorificou poeticamente as façanhas de seu protetor45.

* * *

Todavia essa idade de ouro não teve longa duração. O conde Moritz havia-se estabelecido como se fosse príncipe independente, e era apenas o governador, representante da Companhia das índias Ocidentais. Com esse contraste devia a sua obra naufragar. A diretoria, animada dó espírito estreito de mercantilismo, não podia ou não queria compreender os grandiosos planos do príncipe estadista; ao passo que ele, encarando o futuro e sem olhar a despesas no presente, empenhava-se em lançar os fundamentos de um grande império, os diretores queriam lucros imediatos; eles só aspiravam a elevar os rendimentos, a diminuir as despesas, sem cuidarem se com essa avareza mal a propósito, faziam perigar a segurança da possessão transatlântica. Durante toda a guerra foram avarentos em homens e dinheiro : e ainda pioraram nisso depois do armistício; exatamente no último momento, desleamente, com ataques de surpresa, fizeram mão baixa sobre Sergipe e Maranhão, ofendendo os portugueses do modo mais grave; e, sem embargo, queriam agora imediatamente reduzir o exército, baixar o soldo dos militares.

O conde Moritz protestou contra isso; ele exigia justamente agora novas tropas (24 de setembro, 25 de outubro de 1642); e o curso dos acontecimentos, o estalar da guerra da independência no Maranhão, que terminou com a expulsão dos holandeses, convenceu, mas tarde demais, os diretores de que ele havia visto claro.

Além disso, havia ainda outra circunstância, que na verdade nunca se patenteou bem claramente, mas que não obstante se reconhece no fundo do cenário. A diretoria, segundo parece, jamais teve inteira confiança no seu governador; temia que ele se esforçasse, não para o serviço e lucro da companhia, mas, sim, que desejava fundar, para si mesmo e sua família, um reino americano — suspeita de todo o modo infundada, porque ninguém melhor que o conde Moritz sabia que a Nova Holanda Brasileira, sem o concurso da mãe-pátria dominadora dos mares, não se poderia absolutamente sustentar.

Sabe-se que uma feita o coronel Arciszewsky, velho e distinto militar, fora encarregado de vigiar secretamente o governador; porém, ele procedeu com muito pouca habilidade, deixando circular os seus relatórios antes de mandá-los para a Holanda; assim ficou desvendado o fato, e, em conseqüência, diante das reclamações do conde, foi Arciszewsky desterrado pelo Conselho Secreto do Recife (20 de maio de 1639). Não se sabe se mais tarde outros funcionários exerceram semelhante vigilância secreta; talvez soubessem melhor esconder o seu jogo.

Todas essas mesquinharias deviam desgostar o conde Moritz do seu cargo, turvar-lhe o prazer de sua criação; repetidas vezes pediu demissão, porém sempre o assaltavam com súplicas os funcionários coloniais, tanto como a população colonial, para que ficasse; e a diretoria não queria privar-se dos seus serviços.

Finalmente, a 9 de maio de 1643, foi-lhe concedida, por deliberação da Companhia e consentimento dos Estados Gerais, a almejada exoneração, que a 30 de setembro lhe chegou às mãos. Ainda então entraram numerosos protestos e petições escritas, parte em Maurícia, parte em Haia, contra sua retirada; mas não se podia mais mudar as coisas; a 6 de maio de 1644 entregou Moritz o seu cargo às mãos do Conselho Secreto e apresentou ao mesmo o seu testamento político, no qual ele expunha detalhadamente os característicos de sua administração e os recomendava à observância do seu sucessor.

Depois, o conde Moritz de Nassau disse adeus à sua capital, Maurícia, a 11 de maio; seguiu por terra até à Paraíba e, depois de haver pelo caminho recebido pela última vez as homenagens, as saudações de despedida dos holandeses, assim como da população da terra, embarcou ele, no porto ali, na esquadra que o devia levar de regresso à pátria. A 22 de maio de 1644 suspenderam-se as âncoras; estava terminada a idade do ouro da Nova Holanda brasileira.

* * *

Não era fácil ser sucessor de tal homem; a posição independente, conciliadora, que havia assumido o príncipe imperial alemão, entre ambas as nacionalidades, entre a Companhia e seus subalternos, não podia ser sustentada pelo Conselho Secreto, um conjunto de funcionários e negociantes holandeses.

A diretoria exigia agora obediência absoluta, dava ainda menos atenção a representações, e regateava sobre despesas, ainda mais que no tempo do conde Moritz; os brasileiros, de seu lado, não podiam nem queriam prestar ao seu sucessor o respeito e obediência que demonstravam ao príncipe governador, seu protetor, seu "Santo Antônio", como dizia frei Manuel do Salvador; eles desdenhavam o novo governo como um agregado de plebeus holandeses, que não sabiam impor -se nem pela atitude física nem pela do espírito, e tinham em mira só os lucros. E nesse sentido não deixavam de ter alguma razão; entre todos os funcionários que daí em diante operaram na Nova Holanda brasileira, não se salientou nenhum por especial tino administrativo; entretanto, sem dúvida, muitos, mesmo funcionários altamente colocados, estavam prontos a vender os interesses de sua pátria.

Já nos primeiros tempos depois da partida de Nassau, conta-se, aconteceu um caso deste gênero: no ano de 1644 seguiu uma deputação do Recite para a Bahia, a fim de se estipular uma assistência mútua contra os desertores, devedores mal intencionados, etc, e na mesma oportunidade espionar as fortificações da capital Salvador; em ambos os sentidos eles não obtiveram vantagem digna de nota; aproveitou-se, porém, um dos delegados, Dirk van Hoogstraten, comandante da fortaleza holandesa do Pontal de Nazaré (Pernambuco), para oferecer ao governador-geral Antônio Teles os seus serviços, em caso de guerra, e a entrega de seu forte — promessas que foram ouvidas de bom grado, porém sem aceitação nem recusa.

Nestas circunstâncias deviam os brasileiros cada vez mais criar coragem e desejo de romper com os holandeses, senhores da terra; e pretextos para isto não faltaram. Agora, que cessava a vigilância que o conde Moritz havia exercido, permitiam-se os funcionários holandeses as mais grosseiras arbitrariedades; nos órgãos governativos de membros das duas nacionalidades, relegaram os holandeses os seus

colegas brasileiros sempre mais para a sombra; a Igreja católica não era mais, como antes, protegida e acatada, e quando então foram descobertas suas relações secretas com o bispo de Salvador, com a corte de Lisboa, procedeu-se com excessivo rigor contra os membros do clero, foram expulsos todos os frades do domínio holandês.

A tudo isso juntou-se então uma forte crise de dinheiro. Já se descreveu como uma grande parte dos possuidores de terras estavam em bases nada sólidas; haviam comprado a crédito as suas fazendas ao tesouro colonial, os negros à Companhia das índias Ocidentais, e o conde Moritz concedia-lhes sempre novos prazos.

Agora, as coisas deviam mudar; a Companhia exigia o seu dinheiro, só queria vender à vista; o Conselho Secreto, do seu lado, não recebendo quase recursos da diretoria e ainda tendo que pagar as custas da defesa das terras, o soldo do exército, via-se na necessidade de reclamar de seus devedores os pagamentos; e quando não os recebia, logo era ordenada a cobrança judicial, a colheita era confiscada no campo. Muitos fazendeiros procuraram sustentar-se quanto possível; tomaram dinheiro emprestado ao mais alto juro, porém afinal tiveram que falir.

E assim, por toda parte, começou uma rápida mudança, uma completa revolução nas condições das propriedades, com todos os males e tribulações inseparáveis de uma crise de numerário. Às vezes opunha-se o fazendeiro devedor, de arrnas na mão, ao seqüestro de sua fazenda; outras vezes comprava uma ressalva do governo, que lhe concedia um prazo de pagamento em prejuízo do credor; em outras ocasiões entravam em conflito o tesouro colonial e o credor particular; cada qual queria ser satisfeito primeiro e cada qual lançava mão do que podia alcançar por seus próprios meios.

Além disto os muitos leilões fizeram desvalorizar os bens de raiz; e quando, por fim, o devedor perdia casa e terras, era metido na prisão por dívida e não podia pagar ao credor, via este diante de si a própria ruína.

Assim estavam as circunstâncias materiais em confusão e decadência; o sentimento nacional, o sentimento religioso do povo estavam feridos; em suma, os elementos para uma revolução estavam prontos; só faltava ainda um chefe que desse o sinal.

E também esse chefe já existia *.

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