Literatura teológica no século XVI – História Universal

História Universal de Césare Cantu

CAPÍTULO XXXII

Literatura teológica

As primeiras discussões entre os católicos e os inovadores tiveram o cunho da fraqueza, por isso que o clero não possuía instrução sólida e estava habituado aos métodos escolásticos, gênero de esgrima sem valor contra armas de outra espécie. Em breve alguns de seus membros se aplicaram ao estudo das línguas orientais e da hermenêutica; então apareceram diferentes refutações aos erros de Lutero, principalmente na Itália, e algumas tiveram o mérito da oportunidade; porém nenhuma sobreviveu. Causa admiração a insuficiência dos campeões em quem Roma punha a sua confiança. Jerônimo Muzio de Pádua, autor de cartas, de poesias, de histórias sagradas e profanas, mostra-se, em vários panfletos escritos contra os protestantes, extremamente pobre em conhecimentos teológicos. Sem se ocupar de os refutar diretamente, êle os ataca por parte e aplica-se sobretudo a dizer mal dos italianos apóstatas. No entanto, esses libelos produziam talvez mais efeito entre o vulgo do que as discussões sucintas.

Em geral, não conheceram a extensão da questão sujeita, quando se limitaram a discutir parcialmente perante um tribunal inferior, tal como a razão individual. Ainda que a argumentação escolástica não pudesse desde então ter força alguma contra seus adversários, por isso que a maior faltava, isto é, a autoridade da igreja, base comum da fé, os católicos continuaram a bater-se com as mesmas armas, por não saberem descobrir o lado fraco da reforma, e estreitar seus defensores entre barreiras mais determinadas.

Tampouco se descobriu logo em sua íntegra; entre os protestantes (a não se querer excetuar Bèze), o alcance da revolução intelectual que acaba de começar. Abatendo uma sociedade a que substituíam outra sem chegarem ao fundo da doutrina, eles se constituíam perseguidores, porque se inculcavam únicos de posse da verdade, e portanto como devendo reprimir os erros. Se a igreja católica reclamava o mesmo direito, negavam-lho, como permanecendo nas trevas e como abandonada de Deus. Porém, que se havia de opor aos dissidentes que alegavam um ódio igual para com a igreja romana, e uma liberdade igual para a interpretação das Escrituras? Um tal contra-senso não lhes abria contudo os olhos: eles libertavam o espírito humano, porém queriam governá-lo por meio da lei; proclamavam o livre exame, e ao mesmo tempo emitiam símbolos, confissões e autoridade.

Alguns contudo tentaram associar os dois métodos usados nas controvérsias, isto é, o método positivo, que se ligava à autoridade imediata da Escritura e dos Padres, e o método, chamado escolástico, que argumentava por induções segundo essas autoridades fundamentais. Daí resultaram uns sistemas teológicos chamados loci communes, de uso mui freqüente tanto entre os católicos como entre os protestantes. Eles foram particularmente úteis aos primeiros, para reduzirem os sofistas ao nada, por meio de uma argumentação rigorosa. Os mais notáveis foram os Loci theologici de Melchior Cano (Salamanca, 1563), em que a doutrina junta à elegância se associa à filosofia e à teologia.

Porém logo que Roma, baseada no Concílio de Trento, chamou a si todos os elementos da vida moral e retomou vigor pela regeneração do dogma e correção da prática, ela domou nos países meridionais a tendência para a reforma; apropriou-se das inteligências, e considerou como dever reconduzir sob a sua autoridade vitoriosa os que se tinham deixado seduzir. Seus campeões retomaram a ofensiva, estabelecendo as regras absolutas da verdade, e demonstrando que fora deste caminho não há salvação.

Do mesmo modo como os restos dispersos de um exército se reúnem em volta do estado-maior, os católicos conheceram a necessidade de se estreitar em torno do papa. Os jesuítas principalmente, animados do espírito do catolicismo remoçado, voltaram-se a sustentar o único pastor em volta do qual bastava fazer um só aprisco. Então pareceram reviver as pretensões de Gregório VII, e sustentou-se que a igreja tem sobre o Estado uma supremacia ilimitada, que o papa é superior a todo e qualquer juízo, e que o rei incorre na perda do direito ao trono se deixar o grêmio da igreja católica.

O campeão mais notável destas doutrinas foi o jesuíta Roberto Belarmino de Montepulciano (1542-1621), que Clemente VIII promoveu depois ao cardi-nalato, quia ei nom habet parem Ecclesia Dei quoad doctrinam. Apoiando-se sobre a autoridade das Escrituras, dos Concílios, dos Padres, assim como sobre o acordo dos teólogos, êle não insulta seus adversários, mas expõe lealmente as suas opiniões; e, sem ter recorrido aos argumentos da escola, refuta-os com clareza c precisão. Êle compara o poder temporal com o corpo, a autoridade espiritual com a alma, se bem que não estabelece a prerrogativa direta do pontífice, e a superioridade do direito divino sobre o poder político. O papa não deve, segundo êle, intrometer-se nos negócios civis, salvo nos Estados que dependem dele; mas, quando se trata de vantagens espirituais, pode tudo. Não lhe pertence depor os reis a seu arbítrio, seja qual fôr o motivo, quando eles não são seus vassalos; pode porém transmitir seu reino a outros, quando a salvação das almas o exige. Pode avaliar-se a estima que se dava às obras desse escritor católico pelo número infinito de seus contraditores.

A tese de Belarmino foi sustentada também pelo padre Petau aos Dogmas teológicos, compilação utilíssima, e, por meio de argumentos históricos, por Labbe, Baronia, Sirmond. Ao mesmo tempo Blondel, Daillé, Saumaise, Hussarius, primaz da Irlanda, combatiam a favor da igualdade da igreja apostólica contra a supremacia de Roma.

Richer (1611), tendo comparado o governo eclesiástico com uma monarquia moderada pela aristocracia dos bispos, e negado a infalibilidade da Santa Sé, achou contraditor no cardeal du Derron, arcebispo de Sens. Este prelado foi um dos primeiros que alargaram a controvérsia cristã, levando-a aos pontos fundamentais, isto é, à questão da igreja, e demonstrando que o protestantismo carece dos caracteres essenciais a uma sociedade religiosa pública, por isso que não tem ministério uno, universal, apostólico, perpétuo. Os protestantes tiveram de tirar à igreja o seu caráter de sociedade pública, para a considerar somente como uma sociedade espiritual, constituída pela fé e baseada sobre alguns artigos fundamentais.

Foi preciso, portanto, demonstrar que o princípio fundamental do protestantismo, destruindo a fé, destruía a essência da sociedade espiritual, e o campo da discussão se alargou aqui, sustentando que o juízo privado é uma autoridade insuficiente. Papin empreendeu tratar do juízo privado e da autoridade, encarados de um ponto de vista mais geral e mais elevado. Os homens dividem-se, no seu conceito, em gente que crê e em gente que examina. Eles são, portanto, ou uma ou outra coisa, ou tudo ou nada, ou sempre independentes, ou sempre sujeitos em matéria de fé. Aquele que se submete é católico; para aquele que examina a verdade, a verdade não tem caráter obrigatório, ela nada tem que o distinga de todo e qualquer erro. O protestante não poderia condenar o judeu, o deísta, o ateu, porque para isso lhe seria preciso opor a autoridade às razões que eles alegassem.

Os ortodoxos vieram a deduzir daí que a base do catolicismo não é um fato especial mas o fundamento mesmo de toda a certeza humana. Em conseqüência, seus adversários acusaram-nos de ceticismo, porque eles não chegavam pelo exame a coisa alguma de positivo; porém eles se deram por satisfeitos de ter firmado o princípio da autoridade.

Em geral, os teólogos de 1600 mostraram muita erudição e crítica melhor. Bastará nomear, além dos historiadores, Cornélio a Lápide, estimado mesmo pelos protestantes, os luteranos Gerhard e Glass, e o calvinista Rivet.

Alguns escritores de fora da igreja chegavam a negar a revelação: Charron, por exemplo, em seu tratado da Sabedoria, que êle parece destinar à defesa de Admirandis naturae veginae dcacqitc. mortalium ar canis, publicado em Paris com privilégio do rei. No qüinquagésimo de seus sessenta diálogos sobre matérias físicas e morais, êle expõe as suas dúvidas, não reconhecendo outra lei senão a que impôs a no coração do homem. A incredulidade, enfim, estava em moda nas cortes de Luís XIII e de Carlos I; sem véu nas obras de la Mothe-le-Vayer, de Naudé, de Guy Patin e outros escritores desta época.

Pareceu portanto necessário, aos que professavam outras opiniões, provar a verdade da religião revelada; e é o que fêz especialmente Crócio nas duas Notais sobre o Antigo e o Novo Testamento, que têm sido multas vezes reimpressas. Rejeitando o caívinismo porque esta seita combate o livre arbítrio, êle julgou dever dar a preferência a Armínio, que o sustentou. Porém, descontente de ver a liberdade destruída, chega a negar a graça verdadeira; êle acha que Santo Agostinho embaraçou as questões da graça, a respeito da qual só os gregos e os semipelagianos permanecei na verdade; e exerce uma crítica audaciosa sobre a Escri tura, de que deduz extravagantes dogmas. Êle tinha mesmo caído nos erros dos socinianos, que depois abju rou. Hesitando assim sempre as doutrinas, nenhuma das quais o satisfazia, chegou a crer que podia dispen sar-se de aderir a qualquer comunhão; mas depois, como sentisse cada vez maior a necessidade de achar ropouso na autoridade, ter-se-ia talvez ligado à igreja católica, se a sua existência se prolongasse. O mesmo aconteceu com Casaubon; e homens de Estado insignes, sábios afamados abandonaram a reforma.

Entre os protestantes agitavam-se as antigas e as novas questões: o arminianismo tomava pé cada vez mais; Episcópio, seu principal campeão, é sobretudo notável por ter reduzido os artigos de fé a um pequeno número, cujo assunto, objeto e relação necessária se acham enunciados na Escritura expressamente, ou de uma maneira equivalente.

Aí surgiu também esta questão social: até que ponto o magistrado tem poder sobre a igreja, e até onde vai para os súditos o direito de não reconhecerem ou de se ligarem a um culto diferente? Erasmo deu o seu nome a um sistema que tendia a substituir às censuras eclesiásticas e às excomunhões uma alta vigilância do poder civil sobre a fé e prática da igreja. Este sistema foi desenvolvido por Hooker na Constituição Eclesiástica, e foi adotado na Inglaterra no tempo de Henrique VIII; porém êle destruía a constituição presbiteriana da Escócia e das Províncias Unidas. Crócio declara-se {de Império summarum potestatum circa sacra) a favor das idéias inglesas, assim como pela obrigação à obediência passiva nos países em que o rei é absoluto, mas não naqueles em que êle está ligado por um contacto ou pela autoridade quer de um senado, quer dos Estados: na sua opinião, só o rei tem poder para abolir as falsas religiões e para punir aqueles que as professam. Porém, se se lhe perguntar quais são as falsas religiões, êle responderá: As que não agradam ao rei, porque é a êle que pertence a escolha da religião, do que resultou que a diferença de opiniões religiosas se tornou em delito contra o Estado.

A perseguição por causa de heterodoxia era recebida como máxima em todas as igrejas. Alguns governos vieram a transações, porém nenhum pôde proclamar a tolerância. Os escritores mais moderados limitavam-se a discutir sobre o gênero e medida dos castigos, prin cipalmente a respeito da pena de morte. Justo Lipsi um dos mais ricos gênios da época, que era então professor nos Países-Baixos, escrevia que não se devia usar clemência com os dissidentes, mas q mpri cortá-los e queimá-los. Como lhe demonstrassem toda via que êle justificava assim os morticínios de Carlos e do duque de Alba, desculpou-se dizendo que aquilo eram figuras de retórica; que raras vezes se devia mandar matar os hereges, e não o fazer senão em segredo; porém que cumpria não lhes poupar nem exílio, nem as confiscações, nem as multas.

Episcopio, sobretudo, irritado por não se tolera o arminianismo, discutiu vivamente a questão da liber dade religiosa, tratando de execrado e abominado por todos o exemplo de Calvino; desde então não se encon tra mais penas capitais infligidas por essa causa. O independentes gabavam-se na Inglaterra de terem sido os primeiros a pregar a tolerância geral do culto, Jere mias Taylor {Liberty of prophesying, 1647), quis que ela fosse extensiva mesmo aos católicos, exceto quando eles dizem que o papa pode depor os reis: êle se fundava principalmente sobre haver na igreja muito poucos por tos precisos de fé, como o símbolo dos apóstolos, etc estando o resto sujeito a controvérsia.

O sonho dos homens era ainda reunir todas a igrejas em uma só fé, com a tolerância de um certo número de opiniões e de ritos. Crócio tentou lá chegar Jorge Calixte, da Universidade de Helmstadt, sustenta que não há no calvinismo coisa intolerável para o católicos, e indica acertadas regras para conciliar o dissidentes: êle queria que toda a igreja que afirma que negam os outros fosse obrigada a prová-lo

Escritura, pelo consentimento unânime da antiga igreja, e pela discussão.

Taylor, que mais acima nomeamos, foi o melhor predicante da Inglaterra, cheio de calor, de piedade, de caridade e ostentando todos os ornamentos que os de ordinário são apanágio da poesia. Os pregadores suíços eram simples, populares, e mais filosóficos que os ingleses; os holandeses, doutos e abundantes. Os franceses já davam mostras do gosto e da eloqüência que lhes deviam assegurar a superioridade no século seguinte.

Ao passo que, com exclusão de qualquer outra, Crócio não admite em suas Notas senão a interpretação literal, consagrando-lhe a sua vasta erudição; Coc-ceius, pelo contrário, em tudo acha sentidos ocultos, e para êle o Antigo Testamento é, do princípio ao fim, uma representação enigmática do Novo. Êle lhe introduziu, além disso, o estilo técnico da jurisprudência, considerando as relações entre Deus e o homem como pactos, no que se conformava, finalmente, como o hábito holandês desse tempo, que passou depois aos ingleses.

Ainda que os luteranos fossem rigorosamente afetos aos livros simbólicos, alguns deles também dirigiam seus pensamentos para a vida espiritual. Arndt, por exemplo (1605), no Verdadeiro Cristianismo, foi um dos primeiros a sair, entre os protestantes, das formas áridas da crença; mas São Francisco de Sales faz época (1606), na teologia devota, por seu livro Filotéia.

Quando a moral é chamada a dirigir no confessionário as consciências e a resolver as dúvidas particulares de cada cristão, a que terrível responsabilidade o confessor não está exposto quando a culpa de um ato que êle teria aconselhado, deixado cometer sem o impedir, ou absolvido, poderia recair sobre êle! Escrevem-se portanto tratados especiais e sistemáticos, não sobre a moral geral, ou contentando-se de expor os casos por forma de exemplo, mas verdadeiramente for mulando cada um deles circunstanciadamente, à maneira dos juristas. Resultou daí uma literatura inteiramente nova, tornada particularmente célebre pelos debates que surgiram entre os jesuítas e os jansenistas.

A moral evangélica inclina-se constantemente para aconselhar o partido mais brando e mais generoso porém, posta em luta com a natureza humana corrupta e com os interesses individuais, ela se acha obscurecida pela paixão. De qualquer pecado que o homem seja maculado, a igreja não quer que sobre êle pese o deses pêro: ela o chama ao arrependimento e à expiação; porém a reparação nem sempre é possível àquele que se arrepende, e não poderia ser determinada em uma pro porção fixa. Além disso, em diferentes países existia a Inquisição com as suas regras, de uma extrema severi: dade; e era lançar o pecador à mercê deste tribunal rígido, deixá-lo um ano sem absolvição. Foi, portanto, necessário estudar os recursos e as compensações que não obstante manterem os direitos da consciência, pu dessem dar confiança no perdão, sem se tornarem em um engodo por excesso de facilidade.

Daí nasceu a ciência chamada casuística, e que tem sido talvez nimiamente caluniada. Distingue a retidão objetiva das ações da sua retidão subjetiva, isto é, o domínio da razão e o da consciência, os atos bons ou maus, e a intenção em que eles foram reali zados. A ética não pode ocupar-se, como ciência senão da moral objetiva; ela se aplica à natureza espi ritual do homem e à sua vontade por meio do casuísmo, fundado sobre este axioma, de que devemos, tanto quanto em nós couber, conhecer o que é bem, operá-lo diligentemente. Porém, que de dificuldades na aplicação, quantas desculpas, quantos escrúpulos que impedem de obrar como se deve! O confessor não julga senão sobre o que lhe é exposto pelo penitente, e portanto deve antes de tudo ligar-se à intenção, porque aquele que confessa de um fato demonstra por isso que a sua consciência lho exprobra, enquanto que aquele que procede contra sua consciência peca ainda mesmo que a ação fosse inocente. Porém, todas as ações que a consciência não condena não são inocentes, por isso que uma pode enganar-se, e que as outras tiram a sua moralidade de uma fonte mais elevada e mais infalível.

O confessor, o que mais importante é, deve dar conselhos para o futuro. Como tem na sua mão a consciência e a vontade do homem ínfimo assim como as do rei, êle deve procurar, entre a retidão subjetiva e a retidão objetiva, esse acordo em que consiste a perfeição do ato moral. Ora, quantos casos não podem encontrar-se! que de sutilezas a explicar! que variedade de circustâncias a apreciar! Aqui tornam a aparecer todas as dúvidas da moral, não por serem o objeto de disputas de escola, mas por terem uma aplicação imediata. Cumpre ligar-se à letra precisa da lei, ou empreender interpretá-la? Ora, manifestam-se daí em diante, nos livros, duas escolas, já antigas na prática; uma que se liga invariavelmente à lei, e a outra que se presta a comentá-la.

As hesitações foram maiores ainda no que respeita às regras da veracidade e às obrigações nascidas de uma promessa. Uns sustentavam que uma promessa, ainda que fosse feita por ignorância, obtida pela fraude ou arrancada pela violência, obriga em todos os casos, princípio conforme com a abnegação voluntária que o Evangelho impõe. Outros sentiam a necessidade de se icomodar com as circunstâncias e com as paixões, a fim de salvar pelo menos o império da consciência. Já o interesse pessoal tinha achado em certas ocasiões sofismas para faltar a uma promessa; mas os jesuítas foram acusados de terem estabelecido sistematicamente uma moral flexível, a que seu nome ficou ligado.

Nascidos em outra parte do que em meio do rigorismo do Oriente; vivendo, não na idade heróica do cristianismo, mas no século de Maquiavel e de Carlos V; entregando-se mais aos trabalhos do apostolado ilo que às macerações; afrontando com coragem a morte, em vez de se consumirem em austeridades monásticas; pouco dados aos fervores ascéticos, mas votando-se à utilidade do gênero humano, que eles consideravam como estreitamente ligada ao triunfo da Santa Sé, os jesuítas achavam-se muitas vezes em circunstâncias em que teriam encontrado invencíveis obstáculos para atingir este grande fim, se eles não tivessem julgado poder desviá-los, ligando-se só à retidão da intenção. Chamados a dar conselhos aos grandes, podiam eles conciliar sempre com uma honestidade austera as conveniências e as necessidades inexoráveis da política? Deviam eles, repudiando este insigne ministério, privar-se de um meio tão poderoso de servir à igreja e à humanidade?

Eles teriam podido ainda menos concordar com os casuistas de uma rigidez austera, que, não considerando como suficiente a lei exata, exigiam rigores que a razão não impõe, e em que o foro interior oferecia às vezes regras inteiramente diferentes das do foro exterior.

O mundo, colocado entre as duas leis da carne e do espírito, está de sobra habituado a fazer transações continuadas, a caminhar, por assim dizer, sobre adiagonal das duas forças. Tal indivíduo não toleraria, em matéria de doutrina, uma moral menos severa, e atrever-se-ia a ações censuráveis achando para isso desculpas, apoiando-se em exemplos e nas opiniões de outrem. As mais das vezes aquele que tem dúvidas sobre a bondade de uma ação ou sobre o rigor de um dever confia-se à opinião provável, isto é, à que tem já sido sustentada por alguém.

Não é nesta categoria que se devem classificar os escritores que empregam a lógica e o sofisma em achar motivos de desculpa, cujo resultado é minar os alicerces da integridade moral. Aqueles admitiam, por exemplo, o emprego de uma expressão antiga, verdadeira em um sentido, ainda que falsa naquele que se lhe atribui geralmente; a restrição mental, por meio da qual se exprimiu uma coisa subentendendo certas condições; a dominação absçluta do homem sobre a palavra, à qual êle podia atribuir uma significação diferente da significação ordinária. Eles exageravam a sua teoria até o probabilismo, concedendo mesmo que se pode, em caso de dúvida, praticar o que se crê menos bem, contanto que se apoiem sobre algum casuísta, condição pouco difícil depois que os tratados se haviam multiplicado sobre esta matéria e convertido em exer-cío lógico.

Tomás Sanches, de Córdova (1592), é célebre entre os casuístas, e o seu tratado sobre o casamento é quanto há de melhor sobre este assunto. Êle desce contudo ao exame de casos e de particularidades inconvenientes, que pertencem talvez ao confessionário, mas que não é decente publicar. No entanto aqueles que têm ido procurá-los à sua obra, para os tornar objeto de escândalo, não tem pensado que se poderia fazer outro tanto com os livros de medicina.

Depois de Sanches há o espanhol Toleto, Lest, Busenbaun, cuja obra Medulla casuum conscientiae, Munster (1645) teve cinqüenta e duas edições, e Esco-bar, cuja Teologia moralis (Lião, 1648) teve quarenta.

Quando falamos dos escritores políticos, fizemos menção do grande moralista Suarez de Granada, da Companhia de Jesus. Desgraçadamente, do mesmo modo que os outros teólogos juristas, êle enfada por prolixidade, por subdivisões minuciosas, pela pretensão de esgotar a matéria apresentando-a sob todos os aspectos e querendo desenvolver todas as suas conseqüências. É para notar, todavia, que o hábito escolástico conduzisse esses escritores a tratarem o seu assunto em toda a sua plenitude, sem que lhes escape uma objeção de particularidade; eles sabem contudo subtrair-se à influência do momento, para considerarem as coisas debaixo de um ponto de vista geral. É verdade todavia que se envolvem em distinções, e se acham lançados, pelo seu respeito à autoridade, em meio de sistemas incoerentes.

Eles são, finalmente, muito superiores aos casuí-tas protestantes, nenhum dos quais apresenta sistema completo.


Tradução de S. Fittipaldi, fonte: Edameris.

 

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