Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Org. de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora.
O BOI BRAGADO
Havia um rei muito bom e amigo dos seus vas salos, mas inimigo da mentira. Recebeu êle um dia, de mimo, um boi bragado, tão bonito como não havia outro para comparar-se. Confiou o boi a um servo, de toda confiança, mandando que o le vasse para uma tapada e lá cuidasse do animal com todo cuidado.
Louvava o rei a fidelidade desse seu criado quando um fidalgo desatou a rir, dizendo admirar-se de acreditar o rei num homem que era igual aos outros; quando fosse do seu interesse haveria de mentir como todos os demais. O rei disse que não, e foram discutindo até que o fidalgo, picado pela resistência, pediu permissão para apostar como o criado mataria o boi bragado, mentindo quando o rei perguntasse pela vida do animal. O rei aceitou o trato.
Em casa, o fidalgo desesperou pela sua idéia de apostar tanto dinheiro, e ainda pela dificuldade de realizar o que firmara. Sua filha mais nova, atirada e esperta, tanto perguntou que o pai -lhe disse seu negócio e a moça prometeu "fazer com que êle ganhasse o ouro do rei.
Vestiu-se de lavradora, pés descalços, lenço na cabeça, e foi parar à tapada real, perguntando pelo rapaz que guardava o boi bragado. Conhecendo-o, começou a fazer-se enamorada e tais provas deu do seu amor, que o moço ficou ardendo também, rendido aos encantos da endiabrada moçoila. Pediu esta, semanas depois, que matasse o boi bragado porque lhe queria comer o fígado. O rapaz ficou espavorido com o desejo mas, sem vontade própria, apanhou o boi, matou-o, tirou-lhe o fígado e a moça o comeu assado.
Dias passados, fingindo ir às compras, a moça foi para casa e disse ao pai que o boi bragado não existia mais. O fidalgo correu a palácio, gabando-se de haver tido razão contra o rei. Este mandou chamar o vaqueiro que compareceu muito triste com as cousas sucedidas. O fidalgo estava assistindo à conversa do rei.
O vaqueiro chegou, saudou seu real amo, e este lhe perguntou:
— Como são as novidades na tapada?
— Sem alteração, real senhor!
— E o Boi Bragado?
— Deu o fígado para uma vida... respondeu o rapaz sem pestanejar. O rei, insistindo, ficou sabendo que o vaqueiro obedecera ao coração, satisfazendo a um pedido amoroso. Preferira o castigo a mentir ao amo. Orgulhoso com essa resposta, o rei perdoou-o, presenteou-o com a tapada, como dote para que se casasse com a filha do fidalgo, que perdera a aposta e a filha também.
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É versão simples de um conto muito popular em Portugal. Boi Cardil na ilha da Madeira e no Algarve (Teófilo Braga), Boi Rabil em Coimbra, registado por Adolfo Coelho. Em ambas as versões há versos, sendo em formapoética a madeirense, Contos Tradicionais do Povo Portuguez, 58.°, Contos Populares Portuguezes LVI, Romanceiro do Archipelago da Madeira, p. 273. No Brasil, encontrei uma versão no Natal Querino, vaqueiro do rei, e outra foi-me enviada das Alagoas, O boi leição, figurando ambas no meu Contos Tradicionais do Brasil. Na Espanha ha El toro barroso, de Soria, 48.° do Cuentos Populares Españoles do prof. Espinosa. Teófilo Braga, notas, II, 207-208, indica bibliografia. Versões semelhantes são apenas a siciliana de Laura Gonzenbach, uma cabra em vez do boi, o Scheik Chehabeddin no "Quarenta Visires"! Os demais parecem variantes. A origem oriental está notoriamente documentada. Fábula V da terceira "Noite" de Straparola.
O que há, nesse conto, de surpreendente, é a presença de um elemento temático já existente na mais velha história popular do Mundo, o conto do Dois Irmãos, com três mil e duzentos anos de idade. Foi escrito pelo escriba Anana para o principé Seti Marneftá, filho do faraó Ramsés Miamum. O papiro, adquirido na Italia, em 1852, pela senhora D’Orbiney, foi estudado e revelado aos eruditos pelo visconde de Rougé, superintendente das coleções egípcias em Paris, encontrando-se atualmente no British Museum de Londres. Os dois irmãos, Anepu e Batau, atravessam episodios que ainda vivem na tradição oral. Transformado no touro sagrado, Batau é morto pelo faraó, apaixonado por sua mulher, para que ela possa comer o fígado desejado. Nas versões brasileiras e na portuguesa, ouvida no Brasil, persiste a mesma víscera, substituída pelo coração nas portuguesas e espanholas. Há tradução portuguesa do Dois irmãos, e ligeiras notas esclarecedoras, na Biblioteca Internacional des Obras Celebres, 1 48-60.
(CASCUDO)
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