Poeta ALBERTO DE OLIVEIRA, fundador da ABL (1859 – 1937)

ANTÔNIO MARIANO ALBERTO DE OLIVEIRA, nasceu em Sa-
quarema, Estado do Rio de Janeiro, a 28 de abril de 1859 e faleceu aos
19 de janeiro de 1937, em Niterói. Desde muito cedo inclinou-se às
letras e traçou, aos catorze anos, o primeiro soneto, sentimental, de certo:
"Nasce em verde botão a linda rosa". Fêz o curso de Farmácia; foi
diretor da Instrução Pública do Estado do Rio e desempenhou as fun-
ções de professor da Municipalidade do Distrito Federal, na cadeira de
Literatura — cargos transitórios, porque Alberto de Oliveira foi sim-
plesmente poeta: poeta a vida inteira. Mas poeta entre os mais altos,
mais singulares e mais embebidos da natureza; poeta entre os mais sub-
jugados ao ambiente moral, ao domínio sentimental e às vibrações esté-
ticas. Em 1928, ao lhe erguerem, no Flamengo, sob copadas árvores, o
busto em bronze, teve Alberto ensejo de prestar culto à sua musa, di-
zendo, enternecido: — "Bem haja a hora em que fiz o meu primeiro verso!
Bem haja a Poesia, a quem devo o mais puro gozo da vida, o gozo
sereno da compreensão da beleza das cousas, da grandeza do que me
cerca, da formosura sem par da terra doirada e verde, onde aprouve
a Deus que eu lograsse a ventura de haver nascido!"

As produções do seu fecundo engenho, iniciadas em 1878, com a
publicação das Canções Românticas, estendem-se, incessantes, por quase
sessenta anos, sob os requintes de potente inspiração, em que se entre-
laçam a formosura das cousas, a exuberância dos sentimentos, a correção
magnífica da linguagem, a delicadeza da expressão, a justeza dos con-
ceitos e a perfeição da forma.

Proclamou-o Bilac, em 1905, "o mais brasileiro de todos os poetas
do Brasil".
E, de fato, é toda a nossa terra — com tudo o que possui
em fenômenos e seres — o plasma de seus versos. Entre a Natureza e a
Alma, entre o ver e o sentir, volveranvse-lhe sempre os olhos para a con-
templação dos entes e dos fatos, na serena e perspícua visão, mercê da
qual vasava em versos imortais a nitidez das idéias, os enlevos do amor,
os amargores da morte ou a fascinação da beleza.

O poeta foi moço a vida toda, porque sua obra da velhice não
cede o passo à da mocidade em paixão e vigor, em brilho e opulência,
nem na breve malícia, na grácil ironia ou no donaire ingênito.

Em 1937 perdia o Brasil o altíssimo poeta; mas ficavam-lhe as obras
— tesouro incomparável pelo estro e pela língua. Quanto a esta, disse
dele o acadêmico, Sr. Aloísio de Castro: "Nunca, entre nós, voz de
poeta deu maior esplendor ao idioma". Quanto àquele, escreveu outro
acadêmico, o Sr. João Luso: "A inspiração entrava nele e os versos dele
saíam como, em relação a qualquer de nós, entra e sai a respiração.
Para êle a poesia formava um envolvimento vital. Era a atmosfera de
sua alma".

Levado, no início, ao gosto clássico, inclinou-se depois, em culto
panteístico, ao nosso opulentíssimo ambiente, de que encheu seus poemas
com tudo o que Brasil, por céus e terras, lhe abriu, grande e formoso,
aos olhos ávidos.

Em quatro volumes — as quatro séries — se distribui o conjunto de
suas produções, que se assinalam aqui mediante a indicação das partes
constitutivas de cada volume: Na l.a série: Canções Românticas (1878),
Meridionais (1884), Sonetos e Poemas (1886), Versos e Rimas (1894),
Por Amor de uma Lágrima (1895); na 2.a série: Livro de Ema (1897),
Alma Livre (1901), Terra Natal (1901), Alma em Flor (1900), Flores da
Serra
(1902), Versos de Saudade (1903); na 3.a série: Sol de Verão
(1904), Céu Noturno (1905), Alma das Cousas (1906), Sala de Baile
(1907), Rimas Várias (1910), No Seio do Cosmos (1909), Natália (1911);
na 4.a série (1912-1925): Ode Cívica, Alma e Céu, Cheiro de Flor,
Ruínas que Falam, Câmara Ardente
e Ramo de Árvore.

Seria obra louvável reunirem-se em volume as poesias inéditas do
extraordinário e inolvidável poeta.

A Palmeira da Serra

Ó Palmeira da Serra

Que eu vejo todo o dia

A batalhar em guerra
Com a ventamia,

Ó palmeira da serra,
Mais do que a ti, me agita uma estranha agonia!

A minha vida, o amor, a tristeza, a saudade.

É contínua ansiedade;

É como tu, palmeira,
Na tempestade,

A minha vida inteira,
A minha Vida, o amor, a tristeza, a saudade.

Ó palmeira da serra,
Quando repouso um dia
Hás de ter nessa guerra

Com a ventania?
Ó palmeira da serra,
Quando verei também findar esta agonia?

(Poesias, ed. definitiva, 1900, p. 353)

Um Canto ainda

Um canto ainda, antes que a noite desça
E este sol, que é o da vida, apague e suma!
A árvore, antiga embora, inda ressuma
Cheiroso bálsamo, e talvez floresça.

Que importa já me alveje na cabeça
Neve dos anos, como em cerro a bruma?
A alma me vai no canto, como a espuma
Na vaga, até que o sol desapareça.

Ainda um canto! e vá no canto a vida,
Vão os meus sonhos mortos e a perdida,
Morta esperança, a flutuar dispersos…

Como cansado arbusto os ares olha,

Sem mais ver primavera, e, folha a folha,

Se esfaz em folhas, eu me esfaço em versos. (664)

(Rimas Várias, 3.a série, p. 169).

Velhice

Velhice! — "Amigo, diz-me um amigo,

Diz, e é verdade:
Sabe que a boa idade é a última idade,
E és bem feliz de envelhecer comigo.
Poucos vingam o cimo em que ora estamos;
Árvores altas, não nos toca os ramos
O sopro mau que aí em baixo as mais agita.

Bendita e rebendita
A idade austera e nobre a que chegamos".

Diz, e é verdade…

Mas que saudade
Das horas loucas da mocidade!

Velhice! — "Amigo, diz inda o amigo,

Diz, e é verdade:
Há nada igual a esta serenidade?
Fora de nós o amor tredo e inimigo; (666)
Vemos que longe, indómita, rebenta
E rola em mar de nuvens a tormenta.
Tudo aqui em cima é paz, calma infinita…

Bendita e rebendita
Seja a velhice, de paixões isenta!"

Diz, e é verdade…

Mas que saudade
Daquelas nuvens de tempestade!

(Alma e Céu — 4.a série, pp. 107-108).

(664) esfazer-se = desfazer-se. V. a n. 281. (666) Tredo —
traidor. Derivam-se ambos do mesmo vocábulo latino: tredo, do no-
minativo traditor; traidor, do acusativo traditorem. Formas duplas, de
formação análoga: serpe e serpente, drago e dragão,
demo e demônio, ladro
e ladrão, pavo e pavão, virgo e virgem, Leo e leão, Zeno e Zenão, Atlas e Atlante,
câncer
e cancro, prefácio e prefação etc.

 

OS CANIÇOS

Sopra mais forte, leva-nos contigo,
Vento da tarde! parte-nos ao meio,
E os caniços do brejo, vento amigo,
Leva em teu seio!

Por que existimos? por que assim vivemos,
Assim, curvos de dor, de tanta mágoa,
E a sombra nossa, desolados, vemos
No espelho d’água?

Sopra mais forte, vento, que nos vales
Harpa invisível tanges dolorida;
Sopra, e leva contigo os nossos males,
Levando a vida…

O VENTO

Ouvi! Para estes lados se dirige,
Do sol no ocaso ao derradeiro raio,
Um homem. No pesar que vos aflige,
Interrogai-o.

O HOMEM

. . .E a terra, o sol, o espaço, o firmamento,
E Deus, em longo e demorado estudo,
Mísero verme — interroguei sedento.. .
Debalde tudo!

OS CANIÇOS

Homem, de cuja boca, à luz do ocaso
Estranhas vozes, pávidos, ouvimos,
Saberás nos dizer, homem, acaso,
Por que existimos?

O HOMEM

.. .Debalde! E o enigma atroz que me enlouquece,
A negra esfinge em toda a parte avisto!
Se algum desses caniços me dissesse
Por que é que existo?…

(Livro de Ema — 2.a série, p. 77)

Crescente de Agosto

Alteia-se no azul aos poucos o crescente,
O ar embalsama, os cirros leva, o escuro afasta;
Vasto, de extremo a extremo, enche a alameda vasta
E emborca a urna de luz nas águas da corrente.

Na escumilha da teia, onde a aranha indolente
Dorme, feita de orvalho, uma pérola engasta.
Faz aos lírios mais branca a flor setínea e casta,
Mais brancos os jasmins e a murta redolente. (667)

Faz chorar um violão lá não sei onde… (A ouvi-lo

Na calada da noite, um não-sei-quê me invade)

Faz que haja em tudo um como estranho espasmo e enlevo;

Faz as cousas rezar, ao seu clarão tranqüilo,
Faz nascer dentro em mim uma grande saudade,
Faz nascer da saudade estes versos que escrevo.

(Ramo de Árvore — 4.a série, 1927, p. 221).

Excelsitude

Chegaste onde chegar nem piode o pensamento.

Eu que te vi partir, eu me deixei sozinho

Ficar, amando ainda este chão de caminho,

Onde há pedra, onde há serpe, o tojo, a chuva e o vento.

Prenda-me agora, mais que a terra, o firmamento;
O que inda há por sofrer, sofra, a falar baixinho
Com as estrelas; rasteje, humilhado e mesquinho,
Aos pés de cada altar; só meu gozo e alimento

Seja a oração; deserte o mundo; ermado e triste,
Viva só para a Fé, e ai! só para a Saudade;
Nunca me hei de elevar à altura a que subiste!

(667) redolente — de igual forma latina, em que ao vocábulo olente,
cheiroso, está ligado o prefixo re, na sua forma primitiva, reá, que se vê ainda
em
redarguir, redimir (red -f- emere), redundar (red 4- undare), redivivo, ré
{d)ito, redibir
etc.

Nunca mais te hei de ver! Entre nós ambos corre,

A estremar-te de mim, a tua eternidade,

A estremar-me de ti, tudo o que é humano e morre.

(Câmara Ardente — 4.a série, p. 211).

Alto de Serra

(manhã)

Efunde a urna de Aquário a espaços o chuveiro
Que as flores lava, os brotos abre, o ar purifica.
Bebo-te, ó sazão forte, a seiva agreste e rica
Neste cheiro de chão de serra, que é o teu cheiro.

Já seu nevado véu de rendas o espinheiro

Solta; do ingá polpudo a árvore frutifica;

No álveo de areia e pedra e piscas de ouro e mica

Fartas rolam, cantando, as águas do ribeiro.

Um dia novo a tudo acaricia e banha.
Que bom fora já ter morrido, para agora
Ver-me esparso em cristais, folhas, eflúvios, lumes!

Para sorrir ao sol que doura esta montanha!
Para chorar no tom com que este rio chora!
Para elevar-me aos céus em névoas e perfumes!

(Ramo de Árvore — 4.a série, p. 247).


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

 

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