Roosevelt, a centralização norte-americana e o pan-americanismo

Oliveira Lima

PAN-AMERICANISMO

CENTRALIZAÇÃO AMERICANA antes da eleição presidencial (1904)

Nada poderia demonstrar mais amplamente a abundância entre os norte-americanos de homens perfeitamente preparados para a suprema administração, já por uma disposição hereditária em gente acostumada de todo tempo a governar-se, já pela influência do meio onde vingaram sempre numa forma associada as idéias de liberdade e disciplina, já pela educação dispensada, a qual concede uma parte tão grande, senão maior, ao civismo quanto à ciência, do que o que se está passando com relação ao pleito presidencial.

Supunha-se há meses que Roosevelt não encontraria competidor algum sério, e que a sua reeleição, desta vez, como presidente constituiria uma pura formalidade. O Partido Democrata apresentava-se desunido, recusando a maioria radical dobrar-se sob as rudes admoestações do seu ex-líder Cleveland, e teimando uma crescente minoria em seguir a personalidade magnética de Bryan, duas vezes consagrada nas convenções magnas, e em aplaudir-lhe as teorias falazes que o eleitorado também por duas vezes repudiara. Escolher Bryan uma terecira vez seria um prenúncio certo de derrota: as circunstâncias do pleito permaneceriam idênticas. Na convenção partidária, dominada muito embora pelos radicais, os votos concentraram-se afinal por um acordo tácito, análogo no espírito a um casamento de conveniência, no juiz Parker, presidente da Corte de Apelação do Estado de Nova York.

Sabia-se dele que era um magistrado íntegro, um homem moderado, um espírito conservador, sem predicados alguns extraordinários; alguns murmurariam uma mediocridade, os mais benévolos o qualificariam de utilidade. Eis que de repente essa personalidade localmente distinta, mas distituída de prestígio nacional, surge perante o país como um homem de vontade e resolução, realmente digno da investidura para a qual o designou o grande e histórico partido que o aclamou candidato. Fato único na moderna hl política dos Estados Unidos, Parker, em vez de se curvar an onipotente tirania do número, sagrada nas democracias, impôs opinião à convenção e modificou ao seu talante o programa \l tado, fazendo prevalecer o monometalismo, adotado pelos blicanos, sobre o bimetalismo condenado nas urnas; teve a gem de verberar a ocupação indefinida das Filipinas, como i uma manifestação por demais tangível do imperialismo que já e livremente nas veias norte-americanas, e deu logo arras da sua ceridade e disinterêsse, declarando-se antecipadamente infenso n. eleição e em caso algum candidato a ela, para que a sua obra ail nistrativa e a escolha do seu pessoal executivo nunca pudessem julgadas inquinadas de semelhante preocupação, que as tom dependentes do favor público em vez de impregná-las do inte publico, algumas vezes alheio à popularidade.

* Excerto tirado da obra Pan-Americanismo (Monroe — Bolívar — Roosevelt), edição publicada por H. Garnier, Livreiro-Editor, Rio de Janeiro — Paris, 1907. O estudo havia sido publicado anteriormente em O Estado de São Paulo, 8-1 ^ mar. 1907.

 

 

O pleito presidencial representa o acontecimento culmin da vida política norte-americana. Nenhum indica com i precisão, pela vibração intensa que imprime ao maquinismo pi dário e se reflete em todo o corpo social, o grau de solidaried que atingiu o organismo nacional. Nasceu, entretanto, este or nismo de uma frouxa confederação de treze Estados desconfia e divergentes, em que o plantador orgulhoso da Virgínia ou da rolina olhava de esguelha o comerciante liberal de MassachuSfl ou de Nova York e o pensador democrata, que foi Jefferson CO batia acintosamente o organizador aristocrata, que foi Hamiltd tornou-se, porém, uma nacionalidade tão homogênea que faz eSCM cer ser uma federação, ligada indissoluvelmente por um passad cujas diferenças se apagaram completamente nas guerras travad e sobretudo nos progressos realizados, e por um destino comum q cada dia mais se avoluma e melhor se define.

O fortalecimento do poder presidencial, que nos Estados Unid tem sido contínuo e progressivo, ao ponto do residente da Ca Branca converter-se, depois da última guerra com a Espanha e aq sição de um domínio colonial ultramarino, cm soberano autocráq deste império, representa justamente a expressão mais acabada unidade, havendo-se estabelecido a princípio como sinal de reaç contra a desagregação nacional. A desagregação quis um dia rea zar-se de sopetão pela violência, sobre a teoria dos direitos priv tivos ou da soberania estadual, no campo concreto do trabalho cravo, mas foi a solidariedade pelo contrário que se firmou com luta aberta. A vitória de um dos ideais opostos, juntamente com uma série de circunstâncias concomitantes, tais como a aproximação das distâncias dos núcleos de povoação, o isolamento do mercado doméstico, a paridade do desenvolvimento e a identidade das aspira ções de cultura trouxeram o vigor da ação executiva, manifestando r pela harmonia administrativa.

As constituições entraram a parecer-se em vez de se difereo çarem, os interesses a. grupar-se em vez de se distanciarem, e para o caso de discrepâncias fundamentais nas leis orgânicas e de divórcio nas orientações seccionais, ficava de pé, crescendo de importância, o recurso da Corte Suprema.

As interpretações provenientes deste instrumento de construção jurídica levam os racalcitrantes a submeterem-se sem constrangimento, exercendo-se a intervenção da Corte em favor não só dos interesses reconhecidamente nacionais, como geralmente dos interesses conservadores, servindo de garantia contra o radicalismo das tendências da atualidade.

Está longe de ser um exagero afirmar-se que aquele tribunal tem nos Estados Unidos alterado a seu jeito, ou melhor do Executivo, a Constituição Federal, amoldando-a ocasionalmente às circunstâncias do momento histórico e da oportunidade política.

Tudo nos Estado Unidos favorece a ação do presidente, a começar pelo grande número de cargos públicos à sua disposição para distribuição, e que, mau grado os cerceamentos introduzidos, orçam ainda por doze milhões de dólares anuais, exclusão feita dos departamentos militares, apenas contando as nomeações para lugares civis, e a terminar no instinto que evidenciam as multidões de confiar a guarda dos seus interesses a um dirigente único de prestígio, em vez de entregá-la a uma câmara heterogênea, dividida por apetites e paixões. De resto os períodos de máximo esplendor e força das nações coincidem sempre com os governos de um só: os exemplos adrede encontram-se na velha Roma, no Império do Ocidente e no napoleónico.

Acresce que as vastas especulações industriais e mercantis, em que se acha engolfada a população americana, afastam-na pela maior parte das mesquinhas contendas acanhadamente partidárias e mais ainda irritantemente pessoais que encontram seu terreno nos freqüentes e reduzidos pleitos locais. O presidente fica deste modo acima daquelas preocupações estreitas, encarnando um dos aspectos das grandes questões em conflito no espírito das massas, e que são dirimidas longe da pressão das oligarquias ou dos mandões, representando, portanto, expressões mais genuínas da vontade popular.

Foi uma vez o famoso equilíbrio dos três poderes. Por cima da Constituição, tão penosamente e tão sabiamente elaborada nos fins do século XVIII, têm os costumes e as condições ido criando o que muitos publicistas americanos chamam a Constituição não escrita, a qual vai, contudo, suplantando a primeira. E se há homem que pudesse com êxito despender energia em promover a realização do novo estado de coisas, esse homem era com certeza o Presidente Roosevelt, com a sua conhecida determinação, sua proverbial tenacidade, o seu dom talvez exagerado de impulso individual tão diferente do oportunismo do malogrado Mae Kinley.

O falecido presidente tinha por princípio nunca apressar a adoção de uma medida nem favorecer a construção de um projeto, sem primeiro sondar bem a opinião pública da qual timbrara em tornar-se o verdadeiro representante direto e responsável, e modelar o seu projeto pela imagem do desejo popular, na sua acepção mais levantada, liberto quanto possível dos precon-

ceitos regionais para formar uma aspiração nacional. Aquilo que( com relação à política imperialista, praticou Mae Kinley, realizando a anexação definitiva das Filipinas, apesar do peso e gravames que semelhante incorporação traria ao erário americano, sob a forma de um exército de ocupação, de 40.000 homens pelo menos, e de despesas várias não inferiores a setenta milhões de dólares por ano, somente porque a opinião se revelara em prol da retenção da conquista quase acidental de Dewey. Roosevelt o teria praticado com a plena, espontânea e individual consciência dos seus atos, baseada sobre uni sentimento de responsabilidade dos destinos imperiais dos Estados Unidos da América e da conveniência da sua expansão, não só comercial como territorial, a segunda mais como fundamento da primeira do que como satisfação da sede de conquista.

II

A posição do presidente dos Estados Unidos com respeito às recentes aquisições territoriais do país e sua conseqüente administração, encerra uma outra demontração do fortalecimento do seu poder constitucional, ao mesmo tempo que do abandono das velhas concepções americanas de indispensabilidade do consentimento dos governados e igualdade dos direitos de todos os cidadãos. Existem neste momento, dentro da jurisdição absoluta do presidente dos Estados Unidos, populações alienígenas, anexadas, mas para sempre privadas do voto, desse mesmo direito de sufrágio do qual estão sendo progressivamente despojados os elementos dele investidos quando foram arrancados à escravidão e elevados à categoria de cidadãos; assim como existem, fora da jurisdição presidencial populações autônomas mas protegidas, como a cubana, de que tampouco cogitava a antiga Constituição, ainda oficialmente em vigor.

Verdade é que a Suprema Corte Federal, agindo como costuma em boa auxiliar do Executivo, modelou, mais do que uma interpretação, uma teoria constitucional, permitindo a inovação de territórios que não são destinados a figurar um dia entre os Estados da União, e cujos habitantes não podem aspirar à nacionalidade de direito ou sequer à naturalização por favor. Até darem provas de capacidade de administração própria ou self government, terão eles de gozar, sem maiores esperanças, da custosa tutela americana, incontestavelmente benéfica no que toca à disseminação da instrução e ao melhoramento, já verificado, das condições materiais dos seus países atrasados. Foi este um ponto aliás por que se recomendou, tanto quanto a do seu predecessor, a administração do Presidente Roosevelt, cujo afã se exerceu principalmente, entre outros assuntos, em alcançar satisfação para as justíssimas exigências cubanas, em matéria de abaixamento dos direitos «aduaneiros para as produções da ilha importadas no mercado americano, e em tratar de transfor-formar, dentro do continente o sistema das tribos indígenas, consideradas como pupilas do governo federal, num sistema mais liberal de pequenas propriedades individuais, de que os novos cidadãos (pois assim o serão) derivem pelo trabalho sua subsistência, em lugar de a derivarem das rações com que se locupletam, muito mais do que eles, os intermediários oficiais.

A importância absorvente, única, da eleição presidencial nas ocorrências diárias da vida política americana e a sua colocação primordial nas sucessivas, contínuas votações por que se manifesta essa vida, explicam-se, portanto, facilmente, pela valia excepcional da função, pelo poder que a caracteriza, pela tendência que ela personifica. Esta tendência é, já o sabemos, toda para a unidade, como o vai provando a marcha da legislação recente. A lei de falências já é uma desde 1897 e sua eficácia acha-se cabalmente demonstrada.

Idêntica aspiração de uniformidade é nutrida com relação à legislação sobre o casamento, o divórcio, o tráfico comercial, a qualidade de cidadão, o tratamento dos anarquistas e outros tópicos de Direito Civil e Público. É mais antiga nos Estados Unidos do que entre nós a orientação de que acaba de tornar-se eco o Sr. Nilo Peçanha, com tomar inteligente e desassombradamente a iniciativa para a uniformização das leis processuais.

Se por um lado a importância do cargo pode fazer compreender e justifica o ardor posto na campanha eleitoral, por outro lado o explica sobejamente a oposição dos ideais em antagonismo. Nunca, entretanto, como no pleito atual, foi a luta tão pouco extremada em matéria de doutrina, parecendo antes entre pessoas do que entre idéias. À personalidade máscula, impetuosa, irrequieta, original e sugestiva de Roosevelt contrapõe-se a personalidade não menos varonil, porém mais suave, mais assentada, mais discreta, mais acessível, por outra, mais parecida com a de Mae Kinley, do juiz Parker.

Os programas — as issues como dizem os americanos — é que nunca foram com efeito menos marcados ou frisantes na sua comparação. O padrão monetário ouro, ao qual os republicanos aderem firmemente e que os democratas tinham passado sob silêncio na recente convenção, foi julgado coisa definitivamente resolvida e sobre que não há volver em virtude do já histórico telegrama de Parker, declinando a nomeação em outras condições.

A questão da tarifa aduaneira, sobre a qual persistem as oposições teóricas passou praticamente para um plano afastado, desde que o repúdio do protecionismo exagerado aparece impossível, mesmo contando com uma Câmara democrata, com o Senado conforme se encontra presentemente organizado, de franca maioria republicana, que levaria anos a desmanchar.

Qualquer legislação radical relativa aos trusts modificaria tão profundamente as condições econômicas dos Estados Unidos e prejudicaria porventura tanto a atual prosperidade, que a sua sugestão faz hesitar o partido mesmo, que já uma vez se adiantou no sentido das idéias socialistas.

O anúncio de legislação daquela natureza daria também o sinal da dispersão aos eleitores conservadores, que é justamente necessário atrair para reconstituir as fileiras e travar um batalha esperançosa.

Acontece que o principal corretivo dos trusts consistiria exatamente na redução da tarifa alfandegária, que permite o seu funcionamento tirânico e os seus lucros excessivos, o que por enquanto vimos estar fora do alcance do político prático da feição adversa. Outro corretivo importante seria a uniformidade nas tarifas de transporte pelas vias férreas, as quais estão agora ditadas pelos trusts em seu benefício e no detrimento dos pequenos produtores, alheios a essas gigantescas corporações de capital. Para isto tornar-se-ia contudo mister talvez a posse ou exploração, pelo Governo, das estradas de ferro e telégrafos, exatamente um dos pontos do programa populista abraçado pelo grosso do Partido Democrata, depois de Cleveland, na eleição de 1869, e agora renegado ou pelo menos afastado para assegurar a reunião do partido desfeito.

Com a apresentação do programa populista abrangendo o imposto sobre o rendimento a propriedade municipal dos domínios e serviços de utilidade pública e a livre cunhagem da prata, coincidira uma fase agrícola de vacas magras, que predispusera os lavradores à adoção de todas as teorias novas, acenando-lhes sobretudo com os despojos da indústria opulenta. A melhoria de preços dos produtos rurais, dos cercais especialmente, base da riqueza agrícola americana, serenou o ardor reformista da lavoura. Em vista da prosperidade existente, o caminho a recomendar deixou de ser o socialista para o Partido Democrata, o qual só poderá galgar proximamente o poder imolando as inovações e voltando a uma atitude economicamente conservadora.

Apenas, derradeiro vestígio da crise atravessada, parecem, na recente plataforma,’os direitos do trabalho merecer aos democratas a mesma retórica simpatia que os do capital, apesar de serem quase idênticas na essência as declarações dos dois partidos.

Os direitos individuais não são os únicos a reclamar consideração, reclamando-a igualmente os direitos sociais. No caso dos trustes, afora as dificuldades de ordem restritamente legal que oferece qualquer ação judicial, é sumamente dificil definir em teoria onde deve acabar a liberdade individual de tráfico para começar a intervenção, quiçá tirânica, do Estado e até que ponto a ação federal ingerir-se nas franquias estaduais, soberanas no tocante à regulação do seu comércio local. Sem falar em que destruir cegameníe os trustes equivaleria a destruir os alicerces da maior fortuna particular, portanto da riqueza nacional, podendo assim Roosevelt exclamar com razão que cumpria apontar aquele que os destruísse como um inimigo da República. Concordam todavia ambos cm admitir os abusos ocorrentes, a necessidade de coibi-los e remediar os embaraços, levantados pelo sistema predominante, à livre concorrência mercantil, especificando Parker, ou o programa por êle recebido, que os trustes devem confinar seus monopólios aos Estados onde se originaram, sem açambarcar»^ o tráfico interestadual.

A questão de raça, que estimula contra Roosevelt a gente do Sul, por ter o presidente recebido à sua mesa o educador negro Booker Washington e concedido a descendentes de africanos algumas migalhas dos despojos orçamentários federais, não pode, mau grado tôda a pressão dos preconceitos democratas, constituir uma questão primordial para uni espírito tão cristão como o do juiz Parker, ao qual repugnam de certo tais animosidades, fundadas na diversidade de côr, e que êle bem desejaria ver extintas, ainda que sem sacrifício do predomínio dos brancos, que todo americano tem a peito zelar. Por seu lado, não poderia Roosevelt levar mais longe a proteção ao perseguido elemento negro do que no verberar os linchamentos, cuja punição ainda escapa à alçada federal, e no pensar em restringir-se a proporção da representação, na casa dos representantes e no colégio eleitoral presidencial, dos Estados que por meios inconstitucionais tiverem privado os indivíduos de côr do direito de sufrágio que indubitavelmente lhes pertence.

A maior diferença, hoje, entre os programas dos dois partidos em disputa da cadeira presidencial reside, tão-sòmente no grau e maneira do imperialismo, pois que mesmo esta já é uma feição adquirida da nacionalidade americana, que nem mais se lograria dissimular. Seria agora tão impossível repetir-se o proceder de Cleveland, mandando repor a realeza havaina, como restabelecer a escravidão abaixo da linha de Mason e Dixon. Os interesses imperiais, isto é, os meios de estender e tornar pujante o comércio internacional e de administrar sabiamente o império colonial, que entrou a ser criado com os arquipélagos de Havai e Filipinas, a Ilha de Porto Rico, e muito proximamente a Ilha de São Domingos, a República do Panamá e o mais que vier entraram a ser os prevalecentes, os que arrastam multidões, sobrepujando inteiramente a política de campanário de mandões e tranquibernias eleitorais, tanto menos atraente para as massas quanto há descrescido enormemente a importância estadual.

III

As questões capitais para os Estados Unidos destes instantes político são duas. Uma é a de aumentar o consumo e abrir novos mercados para uma produção industrial que se tem desenvolvido gigantesca e desproporcionalmente, aumentando de 260 por cento o valor das manufaturas, num período em que a população cresceu de 98,54 por cento, e atingindo em 1900 treze bilhões de dólares. O que sobretudo nesse desenvolvimento mais reclama ponderação e admiração é o espantoso progresso do Sul dos Estados Unidos, antigo domínio fechado e rotineiro da escravidão negra e onde a imigração do norte do país, junto com a imigração européia, hoje mais abundante em elementos italianos, eslavos, hebreus, croatas, húngaros, armênios, etc. do que em saxónicos e teutônicos, têm dado o mais proveitoso impulso à população branca local, cuja antiga escassez de necessidades e estreiteza de ideal a tornam hoje um fator valioso de lucro, porque a fazem contentar-se com menores salários por uma soma maior de trabalho.

Os mercados são objeto de acirrada concorrência, procurando cada país trazer maiores vantagens para granjeá-los. Ora, pelo que

diz respeito aos Estados Unidos, os meios de transportar para fora as mercadorias nacionais e de amparar este tráfico com adequadas instituições bancárias são por enquanto deficientes. No primeiro ponto divergem, contudo, os dois candidatos presidenciais, no relativo à aplicação do princípio, opinando Roosevelt por uma marinha mercante nacional formada à custa de subvenções, e o juiz Parker por uma marinha sem subsídios, a fim de não ser o Partido Democrata tachado de favorecer mais esse truste, que se organizaria com as empresas de navegação auxiliadas pelo Estado, o que equivaleria a proteger o sistema, de que pretende corrigir os excessos com a própria legislação vigente.

É esta, contudo, uma simples questão de maneira, não divergindo no fundo, como é uma questão de grau a sua forma respectiva de encarar o militarismo, a outra questão capital do momento histórico americano. Tanto Roosevelt, com o seu temperamento mais combativo e agressivo, como Parker, com o seu caráter mais sóbrio e calmo, são avessos ao militarismo, na plena acepção européia do termo, imperialismo que se pode traduzir tanto por ambições de conquista estrangeira e intervenções constantes na política das outras nações, como por possível influência na vida interna do país, tornando-se o exército um elemento político, para degenerar num instrumento de opressão doméstica. As circunstâncias sociais americanas são obviamente tão diferentes das européias, que não é muito para recear este último aspecto. O militarismo, mesmo moderado, mesmo defensivo, traduz-se, porém, pelo aumento do exército permanente, que pode ir até ao recrutamento, pelo aumento da força naval, que vai, com certeza, à formulação de esquadras poderosas, para competir com as das outras nações marítimas, pelo aumento da taxação, que não pode deixar de ir até ao vexame do cidadão.

Nesta linha fica Parker muito aquém de Roosevelt, não só pregando, na genuína tradição do partido, a redução das despesas públicas civis, mas especialmente militares e navais, como sopitando o novo espírito da Doutrina de Monroe, base primordial do programa de expansão naval de Roosevelt, ao que ela era antigamente: defesa dos outros países americanos contra agressões européias, sem assumirem os Estados Unidos os papéis de polícia e cobrador, que se lhes há querido emprestar na política do Novo Mundo, cuja soberania repartida devem começar por acatar, para que a respeitem as potências do Velho Mundo.

Sobre o Canal do Panamá e indispensabilidade da sua abertura, concordam as plataformas dos dois partidos, vangloriando-se os republicanos de terem dado realidade ao velho sonho, e exaltando os democratas o grande cometimento, que vai imortalizar a engenharia americana fora dos limites nacionais. Divergem, todavia, os programas numa questão de certo modo conexa com a construção do canal, a saber, o futuro das Filipinas, desvanecendo-se partido de oposição que se devia ir mais longe e fazer com os fili-no tocante à ordem, à segurança pública e à liberdade civil dos insulanos, ponto-de-vista este um tanto otimista, e afigurando-se ao partido de oposição que se devia ir mais longe e fazer com os filipinos o mesmo que se fez com os cubanos, dar-lhes completa autonomia e entregar-lhes a responsabilidade dos seus destinos, posto que circundando de garantias os naturais e, bem assim, os forasteiros residentes no arquipélago.

Em resumo, os dois programas oferecem concordância na necessidade de cortar-se o istmo inter-oceânico; de regulamentarem-se e restringirem-se os trustes, aparelhados de pujança e de expansão comercial, para que não esmaguem a liberdade industrial e mercantil; no respeito igual às organizações do capital e do trabalho; na proteção frouxa dos negros como elemento político e condenação platônica da guerra de raças; na manutenção do monometalismo ouro e definitiva abolição da livre cunhagem da prata; na progressão e proteção do serviço civil, o qual se tem estendido até a administrações municipais, sede clássica do favoritismo e da imoralidade administrativa nos Estados Unidos. Não pouco contribuiu para tal resultado a atitude independente do Presidente Roosevelt. no fazer nomeações de puro interesse do serviço federal, desdenhando as indicações, que eram antes verdadeiros ultimatos dos senadores dos Estados dos nomeados, os quais se tinham consuetudinariamente arrogado este direito executivo. A referida circunstância, elevando, mercê da sua natureza, a tonalidade da política, concorre — como por sua vez a disseminação do sistema de referendum popular, o qual ganha muito terreno — para abater os políticos profissionais, que costumavam ser mais do que absorventes, aspirando à direção exclusiva e no seu proveito dos negócios públicos.

Os programas oferecem divergência, de forma mais que de fundo, na concepção da tarifa, sobre a qual pesa aliás a inopor-tunidade, e que os republicanos chegam, por seu lado, a admitir que poderá vir a ser alterada quando se modifiquem as atuais circunstâncias econômicas; no modo de fomentar a marinha mercante, que ambos os partidos desejam patrocinar, um, todavia, pecuniariamente, o outro por meio de mais ampla liberdade aduaneira, produtora de maior tráfico; no crédito concedido aos filipinos para se habilitarem para o self government.

Existe ainda no programa democrata um tópico que, sob aparência de doutrina, relacionando-se com um fato tangível na orientação política do país, é antes pessoal e dirigido contra o presidente em exercício. Consiste na denúncia da usurpação executiva das funções legislativos e judiciais, quer dissimulada com o disfarce da regulamentação de leis, quer justificada com os pretextos da maior sabedoria ou da melhor apreciação das condições, por parte do chefe supremo da nação.

À contenda está aberta, achando-se ambos os contendores em situação vantajosa, porque encontram ambos repleto o cofre do partido para custear as enormes despesas de uma campanha presidencial, e o país não se pode queixar pelo menos de ter em frente de si personalidades enigmáticas, cujos programas são folhas brancas.

Os programas elaborados pelas convenções e aceitos, com ou sem modificações, pelos candidatos (e no caso presente exerceram eles decidida influência, quer direta, como Parker, com o seu telegrama, quer indireta, como Roosevelt, retratando-se na plataforma) são claros, definidos e precisos, tanto quanto o aconselham as exigências da luta eleitoral, que não despreza as ambigüidades.

Sem restrições quaisquer são, porém, fortes, perfumadas de caráter, magnéticas, as personalidades dos concorrentes, um deles já de sobejo conhecido pela sua versatilidade, paixão política e espírito de governo, o outro que logo se fêz conhecer pela sua hombridade, correção e elevação de vistas.

O fato de existir semelhante aproximação nos ideais práticos de ambos os partidos, que outrora se digladiavam de morte, traduz, a par da unidade nacional atingida, a educação notável do povo. Com efeito, essa falta de conflito agudo, essa quase identidade de desígnios, mostra o vigor do impulso político e da coesão nacional, e indica também o resultado do nivelamento da cultura, da coordenação das aspirações, da uniformidade do padrão intelectual, do reconhecimento subjetivo das gerais necessidades espirituais e morais, revelando-se na harmonia dos fins visados, ainda que com discrepâncias no modo de consegui-los.

Essa unidade provém ainda da facilidade de comunicações, destruidora do pitoresco, o qual não raro indica atraso material, e da comunidade de interesses, cifrados de futuro na invasão dos mercados estrangeiros pelas manufaturas nacionais. O comercialismo, arrasando as barreiras, tudo fundiu dentro do continente: não existe aspecto sob que o país se não ache uniformizado. A expansão ultramarina na direção do Oriente, pelo caminho do Pacífico, veio igualmente secundar este resultado, equiparando as duas seções longitudinais do país, pelo fato de contrabalançar a importância descomunal da navegação e do tráfico do porto de Nova York com atrair população e mercadorias para o de São Francisco, o porto de embarque para o império asiático, que a República está criando.

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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