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A carta régia de 28
de janeiro de 1808 abriu os portos do Brasil a todas as importações de fora
realizadas diretamente, sujeitas ao pagamento de direitos alfandegários no
valor de 24 por cento, sem distinção dos navios nacionais ou estrangeiros em
que fossem transportadas. Mais tarde o almirante da esquadra britânica sir
Sidney Smith e o cônsul inglês sir James Gambier obtiveram, pelas suas
instâncias exercidas antes da chegada de lord Strangford, que a essa taxa única
e indiscriminadamente cobrada, quer as mercadorias fossem para consumo no
próprio lugar, quer se destinassem à reexportação, com uma uniformidade que
gravava extraordinariamente o comércio, se apensasse muito racionalmente uma
taxa alternativa de trânsito de 4 por cento. Nos mesmos navios nacionais ou
estrangeiros tornou-se legal a exportação tributada de produtos brasileiros por
conta de qualquer, filho da terra ou de fora, exceção feita do tradicional
pau-brasil e dos artigos estancados ou de monopólio.

As manufaturas passaram a
ser legais por virtude de outra carta régia, disposição esta que equivalia a
descerrar a porta ao capital bem como ao trabalho estrangeiro, sem diferença de
nacionalidade ou de credo religioso, e a lançar os alicerces da indústria
brasileira ao mesmo tempo que se lançavam os do seu comércio exterior.

A celebrada abertura dos
portos nacionais constituiu em verdade uma medida altamente simpática e
liberal, mas não se pode dizer que representasse uma desinteressada e
intencional cortesia do príncipe regente aos seus súditos ultramarinos. Era
antes uma precaução económica necessária e inadiável porquanto, estando na
ocasião fechados por motivo da in
vasão e ocupação francesa os portos de
Portugal, que serviam de entrepostos e distribuidores dos produtos coloniais,
pareceria simples loucura manter igualmente fechados os portos do Brasil e
assim condenar a uma completa paralisia o movimento de exportação e importação
na colônia.

O momento era azado e
favorável à produção brasileira. O embargo americano determinara maior procura
em Londres é portanto a subida dos preços de vários dos nossos principais
gêneros, a começar pelo algodão. Pelo mesmo motivo crescera o fumo cinco vezes
de valor, e outro tanto acontecera ao arroz. Também o sebo andava altamente
cotado, cerca de cento por cento e mais de aumento, por ser artigo que
costumava vir da Rússia, nação com a qual se achava a Inglaterra então em
guerra, por aliada da França. O próprio açúcar, cujo valor diminuíra muito pela
impossibilidade de reexportá-lo para o continente da Europa em virtude do
bloqueio napoleônico, além da chegada de grandes cargas das índias Orientais e
Ocidentais e do fato de pagar pesados direitos todo o que não procedia das
colônias inglesas, subira nos últimos tempos no mercado britânico por causa da
procura dos destiladores de licores espirituosos, proibidos de destilarem grãos
comestíveis. A diminuição nas taxas determinara aumento na venda do café apesar
de, não sendo produto colonial inglês, sofrer proibição de transação para o
consumo e ser somente franca a transação de exportação, não fazendo pois
concorrência ao chá da índia. Dos produtos brasileiros apenas o anil não
oferecia vantagens naquela época por sua qualidade muito inferior e abundância
do depósito existente; pois os couros mesmo, conquanto os houvesse no
momento em larga quantidade e estivessem por isso baratos, representavam bom
negócio, e bem assim a aguardente de cana, as drogas e o cacau, contanto que
limpo de impurezas.116

Nem a providência da
franquia dos portos brasileiros aproveitava então à marinha mercante
portuguesa, sim à inglesa, e foi realmente decretada muito para compensar das
suas perdas os aliados do reino, senhores do mar e únicos para quem naquela
data tinha valor a concessão, a qual contrabalançou de algum modo o prejuízo
resultante dos portos peninsulares trancados ao seu comércio. A pior
consequência da medida foi de todo modo para Portugal porquanto, não sendo país
manufatureiro e consumindo relativamente pouco dos géneros coloniais, o que
excluía um intercâmbio regular, vivia economicamente das comissões, dos fretes
e do lucro do entreposto para os outros países. A Inglaterra, como nação
industrial que já começara grandemente a ser, não experimentou os mesmos danos
imediatos com a emancipação dos Estados Unidos, podendo
sustentar seu tráfico mercantil. Do Brasil foi o maior ganho, visto que
a liberdade do comércio originou para os seus produtos um aumento de 40 a 60 por cento.117

Outra política estaria em desacordo com o tempo.
A regência e reinado de Dom João VI, a saber, a transição do século XVIII para o século XIX, foi o período por excelência
da florescência da economia política como ciência teórica e prática. A carta régia
datada da Bahia aos 23 de fevereiro de 1808, criando no Rio de Janeiro uma
cadeira dessa ciência em benefício de José da Silva Lisboa, o nosso primeiro e copioso tratadista de direito mercantil,
declarava ser absolutamente necessário o estudo da economia, sobretudo na
conjuntura que o Brasil atravessava "e em que oferecia a melhor ocasião de se
porem em prática muitos dos seus princípios para que os brasileiros, mais instruídos,
com mais vantagem pudessem servir
o rei…"

Ao mesmo tempo que a indústria e o comércio, livre se tornava também a agricultura.
Quando se efetuou a mudança da corte, prevalecendo ainda o detestável sestro
das proibições, que tanto contribuiu para o pernicioso exclusivismo da produção
brasileira, conservavam-se defesas várias culturas dignas de serem ensaiadas e
fomentadas. O caso ocorria, entre outras, com a vinha, no intuito de livrar de
entraves o principal ramo de comércio da metrópole, a qual, sem concorrência
possível, ia exportando para a
colônia os seus artigos de inferior qualidade, custando a encontrar-se no Rio,
no dizer de Luccock, uma garrafa de bom vinho.

Desde alguns anos de resto que se compreendera entre os
estadistas do
reino não poderem ficar as cousas no pé em que estavam. Seria impossível ir por mais tempo e
por completo contra as ideias predominantes. Já em 1801 escrevia D. Rodrigo118
que os aliados (a Inglaterra sobretudo) tinham dilacerado o príncipe "e se
dispõem talvez agora a tirar para o futuro partido em qualquer caso da desgraça de V. A. R. propondo-se gozar da abertura dos
portos do Brasil, que na paz geral lhes há de ser comum, e da entrada das
manufaturas de algodão que vai conceder-se à França, dando-se um fatal golpe à nossa indústria".

O arraigado protecionismo nacional, que Pombal zelara e
D. Rodrigo
queria então preservar, não desmente o fato de achar-se na moda, pelo menos dentro dos limites
de cada país, a liberdade económica. E o espírito do ministro era bastante
rasgado para, uma vez exercendo sua ação no meio e sobre assuntos da
colónia, coadjuvar francamente a boa vontade do regente em quaisquer medidas
que não fossem de caráter político, e das quais pudessem resultar para o Brasil
proveito material e adiantamento. No serviço do seu príncipe o
ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra do primeiro gabinete brasileiro tinha
aliás por norma ir além das preocupações de caráter pessoal e deixar-se guiar por
princípios e oportunidades; e tão convencida era sempre sua política como eram
suas antipatias.
"Portugal há de ganhar mais, exclamava ele depois de se encontrar no Rio de Janeiro, com o
aumento que há de ter o Brasil depois dos liberais princípios que V. A. R. mandou
estabelecer, do que antes ganhava com o sistema restrito e colonial que existia; Portugal
há de ser sempre o depósito natural dos gêneros do Brasil, e o depósito há de ser muito maior; Portugal há de ter
melhor, e maior consumo para as suas produções e fábricas do que antes
tinha; e finalmente o exemplo do sucedido em Inglaterra depois da separação
dos Estados Unidos que Smith predisse
há de também verificar-se em Portugal."119

Assim evoluía a mentalidade de D. Rodrigo: nem merece de
justiça o
nome de estadista aquele que timbra em manter-se emperrado nas suas opiniões. A
inconstância nem sempre é fraqueza e a incoerência algumas vezes é inteligência. Os
reformadores vêem, porém, muitos dos seus planos falharem. Não basta que não
duvidem do êxito de empresa alguma, nem que se não possam taxar de desarrazoadas suas idéias:
é preciso ainda
e sobretudo ter ao alcance os meios de realização. Em projetos nunca era D. Rodrigo tomado de
surpresa, ainda que o dar-lhes execução pudesse esfriar aqueles que com ele carregavam as
responsabilidades da administração.

Nos fins de 1808, por exemplo, sentia-se no mercado do
Rio de Janeiro
falta de carne, motivada não somente pelo brusco aumento da população mais consumidora
do gênero — 15.000 pessoas, ao que se refere, acompanharam a corte —, como pela
seca e pelas especulações tendentes a levantar o preço da venda a retalho, com duplo
detrimento dos criadores e do público. Consultado sobre o caso, não vacilou D.
Rodrigo em achar-lhe
adequada solução: abre-se um caminho de São Paulo para o Rio Grande pelo país das
Missões e não faltarão reses para o abastecimento da cidade.120

A máxima fundamental da política de D. Rodrigo era agir.
"Chorar em lugar de obrar quando o perigo é manifesto, é prova d’
imbecilidade", escrevia ele a D. Fernando de Portugal121 a propósito das
lamúrias de Saltei, um dos governadores do Reino na ausência do príncipe. Demais o proceder o governo obsta
a que procedam os governados. "S.A.R. está convencido que o único meio de
evitar o péssimo efeito das cortes em Espanha é ganhar o afeto do povo com justas
concessões,
e avançando aqueles
estabelecimentos úteis com que os demagogos hão de querer depois fazer-se valer.
Além dos grandes meios propostos nas Instruções (aos governadores
do reino)……………… creio que a abolição da Inquisição

e
da Companhia do Doiro seriam objetos que haviam de produzir uma sensação geral, e
divertir os ânimos dos povos da ideia de constituições pelo bem que lhe haviam de fazer
sentir e pelo respeito que granjeariam ao governo."

Por isso é que D. Rodrigo, ao passo que criava
com a Intendência um verdadeiro e inquisitorial ministério da polícia, acerbamente denunciado no Correio
Brasilienze
como vexatório para a liberdade civil do cidadão e inútil no
impedir a disseminação das novidades políticas, reintroduzia na colónia
a imprensa, cuja efêmera existência, em tempo do conde de Bobadela, a corte de Lisboa ceifara sem piedade.

Certamente a semi-oficial Gazeta do Rio de Janeiro, dirigida por
frei Tibúrcio
da Rocha122 e que, sujeita à censura, começou a publicar-se no dia 10 de setembro de
1808, não podia competir em importância com o periódico de Londres, no qual
Hipólito se batia valentemente pelos progressos de Portugal, apontando sem hesitação os
abusos e recomendando as melhores reformas sem abandonar o seu espírito de moderação. A folha fluminense no seu
pequenino formato, de quarto de folha de papei almaço, continha’ ‘os atos,
decisões e ordens do governo, a comemoração dos aniversários, natalícios da
família real e a das festas na corte, odes e panegíricos às pessoas reais, e
por descargo de consciência dos redatores a notícia dos principais
acontecimentos da guerra peninsular, que lá iam ressoar aos ouvidos da corte,
longe dos perigos e das calamidades de Portugal".123 Continha
também os anúncios das composições literárias que saíam à luz, pois a acanhada Gazeta
não só serviu, malgrado as suas deficiências de reportagem e talvez mesmo mercê dessas
deficiências, para estimular o gosto pelas notícias do estrangeiro, abrindo mais largo
horizonte à
leitura nacional, como a tipografia montada para a sua impressão e dos papéis oficiais
permitiu a publicação de várias obras de propaganda intelectual, entre elas uma
de José da Silva Lisboa sobre o comércio franco do Brasil.

D. Rodrigo era um entusiasta de semelhante propaganda, cujos últimos resultados lhe
escaparam. O seu lema fora sempre reformar de cima transformar sem substituir,
melhorar sem revolucionar. Por isso era a Intendência de Polícia destinada
no seu conceito, mais ainda do que a zelar a segurança pública, a defender as
ideias absolutistas. Destas se mostrava D. Rodrigo sincero apologista, nutrindo forte
desconfiança de espiões franceses,124
da qual até se ressentiu o ministro americano chegado ao Rio em 1510.

Insinuações dos ministros inglês e espanhol, Strangford e Casa Irujo, acirraram as espontâneas
suspeitas do conde de Linhares, que olhava de esguelha para as repúblicas e em
particular enxergava idéias francesas na dos Estados Unidos e no seu
enviado. As severas visitas das embarcações e quarentenas estabelecidas para
as procedências americanas, com o pretexto de resguardarem a saúde pública, tinham por
mais verdadeiro intui-la, como de resto o confessava uma nota de Linhares, impedir a entrada clandestina de emissários de Paris que
perturbassem a paz brasileira.

Contra o rigor diferencial para com os navios chegados
dos Estados Unidos
e que representava, com suas demoras propositais nas visitas e agravamento de taxas, um
embaraço ao comércio americano, protestou o ministro Sumter e obteve melhoria,
não tanta contudo que cessasse de queixar-se para o Departamento em
Washington da pouca cordialidade com que ara tratado. Limitava-se o agasalho a
visitas oficiais dos ministros e conselheiros de Estado: provavelmente, dizia ele, por ser
eu de país democrático. Sumter era o primeiro a reconhecer quão reduzido se oferecia o intercurso
social da capital brasileira; mas a melhor prova de que não menos singular lhe parecia
a frieza demonstrada no seu caso está em que, segundo se vê pela
correspondência de Maler, que cuidadosamente apontava estas coisas, acabou o
representante americano por só muito raramente comparecer às festas da corte.

Além da sua tara republicana, não lhe dava grande
pé no círculo governamental da nação aliada da inglesa, a inimizade então vivíssima
entre a
Grã-Bretanha e as suas antigas colónias emancipadas. Sabemos quanto D. Rodrigo era anglófilo
e quanto por outro lado convinha à Inglaterra afastar todo concorrente
perigoso para sua expansão mercantil. Os Estados Unidos não gozavam por tudo
isso senão de uma simpatia medíocre junto à corte do Rio de Janeiro. "Deveis ter
presente, escrevia Sumter ao secretário de Estado Robert Smith,125 que faz
parte da disciplina dos aliados da Inglaterra não se satisfazerem com que não sejam
os neutros inimigos
dela; antes pretendem absolutamente que sejam seus amigos."

De muitas, da maior parte das transformações a que anda associado no Brasil o nome de Dom
João VI e com que ficou
assinalada a transferência da corte portuguesa, não é temerário dizer que foi Linhares o
inspirador.
Em 1812, quando ele faleceu aos 56 anos126 e foi levado para o claustro do convento de
Santo Antônio, já a cidade e a sociedade fluminenses apresentavam um aspecto diverso.

Continuava, é claro, o mesmo
governo de monarquia paternal, de justiça mais caseira do que funcional, de arbítrio
institucional que era para todos tirânico no sentido etimológico da palavra,
tradicionalmente estendendo sua munificência à agricultura, à indústria, às ciências, às
artes, poupando
aos nobres humilhações com as leis suntuárias, cevando os nobres e ao mesmo tempo
escudando o povo contra os abusos dos chatins e as extorsões dos monopolistas.
D. Rodrigo viajara e vivera na Europa de além dos Pirineus, formando o seu espírito, no
tempo em que os soberanos timbravam pela maior parte em imitar o imperador José II, ensaiando o socialismo de Estado a
que se quer agora chegar pelo processo inverso, partindo da plebe a intimação em vez de descer do
trono a proteção.

Foi pois Linhares por inclinação e por educação prática
seguidor desse sistema que havia sido o pombalino, e envolvia muito espírito reformador
no que diz
respeito ao bem-estar nacional e muita tendência regalísta no tocante às relações com a Igreja. A ação do
ministro de Dom João VI foi entretanto, não por
mais compreensiva ou vigorosa, mas decerto por se haver exercido em época mais
fecunda e em meio mais dúctil, menos efémera do que a do ministro de Dom José. A
pequena reação, paródia a que se seguiu à queda de Pombal, reação de beatos e de
velhacos que pretendeu
inutilizar a obra de Linhares, não conseguiu vingar, nem mesmo invocando a terrífica
visão revolucionária da América Espanhola. O pensamento novo logrou resistir:
ele inspirara mais confiança e mais dignidade à sociedade sobre a qual operara no
sentido progressivo. Os resultados já eram visíveis: 1812 diferia sensivelmente de
1808.

As cousas eclesiásticas, a que tão importante
papel competia então, tinham melhorado, para isto contribuindo sem dúvida as
virtudes do novo
bispo, D. José Caetano de Souza Coutinho, mais do que ainda as suas belas pastorais, das
quais no hábito de maldizer, Marrocos escarnecia grosseiramente, chamando-lhes uma
porcaria
— apesar de ser muito obrigado ao prelado, "porque me faz
muita festa, e me visitou na livraria, por não saber a minha casa".127
Examinava-se com mais rigor o comportamento dos clérigos; cuidava-se com mais
zelo da decência do culto, comprometida pelas frequentes desavenças e demandas de
confrarias contra curas e vigários contra cabidos; animava-se a formação de
irmandades, mesmo de negros, que assim se tornavam bem irmãos dos brancos pelo menos diante de Cristo,
ganhando a exterioridade religiosa com a solidariedade das devoções.

Encontravam-se
pois aos poucos anos menos imoralidade e mais respeito na função religiosa, menos
combatividade e mais disciplina entre os fiéis, talvez mesmo no espírito menos superstição e mais conceito
evangélico,
se bem que não tivesse ficado desprezado o lado do cerimonial, alcançando pelo contrário
verdadeiro esplendor. A Capela Real passou a refletir as magnificências da
Patriarcal de Lisboa, de cujas regalias se viu em grande parte dotada. Logo no
ano da sua chegada elevou o príncipe regente a monsenhores os cinco dignitários do
cabido da Sé (deão, chantre, tesoureiro-mor, mestre-escola e arcediago),
agregando-lhes um arcipreste, e aumentou o número dos capitulares e de todo o
pessoal, dividindo os cónegos em duas categorias, presbíteros e diáconos, e
concedendo-lhes
o uso do roquete, capas magnas roxas e murças encarnadas.128

Da pompa do culto derivou-se um efeito salutar sobre os
hábitos domésticos, mais se relaxando à reclusão feminina. Atraídas pela
grandeza desusada
das cerimónias, entraram as mulheres a frequentar com maior assiduidade ainda as
igrejas e, por consequência, a comparecer nos divertimentos profanos que constituíam
o ordinário acompanhamento popular das festas sacras: entre eles sobressaíam os leilões
de prendas oferecidas para serem vendidas ao mais alto licitante em benefício da caixa do
templo. Com
o amiudarem-se as saídas, desenvolveu-se o gosto pelo vestuário, surgiu com ele
a preocupação da moda, e o convívio geral, ao passo que crescia em franqueza,
em expansão natural e destituída de malícia, ganhava uma nota de distinção.

O príncipe regente também espalhou o gosto, nele pessoal
e muito pronunciado,
pelas representações cénicas. Frequentando seguidamente o teatro com a família real, não se
podia senão esperar que o acompanhasse a corte, e assim, sob pretexto de um
passatempo intelectual, se estabeleceu um ponto de reunião mundana acessível a
muita gente. Os camarotes eram em boa parte ocupados por senhoras da terra, e até
lucrou o bom gosto
público com a livre crítica no palco dos costumes e vezos nacionais.

O soberano compreendia com a sua sagacidade a alma
do seu ministro,
que de certo modo vibrava de acordo com a própria, e por isso o patrocinava, sentindo-se
até feliz de encontrar uma vontade firme que desse expressão prática às suas ideias
e concretizasse os seus pensamentos. Também D. Rodrigo entregou-se de corpo e alma à
tarefa. Reformaram-se a polícia, a tropa de linha e a milícia; melhorou-se o
armamento; aumentaram-se as fortificações das fronteiras, e aprofundou-se pelo estudo o
conhecimento
do terreno de embate eventual das forças militares.

Novas culturas foram tentadas e novas plantas
introduzidas, criando-se no Jardim Botânico da lagoa de Rodrigo de Freitas um
viveiro, entre outras, das chamadas árvores de especiarias (canela, cravo, pimenta, noz moscada etc.) e da planta
do chá. Abrigava Linhares a esperança de propagar esta última cultura quiçá
ao ponto de suprir todo o mercado europeu, que recebia de muito mais longe o seu
fornecimento. Seis mil pés estavam plantados em 1817, que davam um produto forte mas
pouco aromático,
ainda grosseiro e com gosto de terra no dizer de Spix e Martins. O plano não gorou,
todavia, por imprestabilidade dos terrenos, antes por causa da subida dos salários determinada por tal ou
qual animação industrial, e da morosidade
dos centos de chineses importados, muito provavelmente dentre a ralé de Cantão, impondo-se assim o dilema de sair o chá muito caro com o trabalho
nacional, ou ser necessário fazer vir maior quantidade de chins para
fabricá-lo em proporção razoável para o consumo local e estrangeiro. O que
faltou, porém, sobretudo para que vingasse aquela cultura foi a animação que
lhe emprestavam os entusiasmos de Linhares.

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