Capítulo II – A ILUSÃO DA CHEGADA. O QUE ERA A NOVA CORTE – D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

CAPÍTULO II
A ILUSÃO DA
CHEGADA. O QUE ERA A NOVA CORTE

O desembarque da família real portuguesa no Rio de
Janeiro, aos 8 de março de 1808, foi mais do que uma cerimônia oficial: foi uma
festa popular.
Os habitantes da capital brasileira corresponderam bizarramente às ordens do vice-rei
conde dos Arcos e saudaram o príncipe regente, não simplesmente como o estipulavam
os editais, respeitosa e carinhosamente, mas com a mais tocante efusão. Dom João pôde
facilmente divisar a satisfação, a reverência e o amor que animavam os seus súditos transatlânticos nos semblantes
daqueles que em aglomeração compacta se alinhavam desde a rampa do cais até
a Sé, que então era a igreja do Rosário; os sacerdotes paramentados de pluviais
de seda e couro, incensando-o, ao saltar da galeota, com hissopes de ouro, tanto quanto os
escravos humildes
que de precioso só podiam ostentar num riso feliz as suas dentaduras nacaradas.

Marchando gravemente debaixo do imponente pálio
escarlate, cujas varas sustentavam o juiz de fora e os vereadores da câmara; pisando a
areia branca
e vermelha derramada nas ruas do trajeto de mistura com ervas que embalsamavam o ar;
ouvindo as fanfarras alegres, os repiques de sino estridentes, os foguetes
jubilosos e as salvas de artilharia atroadoras; vendo cair em volta de si uma chuva
persistente e odorífera de folhas e flores, "lançadas pelas mãos da
formosura e da inocência" como escreve o cronista — desapareceram
momentaneamente do espírito do príncipe as aflições do lar sombrio e maculado,
atenuaram-se as angústias do reino invadido e subjugado.

Não eram para o Brasil menos fundados os motivos de
júbilo. A mudança
da corte, efetuada sob a égide da esquadra britânica, vinha muito a propósito naquele
momento serenar os ânimos dos habitantes, alarmados com a perspectiva de
ataques ingleses como o que acabava de sofrer Buenos Aires, e tão justamente para recear que, ao ser publicado o decreto de 20 de outubro de
1807 contra as pessoas e bens dos súditos de Jorge III, fora por brigues especiais
mandada ordem aos governadores da Bahia e Pernambuco e ao vice-rei no Rio de
Janeiro para fortificarem do melhor modo suas cidades e adotarem medidas de defesa.
Não é pois de admirar
que a alteração destas circunstâncias terroristas determinasse uma relaxação que nas
diferentes capitanias, mesmo do interior, se traduziu por banquetes, serenadas, minuetes e
mascaradas festivas.43 Mawe que, vindo do rio da Prata, estava em S. Paulo quando o príncipe regente chegou à Bahia, diz que a notícia foi ali recebida com intensa
alegria, ocasionando procissões, foguetórios e outras demonstrações mais ruidosas. Ajunta o viajante
mineralogista que "o império brasileiro foi considerado estabelecido"44.

Quão diferente para Dom João esta chegada triunfal, que
nem perturbavam
os gritos de resistência da rainha doida, cujos nervos pareciam ter-se acalmado na longa
viagem marítima e segundo O’Neill45 chorava placidamente de emoção do triste
embarque em Lisboa, onde se a ele próprio o protegera dos apupos da multidão o
prestígio ainda vivo da realeza, ao seu ministro Araújo o invectivaram e apedrejaram46 como réu da deserção
causada pela publicação no Moniteur de 11 de novembro do iníquo tratado de esbulho.

No Rio de Janeiro, impressões mais lisonjeiras
sobrepunham-se na alma sensível do príncipe a essas recordações pungentes. Magistrados,
funcionários,
monges, rodeavam-no num grupo numeroso e luzido, sobre que tremulava o estandarte
do Senado da câmara e brilhava a cruz do Cabido, erguida entre dois círios. A
limpidez do céu coruscante, o tom respeitoso da recepção burocrática e a
transparência do entusiasmo nacional revelando-se pelos hinos dos clérigos, pelos cânticos
dos músicos postados num coreto, pelos vivas dos soldados e dos populares, deviam
por força prender
os sentidos do festejado e embalar-lhe a alma numa doce conformidade de impressões
físicas e morais. Conta-se que, ao passo que a princesa Dona Carlota chorava
convulsa, magoado o seu orgulho com essa degradação para rainha colonial,
Dom João caminhava sereno, deixando fundir-se sua melancolia ao calor da simpatia que o
estava acolhendo.

A cidade até, escondendo debaixo das faustosas
colchas de damasco as singelas paredes rebocadas e caiadas das suas casas
acanhadas, disfarçando a exiguidade das suas ruas com as flamejantes bandeiras, as
grinaldas e
as lanternas que de lado a lado as enfeitavam, fazia-lhe o efeito de uma capital régia, digna
êmula, aos seus olhos, dessa outra cidade de São Salvador, da qual o príncipe
regente chegava encantado, da situação, das dimensões, da riqueza, da
cordialidade dos habitantes, e onde o comércio local lhe oferecera mandar
levantar um magnífico palácio real, contanto que aí estabelecesse a corte.

Todavia o Rio de Janeiro, cuja importância política só
datava propriamente
de um século, depois de começada a exploração das minas, e de cujo aformoseamento
apenas tinham cuidado muito mais tarde os vice-reis transferidos da Bahia, Luiz
de Vasconcelos e Rezende especialmente, ainda era uma mesquinha sede de monarquia. As
ruas estreitíssimas, lembrando mourarias; as vivendas sem quaisquer vislumbres de
arquitetura, afora
possíveis detalhes de bom gosto, um portal ou uma varanda; os conventos numerosos, mas
simplesmente habitáveis, exceção feita dos de São Bento e Santo António, situados
em eminências e mais decentemente preparados; as igrejas, luxo de toda cidade
portuguesa, frequentes porém inferiores nas proporções e na decoração de talha dourada
às da Bahia, provocando por isso entre a devoção e caridade dos fiéis um estímulo de
obras de
embelezamento, cujos resultados já apareciam nos nobres edifícios em construção da Candelária
e de São Francisco de Paula; o plano da cidade por fazer, cruzando-se quase
todas as congostas num vale mais largo, sem cálculo, sem precauções mais do
que a de aí conservar no desenho um arremedo de taboleiro de xadrez,
espraiando-se o resto das moradias, ao Deus dará, pelas outras campinas sitas ao sopé
dos morros escarpados.

Em resumo era o Rio, tomado no conjunto, uma espécie de Lisboa,
irregular e ainda assim banal, com os documentos artísticos de menos e uma frondosíssima
vegetação a mais. O Catete e Botafogo, isto é, os quarteirões desafogados, os bairros
limpos e aprazíveis de hoje, não passavam de arrabaldes, somente encerrando
casas de campo. Quatorze anos depois, quando em outubro de 1822 os Andradas tiveram
seus primeiros arrufos com Dom Pedro I e pediram sua demissão de ministros, havendo a cidade ficado
alvoroçada, José Bonifácio deixou sua habitação do Rocio e retirou-se para uma pequena casa
no caminho velho de Botafogo, onde o foram buscar numa estrepitosa excursão
imperador e povo. O terreiro de Sant Ana descreviam-no os contemporâneos como "um
areal em grande parte coberto de erva rasteira". O Passeio Público
representava o único mimo da população, a não quererem os fluminenses engrossar a
multidão dos aguadeiros, que sentados sobre os barris esperavam sua vez, e embasbacar dia
e noite diante dos chafarizes pomposos de que jorrava a linfa mais cristalina, trazida do alto
por um vistoso aqueduto. Alardeando os brasões dos procônsules da metrópole, esses
chafarizes comemoravam em correto latim
a grandeza dos administradores aos quais deviam sua ereção. A noite a ilusão do príncipe — ilusão porventura
um tanto intencional pois que a realidade, impondo-se subsequentemente à excitação aclamadora,
e mesmo os contratempos da fortuna nunca a lograram desmanchar — mais se teria fortalecido
graças ao espetáculo tentador que das janelas do Paço se descortinava. No vasto largo
fronteiro a um arcaria triunfal se erguia, com seus adornos de pirâmides, vasos e
emblemas, e no centro, por baixo das armas lusitanas e de escolhidos versos de Virgílio,
sobressaía dentre a iluminação de milhares de copinhos de cores um painel figurando a entrada no porto da nau que
conduzira Dom João.

O retrato mesmo do príncipe regente destacava-se num
medalhão no ato de receber de um índio, personificação do Brasil, os tesouros
da natureza
tropical e o coração nacional transbordante de afeto. O particularismo já se sentia robusto
bastante para ensaiar a idealização de que o romantismo faria a breve trecho
uma bandeira, não só política como literária. O índio, símbolo da nacionalidade
independente, logo depois figuraria vendado e manietado, com um gênio, certamente o da
liberdade, na posição
de o desvendar e desagrilhoar, no emblema de uma loja maçónica de Niterói, de que
era irmão Antônio Carlos e que a polícia dispersou por sediosa.

Naquela ocasião, porém, não se pensava senão com
sinceridade na honra insigne de possuir no Brasil a corte portuguesa, não se
agia senão por lealdade dinástica para com os recém-vindos. Estendiam-se as
luminárias a todos os cantos da cidade, fazendo pairar sobre o montão da casaria um rubro clarão
festivo, e aos ouvidos do príncipe chegava de todos os lados o rumor confuso da
multidão prazenteira. Este som inconfundível de júbilo confirmava os descantes
e as declamações que na real presença esfuziavam, mais fulgurantes e sobretudo
mais demoradas que as girândolas de foguetes cortando com suas lágrimas de fogo a vasta
escuridão da
baía. A claridade ténue das estrelas e o cintilar mais vivo de constelações novas para os
augustos olhos, deixavam entretanto esboçarem-se em redor os contornos dos morros
revestidos de basto arvoredo, a cujos pés vinham rolar as vagas, num incessante
movimento rítmico, que franjava de espuma as praias distinguindo-se alvacentas
entre a massa negra das montanhas
e a chapa metálica do mar.

A impressão física experimentada em pleno dia não podia
no entanto
dizer-se em certo sentido inferior à recebida de noite. Se a cidade
propriamente, a aglomeração humana, lucrava com ser vista à luz fantástica das
iluminações, a natureza por certo preferia ostentar suas galas ao sol, sob o mais luminoso
firmamento da criação, de um azul tão pronunciado quão pronunciado se desdobrava o verde da
vegetação, quando o não encobriam aqui e além os grossos flocos das nuvens
apinhadas em desenhos caprichosos, ou se não trocava a sua tonalidade vibrante pela uniformidade plúmbea do céu de tempestade tropical.

Um rei na verdade prestaria o único tributo digno de
admiração à esplêndida
baía com a sua irregularidade de linhas; com o seu recorte em pequenos golfos,
cabos e enseadas; com a sua profusão de ilhas, algumas áridas, peladas, quase
calcinadas ou feitas de penhascos, úmidas e floridas outras como ramalhetes
orvalhados; com os seus montes alterosos ao longe, terminando em cabeços
esguios e produzindo o efeito de encerrar as águas num receptáculo de
florestas, cujos suportes de granito pardo eram avivados por listras de
argila vermelha. Semelhante tributo Dom João VI o não regateou à colónia por ele
elevada a reino e transformada em sede da monarquia portuguesa, e não foi sem as mais
profundas saudades que, treze anos depois, se viu compelido, por uma revolução rugindo
ameaçadora
na velha descurada metrópole, a abandonar as hospitaleiras plagas do Brasil e
regressar a Portugal, sumido no horizonte num momento de desespero nacional e de um
novo entrevisto em sobressaltos de pavor pessoal.47

Luccock teve uma verdadeira intuição desse estado d’alma
do soberano ao escrever48 as seguintes palavras, a propósito da
diligência empregada pelo gabinete de Londres e particularmente por lord Strangford para,
depois da paz geral, promover o regresso para a Europa da dinastia que eles próprios tinham
decidido a exilar-se: "O frio e fleumático político do norte raramente calcula o
efeito das belas paisagens sobre o espírito humano; pois de contrário não
esperaria que a corte de Portugal deixasse sua nova residência. Esta
influência é silenciosa mas poderosa; seu operar é universal e perpétuo, renovado
por cada sol nascente e ajudado por cada luar refulgente. Ela há aqui frequentemente
combatido o estímulo do interesse e destruído a persuasão do argumento, e é
geralmente mais eficiente nos espíritos que menos se apercebem do seu exercício. A
sugestão da
natureza tem contribuído para tornar a corte portuguesa desejosa quase de alterar a sua
designação, e os estrangeiros favorecem-lhe esta inclinação, falando da corte do Rio e
não mais da de Lisboa." Roi du Brésil, nunca de outra forma se referia a
Dom João o cônsul-geral de França, Lesseps,
na sua correspondência oficial para Paris.

O Brasil parecia ter então a boa fortuna de ser querido
de toda a gente,
o que se explica facilmente. Na segunda metade do século findo aconteceu outro tanto com o Japão: em ambos os
casos o que se deu foi o termo
de uma longa curiosidade afinal satisfeita, gerando-se desta satisfação uma fácil simpatia.
Com muito mais razão aliás no nosso caso visto que no Brasil, quase de todo
cerrado por dois séculos aos estrangeiros, se estes encontravam menos
atrativos de civilização artística, só poderiam-em compensação deparar com um
franco e generoso acolhimento por parte de gente da mesma raça, que não nutria
desconfianças de suserania porquanto já tinha tutela, e dupla — a doméstica e a
britânica —, e precisava para emancipar-se politicamente de ensinamentos de todo
o género.

O acesso à terra maravilhosa e misteriosa foi
aproveitado com todo o ardor criado pelo espírito científico mais desenvolvido e mais disseminado que, sobretudo no
domínio natural e no terreno geográfico, se estava manifestando tão
caracteristicamente na época posterior à dos enciclopedistas. O Rio de Janeiro em
particular tornou-se durante o reinado de Dom João VI um ponto de encontro de
estrangeiros distintos. Entre os próprios representantes das nações européias contavam-se
homens de merecimento
como Chamberlain, o cônsul-geral britânico, que mais tarde exerceu não pequena
influência sobre a marcha dos acontecimentos políticos, e von Langsdorff, o
cônsul-geral russo, que havia sido o valioso cronista da viagem em redor do globo do comodoro russo
Krusenstern.

Ambos estes funcionários tinham-se deixado seduzir pelos
encantos da
natureza local, sendo von Langsdorff proprietário de uma fazenda na Raiz da Serra, onde
cultivava muita mandioca, e possuindo Chamberlain, que era além disso um
entomologista fanático, uma plantação de café no prolongamento do aqueduto da
Carioca. Do mesmo modo um refugiado ou antes emigrado político, o conde Hogendorp, veio morar
o mais rusti-camente possível nas Laranjeiras, e o pintor Taunay escolheria
para sua residência e de sua
família uma cabana ao pé da cascata da Tijuca.

O governo — e para que tal efeito se produzisse bastaria
que se enxertasse
na boa disposição do soberano a ascendência ilustrada, primeiro de Linhares e
depois de Barca na administração — começou, nesse meio quase virgem sob o
aspecto económico, a apreciar a importância da colaboração estrangeira e a
utilizá-la em diferentes campos, especialmente no das ciências naturais e no da
indústria. Com semelhante auxílio lucrava a terra em todos os sentidos,
principiando pelo de tornar-se conhecida por meio das frequentes comunicações
insertas a respeito nas folhas diárias e revistas europeias, e das muitas obras que sobre
ela entraram a ser publicadas. Nestes livros se encontra naturalmente em larga
escala o elemento descritivo sugerido pela novidade e formosura do espetáculo, mas em boa parte também
o elemento técnico, nomeadamente antropológico e botânico, que curiosamente se alia à expressão literária.

As coleções transportadas para a Europa
constituíam um meio seguro de propaganda ao mesmo tempo que uma rica fonte de
estudo. O príncipe
Maximiliano, que veio em 1815 e viajou com os naturalistas Freireiss e Sellow,
carregou para o seu castelo de Neuwied um herbário com 5.000 plantas
brasileiras, além dos insetos e outros exemplares da fauna, inclusive um pequeno botocudo. O
casamento em 1817 da arquiduquesa Leopoldina com o herdeiro da coroa mais faria aumentar e
mais direto tornaria o interesse germânico, sempre grave e exaustivo. Chegaram a acompanhar a princesa duas missões
científicas: a austríaca, de que faziam parte os naturalistas Mikan, Natterer,
Pohl e Schott, e a bávara, dirigida por Spix e Martius, os mais ilustres
exploradores do Brasil, cuja vida — a de Spix extinguiu-se em 1826, a de
Martius porém prolongou-se até 1868 — foi desde então devotada ao mais
aturado, mais consciencioso e mais compreensivo estudo do nosso país sob os pontos de
vista zoológico, botânico, médico e etnológico. A colheita de Spix e Martius,
com que se apresentaram de regresso à pátria perante o seu régio protetor, Maximiliano José,
abrangia além de uma parelha de índios, 85 espécies de mamíferos, 350 de aves,
130 de anfíbios, 116 de peixes, 2.700 insetos, 80 aracnídeos e crustáceos e 6.500 plantas.49

Esses dois intrépidos viajantes, que percorreram quase
todo o Brasil, desde 24° de lat. sul até o equador e, ao longo da linha, do Pará à
fronteira
oriental do Peru, coligindo uma infinidade de preciosas informações
geográficas, etnográficas, estatísticas e histórico-naturais, receberam da
capital brasileira, nove anos depois da chegada da família real, uma impressão assaz lisonjeira,
apenas estranhando o grande volume da população de cor e o ruidoso resfolegar
da cidade. Eles assim se exprimem: "Qualquer pessoa que considerasse ser
este um novo continente, descoberto há apenas três séculos, e que imaginasse por isso
deparar-se aqui com uma natureza ainda inteiramente rude, pujante e por
avassalar, acreditaria, pelo menos no que toca à capital do Brasil, achar-se noutra
parte do mundo; tanto tem a influência da civilização da velha e esclarecida
Europa conseguido
apagar neste ponto da colônia o cunho da selvageria americana, para lhe dar em
troca o aspecto de uma mais alta cultura. A língua, maneiras, arquitetura e influxo
das produções da indústria de todas as partes do mundo, dão ao Rio de Janeiro uma aparência
européia."50

Intelectualmente, não ficava com certeza o Rio
muito distanciado de Lisboa. Malgrado a desigualdade do aparelho de aquisição mental — o Brasil, como é sabido,
não possuía estabelecimentos de ensino superior — a instrução regulava a mesma,
entre as classes educadas é claro, das quais alguns membros tinham feito estudos na metrópole e outros eram verdadeiros autodidatas. O
príncipe regente não tinha que estranhar por esse lado a mudança, e o seu
espírito não sofreria isolamento no novo meio.

Dom João VI não era o que hoje em dia chamaríamos um cerebral, mas era uma pessoa
deveras inteligente e com certo gosto, até pronunciado, pelas cousas espirituais.
Apreciava como entendedor um bom sermão, tinha como toda a família queda pela música,51 gostava de fossar a toda hora nos maços de papéis d’Estado e não só tinha chiste,
como sabia e soía
fazer coisas engraçadas. Nas anotações à sua própria notícia biográfica saída à
luz num dicionário francês de contemporâneos, refere Antônio de Menezes Vasconcelos
Drummond que, depois da revolução pernambucana de 1817, urdida como é corrente em lojas
maçônicas, entraram as sociedades secretas, até então de certo modo toleradas, a ser vigiadas
de perto,
perseguidas e dissolvidas, criando-se no Rio, para punição dos culpados, um
juízo da Inconfidência. Na espécie de terror produzido por esse assomo de violência
da parte do governo paternal que estava sendo o brasileiro, muitos mações
denunciaram-se a si mesmos, entre eles o conde de Parati, camarista e grande
valido do rei, que dele nunca se separava. O castigo que o monarca, ressentido,
lhe infligiu foi o de entrar para a Ordem Terceira de São Francisco da Penitência e
conservar-se no Paço durante todo o dia do juramento com o hábito de irmão. O marquês d An-geja, outro mação
confesso, resgatou sua falta entregando toda a prata da sua casa para servir as necessidade do Estado.52

Quem sabe proceder para com dependentes com tamanha
indulgência
e, sendo soberano, se mostra capaz de tanto espírito nas relações com personagens da sua
corte, não é certamente um ente vulgar, e de fato Dom João compensava pela agudeza
mental, bom senso e fácil assimilação © que lhe escasseava propriamente em conhecimentos
que ninguém se ocupa em incutir-lhe. Os estrangeiros sempre lhe fizeram justiça. Beckford, o
inteligentíssimo e mordaz Beckford, estampou a seu respeito conceitos
lisonjeiros, que se sentem ditados pela sinceridade, e Luccock até o defende da increspação de
apatia, dotando-o de muito mais sensibilidade e energia de caráter do que lhe andam
geralmente atribuídas pela tradição vulgar ou pela paixão política. "O príncipe
regente, escreve ele, achou-se colocado em circunstâncias desconhecidas e singularmente
penosas e a elas se sujeitou com paciência, agindo, quando se rebelou, com vigor e
prontidão." Se se deixou algumas vezes levar por conselheiros tímidos ou
destituídos
de franqueza, acólitos aduladores e hipócritas que são figuras inevitáveis em
redor dos governantes, não obrou em semelhantes casos por estupidez,
perversidade ou cinismo. "Este soberano, diz um comerciante francês, era geralmente
querido, tanto era bom e benevolente."53

Não conheço despacho algum, ostensivo, reservado ou confidencial, de embaixador, ministro
ou encarregado de negócios estrangeiros para seu governo, que se refira com menos
respeito ou com menos elogio a Dom João VI. E é curioso verificar que nenhum mesmo tenta fazê-lo, de
leve que
seja, ridículo, quando os portugueses dele quiseram legar um tipo burlesco. Não era apenas a
deferência inata para com a realeza que assim tornava cortesã a pena facilmente
satírica dos diplomatas: era também e principalmente a circunstância de, em
justiça, nada encontrarem no soberano de grotesco e sim muito de atraente e não pouco
que encarecer. Maler, que lhe era sinceramente afeiçoado, como devia pois que dele recebeu constantemente provas de
atenção e benevolência, não se furta a exaltá-lo. O duque de Luxemburgo, cujas
razões para isso não eram tão fortes, ao passo que censura, num tempo em que
já se sentia a falta do espírito vigoroso de Linhares, a inércia da corte, a carência de
planos de administração do governo, a reserva que traía indecisão do elemento
aristocrático, refere que o rei
era amado do seu povo por acessível, afável e bondoso.

Traços da sua finura abundam na correspondência
inédita de várias legações. O duque de Luxemburgo teve a sua audiência de despedida a 18 de setembro de 1816 e
partiu a 21. Conversando depois disto e pela primeira vez com o encarregado de
negócios Maler acerca da expedição ao rio da Prata para ocupação da Banda Oriental —
expedição sobre a qual se guardou toda reserva, a ponto de manter absoluto
silêncio a propósito a anódina Gazeta do rio de Janeiro — Dom João
observou com o seu sorriso entre malicioso e bonacheirão: "Os franceses falaram e
escrevinharam
muito em tempo sobre fronteiras ou limites naturais: tratava-se sempre, de um lado, do
Reno e do outro, dos Alpes; ora, o que é o Reno comparado com o rio da
Prata?" Ao que o representante francês respondeu com o espírito da sua nação
que a "beleza e a amplidão desse grande rio deviam dispensar todo e
qualquer comentário e eram por si suficientemente eloquentes para que pudessem
ser passadas sob silêncio, sendo assim muito lógico concluir que limites alguns existiriam
mais naturais que o citado rio da Prata, e parecendo aliás que os missionários das
margens do Reno tinham conseguido prosélitos em todos os mundos
possíveis". Esta última reflexão fez o monarca rir de tout son coeur, diz o
ofício.54

A sua sensibilidade não era de refolhos. Tinha até a
lágrima fácil e frequentes são as ocasiões de que ficou memória, nas quais não soube ou não quis esconder o seu pranto. Chorou ao
falar com Maler na morte da
mãe; chorou quando partiram as princesas suas filhas para Espanha; chorou ao
apertar nos seus braços o marquês de Aguiar, já muito alquebrado e enfermo, quando
reapareceu na corte após um mês de ausência por doença.

A sua atividade também a comprovam insuspeitos
documentos diplomáticos. A correspondência francesa refere por exemplo que
correndo, no
decurso das negociações relativas a Montevideu, o boato de terem os espanhóis invadido as
fronteiras de Portugal, Dom João, apesar de doente da perna — a erisipela que lhe
era habitual —, ao chegar o brigue de Lisboa fez-se transportar em cadeirinha de São
Cristóvão à beira-mar, para mais depressa receber os despachos e interrogar o
oficial de bordo sobre as ocorrências e novidades no velho reino. Verdade é que
por causa daquele
boato sonhara o rei, segundo contou a Maler, cousas aflitivas, vendo lord Strangford de regresso
ao Rio a transmitir-lhe, desde a primeira audiência, comunicações em extremo desagradáveis.

A sua curiosidade, uma curiosidade legítima de
governante que não descura seus encargos, levava-o a sofismas cómicos. Quando o navio
corsário Independência, do governo não reconhecido ainda de Buenos
Aires, veio
ao Rio de Janeiro trazer despachos para o rei, o governador da Fortaleza de Santa Cruz lhe
não permitiu a entrada no porto pelo fato de trazer hasteado um pavilhão
oficialmente desconhecido, e também o monarca se negou a receber o comandante,
ao ir ele a São Cristóvão fazer entrega dos papéis de que era portador: "mas para
satisfazer sua curiosidade, informa Maler, contentou-se Dom João com ver o
oficial e ouvi-lo falar par
1’embrasure d’une porte".

Assim conseguia andar sempre muito bem informado
do que ia sucedendo
nos lugares onde a coroa tinha interesses. Foi ele o primeiro a comunicar a
Maler que o conde de Alisbal reunia de fato forças em Cadiz para uma grande
expedição sul-americana, quase certamente dirigida contra o rio da Prata, mas que essas
tropas eram o que os franceses bem exprimiam pela palavra délabrées. A ninguém de
resto confiava Dom João a tarefa de abrir e ler os despachos que chegavam
endereçados aos vários ministérios, sendo ajudado nos trabalhos do gabinete
pela infanta Maria Tereza, a filha mais velha e sua predileta — talvez porque não tinha
grande
certeza da paternidade dos últimos filhos da rainha Dona Carlota — que cedo enviuvou do
infante d’Espanha. Não só conseguia andar excelentemente informado como exigia
sê-lo, e no tratar das cousas públicas animava-se e tomava um calor que se não
compadece com a sua reputação
corrente de indiferença.

Igualmente se não compadece com o seu renome de
avaro, não há muito
reproduzido,55 o fato relatado na correspondência francesa de haver
o rei mandado pagar do seu bolsinho, em segredo porém, aparentando terem sido
satisfeitas do inventário do defunto, as despesas do enterro no mosteiro de São
Bento, e as dívidas deixadas pelo núncio Marefoschi, aliás de família abastada,
falecido de uma apoplexia na noite de 16 para 17 de setembro de 1820 e que
apenas deixara em caixa 500 francos (80$000).

Um dos indícios do natural vivo, sagaz e magnânimo do soberano é que, se não logrou
cercar-se sempre e exclusivamente da melhor gente, nunca deixando a sua roda de
familiares de andar permeada de indivíduos menos recomendáveis, tampouco desdenhou
sistematicamente o elemento mais digno. Preferiu-o mesmo na maior parte dos casos, colocando
quase invariavelmente gente honesta nos altos postos da administração e sabendo tão bem
elevar um homem público em quem reconhecesse superioridade de vistas ou amor
ao trabalho, como distinguir um artista no qual atinasse com talento ou mesmo com
aptidão. Foi seu protegido o pintor José Leandro, uma dessas vocações coloniais sem
aprendizagem e
até aí sem destino quase, que tantas vezes o retratou e em 1817 executou o reputado painel da
família real rendendo graças à Virgem do Carmo, e ao pardo José Maurício coube
mais de uma vez deleitar com sua inspiração de compositor o apurado ouvido real, na
Capela e também no Paço, conforme numa tela deliciosa o fixou Henrique Bernardelli com o seu admirável pincel.

Pintor e músico eram ambos legítimos produtos
brasileiros, e não os únicos de valor. Os mosteiros com seus ócios musculares, suas
facilidades para
estudo, seus estímulos de convivência, tinham afagado a inclinação pelas
ocupações mentais, despertada entre uma sociedade com tradições de cultura trazidas do
meio donde emigrara, logo que a luta propriamente física serenou e entrou a haver
tempo para outras preocupações mais altas. Não se organizavam somente nos claustros
procissões suntuosas ou caricatas: discutiam-se planos científicos e floresciam
lucubrações artísticas. Os conventos do Rio abrigavam toda uma Academia.

No dos Carmelitas à Lapa56 viveram no
primeiro quartel do século XIX, a par de outros monges instruídos, frei Pedro de Santa
Mariana, matemático
que, mais conhecido sob o seu título de bispo de Crisópolis, foi depois o preceptor
muito querido de Dom Pedro II; frei Custódio Alves Serrão, dado à física e à química, e frei
Leandro do Sacramento, botânico de mérito. No convento franciscano de Santo António
a plêiade de religiosos
de valia era muito mais larga. Abrangeu, de 1809 à 1811, o grande botanista frei José Mariano da Conceição Veloso, com o seu hábil
desenhista frei Francisco Solano, o que ilustrou a Flora Fluminensis; e
durante muitos anos, além de um bando de teólogos, médicos, entalhadores, e outros prestimosos
irmãos, três eloquentíssimos pregadores — frei Francisco de S. Carlos, o qual era
também músico e poeta, frei Francisco de Santa Thereza de Jesus Sampaio57 e, primus
inter pares,
o famoso Mont’ Alverne.

A nenhum destes espíritos, desenvolvidos no meio
colonial e aos quais faltara portanto o desafogo do culto ambiente europeu, se poderia
aplicar a
cáustica e feliz expressão que sobre o conde de Pombeiro, um dos fidalgos educados da corte de
Dona Maria I, externava
D. Rodrigo de Souza Coutinho numa das suas cartas ao príncipe regente: "Digne-se
lembrar-se V. A. R. que o
conde de Pombeiro, tendo bebido péssimo leite quando estudou na Universidade, depois
não leu senão brochuras, e que sabe ainda menos que o conde de Vilaverde, pois tendo
menos talento, de tudo que leu sem método e sem o digerir fez um caos na sua cabeça incoerente."58

Aquele carinho pelas cousas intelectuais andava
naturalmente limitado a um círculo de eclesiásticos e seculares, e não abrangia por certo
o grosso da
população livre, entregue a ocupações mais positivas, amontoada nas suas casas
pequenas, baixas e feias, desprovidas de comodidades, faltas mesmo de asseio
escrupuloso, dantes até isoladas do movimento exterior de transformação pelas
gelosias de madeira, que só não vedavam o espreitar suspicaz. O príncipe regente, por
prurido higiénico e estético como pretendem os louvaminheiros, ou com medo às
emboscadas como querem os maldizentes, ou simplesmente por espírito de novidade, mandou logo nos primeiros
meses da sua residência no Rio de Janeiro substituir por janelas de vidraça essa
última recordação dos mucharabis árabes. A ordem era singelíssima, antes
uma postura municipal do que uma resolução de administração suprema, mas pode dizer-se
que por meio dela completou Dom João uma revolução nos costumes nacionais. Com as lufadas do ar a que as rótulas
deixaram de opor a sua meia resistência varreram-se prejuízos atrasadores,
abrindo-se de par em par as habitações da nova capital da monarquia às inovações
nos usos e nas ideias, que a conexidade com o Velho Mundo ia infalivelmente acarretando.

No ano de 1808 vegetava toda a população fluminense
cercada de esplendores
naturais; esmagada por assim dizer pela grandeza do cenário: apinhada numa superfície
habitada muito pequena, que balizavam pântanos e matas igualmente hostis; sem passeios
frequentados, tirado aos domingos o do umbroso aqueduto da Carioca; acotovelando um mundo de escravos, ciganos e
mendigos sórdidos. Os mais ricos mesmo não tinham distrações que contassem,
pois que estas se cifravam nas palestras de lojas onde à noitinha, antes da ceia e depois
de retiradas das portas esguias as mercadorias empoeiradas, se jogava com furor o
gamão; e nas reuniões
no teatro, o velho casarão de Manoel Luiz ao pé do Paço, acanhado, sujo, quente, mal
ventilado, pouco iluminado a azeite por um lustre de madeira e arandelas de
folha de Flandres, com uma orquestra deficiente e espetáculos de um realismo cru e
grosseiro. Eram ruins peças desempenhadas por piores atores, nas quais entretanto já
se pronunciavam as ousadias da revolução nacional pela exibição à luz da ribalta de maus caracteres entre o próprio clero.

Os violinos profanos alternavam os seus sons com os do órgão da vizinha capela do Carmo,
da qual fazia Dom João a sua sala de ópera favorita. Na que passou a
denominar-se então Capela Real, dispôs-se o palco para a exibição das
virtuosidades dos maestros rivais, Marcos Portugal e padre José Maurício. Estes
dois distintos compositores foram naturalmente convertidos nos ídolos rivais
das suas respectivas facções: da nacional o gracioso repentista fulo, cuja admirável
organização musical lembra a de Mozart pela abundância da melodia e pelo senso da harmonia; da estrangeira o
sábio e presumido, pomposo e festejado italianizador da ópera portuguesa. Se
lhe falhassem estas distrações de melômano, não saberia muito bem em que
empregar suas horas vagas o excelente príncipe, privado pela etiqueta de
ir, como costumava o vice-rei, às casas das pessoas gradas; metido em
mesquinhos palácios entre sete filhos quase todos pequenos e todos malcriados,
uma velha louca, uma mulher de péssimo gênio e maneiras vulgaríssimas e uma chusma de fâmulos
mexeriqueiros
ou tediosos. O seu viver não era por certo na intimidade uma delícia, apesar de alguns
parentes menos chegados, uma tia bondosa, irmã da Rainha, uma cunhada devota,
discreta e meiga, a viúva do príncipe real Dom José, e um sobrinho espanhol,
que faleceu precocemente, o infante Dom Pedro Carlos de Bourbon, reunirem suas virtudes e
afetos para lhe darem uma ilusão
das alegrias de família.

Não obstante o meio social insípido, já a população
fluminense nada tinha de tristonha, sendo alegre, expansiva, excitável e ruidosa:
efeito porventura,
entre outras causas, do clima da cidade, quente e contudo variável, revezando-se as
brisas frescas e leves com as pesadas e sufocantes calmarias de tempestade, e
sucedendo-se os dias estimulantes, de um céu seco, num tom árido de cobalto, aos
dias amolecedores, de extrema umidade condensada em vapores que se despregam das serras para virem pairar opressivamente sobre a
baixada, em uma limitada parte da qual se encurralava naquele tempo a capital.
Clima, em resumo, até o momento assaz saudável, visto que as doenças mais frequentes no
Rio não eram outras senão as comuns aos trópicos e as derivadas da falta de profilaxia
pública (a
limpeza da cidade estava toda confiada aos urubus) e pessoal: febres, ataques
biliosos, disenterias, bexigas, linfatites, morféia e sífilis. Apenas o calor prolongado, quase
constante, somente interrompido durante grande parte do ano pelas chuvas
refrigerantes, fazia o clima extenuante, e isto mesmo era corrigido por certa
elasticidade do ar, graduado pelas virações marítima e terral.59

O citado escritor inglês, negociante no Rio de Janeiro durante dez anos, de 1808 a 1818, e
que no seu livro nos deixou o quadro mais completo e interessante da capital
americana de Dom João VI, refere-se longamente, com o espírito de conforto da sua
raça, ao passadio da população no ano da remoção da corte para o Brasil. Segundo ele,
das carnes a de vaca era invariavelmente de má qualidade por motivo da magreza e cansaço do gado, viajado ou
melhor enxotado de enormes distâncias, sem ocasião para pastar e refazer-se; o
carneiro pouco abundante e usado quase que exclusivamente pelos ingleses, para quem os
animais abatidos com mais limpeza e cuidado do que no matadouro oficial as reses
destinadas à população nacional; a vitela somente conhecida no Paço, para cujo
consumo se
imolavam novilhos; o porco mais comum e mais apreciado, embora pouco recomendável pela
sua classe inferior. Do excelente peixe que vive nas águas brasileiras, não eram
muitas as variedades que se encontravam frescas no mercado, custando as melhores alto
preço e vindo as demais salgadas. Em contraposição à caça, que era rara,
certamente por falta de caçadores, abundavam as aves de criação doméstica. De
legumes e frutas — as tropicais, porquanto o cultivo das uvas, por exemplo, tinha sido defeso por Portugal, para
não ficar prejudicado o seu melhor negócio — havia considerável cópia. O leite
finalmente era tão ruim quanto a manteiga,
esta toda ela importada.

A recriminação neste ponto é frequente. John Mawe,
que a pedido do conde de Linhares se dispusera a administrar a real fazenda de
Santa Cruz, escreve
que ao ali chegar nem café encontrou para beber, apesar de estar numa plantação de café
posto que muito mal tratada, só logrando conseguir horas depois um pedaço de carne
magra e mal cozida, e que na manhã imediata teve que esperar pelo almoço até 10 horas
por se não poder obter um caneco de leite, conquanto cobrissem as ricas pastagens
sete a oito mil cabeças de gado. Escrevendo ao aventureiro Contucci,60 a 12
de setembro de 1810, soltava o secretário íntimo da princesa Dona Carlota este
sintomático grito
do estômago: "En esta ocasion, cansado ya de comer mal, me he tomado la livertad de
pedir a V. Md. el
favor para que se sirva remitirme lo que indica la adjunta nota, lo que ni con dinero se
halla aqui."

O Dr. José Presas não era o único. Os diplomatas
estrangeiros quei-xavam-se à porfia de ser a vida entre nós não só destituída
de confortos como
excessivamente dispendiosa, sem que principalmente houvesse correspondência entre o que
gastavam e o que alcançavam. A carestia da vida é uma preocupação comum entre
os diplomatas, mas neste caso plenamente justificada, assistindo-lhes bastante razão no
considerarem exorbitantes os preços por que tinham de pagar tudo no Rio de Janeiro. Uma excursão a Santa Cruz,
quinze léguas distante da capital, custava, no cálculo de Maler, 400 francos:
por isso, não tendo ainda recebido seus ordenados ao tempo do convite de Dom
João para que fosse passar alguns dias na antiga fazenda dos jesuítas, vira-se compelido a
declinar a honra. "Não são infelizmente, ajuntava ele, os cavalos e as viagens as
únicas cousas de
uma carestia inconcebível: tudo é do mesmo jeito. Não há cantinho do universo onde se seja
pior alimentado e pior alojado e por preços tão excessivos."

Por uma casa térrea fora da cidade pagava o mesmo
encarregado de negócios de França 8001000 por ano, que eram então 5.000
francos, competindo-lhe
as despesas de custeio e consertos. Desta própria casa se viu Maler mais tarde privado por
tê-la adquirido a rainha que a ambicionava para tomar ares. Dona Carlota, como é sabido,
gostava muito de mudar de ares e neste intuito possuía diversas vivendas nos arrabaldes da
cidade. O
cônsul queixou-se porém amargamente61 de ter assim que deixar, com suas quatro irmãs,
uma habitação onde efetuara benfeitorias, entre elas um pomar de árvores
tropicais e árvores da Europa, inclusive pessegueiros.

Como a corte empregava grande número de criados,
tornara-se o serviço doméstico escasso e conseguintemente caro. Um carro, ou para melhor
dizer uma suja traquitana, custava 26 francos por meio dia e 50 francos pelo dia todo. Nada
era barato. Não admira que os gêneros importados, e muito pouco era o que se
não importava, fossem dispendiosos, pois que sobre eles pesavam avultados fretes e grandes
direitos aduaneiros, mas o que mais curioso resulta é que os artigos da terra,
como o açúcar e o café, custassem o mesmo quase que em Lisboa. A própria água — inútil é observar que a não havia canalizada em casa — pagava-se a 1 franco o barril.

A introdução de um novo elemento
reinol e de farto elemento estrangeiro, aquele mais refinado e este mais
progressivo, foi gradualmente modificando para melhor as condições de vida no Rio de
Janeiro, sem que porém pudessem elas jamais ter atingido no tempo de Dom João VI o aspecto geral de facilidade,
regularidade e grandeza que deveria caracterizar a capital e sede de uma tal
monarquia. De onde derivaria contudo a corte portuguesa, para emprestar uma outra
aparência à vida até então acanhada e um tanto tosca da cidade dos vice-reis, uma
elegância que ela própria verdadeiramente não possuía? Por isso o viver fluminense não variou tanto quanto se
poderia imaginar com a trasladação da família real, perdendo até em troca de certa
presunção adiantada que assumiu, uma boa parte do seu antigo encanto provinciano.

Ao tempo de Luiz de Vasconcelos, quando se
construiu no sítio mais fresco da cidade um Passeio Público no gosto amaneirado
do século, com seus tanques e repuxos, suas pirâmides de granito com inscrições e suas
estatuetas alegóricas, as famílias tomaram por costume ali se reunirem às noites, especialmente de
luar. Entoavam-se modinhas e lundus com o acompanhamento das ondas quebrando-se
de mansinho contra o paredão do terraço, cujo parapeito era guarnecido de vasos de
flores, e o divertimento acabava
por alegres comezainas ao relento.62

A chegada em forte pelotão da fidalguia do reino
prejudicou semelhante feição despretensiosa da existência social do Rio de
Janeiro, sem substituí-la
por nada de muito melhor. A famosa ucharia, ninho da criadagem real estabelecido atrás do
Paço, derramou pela cidade o fartum das suas intrigas, imoralidades e cizânias,
tornando-se a instituição em certo sentido típica da nova ordem de cousas. Deixaram quase de
desferir-se nas violas os doces acordes ao ar livre que dantes embalavam o sono
dos jacarés
de. mestre Valentim. As reuniões entraram a ser menos consoantes com o clima e também menos
francas, mais exclusivas, de certo mais afetadas. "Eu sei que em sua casa [de
um tal Fragoso] há assembleias ou partidas noturnas, mas é cousa sem estrondo,
e isto é quase geral em todas as casas, onde há algum par de patacas, por não
haverem outros entretenimentos…"63

Afora alguns pormenores de luxo pouco discretos, a
corte brasileira nunca primou pela pompa. Então, porém, acusava no conjunto maior desleixo, e de princípio
chegou mesmo a ser miserável. Longe da Capela Real, onde os dourados e as harmonias
lhe lisonjeavam a vista e o ouvido, Dom João devia forçosamente sofrer no seu brio de
soberano com presenciar essa mesquinhez. Os seus coches dos primeiros tempos
eram ridículos: podiam antes chamar-se pobres berlindas. A princesa real, mais enérgica e varonil que o marido,
preferia muito sair a cavalo a ser sacudida pelas ruas mal calçadas e pelas estradas
esburacadas numa sege incómoda. O príncipe, a guiarmo-nos por um desenho do natural deixado
por Hender-son,54 ensaiou espairecer num carrinho aberto que ele próprio guiava, de um feitio único, entre o
carro de guerra romano com o anteparo para trás e a tina de banho, de que se
perdeu o modelo. As carruagens dos fidalgos diferiam muito das que descrevia
Ruders, capelão da legação sueca em Lisboa,65 puxadas por quatro e seis cavalos,
com dois e quatro lacaios, batedores e escudeiros armado de sabre, nas quais a
nobreza do reino punha o melhor
do seu luxo espaventoso.

Pelo tempo adiante, com a estabilidade e o afluxo de
forasteiros, atraídos pela ambição de lugares e ganhos, ou por mera curiosidade e
desfastio, é que tudo lucrou, a aparência geral da cidade assim como a dignidade da corte. A cidade,
sufocada de começo entre matas, aos poucos as iria clareando até que,
reduzindo-as às que revestiam os morros, lhes incumbiria a única missão de
sombrearem o rutilante horizonte. O progresso se traduziria por cem formas: por
novas ruas, mais limpeza nas velhas, para onde era costume inveterado atirar todas as
imundícies que as chuvas tropicais se encarregavam de dispersar, edifícios condignos, e
certa garridice
de jardins, e flores enfeitando as varandas, corrigindo as ruins exalações contra as quais
anteriormente só o uso do rapé protegia. Não só por isto. Desenvolvendo-se a
breve trecho consideravelmente a cidade (Maler registra que de 1808 a 1818 se
construíram no Rio 600 casas e 150 chácaras), crescendo extraordinariamente o movimento do
porto, aumentando correlativamente o comércio da praça, sobretudo dando mostras de permanecer acampada na
América a corte portuguesa, entrou o Rio não só a tomar com rapidez um notável
incremento de culturas como a exercer uma ação social sobre toda a colônia. Este efeito
centrípeto de civilização pode ser considerado um dos mais benéficos resultados
da trasladação da sede da monarquia, o qual ficou mesmo quando com alguma rusticidade dos primeiros afagos se
perdeu parte da efusão da hospitalidade tão bizarramente oferecida à família de Bragança.

No aspecto da corte a alteração foi pronunciada.
Ao passo que num dos primeiros dias de grande gala passados no Rio, o
aniversário da rainha, formavam todo o cortejo seis seges abertas puxadas por mulas e guiadas por negros pouco
asseados, poucos anos depois se viam nas ocasiões de beija-mão rodar muitas
carruagens decentes, algumas até esplêndidas, atreladas com cavalos finos e
conduzidas por lacaios brancos de libré.

Foi neste momento que Spix e
Martius viram a corte do Rio de Janeiro e, ajudados pelo seu otimismo de sábios
alemães, dela receberam agradável sensação que traduziram em tantas palavras de
simpatia. A gente rica preocupava-se com dar o tom, a elegância entrou para a ordem do
dia, e o esmero no trajar e apego ao cerimonial chegaram ao ponto que os empregados da
alfândega andavam no serviço uniformizados, empoados, de chapéu armado, fivelas e
espadim à cinta. Este rigor formalista só se denunciava fora de casa, pois que na
intimidade nem o permitia o clima,
nem a geral modicidade dos recursos.

O mesmo empregado público que na repartição era
visto fardado e empertigado; ou o solicitador encartado que de longa e surrada casaca preta, colete bordado,
grandes fivelas de brilhantes falsos apertando nos joelhos os calções, e meias de
algodão, se agregava aos colegas na esquina das ruas do Ouvidor e da Quitanda,
formando diariamente um grupo compacto de gente de lei, que pelo número dava que pensar
do espírito chicanista da população; ou o boticário curandeiro que manipulava suas drogas por trás de um
pretensioso balcão pintado de cores vivas — qualquer destes, até o fidalgo da terra,
se procurado em casa, o que não era uma ocorrência banal, antes um ato requerendo
justificação, seria encontrado inteiramente à vontade, com a barba crescida, o cabelo
despenteado, a camisa com as mangas arregaçadas e a fralda muitas vezes solta por cima dos calções, as pernas nuas e tamancos nos
pés.

Gozando a fresca onde soprasse a viração, bebendo água
dos seus moringues
postos na corrente de ar, trauteando modinhas ou lendo o Patriota, ele, o homem que na rua
era todo cumprimentos e zumbaias, fugia instintivamente da sua sala de visitas, na frente
da casa, aposento quadrado, com o teto e as paredes decoradas de filetes claros,
tendo por única mobília um oratório com santos do Porto, um sofá de palhinha e algumas cadeiras, e para o qual
dava a alcova cheia de baús de sola, mais uma cama e uma cómoda. A família
concentrava-se toda na sala de trás, espécie da que nas casas alemãs chamam Berlinerzimmer, onde tinham lugar as refeições, sobre uma mesa ou no chão, comendo-se com
facas ou com a mão; executavam cabriolas as crianças educadas com caprichos e sem roupas, e se conservava
todo o dia, de pernas cruzadas sobre uma esteira, a dona da casa, rodeada das
mucamas, costurando, fiando, fazendo renda, armando flores de seda e papel, batendo bolos
gostosos.

Estes hábitos de segregação não excluíam os
prazeres ocasionais da convivência, quando parentes, hóspedes e amigos se sentavam nas casas de tratamento e por
motivo de aniversário ou de festas religiosas, dos dois lados de uma lauta mesa servida
com porcelanas e cristais ingleses e carregada de viandas, vinhos e guloseimas.
Costumava reinar durante e após tais banquetes, a que de ordinário só compareciam
senhoras casadas, a cordialidade mais franca, e por vezes mais ruidosa, a par de certa falta
de apuro
nas maneiras, como os costumes vulgares de limpar a faca na toalha e de comer com a boca quase dentro do prato.

A influência feminina não era suficientemente sugestiva
sob o ponto de
vista social para afinar, como modernamente tem acontecido nos Estados Unidos, aquelas
maneiras masculinas, que de resto eram idênticas às do velho reino. As nossas
mulheres de interior, com seus hábitos tropicais, de cabeção e sem meias,
apesar de espertas, faceiras, tagarelas, laboriosas e bonitas, já prontas a se
emanciparem como tudo mais no Brasil, exerciam poder sobre os sentidos mas não sobre os
sentimentos dos maridos em geral, e tampouco atuavam na sua indiferença pelas cousas da vida política sobre o
desenvolvimento moral dos seus filhos. Com os anos a sua própria vivacidade sofria
dos efeitos da reclusão, e o lidar constante com os escravos, relação
caracterizada de um lado pela prepotência e do outro pela objeção,
embotava-lhes o espírito, do mesmo modo que lhes embotava as formas esbeltas a
falta absoluta de exercício, pois que a cadeirinha representava a sua
quase única maneira de locomoção.

Árdua era por tudo a tarefa que em a nova corte se
impunha ao príncipe regente e aos seus ministros, isto é, ao pessoal dirigente
de uma nação habituada a receber
para qualquer efeito do alto o santo e a senha, o impulso para as boas cousas assim como a tolerância para as ruins.
Nem o aspecto exterior, a fisionomia
da cidade constituía tanto o que lhes devia trazer cuidado, se bem que alguns
viajantes a qualificassem de uma das
mais porcas aglomerações humanas existentes sob o céu e fatalmente destinada a viveiro de pestes; escrevendo um
deles, com singular previsão, que
apesar do ar singularmente puro, o qual havia até então obstado ao
desenvolvimento das epidemias, a febre amarela batia às portas e, uma vez entrada, sua devastação seria tremenda entre
uma população debilitada pelo clima ardente e pelos prazeres não menos
ardentes.

O mais grave, porém, era o lado espiritual, a forçosa
elevação de um meio onde a ausência do sentimento de respeitabilidade cívica tinha determinado uma verdadeira
anarquia moral. Não se dariam talvez mais furtos nem mais assassinatos do que
noutras capitais, sendo mesmo a falta de segurança individual um traço social mui
frequente naqueles tempos. Porventura ocorressem até menos no Brasil,
mas"o certo é que a propriedade estava à mercê do poder público e exposta a uma
notável falta de probidade nas relações particulares, ao ponto de opinar Luccock que,
salvo
raríssimas exceções, não se podia ter confiança na gente da terra. A vida andava dependente do
tiro de garrucha do primeiro assassino alugado por um inimigo covarde. A
polícia era mais do que deficiente, e além disso apática para o que não
fosse crime político. Os roubos e homicídios contavam também com certa
indulgência quase tão criminosa quanto o próprio crime, porque não era filha da bondade,
sim da indolência e se estendia a todos os vícios, bem patentes por não saber a hipocrisia
dissimulá-los.

A hipocrisia, que os ingleses denominam a sombra da
virtude, é um traço pouco peculiar à raça latina, mas no Brasil a sua carência
não significava
infelizmente franqueza e rijeza de caráter. Denunciava pelo contrário escassez de sólidas
qualidades, a inconsciência do mal, a falta de uma alavanca moral que não fosse a
pura superstição religiosa, a ignorância comum numa sociedade que não só não tinha ainda ao
seu alcance os meios de se ilustrar, como revelava geral antipatia ao ensino e limitada sede
de angariar conhecimentos. As exceções, mesmo numerosas, não invalidam a regra.

A época de Dom João VI estava contudo destinada a ser na história brasileira,
pelo que diz respeito à administração, uma era de muita corrupção e peculato, e
quanto aos costumes privados uma era de muita depravação e frouxidão,
alimentadas pela escravidão e pela ociosidade. Seria preciso que soprasse o
forte vento regenerador da Independência e dispersasse essas nuvens carrancudas, para se
entrever uma nesga do firmamento azul. Mesmo em reação ao existente, o ideal da
pureza liberal
e democrática se anteporia no conceito da nova geração e seria o responsável pelo
desinteresse e pelo devotamento à causa pública que em larga escala acompanhariam o
nosso movimento emancipador, o qual se pode concretizar nos Andradas, protótipos de saber,
honestidade e espírito progressivo.

Para semelhante resultado contribuiria não pouco a ação
estrangeira, em seu conjunto altamente benéfica e, mercê das circunstâncias,
tão marcada que chega a ser um traço predominante e distintivo deste período nacional. Ao
descreverem a Bahia no curso da sua viagem, observaram Spix e Martius65 que
entre a gente abastada da terra, da qual constituíam os senhores de engenho o elemento
mais rico e preponderante, se manifestava grande aversão a continuar a mandar educar
os filhos em Portugal, tanto com receio das ruins companhias quanto dos maus
costumes. Reconhecia-se, e os viajantes por sua vez facilmente reconheciam os
casos deste géênero em evidência, a
superior influência do norte da Europa, mais eficaz sem comparação não só pelo
lado material, o do senso do conforto e do gênio prático, como pelo lado
espiritual, o do desenvolvimento intelectual e saneamento moral. Tinha aquela
aversão também muito de política, correspondendo a um crescente sentimento de
autonomia, que Spix e Martius já não achavam igualmente justificado; nem por
isso, porém, repousava menos
sobre uma sã discriminação.

É mister contudo notar que a ação estrangeira possuiu
mais de indi-reta
que de direta, sendo antes um efeito geral dos tempos, da mudança das condições coloniais,
da propaganda inconsciente do exemplo, do que o resultado do trato íntimo dos
dois elementos. De fato poderiam os ingleses haver exercido uma influência mais pronunciada
ainda, se não fosse pela sua sobranceria um tanto humilhante, pelo desdém tão seu de se associarem com
estrangeiros, os que consideram sobretudo muito inferiores. Estes de seu lado,
ressentindo-se do acolhimento glacial, preferem manter-se à distância. Eram os
franceses reputados mais civis e afáveis: a recente revolução com suas
tragédias e horrores determinava, no entanto, com relação a eles, um
sentimento a um tempo atraente e repelente.66

Data em todo caso, no Brasil, do reinado de Dom
João VI a política liberal para com os
estrangeiros, a mais antiga afirmação da concepção de que o homem é cidadão do
mundo. Um dos primeiros decretos do príncipe regente67 concedia aos
estrangeiros que se viessem estabelecer na colónia o direito a datas de terras
por sesmaria, na mesma forma por que eram concedidas aos súditos portugueses; o que era
o melhor meio de chamar braços e energias para desenvolver a agricultura estacionária, a
mineração
decadente e a indústria em perspectiva, a qual tanto se queria fomentar que logo se
isentaram de direitos as matérias-primas que servissem de base a quaisquer manufaturas.68

Razões múltiplas e sobretudo a falta de
correspondência entre esse programa progressivo e a atmosfera social do Brasil,
obstaram a que a imigração fosse desde o seu início um fator importante do nosso
adiantamento, mas
o inquestionável é que então se inaugurou uma nova ordem de cousas. Que menos do que
revolucionária se pode chamar uma política que ia dotar o Brasil de todos os
órgãos pelos quais se exercem numa comunidade as funções judiciárias, administrativas e
económicas tais como tribunais, juntas, conselhos e bancos, insuflando-lhe deste
modo vida independente? E, todavia, a revolução seria conservadora, pois que
presidiria às
reformas intentadas pelo trono um certo, um forte socialismo de Estado, muito
parecido com o paternalismo, num tempo e num meio aliás em que era ele
absolutamente indispensável, mesmo porque a atividade individual, além de
inexperiente no empregar-se isolada e desajudada, tropeçava em mil embaraços criados e
levantados pelo próprio governo.


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