O estabelecimento da constituição em 1824 – Brasil Império

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

TOMO II

 

III — O estabelecimento da organização constitucional

Está alcançada a meta de nossa narração histórica; acompanhamos o desenvolvimento político do Brasil através das tempestades da revolução, até ao momento em que ele toma de novo uma feição normal constante; porém seria incompleto o nosso relato, se agora não demorássemos ainda um momento, para abranger, em um relance de olhos, o resultado de todo o processo desse desenvolvimento.

Os mais importantes atos e decretos, pelos quais se traduziu esse resultado, vimo-los surgir pouco a pouco e de caminho os analisamos; assim a constituição, de 25 de março de 1824, o ato adicional, — lei da reforma constitucional —, de 12 de agosto de 1834, e a lei relativa ao restabelecimento do Conselho de Estado, de 23 de novembro de 1841, às quais se acrescentaram as leis eleitorais de 19 de agosto de 1846 e de 19 de setembro de 1855, e a autêntica interpretação de algumas disposições do ato adicional, pela lei de 12 de maio de 1840; agora, trataremos, portanto, somente de apresentar todo o organismo do Estado, claramente, nos seus grandes traços característicos, tal qual o moldou essa legislação.

 

A vida do Estado do Brasil baseia-se, em teoria, sobre os mais largos princípios da soberania do povo; "todos os poderes do império são emanações do poder da nação; o imperador e a assembléia geral são seus representantes", assim prescrevem os arts. 11 e 12 da constituição.

Além disso, enumera a mesma, no seu artigo final179, uma série de direitos fundamentais, concedidos a todos os cidadãos: igualdade perante a lei; igualdade de direitos para admissão nos cargos públicos; extinção de todos os privilégios e imunidades; direito de associação de classe e de ofícios; liberdade de culto; instrução primária gratuita; garantia da pessoa contra prisão arbitrária e liberdade mediante fiança; direito ilimitado de sair do império; garantia da casa contra arbitrária perturbação e busca; garantia de domicílio contra confiscação de bens; inviolabilidade de segredo da correspondência; liberdade de imprensa, liberdade de petição e liberdade para comícios públicos; abolição das torturas, de todos os castigos cruéis, assim como de quaisquer prejuízos legais para a família de um criminoso; garantia para a independência do poder judiciário; garantia contra a instauração ou intervenção de tribunal extraordinário ou não preexistente, assim como contra leis retroativas; liberdade de profissão e proteção para a propriedade das invenções; finalmente, entre direitos fundamentais não usuais, garantia para a dívida pública, para os institutos de assistência pública, para a responsabilidade dos empregos públicos, e para as recompensas no serviço público, quer a civis, quer a militares.

De sorte que, por esse lado, a constituição brasileira satisfaz às mais avançadas aspirações do liberalismo; por outro lado, ao contrário, ela não garante participação prática geral na vida do. Estado, embora, pelo que acima foi dito, se devesse esperá-lo. O direito de voto, que é unicamente exercido aqui de modo indireto, não é geral para todos, e se exerce assim: nas assembléias primárias, nas freguesias se elegem os eleitores; estes, de novo reunidos nos seus colégios, votam nos deputados para a assembléia geral e a assembléia provincial, senadores, juízes de paz, membros do conselho municipal, em casos extraordinários também para os regentes.

Já se compreende, por si mesmo, que os escravos, sendo objetos de posse, não pertencendo ao grêmio da nação, são excluídos; são igualmente justificados os requisitos gerais: pleno gozo dos direitos civis, idade de 25 anos completos (porém basta a idade de 21 para os casados, os diplomados, os padres seculares e os funcionários), independência civil, pelo que, por destituídos desta, carecem de aptidão eleitoral os frades, os criados de aluguel e filhos ainda residentes na casa paterna, no caso de não serem funcionários.

Porém, além disso, intervinha o censo: para poder ser eleitor (eventualmente conselheiro municipal), era preciso provar que o candidato dispunha de bens de raiz, capital, indústria, comércio ou ordenado, equivalentes a uma renda anual de 100$, prata, ou 200$, papel, de então (cerca de 160 táleres); e, para ser elegível, ainda se exigia mais do que para ser eleitor (possivelmente juiz de paz): 200$, de prata, ou 400$, valor comum (320 táleres); para deputado provincial e geral: 400$, prata, ou 800$, valor comum (640 táleres); finalmente, para ser eleito senador, além da idade de 40 anos, exigia-se que gozasse da renda anual de 800$, prata, ou 1:600$ do valor comum (1.280 táleres), tudo quantias que, na verdade, aos nossos olhos, parecem insignificantes, porém, sobretudo no interior do Brasil, já eram consideráveis e, portanto, acarretavam a exclusão de muitos.

Finalmente, eram em absoluto excluídos da elegibilidade os libertos e os cidadãos imigrados naturalizados, assim como os acatólicos, embora de resto elegíveis, não podiam ser eleitos, ao menos para deputados (e senadores?). A isso acrescenta ainda, a mais, a nova lei eleitoral, para melhor garantia da liberdade da eleição, que os funcionários públicos de qualquer categoria não podem igualmente ser elegíveis para representantes do povo, no distrito em que exercem a sua função e autoridade.

A estes direitos correspondem naturalmente deveres, além dos gerais da obediência civil constitucional, pagamento de imposto e obrigação do serviço militar, que competem igualmente a todos os brasileiros. "Ninguém", diz o art. 179 da constituição, entre os direitos fundamentais, "será isento de contribuir para as despesas do Estado, em proporção com os seus haveres"; e, no art. 145: "Todos os brasileiros são obrigados a pegar em armas para sustentar a independência e a integridade do império, e defendê-lo de seus inimigos externos ou internos".

Desses deveres, porém, pouco entra em conta o do imposto; a administração brasileira das finanças adota o princípio geral americano, satisfazendo ao que necessita pela ação de um alto sistema de impostos (imposto de exportação de 5 % para a maioria e os mais importantes artigos, fora outros em que varia entre 1/2 e 17 96; imposto de importação, na maioria e os mais importantes artigos 30 96, fora outros entre 2 % e 60 96 do valor); assim, no ano financeiro, desde l9 de julho de 1854 até à mesma data em 1855, o imposto de importação montou a 23.648 contos, o de exportação a 4.455, numa receita total de 35.595 contos; e, também do restante, ainda uma não pequena parte é cobrada por modo indireto, de sorte que os diversos impostos diretos não têm importância digna de menção.

Muito mais importante é a obrigação do serviço militar. Segundo a lei de 18 de agosto de 1831, são obrigados a entrar para a milícia (Guarda Nacional) todos os cidadãos entre 18 e 60 anos, que possuam renda de 200$, nas grandes cidades marítimas (Rio, Bahia, Pernambuco e Maranhão), e de 100$, nos outros lugares do império, e pertencem até aos 50 anos à primeira conscrição, depois, à reserva; os oficiais subalternos até capitão são eleitos pelas praças; o comandante do batalhão (tenente-coronel) e o seu major assistente, além do alferes, são eleitos pelos outros oficiais, ao passo que é reservado ao governo nomear os comandantes das legiões (coronel e major assistente).

Para a marinha de guerra, como no Brasil falta uma regular marinha de comércio e, portanto, não existem marinheiros, era costume antigo recrutar à força índios, de preferência do vale do Amazonas; aqueles que se dirigiam incautos às cidades marítimas, eram logo agarrados e incorporados; resultou, porém, daí que as tribos do sertão interromperam mais e mais o comércio com a costa, e. diante das queixas que por esse motivo levantaram os residentes, condescendeu o governo em pôr termo radicalmente a esses abusos; pela lei de 24 de setembro de 1847, foi adotado para a esquadra o sistema do voluntariado com prêmio em dinheiro, o que não impedia, contudo, que de tempos a tempos, quando este não era suficiente, se recorresse de novo ao recrutamento forçado.

Finalmente, no que entende com o recrutamento para o exército regular, é ele regulado pela ordenação de 10 de julho de 1822, e leis de 29 de agosto de 1837. 6 de abril de 1841, 27 de junho de 1848, 18 de agosto e 14 de dezembro de 1852; admite-se a substituição, porém não o resgate em dinheiro; sujeitos a ele eram todos os cidadãos solteiros, de 18 até 35 anos, excetuados todos os chefes de família, estudantes, administradores de grandes fazendas, caixeiros de grandes casas de negócio, condutores de caravanas e de rebanhos, marinheiros e pescadores, diversos artífices e operários de fábrica, desde que apresentassem atestado de boa conduta, finalmente, funcionários e padres consagrados.

Com essa superabundância de exceções e, além disso, a geral repugnância do brasileiro pelo serviço militar, torna-se muito difícil, naturalmente, atingir ao número de recrutas exigido, e o recrutamento toma por esse fato a feição de formal caçada ao homem (como também no Brasil se costuma designá-la), pelo que as autoridades subalternas se aproveitam muitas vezes da oportunidade para satisfazerem os seus ódios particulares, o desejo de vingança e cobiça, lesando a lei.

Já nos tempos coloniais se fazia assim; quando em qualquer lugar tinha que haver recrutamento, era como se ele estivesse em pé de guerra civil; è no novo sistema constitucional isso ainda piorou.

Nas lutas de partidos políticos, que se deviam resolver pelas urnas eleitorais, um ou outro partido, o que estivesse ao leme do Estado, servia-se, por um lado, do recrutamento, e, por outro, do corpo de milícias, como meio para influenciar as eleições e perseguir os seus adversários. Como a milícia, quando em atividade sob as armas, não pode exercer o direito de voto, acontecia que, onde fosse duvidoso o pleito, de um momento para o outro, nos distritos da oposição, era convocada a milícia e se punha em marcha, sem outro motivo. E ainda mais: como era competência do governo distribuir entre as províncias o número de recrutas necessários, podia tal província ou comunidade, onde maior houvesse sido a votação de oposicionistas, contar pela certa que no futuro próximo recrutamento seria excepcionalmente contemplada.

Somente, desde a lei de 1848, foi estabelecida uma norma fixa, isto é, o número de deputados de cada província serve de base para fixar o número de recrutas que a mesma deve fornecer. Na conjuntura, porém, eram postas de parte todas as ordens e considerações legais; os desafetos mais salientes, fossem isentos pela lei, tivessem incapacidade para o serviço, eram alistados pela violência e arrastados para o depósito, quando acaso não alcançavam comprar a compaixão dos oficiais recrutadores. Na verdade, costumavam as mais altas autoridades negar freqüentemente aprovação a essas violências e soltar as vítimas; porém, que por isso fosse castigado o funcionário subalterno zeloso demais, era coisa que só no mais raro dos casos acontecia. Desse modo, era anulada a liberdade do voto, a fundamental garantia da segurança pessoal era menosprezada!

Somente nos tempos mais recentes se deu um passo para melhora nesse sentido; a lei eleitoral de 1855 retirou a elegibilidade dos funcionários públicos no seu distrito, e parece que nas eleições do ano seguinte se empregaram, com bastante severidade, as disposições legais, mesmo as antigas que proíbem e castigam toda intervenção indébita na eleição.

Certamente também isto não remediará de todo o mal; onde é que a liberdade do voto é completamente garantida contra os abusos dos detentores do poder? Não nas monarquias européias, nem nas repúblicas americanas. Neste sentido, resta, portanto, ainda muito a desejar também no Brasil; para isso, porém, torna-se tanto mais urgente uma enérgica reforma das leis sobre a obrigação do serviço militar.

Eis o que há sobre os cidadãos do Estado; volvamo-nos agora para a organização do Estado e seus órgãos.

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