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29. Depois que Díon atravessou a porta
Temêtida, mandou soar a trombeta para pôr fim ao tumulto e
proclamar, através do arauto, que Díon e Mégacles, vindos
para sacudir a tirania, libertavam do jugo os siracusanos e os demais
sicilianos. Ele seguida, querendo falar ele próprio aos habitantes subiu
pela Acradina enquanto, dos lados da rua, os siracusanos dispunham
vítimas sacrificiais, mesas e crateras; à sua passagem
lançavam-lhe flores e dirigiam-lhe preces como a um deus. Havia sob a Acrópole
e as Pentápilas um quadrante solar em lugar elevado e bem
visível, que Dionísio mandara construir. Nele subiu Díon
para arengar ao povo e exortar os cidadãos a defender sua liberdade. Cheios
de alegria, os siracusanos demonstraram toda sua afeição
nomeando-o, e a seu irmão, estrategos com plenos poderes; a pedido dos
dois, acrescentaram-lhes vinte colegas, metade dos quais eram banidos que
haviam regressado com Díon. Os adivinhos viram com bons olhos o fato de
Díon, falando ao povo, ter sob seus pés o monumento erigido pelo
orgulho do tirano; no entanto, como se tratava de um quadrante solar, sobre o
qual estava ainda quando foi eleito estratego, recearam que Díon logo
sofresse, em seus empreendimentos, algum giro da fortuna.

Em seguida assenhorou-se das Epípoles, soltou os cidadãos que
lá se achavam presos e mandou construir fortificações
contra a cidadela. Seis dias depois Dionísio penetrou por mar na
acrópole, enquanto carretas traziam a Díon as armas que ele
deixara com Sinalo. Distribuiu-as aos cidadãos. Os que não as
receberam equipararam-se como puderam, e todos, mostraram-se soldados
aguerridos.

30. Dionísio começou por enviar
emissários, a título pessoal, para sondar as
intenções de Díon. Este aconselhou-o a tratar com a
comunidade dos cidadãos, agora livres, e os contatos se deram por
intermédio de embaixadores. Eram portadores de propostas
conciliatórias da parte do tirano, que prometia a
diminuição de impostos e abrandamento dos encargos militares,
caso estes não houvessem sidos votados pelos siracusanos – que, todavia,
motejavam de semelhantes promessas. Díon respondeu aos embaixadores que
Dionísio não deveria mais tentar negociar antes de renunciar à
tirania; depois que abdicassem ele mesmo garantiria sua segurança e
proporcionar-lhe-ia as melhores condições que pudesse, tendo em
vista seu parentesco. Dionísio saudou com agrado essas ofertas e
novamente despachou embaixadores a pedir que alguns siracusanos se
apresentassem na acrópole, onde, numa troca de concessões,
tratariam de interesses comuns. Foram-lhe então enviadas pessoas
credenciadas por Díon. Logo, na cidadela, espalhava-se pela cidade o
persistente rumor de que Dionísio iria abandonar a tirania, mais por
vontade própria do que para agradar a Díon. O procedimento do
tirano, no entanto, não passava de solércia e
maquinação contra os siracusanos, pois reteve prisioneiros os
enviados da cidade e, na manhã seguinte, depois de fartar de vinho puro
seus mercenários, lançou-os a passo de carga contra
fortificação dos inimigos. Ante o inesperado do ataque e a
audácia dos bárbaros que em tumulto começavam a demolir o
muro, atirando-se contra os siracusanos, nenhum destes ousou resistir. Mas os
soldados estrangeiros de Díon, ao primeiro alarde, acorreram ao seu
socorro. Infelizmente, estes mercenários também não sabiam
o que fazer para ajudá-los e não ouviam as ordens devido aos
gritos e ao alarido dos siracusanos, os quais fugiam em todas as direções
e se misturavam a eles. Por fim, Díon, constatando que suas palavras
não eram ouvidas e querendo dar o exemplo, lançou-se na primeira
fileira contra os bárbaros. Terrível luta se generalizou em torno
dele, que era reconhecido tanto pelos amigos quanto pelos inimigos na
confusão para a qual todos se atiravam ululando. Díon estava
já demasiado alquebrado pela idade para semelhantes combates. Não
obstante, graças à astúcia e à coragem, resistiu
aos assaltantes; infelizmente, ao fazê-los recuar, foi ferido na
mão por um golpe de lança. A couraça mal o preservava dos
dardos e golpes assestados de perto, muitos projéteis atravessavam seu
escudo, os quais, partindo, deram com ele por terra. Soerguido pelos soldados,
colocou no comando Timônides e foi percorrer a cidade a cavalo a fim de
deter os siracusanos fugitivos. Em seguida, levando os mercenários que
guarneciam a Acradina, lançou-os frescos e cheios de ardor contra os
bárbaros fatigados, que já começavam a desesperar de sua
tentativa. Haviam se vangloriado de poder tomar ao primeiro embate a cidade
inteira, mas, topando com homens dispostos a ferir e a bater-se, recuaram na
direção da acrópole. Vendo-os dobrar-se, os gregos
pressionaram-nos com renovado empenho, afugentaram-nos e encerraram-nos em suas
muralhas. Ao passo que Díon não teve mais do que setenta e quatro
mortos, foram consideráveis as perdas do inimigo.

31. Depois da brilhante vitória, os siracusanos
deram de presente cem minas aos soldados estrangeiros, que por sua vez
ofereceram a Díon uma coroa de ouro.

Entrementes, desceram da parte de Dionísio arautos que traziam a
Díon cartas das mulheres de sua família. Uma delas sustentava o
seguinte sobrescrito: "A meu pai, de Hiparino". Era o nome do filho
de Díon. Timeu afirma que ele se chamava Areteu, do nome de sua
mãe, Arete, mas nesse ponto acho melhor dar fé a Timônides,
amigo e companheiro de armas de Díon. As outras cartas foram lidas aos
siracusanos: continham apenas súplicas e jeremiadas das mulheres. Quanto
à que parecia ser do filho de Díon, não quiseram os
siracusanos que fossem aberta em público; Díon, porém,
fê-lo, malgrado eles. Tinha sido escrita por Dionísio e, embora
formalmente endereçada a Díon, visava na realidade os
siracusanos. Sob a aparência de uma justificação e um
pedido, seu objetivo era caluniar Díon. Nela se lembrava o zelo com que
Díon trabalhara em favor da tirania e sobravam ameaças contra as
pessoas que lhe eram mais caras: a irmã, o filho e a mulher, tudo
misturado a terríveis esconjuros e queixas. O que mais impressionou
Díon foi que Dionísio o instava a não abolir a tirania,
mas guardá-la para si evitando dar liberdade a homens cheios de
cólera e rancor; melhor seria que exercesse o poder de modo a assegurar
a integridade de parentes e amigos.

32. A
leitura dessas cartas não inspirou aos siracusanos a justa
admiração que deveriam provocar neles a constância e
magnanimidade de Díon, que tão resolutamente sacrificava os
interesses de família à virtude e equidade. Ao contrário,
entraram a temê-lo, suspeitosos de que verdadeiramente fossem poupar o
tirano – e afastaram-se dele para seguir a outros chefes.

O que mais os excitou foi a notícia de que Heráclides chegava
por mar. Tratava-se de um banido, esse Heráclides, bom general e bem
conhecido graças aos comandos que exercera sob os tiranos, mas de
caráter instável, leviano em tudo e incerto quanto à
possibilidade de compartilhar o poder e a glória na
condução dos negócios públicos. Após uma
desavença com Díon no Peloponeso, decidira equipar uma frota
particular contra o tirano e, chegando a Siracusa com sete trirremes e
três navios de transporte, achou Dionísio novamente assediado e os
siracusanos sublevados. Logo se insinuou nas boas graças do povo, pois
possuía o dom natural de comover e convencer multidões que só
desejam ser bajuladas. Aliciou, pois, o povo, e manobrou-o à vontade,
tanto mais que a gravidade de Díon estomagava as pessoas, sendo
considerada insuportável e imprópria para a vida pública.
A massa, no fundo, o que queria era ser governada democraticamente antes mesmo
de construir um povo de verdade – tamanha a audácia, tamanho o
relaxamento consecutivos à vitória!

33. Para começar, os siracusanos, reunindo-se em
assembléia por iniciativa própria, nomearam Heráclides
comandante da frota. Díon, subindo à tribuna, queixou-se de que a
concessão daquela autoridade anulava a que lhe havia sido outorgada
antes, uma vez que não disporia de plenos poderes se um outro comandasse
no mar. Os siracusanos, de mau grado, retiraram o cargo a Heráclides.
Feito isso, Díon chamou Heráclides à sua casa e recriminou-o
moderadamente pela tentativa que ele empreendera, contra o bem público,
de disputar honras num momento que o menor deslize poderia deitar tudo a
perder. Em seguida, convocou nova assembléia, na qual fez com que
Heráclides fosse nomeado comandante da frota e aconselhou os
cidadãos a que lhe dessem uma guarda pessoal como a que ele
próprio tinha. Heráclides, em palavras na aparência, andava
cheio de considerações para com Díon, reconhecia as obrigações
que assumira com ele, seguia-o humildemente e executava suas ordens. Em
segredo, no entanto, esforçava-se por corromper a multidão e os
revolucionários, acabando por provocar tais problemas a Díon que
verdadeiramente o pôs em embaraços. Díon propunha
entendimentos para deixar sair Dionísio da cidadela? Acusavam-no de
querer poupar e salvar o tirano. Prosseguia com o assédio, para
não contrariar ninguém? Sibilava-se que prolongava a guerra a fim
de obter mais poderes e dominar os cidadãos pelo medo.

34. Havia um certo Sósis, muito conhecido dos
siracusanos por sua crapulice e insolência. Mas não viam
senão um acúmulo de liberdade em sua linguagem desenfreada. Esse
indivíduo, que conspirava contra Díon, numa das sessões da
assembléia levantou-se e cobriu de injúrias os siracusanos, que
não percebiam que haviam sido livrados de uma tirania assinalada pela
embriaguez e pelo embotamento apenas para acolher um déspota
sóbrio e alerta. Depois de assim mostrar-se abertamente inimigo de
Díon, deixou a praça pública; no dia seguinte,
porém, viram-no correr nu pela cidade, a cabeça e as faces ensangüentadas
e como que fugindo de perseguidores. Nesse estado irrompeu na praça
pública, onde gritou ter sido vítima de uma armadilha montada
pelos mercenários de Díon. Dizendo isso, mostrava a cabeça
ferida. Inúmeros siracusanos partilhavam sua indignação e
aliaram-se a ele contra Díon, bradando que esse se conduzia como tirano
cruel pondo em perigo a vida dos cidadãos para roubar-lhes a liberdade
de palavra. Entretanto, apesar do tumulto que imperava na assembléia,
Díon adiantou-se no intuito de justificar-se. Revelou que Sósis
era irmão de um dos guardas pessoas de Dionísio e que fora por
instigação desse irmão que andava a disseminar querelas e
desordens na cidade – pois Dionísio não tinha outro meio de
salvação a não ser a discórdia e a
desconfiança mútua dos cidadãos. Os médicos,
examinando os ferimentos de Sósis, julgaram-no muito superficial para
provir uma cutilada. Com efeito, o corte feito por uma espada é profundo
sobretudo no meio, devido ao peso da arma; ora, o de Sósis era raso em
toda sua extensão e denunciava repetidas tentativas, verossimilmente
porque a dor o forçara a parar para em seguida recomeçar.
Apareceram entrementes alguns indivíduos notáveis mostrando uma
navalha à assembléia. Contaram que, encontrando na rua um
Sósis ensangüentado e a gritar que fugia dos mercenários de
Díon, os quais o haviam ferido, haviam iniciado imediatamente a
perseguição e não viram ninguém; acharam,
porém, uma navalha caída no chão, numa grota onde haviam
visto sair Sósis.

35. Já era má a situação de
Sósis quando, a essas provas, veio juntar-se o testemunho de seus
escravos, que garantiam haver saído ele sozinho com a navalha, sendo
ainda noite. Os acusadores de Díon retiraram então a queixa. A
seguir, o povo votou a pena de morte contra Sósis, e reconciliou-se com
Díon.

O povo, no entanto, continuou a suspeitar dos mercenários de
Díon, tanto mais que quase todos os combates contra o tirano agora
aconteceram no mar. Filisto, com efeito, chegara de Iapígia em socorro
de Dionísio à frente de grande número de trirremes; ora,
como aqueles soldados estrangeiros eram infantes, os siracusanos cuidaram
não mais precisar deles para a guerra e até tentaram
mantê-los sob controle, já que eram um povo de marinheiros cuja
força residia na esquadra. Sua altivez aumentou ainda mais com a
vitória naval alcançada sobre Filisto, ao qual trataram em
seguida com bárbara crueldade. É verdade que Éforo afirma
ter ele se suicidado quando seu navio foi capturado. Mas Timônides – que
desde o começo tomara parte com Díon em todas as
ações da guerra – conta numa carta endereçada ao
filósofo Espeusipo que Filisto foi apanhado vivo na trirreme, que
encalhara; despojaram-no da couraça, deixaram-no completamente nu e o
crivaram de ultrajes – a ele, que era um velho – para depois cortar a
cabeça e enviar o cadáver aos meninos da cidade, recomendando que
o arrastassem pela Acradina e o atirassem para os Latominias. Timeu,
pormenorizando esses horrores, diz que os meninos puxaram o corpo de Filisto
pela perna manca e o foram levando pelas ruas em meio às zombarias dos
siracusanos, que viam arrastado pela perna aquele que dissera
"Dionísio não deixará jamais a tirania montado num
corcel ágil, mas agarrado pela perna". Filisto, porém,
atribuíra essa frase dirigida a Dionísio, não a si
próprio, mas a outra pessoa.

36. Timeu, pretextando com justiça o zelo e a
fidelidade de Filisto em relação à tirania, inunda sua
obra de acusações contra ele. Talvez se possa desculpar suas
vítimas por terem levado o rancor a ponto de cair sobre um
cadáver insensível; mas os historiadores, posteriores aos
acontecimentos e que por isso não sofreram nada da parte dele (só
sabiam de sua conduta por ouvir dizer), deveriam por uma questão de
honra narrar sem insultos, zombarias ou vexações desgraças
nas quais nem o melhor dos homens está a salvo de ser precipitado pela
fortuna.

Éforo, por seu turno, não dá mostra de bom senso quando
louva Filisto. Se bem que fosse muito hábil em colorir com pretextos
especiosos atos injustos e costumes depravados ao compor bonitos discursos,
não poderia, a despeito de tantas invenções, escapar
à macula de haver sido, ele próprio, o maior amigo da tirania –
além de que, mais do que ninguém, ser um perpétuo admirador
de Fausto, do poder, das riquezas e das bodas dos déspotas. Em suma, nem
o que elogia os atos de Filisto, nem o que insulta suas desgraças mostra
senso de harmonia.

37. Depois da morte de Filisto, Dionísio
propôs a Díon entregar a cidadela, suas armas e seus
mercenários com soldo pago por cinco meses, à condição
de poder, por tratado, retirar-se para a Itália, estabelecer-se
lá e auferir os rendimentos de um território siracusano chamado
Giarta, região vasta e fértil que se estendia do mar ao interior
das terras. Díon não aceitou a proposta e sugeriu que os embaixadores
se dirigissem aos siracusanos; mas estes, que esperavam apanhar Dionísio
vivo, expulsaram-no. Então Dionísio, confiando a cidadela a
Apolócrates, o mais velho de seus dois filhos, embarcou nos navios o que
tinha de melhor em homens e bens, e aproveitando-se do vento favorável,
fez-se ao mar sem ser visto pelo navarca Heráclides. Censurado e
chacoteado pelos cidadãos, este pôs em cena um demagogo chamado
Hipão, que conclamou o povo à partilha das terras dizendo que a
igualdade das fortunas é a base da liberdade, assim como a pobreza
eterniza a escravidão dos proletários (aktémosi).
Heráclides apoiou Hipão, e excitando o povo contra Díon
que se lhes opunha, persuadiu os siracusanos a votar a partilha, a suprimir o
soldo dos mercenários e a eleger outros estrategos para ver-se livre da
sufocante austeridade de Díon. Os siracusanos, ansiosos por recuperar-se
logo da tirania, como de uma longa enfermidade, e por governar-se a si mesmos
prematuramente, iam assim cometendo disparates políticos e odiando
Díon, o qual, à maneira dos médicos, queria manter a
cidade sob um regime rigoroso e prudente.

Díon abandona Siracusa. 38. Quando estavam se
reunindo para eleger novos magistrados, no pico do verão, sobrevieram
furiosas tempestades e sinais funestos no céu que não pararam
durante quinze dias, e suspendendo as sessões, impediram o povo
supersticioso de nomear outros estrategos. Depois, voltando o tempo ao normal e
querendo os demagogos proceder às eleições, um boi
atrelado a uma carreta e acostumado a circular pelo meio da multidão,
mas agora sem dúvida irritado com seu condutor por outro motivo
qualquer, sacudiu o jugo e lançou-se a toda velocidade na
direção do teatro. O povo levantou-se precipite, fugiu e
dispersou-se na maior desordem, enquanto o boi se voltava aos saltos, semeando
o pânico, para outra parte da cidade, aquela que os inimigos deveriam
ocupar em seguida. No
entanto, os siracusanos não deram a mínima atenção
ao fato e elegeram vinte e cinco estrategos, entre os quais Heráclides.
Mandaram emissários secretos aos estrangeiros, para afastá-los de
Díon e aliciá-los com a promessa até de igualdade de
direitos políticos. Os soldados, porém, repeliram essas ofertas e
permaneceram fiéis e devotos a Díon, formaram com suas armas uma
muralha em torno dele e levaram-no para fora da cidade. Não causaram
danos a ninguém, mas, aos que iam encontrando, censuravam abertamente a
ingratidão e perversidade. todavia, os siracusanos desdenhavam seu
pequeno número e motejavam do fato de não tomarem a iniciativa do
ataque. Como eram muito mais numerosos, atiraram-se sobre eles, convencidos de
que os derrotariam facilmente dentro da cidade, e realizariam um completo
massacre.

39. Díon, reduzido à necessidade que a
fortuna lhe impunha ou de lutar contra seus concidadãos ou de perecer
com seus mercenários, estendia os braços para os siracusanos,
desdobrava-se em súplicas e apontava-lhes a acrópole atulhada de
inimigos que, do alto das muralhas, espiavam o que se passava. O arroubo da
multidão, contudo, não podia ser detido, e a cidade, semelhante a
um barco em alto-mar, era sacudida pelo sopro dos demagogos. Díon
proibiu aos seus estrangeiros atacarem os siracusanos, e eles se limitaram a
uma demonstração lançando-se a passo de carga, gritando e
brandindo as armas. Nenhum siracusano resistiu ao pé firme, todos
figuram pelas ruas ainda que ninguém os perseguisse; é que
Díon ordenara imediata meia-volta aos seus estrangeiros, a fim de
conduzi-los à Leontinos. Os chefes dos siracusanos, desejosos de apagar
sua vergonha ante os gracejos das mulheres, armaram de novo os cidadãos
e puseram-se no encalço de Díon. Alcançaram-no na passagem
de um rio e travaram uma escaramuça de cavalaria. Mas, ao perceber que
Díon, ao invés de continuar suportando com paternal doçura
seus desmandos, agora só dava ouvidos à cólera e ordenava
aos soldados que se alinhassem para a resistência em ordem de batalha,
deram o fora ainda mais vergonhosamente do que da primeira vez. Foram
refugiar-se na cidade, sem ter sofrido baixas muito pesadas.

40. Os habitantes de Leontinos acolheram Díon com
brilhantes honrarias, assoldaram os estrangeiros e conferiram-lhe o direito de
cidade. Em seguida, mandaram embaixadores aos siracusanos para pedir-lhes
justiça aos mercenários. De seu lado, os siracusanos expediram
embaixadas a fim de acusar Díon. Os aliados todos, reunidos em Leontinos,
debateram a questão e repudiaram a atitude dos siracusanos. Estes, no
entanto, pouca coisa fizeram do julgamento dos aliados, pois já agora
mostravam-se altivos e insolentes a ponto de não escutar mais
ninguém: os próprios estrategos, subservientes ao povo,
temiam-no.

41. Nesse comenos, trirremes enviadas por Dionísio
chegaram a Siracusa trazendo Nípsio de Neápolis, que vinha com viveres
e dinheiro para os sitiados. No combate naval que se seguiu, os siracusanos
saíram-se vencedores e capturaram quatro dos navios do tirano; mas, na
embriaguez da vitória e em meio à anarquia em que viviam,
entregaram-se alegremente a festins e deboches tão insensatos que
negligenciaram todas as precauções; crendo-se já senhores
da acrópole, acabaram perdendo até a cidade.

Nípsio, percebendo que nenhuma parte da cidade estava sã e que
a multidão, de manhã até a alta noite, só pensava
em embriagar-se ao som da flauta (os próprios estrategos, também
encantados com a festa, hesitavam em tentar controlar aqueles borrachos),
aproveitou muito bem a ocasião para atacar a muralha. Tomou-a abriu-lhe
uma brecha e soltou seus bárbaros pela cidade, ordenando que fizessem o
que bem entendessem com as pessoas que fossem encontrando. Os siracusanos
não tardaram a aperceber-se do desastre, mas, no susto, não
conseguiam reunir-se senão lenta e penosamente para remediar a
situação. A cidade estava entregue à pilhagem, massacravam-se
homens, solapavam-se muros, levavam-se para a acrópole mulheres e
crianças chorosas. Os estrategos desesperavam da salvação
e não conseguiam lançar os cidadãos contra os inimigos,
misturados que estavam todos e por toda parte.

42. Tal era a situação da cidade. E o perigo
já se aproximava de Acradina. Todos tinham em mente o único homem
em quem ainda se podia apoiar a esperança, mas ninguém o nomeava
envergonhado da ingratidão e sandice com que Díon fora tratado. No
entanto, sob o império da necessidade, ergueram-se da banda dos aliados
e da cavalaria vozes que exigiam a convocação de Díon e a
volta dos peloponésios ora em Leontinos. Mal ouviram esta proposta ousada, os
siracusanos deram gritos de alegria e choraram; pediam que os deuses o fizessem
aparecer, temiam não voltar a vê-lo e recordavam seu valor e
coragem em pleno perigo, onde não apenas se mostrava intrépido
como inspirava audácia aos companheiros, levando-os a encarar sem temor
o adversário. Assim, despacharam-lhe imediatamente dois dos aliados,
Arconides e Telésides, e cinco cavaleiros, entre os quais
Helânico. Esses emissários cavalgaram a rédea solta e
chegaram a Leontinos ao entardecer. Depois de apear, caíram aos
pés de Díon e, lacrimosos, expuseram-lhe as desgraças dos
siracusanos. Já alguns leontinianos acorriam e diversos peloponésios
rodeavam Díon, intrigados com o açodamento e as súplicas
dos enviados. Díon prontamente conduziu os emissários para a
assembléia, onde o povo todo se reuniu às pressas. Arconides e
Helânico, apresentando-se, narraram em poucas palavras a extensão
de seus males e conjuram os estrangeiros a socorrer Siracusa deixando de parte
qualquer rancor, pois os siracusanos tinham sido punidos mais rigorosamente por
seus erros do que o poderiam desejar as pessoas por eles maltratadas.

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