Oliveira Lima
A NOSSA QUESTÃO DE LIMITES COM A BAHIA*
É pelo menos singular que, interrogados sobre a questão dos limites entre Pernambuco e Bahia, ventilada no Congresso de geografia de Belo Horizonte e que versa sobre a posse arbitrariamente transferida da primeira para a segunda das referidas províncias da comarca do Rio São Francisco — a título provisório e com caráter punitivo — os representantes da Bahia respondam sem hesitar que Pernambuco não tem razão e que se trata de terras baianas, e que os representantes de Pernambuco, entre eles o leacler do Sr. Borba, "se escusaram a dar opinião a respeito", segundo reza o telegrama |o Jornal do Recife, de 16 do corrente.
Será porque o Sr. Dr. Gonçalves Maia se constituiu o advogado por excelência dos direitos de Pernambuco? O nosso espírito político é assim feito de miudezas, que quanto faz o adversário é ruim: os dantistas procederiam da mesma forma se o advogado fosse o Sr. Dr. Andrade Bezerra. De fato, um pernambucano não pode deixar de ter opinião a respeito — mesmo os de fora, tanto mais os de dentro — porque a comarca é geograficamente nossa, historicamente nossa, politicamente nossa, tradicionalmente nossa. Provam-no os fatos e demonstram-no os trabalhos definitivos dos Srs. Pereira da Costa e Gonçalves Maia.
A doação de Duarte Coelho abrangia — o texto do documento é preciso — "todo o Rio São Francisco" entrando pelo sertão quanto fosse da conquista del-rei c dando serventia do rio aos vizinhos; ao passo que a mercê feita a Francisco Pereira Coutinho, e donatário da Bahia, constava expressamente da margem direita do rio. Este aspecto da questão acha-se lucidamente exposto no trabalho do Sr. Dr. Gonçalves Maia, que o Instituto Arqueológico fêz imprimir para ser apresentado à reunião de Belo Horizonte.
Eu bem sei que não compete a esse Congresso resolver o caso, que é da competência de outro Congresso, o federal. Mas quando se trata de acabar com as questões de limites interestaduais a fim de organizar um Brasil unido para celebrar como tal o primeiro anversário da sua independência, os congressos de geografías que periódicamente vão tendo lugar no nosso país em capitais diversas de Estados e que, congregando os especialistas da matéria, dão naturalmente origem a discussões proveitosas e autorizadas, estão naturalmente indicados para emitir parecer ou pelo menos tomar conhecimento e estudar assunto de tamanha magnitude nacional e que entra absolutamente nas suas atribuições ou, se a palavra parecer demasiada, nos seus programas de trabalho. Nesses trabalhos, realizados em cinco reuniões anteriores, os congressos de geografia’ têm ido assumindo gradual prestígio e bem merecem que seja invocada a sua autoridade. Nenhuma reunião aliás como esta de agora chamou tanto pessoal habilitado e disposto a formular soluções práticas para as controvérsias pendentes.
* No mesmo sentido há outro artigo de Oliveira Lima, sob o título "Per-nambuco-Bahia", no Diário de Pernambuco de 22 de julho de 1920. Nele apoiava Oliveira Lima a sugestão da representação pernambucana junto ao Congresso de Geografia de Belo Horizonte, para que o plebiscito fosse precedido de uma fase de dez anos de ocupação do território pela administração federal, e terminava dizendo que "o plebiscito deveria ser ampliado ate comportar a solução da autonomia, isto é, a antiga Comarca de São Francisco passaria, se o preferíssemos, seus 300 mil habitantes, a território e, finalmente, a Estado da União". A Emancipação do território seria um dos meios de reparar a punição infringida a Pernambuco (Nota do coordenador).
Não nos façamos contudo ilusão num ponto essencial: apesar de nos assistir o direito, a questão é de difícil solução. Não é uma simples retificação de fronteiras. Tanto maior será o mérito dos que a esclarecerem e puderem contribuir para o seu pacífico desenlace. A posse pela parte contrária data quase de um século e embora se não achem prescritos nossos títulos c por mais que a anterior documentação histórica nos favoreça c que seja razoável adotar um divisor comum como aquele sem lhe pôr solução de continuidade, a Bahia argumentará sempre que o desmembramento foi à luz da moral política, arbitrário e iníquo, mas constitui um ato público praticado, senão dentro dos limites da justiça, dentro dos limites da autoridade.
A comarca primeiro atribuída a Minas, e depois à Bahia, por facilidade de comunicações, era desanezada de uma província que se estava mostrando demasiado revoltosa e demasiado republicana, separatista mesmo, com a Confederação do Equador que diretamente provocou a medida, e assim permaneceria, no dizer do decreto, até que se organizassem definitivamente as províncias do Império. Tal organização nunca se efetuou, apesar dos projetos em discussão, de que o Atlas, de Cândido de Almeida, da relação gráfica. Por ocasião da República, o governo provisório e os constituintes foram mais explícitos: transformaram as províncias em Estados, respeitando seus limites e apenas facultando-lhes modificá-los por transações entre si, agrupando-se mesmo para formarem um estado-maior. A Bahia tira daí argumento para provar que, quaisquer que fossem as dúvidas antes, tinham desaparecido então, tornando-se o provisório definitivo.
O Sr. Dr. Gonçalves Maia discute proficientemente esse caso de posse a título precário e sob condição c esgota mesmo a questão, analisando-a em todas as suas faces. E a razão está com êle: está com Pernambuco. Ninguém contexta a desanexação da comarca de Alagoas, feita a "título definitivo", embora igualmente para castigar Pernambuco por uma revolução — a de 1817 — e galardoar a comarca fiel com a dignidade de província.
Nem pode a Bahia recorrer à razão do uti possideíis senão agora, quando a questão de direito é anterior de quase cem anos. Previamente já houvera desaguisados por motivo desse chamado
"sertão de Rodelas" na margem esquerda de São Francisco, que um governador da Bahia invadiu, onde fundou as principais povoações, que persistiram, mas que teve de desocupar por ordem superior. Fala-se, mesmo, numa provisão régia de 1 de janeiro de 1715, expedida pelo Conselho Ultramarino e restituindo a Pernambuco o território arrebatado. Infelizmente falta esse documento de singular importância mas não essencial, dada a existência de outros.*
O serviço capital do Sr. Dr. Gonçalves Maia foi ampliar e reforçar a tese do Sr. Dr. Pereira da Costa, que o precedera nessa reivindicação, e reunir maior número ainda de razões e argumentos para comprovar e justificar nosso direito. Tanto esses dois publicistas da história pernambucana, como os delegados do Governo do Estado e do Instituto Arqueológico, Drs. Pedro Celso e Mário Melo, bem merecem da "pequena pátria" pernambucana pelos esforços que envidaram em prol da sua causa. A solução não é fácil porque os interesses já se radicaram onde lhes não cabia arraigarem-se e oferecem resistência; mas algumas vezes também há de a justiça triunfar, e o Brasil foi tão feliz nas suas grandes questões de geografia histórica porque tinha por si o direito. Alimentemos igual esperança com relação ao pleito levantado por Pernambuco e que já agora aguarda solução.
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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