UM DISCURSO BELICOSO

Oliveira Lima

UM DISCURSO BELICOSO

I

Não admira que tendo sido por longo tempo Secretário da Guerra, sob um presidente tão militarista quanto o Sr. Teodoro Roosevelt, o Sr. Elihu Root abrisse a campanha presidencial com um discurso tão belicoso como o que acaba de pronunciar contra a atual administração na convenção republicana do Estado de Nova York. O que admira é que cause tanto horror a sorte da Bélgica, isto é, na violação da sua neutralidade a quem tão poucos escrúpulos sentiu quando se tratou da integridade da Colômbia. Os estadistas que promoveram a separação do Panamá perderam a autoridade moral para censurar outras iniquidades políticas. Se a Colômbia tivesse estado em condições de resistir aos Estados Unidos, como a Bélgica pôde resistir à Alemanha, a devastação da Colômbia teria ocorrido como ocorreu a da Bélgica, e a ambas as vítimas se aplicariam as eloqüentes palavras do Sr. Root com relação ao que êle denominou um delito internacional, pois que o .direito que protegia a Bélgica é o mesmo que protege qualquer outro país civilizado. Temos contudo que notar uma agravante no tocante ao caso colombiano, c é que a Doutrina de Monroe — "doutrina nacional" dos Estados Unidos — tem por fito declarado preservar a independência e "integridade" das nações latino-americanas. É verdade que a doutrina tem aplicação aos países da Europa e não aos Estados Unidos: a estes é lícito disporem a seu talante dos destinos do continente.

A este propósito direi de passagem que a grande inteligência do Sr. Alberto Torres parece haver sido, entre nós, a única a bem medir o alcance da distinção estabelecida pelo secretário de Estado, Lansing, no discurso inaugural do Congresso Científico da Washington, entre a Doutrina de Monroe, doutrina nacional dos Estados Unidos, e o pan-americanismo, política internacional das Américas. Pelo menos, foi êle o único a expressar o seu justo modo de ver no admirável artigo que o Estado transcreveu da Noite, e que me causou um prazer pessoal pela concordância de idéias, que no mesmo encontrei com o ponto-de-vista que cu adotara na conferência, que estava preparando sobre a Doutrina de Monroe.

É claro que eu continuo de fato a considerar a Doutrina de Monroe como o secretário de Estado quer que ela seja considerada, como a expressão "nacional" da vontade política e soberana dos Estados Unidos. Resignei-mc a não mais querer considerá-la como uma política eventualmente continental, desde que o ditame oficial do Sr. Lansing lhe definiu o exclusivo e fêz pesar todo o egoísmo do sistema. À luz da sua interpretação não posso senão julgar heterodoxa à moção que o segundo congresso científico (o qual, seja dito entre parêntesis, nada tinha que ver com assuntos políticos), aprovou, aplaudindo certas declarações do Presidente Wilson explicando e ampliando a Doutrina de Monroe, por tomar semelhantes declarações como uma definição exata do pan-americanismo.

É melhor, na verdade, conservar distanciadas as duas coisas.

Para os que sentirem escrúpulos de consciência e se julgarem moralmente obrigados pelo compromisso assumido pelos seus representantes científicos, direi que podem pôr a sua consciência ao largo. Pela benevolência do seu governo era eu o representante de São Paulo e não votei a moção: nem tive que fazer reserva mental. Depois, certamente por ironia, bem apreciando a inanidade de tantas moções, que somavam umas sessenta, o embaixador do Brasil, Sr. Domício da Gama, propôs que fossem todas votadas de cambu-lhada, o que se fêz, ninguém sabendo ao certo o que votava. Parecia um fim de sessão legislativa… Não foi ainda desta vez que a Doutrina de Monroe se incorporou ao direito internacional, mesmo americano. Os nossos poderes não iam além das discussões mais ou menos científicas, em que tudo é permitido.

Voltemos porém ao Sr. Elihu Root, que muito desejaria ornar as cãs dos seus 70 janeiros com a coroa imperial eletiva que o povo americano costuma conferir cada quatro anos, assim passando de detentor a detentor, como um troféu de regata ou de aviação. Êste ano bissexto é também ano de eleição presidencial, e é preciso não tomar muito ao pé da letra o que dizem os candidatos, especialmente os antecandidatos, a saber, os que disputam entre si a escolha da convenção.

Jogador impulsivo e precipitado, o Sr. Roosevclt tinha, porém, as mãos cheias de trunfos, todos eles ases e figuras. O Sr. Wilson, muito deliberadamente, apoderou-se de um dos ases — o preparo militar, com que tem andado a estimular o espírito público, que os recentes acontecimentos fizeram tão propenso a receber sugestões dessa natureza. Vem agora o sr. Root e toma ao ex-presidente c seu ex-chefe dois trunfos mais com que este estava pagando contra o Sr. Wilson e contra a ala mais conservadora do seu próprio partido. Naturalmente o Sr. Root esconde o seu jogozinho pessoal, que consiste em privar o dissidente partidário dos seus elementos de combate e assim restabelecer a união em proveito de quem a promoveu e que certamente alcançaria seu fito, se contra êle se não levantassem outros concorrentes e outras intrigas.

O Sr. Root chama pomposamente o seu jogo político o desencadear de forças morais urgindo a solução de questões vagamente esboçadas e proclama que, desde 1864, quando se abriu na política americana a questão servil, isto é, a abolição da instituição escrava, nenhuma eleição presidencial se apresentou com conseqüências tão vitais para a vida nacional. Os Estados Unidos carecem de um salvador e o salvador é sempre quem fala.

Diz o World de Nova York, em contraposição aos elogios imensos das folhas republicanas, as quais acham o discurso a peça oratória mais notável deste século — o século tem apenas dezesseis primaveras e os oradores não andam com muitos lazeres para polir suas frases — que o Sr. Root aconselha afinal a guerra contra a Alemanha e a conquista do México. A tanto conduzia com efeito o jogo do Sr. Roosevelt: os trunfos surripiados não podiam ter conseqüências diversas na partida.

Os dois temas oferecem ensejo para fáceis variações. Em tudo aparece a mão oculta da Alemanha querendo manipular as coisas a seu jeito e feição. Agora mesmo, ao discutirem-se no Senado Federal os tratados pelos quais os vorazes tubarões políticos da Colômbia e de Nicarágua deverão engolir uns tantos milhões pelo canal que se fêz e pelo que se não fêz, lá se descobriu a diplomacia alemã a minar a americana, a querer que fosse sua e sua apenas essa estrada marítima de comércio, a rondar nas proximidades do Mar das Antilhas disputando aos Estados Unidos sua "natural" hegemonia no Novo Mundo.

Se a Colômbia em 1902 se mostrou avessa a uma combinação com o Governo de Washington é porque a influência alemã se instalara em Bogotá e na Alemanha se acariciava o plano de adquirir os direitos da empresa concessionária, concluindo a engenharia alemã o que a engenharia francesa não lograra terminar. Se não era contra a Doutrina de Monroe que fosse francês o Canal do Panamá, porque o seria que fosse êle alemão? Não enxergo crime nessa aspiração que os Estados Unidos, para serem conseqüentes, deviam ter-se oposto à primitiva empresa em que o grande Lesscps mergulhou sua reputação, salvando-a a custo da lama espessa em que a converteu a política francesa.
Tão ativa andou desde então o diplomata alemão em pôr um pé germânico no mundo americano que, diz-se hoje, muito mais dirigida contra a Alemanha do que contra o Japão foi a memorável moção do Senador Cabot Lodge, estendendo a proibição da Doutrina de Monroe até a aquisição de pontos estratégicos na América por companhias ou corporações européias que pudessem ter relações próximas com seus respectivos governos.
Com o manejo oportuno deste aditamento ao Monroísmo, podem os Estados Unidos exercer verdadeira autoridade e real domínio sobre quaisquer pontos das Américas. Dizem que a Alemanha ambiciona o nosso continente. Os Estados Unidos o não ambicionam mais, porque já pensam tê-lo no ôco da mão, que por ser mais magra, ainda é mais adunca.
Boston, fevereiro de 1916

 

II

A guerra à Alemenha, de que o Sr. Root nos aparece como um paladino um tanto inesperado para quem preside um Instituto de Direito Internacional e, como tal, deveria procurar resolver os conflitos pelos meios pacíficos, já passou a coisa corrente desde que tudo quanto há de mau se atribui à Alemanha entre aqueles que identificam exclusivamente a causa dos aliados com a justiça e o direito. Chega a parecer extraordinário que haja crime que não seja cometido pelos alemães. Todo incêndio, toda explosão, todo descarrilamento, todo envenenamento é obra de alemão, e o meio mais pronto de pôr em debandada um agrupamento é dizer que lá vem uma partida de alemães como se diria uma alcateia de lobos.
Há poucos dias apresentaram sintomas violentos de envenenamento uns cem convivas de um banquete oferecido ao arcebispo de Chicago no University Club dessa cidade. Foram os alemães — logo se disse, mas vieram alguns a refletir que o arcebispo cm questão se chama Munderlein, o que soa muito alemão, e que lobo não come lobo. Acresce que o lobo vítima é padre e que os lobos supostos algozes estão, ao que se diz, muito bem com a Santa Sé, tendo o espírito anticlerical do Ocidente latino operado o milagre de reunir guelfos e gibelinos.
ces deux moitiés de Dieu, Le Pape et 1’Empereur.

Não sendo os alemães, quem poderia ser tão perverso? A polícia farejou, traçou, rebuscou e deu, afirma ela, num conluio para destruir edifícios e matar membros do clero, banqueiros e outros personagens, numa dúzia de cidades americanas. Veja-se como anda o mundo: não é só na Sérvia que sc armam desses conchavos para liquidar gente de importância, A polícia declarou que no seu entender se tratava de uma organização anticlerical, e que os culpados principais sobre os quais já pôs, ou anda tratando de deitar a mão, são um tal Allegrini, fatalmenle italiano, c um Jean Crones, que deve ser francês, já pelo Jean, já por ser chefe de cozinha do University Club.
A polícia quer estabelecer uma relação entre o crime atual e a tentativa de destruição, há um ano, da catedral católica de São Patrício em Nova York. Jean Crones, que anda, não se sabe onde, a divertir-se com a polícia escrevendo-lhe carta sabre carta, declara que não é nada disso, que é simplesmente um químico — não fosse êle cozinheiro — e um socialista, a quem repugna ver gente de igreja dar jantares de caviar e champagne a quinze dólares por talher, gastando dinheiro, esmolando dos trabalhadores, o próprio sangue dos operários, "quando na Europa milhões de cristãos se estão chacinando e que nesta dita livre América milhares de homens e mulheres andam vagueando pelas ruas sem sustento e sem abrigo". É o que consta de uma das suas cartas cm inglês macarrônico.
O anarquista não deixa de ter razão. Por mais bem que se queira aos Estados Unidos, não se pode deixar de achar imprópria a satisfação com que aqui geralmente se acompanha o andamento da guerra. O essencial não é tanto que ganhem os aliados, como que a guerra se prolongue, porque isto se traduz em ganhos colossais para alguns. Os embarques de munições para a Europa já somam um valor de 250 milhões de dólares. Atualmente os embarques diários representam dois milhões, com um aumento constante e rápido que mui breve duplicará este valor (jornais de 17 do corrente). Por isso se compreende que os Estados Unidos folguem e dancem, dancem sobretudo.
Chegou-se nesta terra a um verdadeiro furor coreográfico. Parece uma epidemia de dança-de-são-vito. Gente de todas as idades e de todas as condições só pensa em ganhar dinheiro c em tangar. Nos melhores hotéis, todas as noites se dança como nos piores cabarets de Paris. Cocottes acotovelam-se sobre o parquet com senhoras que se dizem de distinção, e nem a idade as refreia. Matronas de cabelos grisalhos e de formas rechonchudas, ostentando seios fartos como repolhos e braços que mais parecem presuntos, sacolejam-se tanto quanto esbeltas raparigas, e velhos calvos, suando com o esforço, não cedem o passo aos atletas universitários. Até nos grandes armazéns se dansa. Na casa Shepard, que é um estabelecimento como o Bon Marche ou o Printemps, dansa-se diariamente das quatro às oito, num restauram ou tea-room que para isso se preparou. É um meio novo c seguro de atrair a freguesia.
Ao percorrer os jornais pode qualquer verificar a frivolidade, para não dizer a indiferença com que se encara a trágica situação européia. Em duas colunas vizinhas encontro uma confirmação disto. Numa relata um jornalista lituânio, Bagocius, as calamidades da sua petite patrie. Quando avançaram sobre a Alemanha, os russos saquearam a Lituânia para comer; quando os alemães os rechaçaram e perseguiram, devastaram-na os mesmos russos para que o inimigo não encontrasse o que comer. Carregaram o que puderam, impelindo diante de si dois milhões de lituânios, com destirio à Sibéria ou não se sabe bem onde, e o que não carregaram, queimaram, derramando querosene sobre as casas e sobre o trigo. Vieram então os alemães e vingaram-se na população que ainda ficara, dos malefícios cometidos pelos russos. Dos três milhões de lituânios que ainda permaneceram depois da evacuação russa, milhão c meio morreram durante o ano findo de fome e de doença (Boston Globe de 20 de fevereiro).

Assim narrou o Sr. Bagocius o ocorrido com os seus compatriotas, e o jornal reproduz a narração no seu menor tipo e sem comentários. Entretanto, na coluna vizinha se faz grande escarcéu porque uma firma de Paris com várias agências americanas vendeu o mesmo modelo de vestido e duas senhoras, uma delas a do presidente e a outra uma Sra. Pitney. Ambas, refere o periódico, estão suportando com filosofia a sua terrível decepção que, pelo modo por que é anunciada, parece mais dramática do que a devastação da Lituânia.

O vestido é descrito como sendo de brocado dourado com uma cauda comprida e pontuda e uma túnica alta muito saliente, com apanhados de rosas escarlates. Note-se que o drama ainda não chegou à sua cena culminante, porque as duas damas ainda se não encontraram com o mesmo vestido que, seja dito de passagem, é num dos casos branco e no outro preto, o que devia ter sua importância nos Estados Unidos.

Sem falar na quantidade de negros que estão sendo linchados pelo Sul, com uma freqüência que parece querer agir como um corretivo do aumento dessa população, a comunidade de Massa-chusetts, onde me acho e onde por ora se não lincham negros, anda um tanto agitada com o caso de uma mulatinha que teve de deixar o emprego pela côr. A mulatinha em questão, diplomada de uma Highschool, e aprovada no exame para serviço civil, foi nomeada estenógrafa e datilografa para o asilo de alienados, cujo diretor, porém, fêz-lhe a vida mais amarga do que a qualquer doido: deu-lhe para dormir um quarto no necrotério, onde a comida lhe era mandada numa bandeja, sendo-lhe recusada admissão no refeitório onde comem 405 empregados. Num dia em que a rapariga perdeu a paciência e quis forçar admissão no refeitório, foi despedida por insubordinação.

Um cidadão mais caridoso escreveu uma carta ao Boston Herald, censurando a falta de caridade de semelhante proceder, que impede os negros de elevarem-se socialmente. Outro cidadão acudiu (Boston Herald, de 21 de fevereiro) para dizer que a mulatinha não se devia julgar com direito a tratamento igual ao de uma branca, e que negros se não podem misturar com brancos porque, mentalmente, lhes são muito inferiores e porque, fisicamente, cheiram mal. Convém observar que êste cidadão ensina idealismo c que um dos seus ideais não pode deixar de ser a absoluta igualdade das raças, mas na prática esta igualdade tem que ser precedida pelo cruzamento. Ora, o bom do homem confessa que, por mais idealista que seja, não pode suportar a idéia de ter uma mulher negra e filhos mulatos.

Ainda assim êste não é radical como um médico de Nova Inglaterra com que eu ultimamente conversava, c que me dizia muito ao sério que era um contrassenso incutir entre a população negra noções de higiene, porquanto isto impedia o desaparecimento da raça. Êle pessoalmente só sentia que os dez milhões de negros dos Estados Unidos não tivessem uma só cabeça, para poder decepá-la.

Com tudo isto perdi de vista o Sr. Root e o seu discurso. Ficarão para o próximo artigo.

Boston, fevereiro de 1916

III

O discurso do Sr. Elihu Root, tido como o grito de armas ao Partido Republicano para o assalto ao poder, ora nas mãos do Partido Democrata, contém verdades pouco consoladoras de mistura com imputações pouco edificantes. Segundo êle, os acontecimentos últimos mostram à farta não ser a civilização mais do que um leve verniz recobrindo a natureza selvagem do homem, c não passarem as convenções, as cortesias, o respeito à lei, as considerações de justiça e de humanidade de hábitos adquiridos, débilmente constrangendo as forças fundamentais da natureza humana, desenvolvida através de séculos sem conta de luta contra animais bravios e inimigos não menos bravios.

A reflexão é desanimadora para o futuro da humanidade, que o Sr. Root enxerga escuro para o caso em que nele venha a predominar a influência germânica, associada com a má-fé internacional e com o culto da força. O pior é que ainda há por êste mundo gente com memória e alguns senadores do lado democrata solicitaram oficialmente do presidente cópia da correspondência trocada entre os Estados Unidos e a Coréia por ocasião da absorção japonesa desse reino. Era então secretário de Estado o Sr. Hay e da Guerra o Sr. Root, e o tratado de 1883 entre os Estados Unidos e a Coréia estatuía para cada um dos países a obrigação de empregar seus bons ofícios em favor do outro, quando injustamente tratado por um terceiro.

Em dezembro de 1905, depois que o Japão empolgou e entrou a espremer a Coréia, veio de lá um enviado especial solicitar a aplicação dos bons ofícios, respondendo-lhe os Srs. Roosevelt, Hay e Root, com uma desenvoltura de meter inveja à Alemanha, que a versão oficial dos acontecimentos era diversa, que fora com

o consentimento da Coréia que o Japão assumira o seu protetorado dela e que uma vez este estabelecido cessava o compromisso existente da parte dos Estados Unidos. Eis as próprias palavras dignas do mais ilustre dos estadistas do mundo^segundo o Sr. Roosevelt:

Os tratados entre o Japão e a Coréia colocam praticamente nas mãos do Japão as relações estrangeiras da Coréia, o que equivale a um perfeito obstáculo a qualquer interferência da parte dos Estados Unidos de acordo com o tratado de 1883. Em vista destas circunstâncias — rematava o Governo a que pertencia o Sr. Root, com uma dureza de quem tinha descascado o tal verniz de civilização — sou forçado a avisar-vos que o Governo dos Estados Unidos não julga que bem algum possa advir de tomar cm conta vossas declarações.

Assim foi despachado o coreano e enterrada a Coréia como defunto sem choro, mesmo porque as outras potências que lhe garantiam a independência e integridade c que eram, se me não engano, a Inglaterra, a França e a Rússia, eximiram-se ao encargo. O coreano poderia consolar-se, se consolo nisto há, com a idéia de que a República dos Estados Unidos nasceu envolta na mais manifesta das contradições. A Declaração da Independência, bebida por Thomas Jefferson na filosofia francesa do século XVIII, proclamou que todos os homens foram criados iguais. Entretanto, subsistia a escravidão, c mesmo política e socialmente, entre brancos, diz um historiador americano que os seus patrícios daquele tempo nem eram todos iguais nem o queriam ser, predominando a idéia de que o Governo cabia aos ricos, à gente bem nascida e aos capazes. Ora, isto não é precisamente o que se conveio denominar democracia.

Verdadeira ou falsa democracia — e acabou por ser verdadeira — nunca se redimiu ela do pecado original do imperialismo. Eis como o Sr. Root alude aos direitos e deveres dos Estados Unidos para com o México:

…Mil milhões de capital americano foram empregados naquele rico e produtivo país e milhões de rendimento de tais empresas eram anualmente remetidos para os Estados Unidos, não somente para lucro dos capitalistas, como para o enriquecimento de todo nosso país e de toda sua produção e empreendimento.

Quando se tem assim a garra sobre um país, é fácil nele intervir, e para sustentar uma facção contra a outra, Carranza contra Huerta, os Estados Unidos, segundo disse o Sr. Root, recorreram à ameaça, à pressão econômica e à força das armas.

Nações estrangeiras foram induzidas a recusar ao governo de Huerta os empréstimos necessários para reparar os estragos da guerra c restabelecer a ordem. Armas e munições de guerra foram livremente fornecidas a Carranza. Este achava-se então associado a Villa e as armas de ambos fizeram tudo quanto se contou c tudo quanto se não pode contar. Não havia razão alguma para preferir Carranza a Huerta: cada um deles era pior do que o outro, e nenhum sendo governo de direito, um pelo menos o era de fato. O Sr. Wilson decretara porém ser Huerta um usurpador e poder vir Carranza a ser um reformador.

O Sr. Root condena o julgamento errado do presidente, mas acha louvável a intervenção para o fim de castigar os que atentaram contra a vida, a honra

c a propriedade de cidadãos americanos. As expedições punitivas só são defesas à Áustria com relação à Sérvia, no entender dos que pensam como o Sr. Root. Contudo, o orador não desperdiçou emoção com relação à Sérvia: mui poucos o fazem. A Polônia noutros tempos teve vates sem-fim para carpi-la: até o nosso Joaquim Nabuco se estreou na poesia lamentando o destino do nobre povo polaco. Era mais ou menos pelo tempo em que o Sr. Floquet, depois presidente da Câmara, presidente do Conselho e quase presidente da República, recebia, acompanhado do colégio dos advogados, o Czar Alexandre II no portão do Palácio de Justiça com esta apóstrofe malcriada: Vive la Pologne monsieur! O mesmo Sr. Floquet teria, se vivo fosse, saudado o Czar Nicolau II com um cordial: Vive la Russie et même la Sibérie, Sire!

Será porque tôda a gente está mais ou menos convencida de que a Sérvia ne l’a pas volé, como se diria cm francês, o que acabou por suceder-lhe. êssc Rei Pedro, maculado com o sangue do seu predecessor, não poderia ter grandes escrúpulos ao tratar-se de um arquiduque herdeiro. Os que conhecem a Sérvia e não têm razoes para calar-se, não nutrem ilusões a respeito. Não há muito um membro do corpo consular americano, que esteve longo tempo na Sérvia e conhece bem os Balkans, me afirmava que não há sérvio que não pertença a alguma sociedade secreta patriótica e que todas essas sociedades usam do assassinato como de um meio legítimo para a realização de seus fins políticos.

É possível que o Sr. Wilson merecesse mais indulgência da parte do Sr. Root se tivesse declarado que a sua expedição mexicana, que não passou, como é sabido, de Vera Cruz, visava vingar a morte do Presidente Madero. O Sr. Wilson porém não fêz declaração alguma que recordasse esse fato e limitou-se a exigir uma salva à bandeira americana pelo tratamento dispensado à tripulação de um bote de navio de guerra americano, detida por momentos por um oficial mexicano e solta por ordem de um superior deste. Disse o Sr. Root que foi este incidente, e não as numerosas "atrocidades" mexicanas, que provocou o acesso intervencionista do presidente, custando a vida a 300 mexicanos e 17 marinheiros-americanos. O mais interessante de tudo é que a controvérsia começou a 9 de abril e já a 21 Vera Cruz era ocupada, porque, como é sabido, pela Doutrina de Monroe, os Estados Unidos têm todos os direitos de ocupação na América. Pelo mesmo tempo o Sr. Bryan andava assinando tratados com meio mundo, em virtude dos quais, no caso de uma controvérsia, será esta submetida a uma comissão mista, não se tomando ação alguma a respeito antes de decorrido um ano.

Quando se atenta em tais contradições que a política autoriza e coonesta, lêem-se com deleite literário as vituperaões do Sr. Root em prol da Bélgica e em condenação dos que lhe não acudiram, exatamente como se poderiam 1er as Odes à Polônia. O Sr. Root, se presidente fora em agosto de 1914, não teria declarado a guerra à Alemanha pelo crime contra o direito das gentes por esta cometido. Teria feito como George Washington quando a opinião pública americana desejava cm 1793 que se pagasse a dívida de gratidão contraída com a França por ocasião da independência, ajudando-a na guerra contra a Inglaterra, a saber, que os Estados Unidos nada tinham com as questões européias, devendo conservar-se à distância delas. Ou então daria a resposta que a administração americana, a que o Sr. Root pertencia, deu aos clamores coreanos, quando os japoneses batiam às portas de Seul: a neutralidade impede-nos de intervir.

Boston, fevereiro de 1916

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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