Continued from: Vôo Noturno - Antoine de Saint-Exupéry

IV

Rivière observava Pellerin. Daí a
vinte minutos, quando descesse do carro, gasto e penoso, 0 piloto iria
misturar-se à multidão.
Talvez pensasse: "Estou cansadíssimo. . . maldita profissão!" E confessasse à sua mulher qualquer coisa
nesse género: "Está-se
melhor aqui do que sobrevoando os Andes". E apesar disso, tudo o que prende os homens
tão fortemente desprendera-se dele quase que por completo: conhecera a miséria das coisas. Acabara de passar algumas horas do
outro lado da cena, sem ter a certeza de que aquela cidade ofuscante de luzes
seria de novo dele. Sem
mesmo saber se voltaria a encontrar as amigas de infância, maçantes
mas queridas, que são as pequenas imperfeições do ser humano. "No meio de qualquer multidão,
pensava Rivière, há homens que não se distinguem dos outros e
são prodigiosos mensageiros. E nem eles
próprios sabem disso.
A não ser que. . ." Rivière temia certos admiradores
que, não compreendendo o caráter sagrado da aventura, estragam-na com suas
exclamações, tornando menor o homem. Mas agora Pellerin conservava toda a sua
grandeza, pois sabia, melhor do que ninguém, o que vale o mundo visto sob certo
prisma e afastava de si, com um soberbo desdém, os aplausos vulgares. Por isso
mesmo Rivière felicitou-o: "Como foi que você venceu?" E Pellerin
entrou-lhe no coração, porque falava do trabalho com simplicidade, considerando
o seu vôo como um ferreiro considera a sua bigorna.

Pellerin explicou, em primeiro
lugar, como vira cortada a retirada. Quase se desculpava: "É certo
que não tinha escolha". A seguir não vira mais nada: a neve cegava-o. Mas
violentas rajadas salvaram-no, elevando-o a sete mil metros. "Mantive-me, com certeza, rente
às cristas durante toda a travessia." Também falou do giroscópio, cuja
tomada de ar deveria ser mudada: a neve obstruía-a: "Forma uma camada de geada,
percebe?" Mais tarde, outras
rajadas fizeram Pellerin tombar e, mais ou menos a três mil metros, surpreendia-se de não ter ainda
chocado com alguma coisa. É que já
sobrevoava; a planície.
"Dei por isso de repente, ao desembocar num céu limpo." Explicou,
enfim, que tivera nesse instante a
sensação de sair duma caverna.

— Também
havia tempestade em Mendoza?
— Não. Aterrei com céu limpo, sem vento. Mas
a tempestade seguia-me de perto.

Fêz a sua descrição porque,
dizia, "de qualquer forma era uma coisa estranha". O cimo perdia-se
muito alto, nas nuvens de neve, mas a base rolava sobre a planície como uma
lava negra. Uma a uma, as cidades iam sendo tragadas.
"Nunca vi uma coisa assim…" Depois calou-se, embebido em alguma
recordação.

Rivière voltou-se para o
inspetor.

— É um ciclone do Pacífico de que fomos prevenidos
demasiado tarde. Aliás esses ciclones nunca ultrapassam os Andes.

"Não se podia prever
que aquele continuaria para leste."

O inspetor, que não
percebia nada disso, aprovou. Mostrando hesitação, voltou-se para Pellerin e o
seu pomo-de-adão mexeu. Mas calou-se. Após refletir,
olhando fixamente para a frente, recompôs a sua melancólica dignidade.

Esta dignidade ia com ele
como uma bagagem. Tendo
desembarcado na véspera na Argentina, chamado por Rivière para se ocupar de vagos
misteres, o inspetor sentia-se embaraçado pelas suas mãos enormes e pela
dignidade do seu ofício. Não tinha o direito de .apreciar
a fantasia, nem o estro: apreciava, por ofício, a pontualidade. Não tinha o direito
de tomar uma bebida em boa companhia, de tratar por "você" um camarada,
nem de arriscar um trocadilho, a não ser que, por um inconcebível acaso,
encontrasse na mesma escala um outro inspetor.

"É duro, pensava, ser um juiz." A bem dizer, ele não julgava, contentado-se em menear a cabeça. Ignorante de tudo, a sua cabeça
acenava a tudo que vinha ao seu encontro. Isso provocava o pânico nas
consciências pouco limpas e contribuía para a boa conservação do
material. Ninguém lhe queria
bem, pois um inspetor não é criado para as delícias do amor, mas para redigir relatórios. Desde o
dia em que Rivière
escrevera: "Pede-se
ao inspetor Robineau para fornecer relatórios e não poemas. O inspetor Robineau
deve usar da sua competência para estimular o zelo do pessoal", ele
renunciara a propor, nos seus escritos, métodos novos e soluções técnicas. Por isso,
a partir desse dia, Robineau saltava sobre as fraquezas humanas, como se
saltasse sobre o pão de cada dia. Sobre o mecânico que bebia, o chefe
do campo de aviação que passava noites em claro, o piloto que fazia saltar
muitas vezes o avião à aterragem.

Rivière dizia dele: "Não é muito inteligente, por
isso mesmo presta esplêndidos serviços". Um regulamento fixado por Rivière
representava para este o conhecimento dos homens; para Robineau, porém, só
existia a consciência do regulamento.

— Robineau — disse-lhe um
dia Rivière — Sempre que haja atraso nas partidas, você deve suprimir os
prémios de regularidade.

— Mesmo em caso de força
maior? Mesmo que haja nevoeiro?

— Mesmo que haja nevoeiro.

E Robineau sentia uma
espécie de orgulho por ter um chefe tão forte que nem temia ser injusto. E o
próprio Robineau ganhava uma certa majestade com um poder de tal forma
agressivo.

— Os senhores deram o sinal
de partida às leis e quinze — dizia ele, depois, aos chefes do Aeroporto — não
poderemos pagar-lhes o premio.

— Mas, Sr. Robineau, às
cinco e trinta não se distinguia nada a dez metros de distância!

— Ê o regulamento.

— Mas, Sr. Robineau, nós
não podemos varrer o nevoeiro!

E Robineau entrincheirava-se no
seu mistério. Ele fazia parte da direçao. Entre
aqueles paus-mandados, ele era o único que sabia que, infligindo castigo aos homens, se
consegue melhorar o tempo.

Rivière dizia a seu
respeito: "Este homem não raciocina, o que evita que faça raciocínios
errados".

Se um piloto quebrava um
aparelho, perdia o direito ao premio atribuído aos que
nada danificassem.

— Mas se a pane se
verificou sobre um bosque? — perguntara Robineau.

— Sobre um bosque também.

E Robineau acatava o
estipulado, sem pestanejar.

— Lamento — dizia ele, depois, aos pilotos, | com uma viva exaltação — lamento
mesmo muito, mas deveriam ter tido a avaria noutro lugar.

— Mas, Sr. Robineau, não se pode escolher!

— É o regulamento.

"O regulamento,
pensava Rivière, assemelha-se aos ritos duma religião, que parecem absurdos,
mas moldam os homens." Para Rivière tanto fazia parecer justo ou injusto.
Talvez essas palavras nem sequer tivessem sentido algum para ele. Os burgueses
das pequenas cidades passeiam à noite à roda do coreto da praça e Rivière
pensava: "Justo ou injusto para eles, é coisa sem sentido: essa gente não
existe". Considerava o homem uma cera virgem que é preciso amassar. Tornava-se
necessário dar uma alma a essa matéria, criar-lhe uma vontade. Não pensava
escravizá-los com essa severidade, mas sim liberá-los de si próprios. Ao
castigar qualquer atraso, cometia um ato de injustiça mas fazia convergir a
vontade de cada escala para a partida; era ele quem criava esta vontade. Não
consentindo que os homens se regozijassem com um tempo fechado, que
representava um convite ao descanso, obrigava-os a esperar impacientemente pela
aberta, e essa espera humilhava secretamente até o mais obscuro dos operários. Estava-se assim atento ao primeiro
defeito na armadura: "Aberta ao norte, partida!" Graças a Rivière,
numa área de quinze mil quilómetros, o culto do correio tinha a primazia sobre
tudo.

Rivière dizia às vezes :

"Esses homens são
felizes porque gostam do seu trabalho e se gostam dele é porque sou
severo".

Talvez fizesse sofrer os
homens mas também proporcionava-lhes grandes alegrias.
"É preciso encaminhá-los, pensava, para uma vida rude, que traz dores e
alegrias, mas que é a única coisa que conta."

O carro chegava à cidade e
Rivière ordenou que o levassem ao seu escritório na Companhia. Ficando só com
Pellerin, Robineau olhou-o e entreabriu os lábios para falar.

V

Ora, nessa noite Robineau
sentia-se deprimido. Perante Pellerin vitorioso, descobrira que a sua própria
vida era sem cor. Descobrira, sobretudo, que ele, Robineau, apesar do seu
título de inspetor e da sua autoridade, valia menos do que aquele homem morto de
fadiga, encolhido no canto do carro, de olhos cerrados e mãos negras de óleo.
Pela primeira vez Robineau sentia admiração. E precisava confessá-la.
Precisava, sobretudo, ganhar uma amizade. Estava cansado da viagem e dos
reveses do dia; talvez se achasse mesmo um pouco ridículo. Atrapalhara-se nas
contas, ao verificar as disponibilidades de gasolina e o próprio agente que ele
quisera apanhar, tomado de compaixão, acabara por fazê-las para ele. Mas, pior
de tudo, criticara a montagem duma bomba de óleo, do tipo B 6, confundindo-a
com uma do tipo B 4, e os velhacos dos mecânicos tinham-no deixado, durante
vinte minutos, atolar-se "numa ignorância sem par", a sua própria
ignorância.

O seu quarto de hotel também lhe inspirava receios. De
Toulouse a Buenos Aires, findo o trabalho, ele voltava invariavelmente para o
Quarto. Lá se fechava, cônscio dos segredos que o
amarfanhavam, tirava da mala um maço de papel, escrevia lentamente
"Relatório", arriscava duas ou três linhas e rasgava tudo. Gostaria
de salvar a Companhia de qualquer perigo grave. Mas a Companhia não corria
perigo algum. Não tnha salvo
até à data senão um eixo de hélice mordido pela ferrugem. Passara lentamente o
dedo, com ar fúnebre, por cima dessa ferrugem, perante um chefe de aeroporto
que aliás lhe respondera: "Dirija-se à escala precedente; este avião acaba
de chegar de lá". Robineau duvidava do seu próprio papel.

Tentando aproximar-se de
Pellerin, pediu-lhe:

— Quer jantar comigo? Necessito de dois dedos de
conversa; o meu ofício é por vezes bem difícil. . .

Mas logo corrigiu, para
não descer tão depressa:

— Tenho
tantas responsabilidades!

Os
seus subalternos não gostavam muito de envolver Robineau na sua vida privada.
Pensavam:

"Se ele ainda não
encontrou nada para pôr no relatório, como está esfomeado, devora-me".

Mas nessa noite Robineau só pensava na sua própria
miséria: o corpo atacado por um incomodo eczema, seu único segredo verdadeiro.
Teria gostado de falar disso, que se condoessem dele e, não encontrando
consolação no orgulho, buscá-la na humildade. Também tinha em França uma amante
a quem, nas noites de retorno, descrevia as suas inspeçÕes,
a fim de deslumbrá-la um pouco e de fazer-se amado, mas, precisamente, essa
mulher começava a embirrar com ele e Robineau desejaria falar dela.

— Então, janta comigo?

Condescendente, Pellerin aceitou.

VI

Quando Rivière entrou no
escritório de Buenos Aires, os secretários dormitavam. Ele não tirara o
sobretudo nem o chapéu: lembrava um eterno viajante e passava quase
despercebido; a sua pequena estatura deslocava pouco ar e os seus cabelos
grisalhos e o vestuário anónimo adaptavam-se a todos os cenários. E, contudo,
uma onda de zelo animou aos homens. Os secretários agitaram-se, o chefe de
seção examinou rapidamente os últimos papéis, as máquinas de escrever
tilintaram.

O telefonista introduzia
as fichas no quadro e assentava os telegramas num livro espesso.

Rivière sentou-se e leu.

Depois da prova do Chile, relia a história de um dia feliz, em que tudo
entra harmoniosamente na sua ordem, em que as mensagens, de que se libertam um
a um os aeroportos transpostos, são simples boletins de vitória.

O correio da Patagônia,
por sua vez, fazia rápidos progressos; estava adiantado, pois os ventos faziam
correr do sul para o norte uma vasta onda favorável.

"Mostre-me os
comunicados
meteorológicos."

Cada aeroporto elogiava o
bom tempo que lá havia, o céu transparente, a brisa amena. A América engalanara-se
com uma tarde de ouro. O zelo das coisas provocou grande contentamento em Rivière. A essa hora,
num ponto qualquer, o correio da Patagônia estava em luta com a aventura, mas
com todas as probabilidades de vitória.

Rivière afastou o caderno.

"Tudo bem."

E saiu para dar uma vista
de olhos pelas várias seções, guarda na noite vigiando metade do mundo.

Parou em frente de uma
janela aberta e compreendeu a noite. Ela continha Buenos] Aires, mas também,
como uma vasta nave, toda a América. Não se admirou desse sentimento de
grandeza: o céu de Santiago do Chile era um céu estrangeiro, mas, uma vez que o
correio estava a caminho de Santiago do Chile, vivia-se, dum
extremo ao outro da linha, sob a mesma abóbada profunda.

Agora o outro correio,
cuja voz se ouvia nos auscultadores de T. S. F., mostrava as suas luzes de
bordo aos pescadores da Patagônia. Aquela inquietação dum avião voando, ao
pairar sobre Rivière, pairava igualmente, com o roncar do motor, sobre as
capitais e as províncias.

A noite calma tornava
Rivière feliz fazendo-o recordar certas noites de agitação, em que o avião lhe
parecia perigosamente embrenhado na noite e tão custoso de socorrer. No posto
de rádio de Buenos Aires seguia-se o seu queixume misturado ao crepitar das
tempestades. A beleza da onda musical era abafada por essa capa espessa. Que
angústia no canto menor dum correio, lançado como uma flecha cega contra os
obstáculos da noite!

Rivière achou que, numa
noite de guarda, o lugar de um inspetor é no escritório.

"Mandem-me chamar
Robineau."

Robineau estava prestes a
transformar um piloto em amigo. Tinha aberto perante ele, no hotel, a sua mala,
mostrando, assim, aquelas pequenas coisas que assemelham os inspetores
ao resto dos homens: algumas camisas de mau gosto, um estojo de viagem e também
a fotografia de uma mulher magra, que o inspetor foi pendurar na parede. Fazia
assim, a Pellerin, a confissão humilde dos seus pesares. Alinhando miseravelmente
os seus tesouros, fazia, em frente do piloto, estendal da sua miséria. Um
eczema moral. Mostrava
a sua prisão.

Mas para Robineau, como para
todos os homens, havia uma pequena esperança. Experimentara um suave
contentamento ao tirar do-fundo da mala, cuidadosamente embrulhado, um pequeno
saco. Acariciara-o durante longos momentos sem
pronunciar uma palavra.
Depois soltando-o finalmente das mãos:

"Trouxe isto do Saara. .
."

O inspetor corara ao ousar uma
confidência destas. Consolavam-no
de todas as decepções e do infortúnio conjugal, e de toda esta triste verdade, umas pedrinhas
escuras, que rasgavam uma janela sobre o mistério.

Corando um pouco mais:

“Encontram-se iguais no
Brasil…"

E Pellerin batera amigavelmente
no ombro dum inspetor debruçado sobre a Atlântida.

Fora também por pudor que Pellerin perguntara:

— Gosta de geologia?

— É a minha paixão.

Na sua vida, só as pedras tinham sido suaves para ele.

Quando o chamaram,
Robineau tornou-se triste, mas recuperou a sua dignidade.

"Tenho de deixá-lo
porque o Sr. Rivière precisa de mim para tomar certas decisões graves."

Na altura em que Robineau entrou
no escritório, Rivière já se esquecera dele. Estava meditando em frente dum
mapa mural, em que a rede da Companhia fora marcada a vermelho. O inspetor
aguardou ordens. Passando bastante tempo, sem voltar a cabeça, Rivière
perguntou-lhe:

— Que pensa deste mapa, Robineau?

Por vezes, ao sair dum
sonho, Rivière punha o interlocutor perante verdadeiras charadas.

— Esse mapa, Sr. Diretor. . .

Na verdade, o inspetor não pensava nada a
propósito do mapa, mas, olhando-o fixamente, com um
ar severo, fazia uma inspeção geral da Europa e da
América. De resto, Rivière prosseguia em silêncio a sua meditação: "O
traçado desta rede é belo mas difícil. Custou-nos muitos homens, muitos homens novos. Impõem-se aqui com
a autoridade das coisas realizadas, mas para nós quantos problemas
levanta!" Porém,
para ele, só o fim contava.

De pé junto dele,
continuando a olhar fixamente para o mapa, Robineau ia-se pouco a pouco
fortalecendo. Não contava com compaixão alguma por parte de Rivière.

Tentara uma vez a sua
sorte, confessando a sua vida estragada por causa daquela ridícula enfermidade
e Rivière tinha-lhe respondido com um gracejo :

"Se por um lado isso
não o deixa dormir, por outro, estimulará a sua atividade."

Fora um gracejo
incompleto. Rivière costumava asseverar: "Se as insónias de um músico o
fazem criar obras belas são belas insónias".

Um dia mostrara Leroux.
"Repare como é bela esta fealdade que afugenta o amor…" Era talvez
àquela fealdade, que fizera consagrar a sua vida exclusivamente ao ofício, que
Leroux devia a sua grandeza.

— O senhor está em muito
boas relações com Pellerin?

— Hum!…

— Não estou a censurá-lo.

Rivière deu meia volta e, de
cabeça inclinada, andando com passos curtos, arrastava consigo Robineau. Um
pálido sorriso, que Robineau não compreendeu, aflorou-lhe aos lábios.

— Simplesmente… simplesmente o senhor é o chefe.

— Sim, sim — assentiu Robineau.

Rivière pensou que era
assim que, cada noite, como um drama, uma ação se desenvolvia no céu. Uma
quebra de vontade podia acarretar a ruína e talvez se tivesse de lutar
encarniçadamente até ao romper do dia.

— Deve manter-se no seu papel.

Rivière escolhia as palavras ;

— Pode dar-se o caso de ter
de ordenar à esse piloto na próxima noite uma partida
perigosa: ele deverá obedecer.

— Sim, sim…

— Desta forma, dispõe quase
da vida dos homens, e de homens que valem mais do que o Senhor…

Pareceu hesitar:

— É uma coisa muito grave.

Rivière, continuando a
andar com passos miúdos, calou-se durante alguns segundos.

— Se eles lhe obedecerem
por amizade, o penhor cometeu um engano. Não pode exigir por si próprio
qualquer espécie de sacrifício.

— Pois não…
evidentemente.

E, se eles julgarem que a sua amizade os fará
escapar a qualquer trabalho obrigatório, o senhor comete igualmente um engano:
de todos os modos terão de obedecer. Sente-se ali.

Rivière com uma leve
pressão da mão encaminhou Robineau para a sua secretária.

— Vou pô-lo no seu lugar,
Robineau. Se se sente deprimido, não é o papel desses
homens valerem-lhe. Você é o chefe. A sua fraqueza é ridícula. Escreva.

— Eu…

— Escreva
:
"O inspetor Robineau aplica ao piloto Pellerin tal castigo por tal
motivo…" Você descobrirá um motivo qualquer.

— Mas, Sr. Diretor!

— Faça como se
compreendesse, Robineau. Ame aqueles em quem manda. Mas sem lhes dizer que os
ama.

Novamente cheio de zelo,
Robineau faria limpar eixos de hélice.

Um campo de socorro
comunicou pelo T. S. F.: "Avião à vista. Avião indica: "Baixa de
regime, vou aterrar".

Perder-se-ia certamente
uma meia hora. Rivière foi presa daquela irritação que se sente quando o rápido
pára na linha e os minutos que passam já não oferecem a sua sucessão de campinas. A agulha grande do relógio percorria agora um
espaço morto: tantos acontecimentos poderiam ter ocorrido naquele compasso de
espera! Rivière saiu para esquecer o atraso e a noite pareceu-lhe vazia, como
um teatro sem ator. "Uma noite destas a
perder-se!" Fixava com rancor, da janela, o céu sem nuvens, cintilante de
estrelas, essas balizas divinas, e a lua, toda essa riqueza desperdiçada.

Mas, assim que o avião
levantou voo, aquela noite voltou a ser, para Rivière, emocionante e bela.
Levava a vida dentro de si. Rivière cuidava-a:

— Que tal o tempo? — mandou
perguntar à
tripulação.

Passaram-se dez minutos.

— Esplêndido.

Vieram a seguir alguns
nomes de cidades ultrapassadas e, no meio desta luta, elas representavam para
Rivière terras conquistadas.

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