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A província de Pernambuco (ind. Braço do mar)11, à qual agora chegamos, compreende na sua atual extensão cerca de 7.200 léguas quadradas de superfície, com a soma de 950.000 habitantes.

Antigamente era muito maior, porque ela perdeu, além de suas dependências, Rio Grande e Paraíba, outras terras (de que nos ocuparemos mais tarde, detidamente), que lhe eram integrantes: toda a província de Alagoas e para o interior, no vale do rio São Francisco, uma extensa região, que passou à província da Bahia; sem embargo, ela conserva sempre, no que diz respeito à importância e número de habitantes, um dos primeiros lugares entre as províncias brasileiras, e somente pelo Rio de Janeiro é superada em densidade de população.

Nenhuma outra província apresenta uma tão variada história especial de igual interesse geral, como Pernambuco. Desde o início da colonização, notável pela indústria, riqueza e magnificência, atraiu, entre todas, a avidez de conquista dos holandeses, viu passar, como uma idade de ouro, o curto governo, pacífico, do conde Moritz de Nassau e depois, quase que somente por suas próprias forças, conseguiu emancipar de novo a sua nacionalidade primitiva do jugo estrangeiro. Depois disto, ainda passou por uma guerra de escravos, guerra civil, finalmente, no nosso sé-culo, foi a primeira a entrar nas fileiras em prol da independência nacional contra a mãe-pátria, Portugal, em seguida contra o novo governo central brasileiro, em prol da autonomia provincial; aqui, sobretudo, se pronunciaram abertamente as tendências separatistas e republicanas, chegando à decisão pela força.

No último decênio, desde que o espírito público foi pouco a pouco sossegando, dedicou-se Pernambuco, com energia não menor, ao desenvolvimento de seus recursos naturais; esforça-se ele por alcançar de novo a posição proeminente, que ocupava outrora entre as terras produtivas de açúcar, até que as ilhas das índias Ocidentais obtiveram a supremacia.

Todavia, antes de passarmos à narração destes acontecimentos, lancemos os olhos para a terra e a gente, em parte porque com isto notavelmente se esclarecerá o curso histórico dos fatos, em parte porque especialmente a composição do poyo, embora aqui pronunciada de modo particular, é, em geral, muito característica das províncias do meio (até São Paulo).

Pernambuco (com a sua natural anexa — Alagoas) divide-se, quanto à natureza do terreno, em três partes.

Junto à costa estende-se o abençoado trecho de terras, chamado das matas, que começa na Paraíba, porém que mais para o sul mais largo e mais rico se vai tornando; é assim, principalmente na região das lagoas e pântanos (Alagoas) e na foz do rio São Francisco, onde o solo é fertilizado por inundações anuais regulares; aí se ostenta a mais opulenta vegetação tropical; por outro lado, reinam aí, na verdade, como em todos os países pantanosos, febres de mau caráter e sabe-se como nos últimos anos todo esse litoral tem sido flagelado pelo cólera e pela febre amarela, do modo mais terrível.

Vivo contraste forma o sertão, que se estende nas vertentes sul e oriental da serra Ibiapaba; ali acaba a mata virgem, que reveste as costas, e de novo se apresenta despido o planalto, com os seus campos pobres de água, com as suas pavorosas secas, quase que só próprios para criação de gado; por outro lado, o clima é muito mais saudável.

Ao primeiro olhar, logo o viajante distingue, em todos estes grupos de Estados, o robusto sertanejo do fraco matuto da baixada das costas; ao passo que o sertanejo pernambucano, por sua vez, é superado em estatura e força pela população de zonas mais clementes, como os habitantes de Minas Gerais e São Paulo.

Finalmente, possui ainda Pernambuco uma parte de terras no vale do rio São Francisco; e aproveitamos esta oportunidade para registrar já aqui algumas considerações gerais sobre toda a bacia desse rio.

O São Francisco é o único rio de primeira grandeza que desemboca na costa sul-americana entre o Amazonas e o Prata; e, quando se observa o seu longo, sinuoso curso (ele nasce no 20° latitude S, no coração de Minas Gerais, onde as suas nascentes são vizinhas das do Paraná), logo facilmente vem a idéia de colocá-lo ao lado destes dois grandes rios, como terceira artéria principal do Brasil.

Todavia, isto seria exagerar muito a sua importância; nem ele próprio, como via de comunicação, nem a região que ele drena, são dotados pela natureza de modo especialmente favorável, nem parecem para o futuro destinados a grandes coisas.

Logo no começo, a principal embocadura ao norte é obstruída por considerável banco de areia que, coberto por violenta mareta, raramente dá mais de 4-8 pés de água navegável; e as embocaduras secundárias apenas dão trânsito, no tempo das águas, a pequenas embarcações. O curso inferior é de pequena extensão e já é trancado em Vargem Redonda (província de Alagoas, mais ou menos em frente da fronteira oeste de Sergipe) pela cachoeira de Paulo Afonso; maravilhoso espetáculo da natureza, pois o rio, estrangulado, abre caminho em muitas milhas de extensão por uma série de rochas e precipita-se em grandes e pequenas cachoeiras, das quais a mais considerável se despenha da altura de 25 braças no abismo; na distância de seis léguas ainda se avista a coluna de vapor de água, que se eleva da cachoeira. Logo se vê que trabalhos e que despesas colossais exigiria uma eficaz regularização do rio, só neste trecho! – -",

Ainda mais, a montante, na verdade não haveria grande coisa por fazer; o curso médio, que corre de Vargem Redonda até à povoação Barra (do Rio das Velhas), na província de Minas Gerais, numa extensão de 250 léguas, é pelo menos muito próprio para a navegação de barcos grandes; e o curse superior apresenta os mesmos impedimentos que a maioria dos rios grandes. Porém o território, que banha principalmente o curso médio, absolutamente não apresenta condições de poder recompensar mais tarde, pela produção e exportação crescentes, as despesas para regularizar o curso do rio; ao contrário, do estreito vale do rio elevam-se de ambos os lados, a oeste para as montanhas das fronteiras do Ceará, Piauí e Goiás, a leste para o planalto interior da Bahia, as já mencionadas estepes nuas e pobres de água, que vimos em tantos lugares do Norte do Brasil; somente aqui o planalto já é atravessado por cadeias de colinas e pequenas montanhas, mais numerosas.

Todo o interior de Pernambuco, tal qual o da Bahia, é, portanto, pobre e sem futuro; muito tempo ficou inteiramente desabitado, um campo livre, seguro, dos índios, onde somente uma vez ou outra aparecia um caçador de ouro ou de escravos ou um criminoso fugitivo; e, se bem que pouco a pouco uma pequena população ali fosse habitar, só dificilmente se desenvolverá de modo importante. No vale do rio explora-se a pescaria e há alguma lavoura; porém a indústria principal propriamente dita é a criação de gado, e fora isto fornece também o planalto, com a exploração de várias salinas e lagos de sal, artigo valioso de comércio, que é especialmente exportado para Minas Gerais.

E, portanto, uma região pastoril, com característicos idênticos aos das já mencionadas (do Piauí); apenas extensas fazendas, administradas pelo dono ou seu feitor, e alguns empregados; e se no Piauí, durante a segunda metade do século XVII, um só homem, o fundador Domingos Afonso, dominava sobre 30 fazendas suas, também aqui, na bacia do rio São Francisco, não era fato excepcional reunir um só dono semelhantes colossais propriedades de terras e rebanhos.

No século XVIII, possuíam duas famílias ricas da cidade da Bahia, à margem direita do rio: a família da Torre, 80 léguas quadradas, os herdeiros de Antônio Guedes de Brito talvez umas 160. Agora as propriedades rurais estarão, em geral, mais subdivididas; não obstante, existem ainda atualmente propriedades imensas, onde o dono domina sobre os seus escravos, seus campeiros e clientes, como um soberano, e a cidadezinha próxima, que ele estabelece para pousada e praça do comércio, está em sua absoluta dependência.

Ainda no ano de 1841 aconteceu que dois principais pastores deste gênero se combateram em guerra formal. Não distante da cidadezinha Pilão Arcado (província da Bahia, quase que o único povoado à margem esquerda do rio, que havia chegado a alguma importância), travaram luta duas famílias poderosas, os Guerreiros e os Militões, e fizeram os seus campeiros montar a cavalo.

Militão obteve a vantagem; com 500 cavaleiros ele cercou os seus adversários, e quando estes, depois de sangrento combate, romperam as fileiras inimigas, pôs-se ele na perseguição dos fugitivos, devastou o seu domínio e incendiou todas as casas de morada. A chegada de uma autoridade policial, acompanhada por um destacamento de 120 soldados, pôs termo a essa hostilidade medieval; ela havia custado a vida de 200 homens.

Ainda mais triste exemplo dos costumes e estado de cultura dessas terras do interior, foi o que deu um fato que aconteceu pouco antes, nos anos de 1836-1838.

É fenômeno geral que, quando, nos séculos anteriores, se extinguia uma família reinante amada, o povo se recusava a crer nesse fato e esperava saudoso a volta do soberano falecido. Assim aconteceu em Portugal, quando o último rebento da velha casa real nacional de Borgonha, o rei d. Sebastião, foi encontrar a morte na batalha contra os marroquinos, em 4 de agosto de 1578; durante os seguintes decênios, quatro pretendentes apresentaram-se, reivindicando o seu nome e a sua coroa; eles tiveram que expiar a sua ousadia com a vida ou com o eterno cárcere; não obstante, não queriam os portugueses convencer-se.

Desde então subsistiu em Portugal, e também no Brasil, uma seita, denominada sebastianista, com a crença de que o rei ausente, d. Sebastião, voltaria e restabeleceria o reino milenário; de tempos em tempos eles fortaleceram-se nessa loucura, com profecias novas, supersticiosas; de tempos em tempos julgavam ver em personagem de destaque reencarnações do salvador almejado: assim d. João IV, o libertador (1640), e o marquês de Pombal (1750); porém, sempre descobriram haver-se enganado, e a seita dura até hoje.

Pois estes lanáticos representaram, nas solidões da bacia do rio São Francisco72 e 72-A, um drama, que é digno de figurar ao lado do Reino de Sião, dosanaba-

tistas alemães, de Münster (1534-35). No ano de 1836 apareceu como profeta, nos arredores da cidadezinha de Flores (província de Pernambuco), um sebastianista, João Antônio; anunciava que perto do lugar de sua habitação, Pedra Bonita, um reino de maravilhoso esplendor se havia transformado por um encantamento em duas altas rochas, e ele, João Antônio, estava fadado a quebrar o encanto; então apareceria d. Sebastião, com as insígnias reais, à frente do seu exército e recompensaria com riqueza e honras todos os seus partidários.

Ao conselho de um missionário, ele cessou as suas prédicas, seguiu mais para o interior, e, desde então, nunca mais se soube notícia dele. Em compensação, apareceu um novo profeta, João Pereira, que se deu a conhecer aos sebastianistas de Pedra Bonita como enviado de Antônio, e por eles foi aclamado rei e sumo sacerdote; todos juntos seguiram os fanáticos para os rochedos encantados. E, ali chegando, declarou-lhes João Pereira que, para quebrar o encanto e participar das bênçãos do reino milenário, eram necessários sacrifícios humanos; concitou os pais a lhe trazerem os seus filhos; dentro de poucos dias eles renasceriam para uma vida eterna.

Por incrível que pareça, os pais obedeceram: 25 crianças de peito e outras tantas mais crescidas, de ambos os sexos foram trazidas e todas derramaram o seu sangue sob o cutelo do sacrificador (4 de maio de 1838 e seguintes); os seus corpos ficaram insepultos, à espera da ressurreição.

Em seguida, declararam-se dissidências entre os fanáticos; Pedro Antônio, irmão de José Antônio, desaparecido, assa sinou João Antônio e coroou-se rei com a grinalda de flores que ele retirou da cabeça do moribundo, em 17 de maio; todavia, a sua soberania não durou muito. Já no dia seguinte o comandante militar de uma povoação vizinha, informado das atrocidades, acudiu rápido ali com um troço de soldados contra os fanáticos; todos eles, homens, mulheres e crianças, corajosamente opuseram resistência, ao passo que chamavam em socorro, com cânticos entoados em voz alta, o exército encantado, e somente depois de violento combate eles se puseram em debandada. A maioria escapou; três homens, nove mulheres e 12 crianças foram levados presos para Flores, e 26 homens e três mulheres ficaram mortos no campo de batalha; do lado dos soldados, foram mortos cinco e outros tantos feridos, em 18 de maio de 183873.

Todavia, deixemos agora o interior e voltemos para a costa, porque somente ela tem verdadeira importância para a história. Tanto quanto pertence a Pernam buco, o fértil trecho da costa, já acima descrito, está ele bem e bastante intensamen te cultivado; ao contrário, Alagoas está em grande parte ainda coberta de mata vir gem tropical; contudo, em ambos os Estados é a lavoura a principal indústria, sen do, além de um pouco de algodão, o açúcar o principal artigo de comércio.

Ê um fato geralmente reconhecido que os diferentes produtos chamados coloniais, exercem inegável influência sobre a organização social e indiretamente sobre as condições políticas dos povos americanos. O cafeeiro é, por assim dizer, uma planta democrática, porque o seu cultivo pode ser feito em pequena escala, na mais pequena plantação, e exige apenas custeio de pouca monta; ele atua, portanto, no sentido de um parcelamento da propriedade rural, de uma média de bem-estar geral.

Por outro lado, o algodoeiro e a cana-de-açúcar são essencialmente aristocráticos; uma fazenda, que queira fornecer o mercado com estas mercadorias em quantidade útil e valiosa, faz para as primeiras instalações despesas avultadas, e, para que o capital empregado dê os devidos juros, necessita o proprietário simultaneamente de uma grande extensão de terreno e de muitos braços para o trabalho.

Poucos são os que dispõem de meios bastantes para pagar as despesas que acarretam essas três exigências; assim, cria-se uma aristocracia, que reúne nas suas mãos a maior parte dos bens de raiz e dos braços de trabalho, isto é, segundo as circunstâncias tradicionais, o maior número de escravos. Isto se aplica ao algodão, mormente desde fins do século precedente, quando a manipulação desse artigo passou por uma importante mudança; quanto à cana-de-açúcar, porém, sempre foi assim, de todos os tempos; por exemplo, em Haiti já existia, nos séculos XVII e XVIII, essa aristocracia ou, antes, plutocracia de plantadores de cana que, como "grandes fazendeiros" (gros habitam), superavam os "pequenos fazendeiros" (petits habitans). O mesmo aconteceu nas terras brasileiras da cultura do açúcar.

"A posse de uma fazenda de cana com engenho e refinação — assim se exprimem quase com as mesmas palavras dois escritores, um dos quais no princípio do século XVIII, o outro no princípio do século XIX, que observaram com os seus próprios olhos as circunstâncias ali vigentes — dá uma espécie de nobreza entre os fazendeiros; só se fala com toda a consideração de um senhor de engenho, e vir a sê-lo é a ambição de todos. Um senhor de engenho é, em geral, de forte corpulência, o que significa que ele se alimenta bem e trabalha pouco; quando ele está no meio de seus subordinados, e mesmo entre seus iguais, empertiga o peito, levanta alto a cabeça e fala forte, e com aquele tom de voz arrogante, que indica o homem habituado a mandar sobre grande número de escravos, feitores e empregados". E mais: "Quando aquele que ocupa tal posição é o que deve ser, isto é, um homem de fortuna, que sabe portar-se, pode-se então considerar o título de senhor de engenho no Brasil tão alto como os títulos de nobreza dos grandes do reino de Portugal".

Feitas essas observações gerais, consideremos agora a hierarquia social como existe em Pernambuco, mais ou menos inalterada desde séculos. Em todas as províncias do meio do Brasil — Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, parte também de Minas Gerais, que todas originariamente assentavam, do mesmo modo, na produção de açúcar, — a organização do povo, quando não tão vivamente característica, é, contudo, muito semelhante.

Desta sorte, na culminância da escala social estão os senhores de engenho, uma classe pouco numerosa, que representa quase que toda a fortuna nacional; ela enfeixa na sua mão a grande maioria da população escrava e, o que é mais importante, quase que todo o solo. Somente alguns pequenos trechos pertencem, como bens em comum, às cidades e povoações, ou tocaram como dote à Igreja e instituições pias; toda a terra restante, contanto que fosse boa e vantajosa para a lavoura, os fazendeiros apropriaram-se dela, quer por doação regular ou por compra do herdeiro ou sesmaria, quer, porém, na maioria dos casos, por simples posse de longos anos. As fazendas são, portanto, de extensão incomensurável; e, mesmo quando o fazendeiro possui alguns centos de escravos, não chega este número, nem de longe, para razoável exploração do solo; a agricultura é, portanto, simples cultura exaustiva; somente uma parte do solo está ao mesmo tempo em cultivo; logo que se esgota completamente, deixa-se a mesma inculta, de novo entregue ao mato, e em troca se faz nova roçada na mata virgem, para obter fertilidade exuberante.

Sem prejudicar de nenhum modo a sua exploração, poderia o grande possuidor de terras perfeitamente desfazer-se de uma parte de seus domínios supérfluos, dividi-las em lotes e vendê-las; todavia, é para ele uma espécie de ponto de honra não mutilar a sua propriedade, e é-lhe fácil satisfazer esse seu capricho de soberania, pois as suas matas virgens, se não lhe dão lucro, também nada lhe custam, isto é, um imposto territorial, como existe na maioria dos países, que pesa indistintamente sobre todas as terras de cultura de propriedade particular, quer cultivadas, quer incultas, falta aqui no Brasil até ao dia de hoje, e somente ele poderia obrigar ao grande parcelamento das propriedades rurais.

Em tais circunstâncias especiais, formou-se uma categoria de homens livres pobres, que não deixa de ser característica; não são donos do torrão, nem ligados à gleba, são, de certo modo, nômades da lavoura; porém, como eles em parte alguma acham terra livre para adquirir, são sempre forçados a se sujeitarem a qualquer grande fazendeiro, como trabalhadores da terra.

São, em primeiro lugar, os "lavradores", gente de trabalho, de alguns recursos, que possuem uma pequena boiada e alguns escravos, nem por isto deixando de pôr mãos à obra, eles próprios; estabelecem-se com a devida licença numa qualquer fazenda, ali fazem roçada e fornecem então, com a sua colheita de cana, o engenho e a refinação do dono da fazenda, pelo que recebem em troca a metade da produção; é, portanto, um sistema de parceria. Estes lavradores constituem a parte mais ativa da população branca do país e, às vezes, elevam-se a considerável bem-estar; porém a sua situação é sempre precária, porque o fazendeiro quase nunca faz um contrato regular de arrendamento e, portanto, a todo momento pode despedir da fazenda o seu meeiro, sem indenização alguma; o lavrador é, assim, levado a fazer a cultura ainda em piores condições que o fazendeiro; ele roça não mais que o estrito necessário, não emprega dinheiro algum para melhorar o solo ou para cercar os campos e mora nos mais simples casebres. O que lhe sobra, emprega-o em escravos e animais domésticos, porque só a estes é que pode carregar consigo, numa eventual emigração.

Vem depois uma segunda classe, a dos "moradores", que formam o povo miúdo propriamente dito, na maioria mestiços de todas as raças, e na maior pobreza; com a permissão do fazendeiro, em troca de uma contribuição insignificante, podem construir em qualquer sítio, na mata, uma miserável cabana e fazer uma pequena roçada; eles correspondem, segundo as nossas idéias européias, à condição do colono e jornaleiro europeu, porém com uma diferença essencial; o morador brasileiro é absolutamente indolente, mandrião, prefere ser pobre a entregar-se a algum esforço fatigante; quando cultivou o seu terreno e colheu bastante alimento, que lhe baste, talvez ainda uma pequena sobra para comprar roupa, então ele passa o tempo restante na ociosidade, e, sendo minguado o seu quinhão, então recorre à colheita do dono da fazenda. Sem dúvida, compete ao proprietário das terras mandar embora, sem mais nem menos, esses "moradores"; porém quase não ousa fazer uso desse seu direito, porque o expulso acharia, em qualquer parte, na mata virgem, um refúgio, e sempre haveria que temer a sua vingança; não eram coisa rara no Brasil os assassínios e incêndios. Assim, são esses "moradores" — e eles constituem a grande maioria da população livre do país — uma verdadeira praga, da qual não se livra quase nenhuma grande fazenda; equiparam-se aos "brancos pobres" dos Estados escravocratas norte-americanos; porém o "branco pobre" trabalharia, se não fosse a concorrência dos negros, se achasse trabalho; o "morador", ao contrário, tem aversão ao trabalho; é uma verdadeira reprodução do indígena, do qual se aproxima pela indolência e preguiçosa sobriedade, em barbárie espiritual e de costumes; muitas vezes mesmo lhe é aparentado pelo sangue.

Assim, a composição do povo é, aqui em Pernambuco, muito semelhante à dos Estados escravocratas do Sul da União Norte-Americana; e, se possível, ainda mais acentuada; um pequeno número de grandes fazendeiros conserva, não somente os escravos, mas também a população rural, em quase completa sujeição. Somente as cidades formam uma espécie de contrapeso; porém, como a maioria destas é fraca e escassa, e vive quase exclusivamente do negócio com as fazendas, não basta absolutamente para contrapor-se à influência daquela classe dominadora. Portanto, os grandes possuidores de terras são em todo o desenvolvimento histórico do país o elemento dominante, propriamente impulsor. Noutro tempo, na época áurea de Pernambuco (fins do século XVI e princípio do XVII), essa aristocracia rural havia chegado a incrível riqueza e ostentava um esplendor sem medida.

"Quem não come em baixela de prata, passa por pobre; as mulheres consideram os vestidos de seda e cetim de pouco valor, se não guarnecidos com os mais ricos bordados, e enfeitam-se de tantas jóias, como se chovessem pedras preciosas; os homens, por seu lado, acompanham todas as modas novas e usam ufanos punhais e espadas cravejadas; nenhuma das caras iguarias de Portugal ou das ilhas podia faltar à sua mesa". Assim informava um contemporâneo da guerra holandesa, frei Manuel do Salvador, e ele acrescentava: "Em suma, Pernambuco quase não parece um país da terra; tanto quanto dependa da riqueza e da prodigalidade, parece a imagem do Paraíso".

O ideal do senhor de engenho daquela época temo-lo no "Governador da Liberdade", João Fernandes Vieira; ele também pela primeira vez demonstrou o que podia essa aristocracia rural, quando tivesse uma vontade política, quando contasse com um chefe inteligente; e justamente não desaprovamos o governo português, quando com desconfiada precaução recompensou o feliz revolucionário com um cargo que pode ser considerado o mesmo que um desterro; confiou-lhe o vice-reinado de Angola, na costa ocidental da África.

O tempo da dominação holandesa mudou muito as pessoas, mas nada nas condições; as profundas chagas feitas pela guerra foram pouco a pouco cicatrizando; e se Pernambuco não readquiriu o antigo esplendor, pois agora as ilhas açucareiras das índias Ocidentais começavam a fazer poderosa concorrência ao seu principal ramo de indústria, ainda conservava grande bem-estar, e não precisaya ceder a precedência a nenhuma província brasileira.

Isto dava ao povo, e mormente às grandes famílias, não pequeno sentimento de orgulho; além disso, acrescentavam-se as gloriosas recordações da guerra de libertação, a orgulhosa consciência de haver por suas próprias forças reconquistado a terra, de novo restituindo a mesma à coroa de Portugal. Desenvolveu-se assim um arrogante espírito de independência; julgava-se poder exigir da coroa gratidão e especial deferência; consideravam-se as autoridades portuguesas, e mais tarde a imigração portuguesa, somente como hóspedes tolerados, que os senhores naturais da terra apenas admitiam a partilhar do seu gozo; e se as pretensões desta ordem não encontravam atenção, já em tempos antigos a aristocracia de Pernambuco ameaçava separar-se, como em seguida veremos.

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