O Estado do Maranhão – A COLONIZAÇÃO DO BRASIL

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil – SEGUNDA SEÇÃO – A COLONIZAÇÃO DO BRASIL

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

 

CAPÍTULO VII

O Estado do Maranhão

Começamos com o Estado do Maranhão, que, constituído pelo decreto real de 13 de junho de 1621, compreendia as atuais províncias do Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Alto Amazonas, portanto, toda a costa norte e quase todo o vale do Amazonas.

E, na verdade, existiam então nesse território, subordinadas ao governo-geral de São Luís do Maranhão, as três capitanias do Ceará (com a única colônia fortificada, Fortaleza), Maranhão e Pará; a quarta capitania, do Cabo do Norte, existiu só transitoriamente, pois, fundada em 1637, extinguiu-se de fato logo à morte do donatário, em 1642, e o seu território foi englobado ao do Pará.

Essa região, desde o fim da curta ocupação holandesa, 1641-1644, gozou daí em diante de contínua e completa tranqüilidade externa, somente interrompida passageiramente por insignificantes hostilidades de fronteira com os franceses de Caiena, os espanhóis da Colômbia e Peru 51. Por outro lado, a paz interior foi diversas vezes perturbada com guerras civis; a razão delas estava na controvérsia de princípios, que se travou desde os começos da colonização brasileira, a respeito da posição dos indígenas.

Já havemos anteriormente (cap. III) descrito a origem e o seguimento dessa pendência; como de um lado o clero, mormente a Companhia de Jesus, defendia a liberdade e igualdade de direitos dos índios, ao passo que, por outro lado, os fazendeiros e possuidores de terras reclamavam o direito de se apoderarem dos índios, e torná-los escravos hereditários, havendo-os fosse como prisioneiros de guerra, fosse pela caçada ao homem ou fosse por compra; indicamos como entre ambos os partidos o governo ficava indeciso e procurava estabelecer uma conciliação.

Na verdade, havia a população do Maranhão procurado obviar a essa luta sobre a questão, obrigando os jesuítas, logo à sua entrada em São Luís, a tomar o compromisso de jamais se imiscuírem de modo algum nas relações dos índios com os colonos; porém debalde; os humanitários religiosos não puderam manter a promessa extorquida, não puderam calar acerca dos abusos da escravidão, e, se eles próprios não tomaram direta iniciativa, esforçaram-se, entretanto, por fazer vigorar também no Maranhão os atos gerais de lei que favoreciam os índios.

51 Dessas hostilidades, relacionadas com a regularização dos limites do Norte, se tratará, mais tarde, juntamente com essa regularização geral dos limites exteriores; quanto ao estabelecimento histórico dos limites interiores, isto é, de uma província com a outra, não pudemos em parte alguma achar completo esclarecimento, e teremos que nos contentar neste sentido com o recurso dos mapas (Nota do autor).

Dessas leis citamos por último, detidamente, o decreto de 6 de janeiro de 1574; depois dele seguiu-se um grande número de novas ordenações. Determinava, assim, uma lei de 22 de agosto de 1587 que os índios deviam ser considerados, não como escravos, mas como jornaleiros livres, podiam mudar de patrão a seu bel-prazer, podiam abandonar o trabalho; segunda lei, de 11 de novembro de 1595, permitia, como legítimo motivo para escravizar, somente a prisão feita numa guerra efetuada por ordem direta da coroa.

Ainda mais liberais eram os decretos de 5 de junho de 1605, 4 de março de 1608 e 30 de julho de 1609, que suprimiam inteiramente a escravidão, e declaravam por princípio a liberdade e a igualdade de direitos políticos da raça indígena; quem escravizasse um índio era ameaçado com o castigo do rapto. Porém esta lei não se pôde executar; não somente por ser contrária aos interesses materiais de toda a população branca tão grave baixa nos braços do trabalho, qual teria causado a emancipação dos índios, como porque de um golpe arruinaria a lavoura, aniquilaria o bem-estar da colônia; e, assim, em breve, conseguiram as representações dos fazendeiros a suspensão da lei.

Uma nova ordenação, de 10 de setembro de 1611, fez voltar, de um modo geral, o sistema de 1574: os índios aprisionados numa guerra aprovada pelas altas autoridades civis ou eclesiásticas, ou resgatados da escravidão do martírio dos seus compatriotas, deviam ser escravos, porém, segundo a regra, somente durante dez anos e, passado esse prazo, recuperavam a sua liberdade; ao mesmo tempo foram tomadas medidas para proteção das missões e dos índios que lhes eram agregados; e por fim previa-se ainda a construção de aldeamentos de índios livres, sob a direção da autoridade civil.

A lei de 1611 subsistiu 40 anos em reconhecida validade, e durante todo esse tempo a escravidão perdurou sem impedimento, com todos os seus velhos abusos; então interveio de repente d. João IV contra os mesmos; ele restabeleceu o decreto de 30 de julho de 1609, proibindo toda espécie de escravidão, e proclamou a liberdade, a igualdade de direitos dos indígenas brasileiros (cerca de 1650).

Este ato legislativo ia agora vigorar também no Estado do Maranhão e pode-se imaginar que justamente ali encontrou o maior obstáculo. Se a colonização devia ser conduzida e mantida à maneira costumada, se os produtos da selva tropical deviam ser explorados para o comércio, então não podia a população, fraca em número, dispensar o efetivo existente de escravos índios, nem deixar de aumentá-lo, conforme o fazia pelas regulares caçadas ao homem no interior. Além disso, estavam os habitantes ainda no ínfimo grau de cultura do homem das matas, completamente recaídos no estado selvagem e prontos a todo momento, ao menor motivo, ao recurso violento de se defenderem pelas próprias mãos e a se sublevarem, quanto mais agora, quando eram postos em jogo os seus mais importantes interesses materiais. O novo governador-geral, Baltasar de Sousa Pereira, chegando ao seu domínio, em 1652, e querendo publicar os decretos da emancipação dos índios, logo provocou a mais decidida oposição; reuniram-se os habitantes da capital de São Luís em armas, na praça do mercado, e d. Baltasar só pôde evitar um levante declarado, suspendendo até nova ordem a validade da lei repudiada. O mesmo obteve à força a segunda capital, Belém do Pará; e em ambas as cidades o povo elegeu, com a aprovação das autoridades, deputados que fizessem representações em Lisboa e buscassem o parecer do rei (1652).

Ainda estava em caminho esta deputação, quando desembarcou em São Luís um homem que, na questão do dia, — emancipação dos índios — ia representar papel extraordinário: o padre Antônio Vieira, da Companhia de Jesus, nascido em Lisboa em 1608 e falecido na Bahia em 1697, ex-pregador da corte de Lisboa e (como já se mencionou de passagem), muito versado nos negócios políticos e diplomáticos, e de grande merecimento. Levado por sua vocação, havia renunciado, à sua posição de até então, a fim de trabalhar no meio dos índios como missionário; e d. João IV, depois de haver debalde tentado retê-lo, o havia nomeado, a 21 de outubro de 1652, superior da missão do Maranhão e o revestira de plenos poderes extraordinários.

Chegado a São Luís, na primavera de 1653, declarou-se o padre Vieira, como sempre também o fizera a sua ordem, advogado da população aborígine oprimida; logo no primeiro domingo da quaresma, quando ele, pela primeira vez, subiu ao púlpito, aproveitou a oportunidade para falar seriamente aos donos de escravos.

O seu sermão começou com um decidido ataque contra a instituição da escravidão em geral: "Sem dúvida, qualquer um que retenha na escravidão um seu semelhante, estando em condições de lhe dar a liberdade, achava-se em pecado; nem sequer o Turco, nem sequer o diabo poderia justificar a escravidão ou desculpá-la, muito menos o cristão, o eclesiástico. Pois o próprio Deus havia falado clara sentença, dado ao Faraó e aos egípcios um claro exemplo; recusavam-se eles a libertar da escravidão os filhos de Israel, e o Senhor feriu-os por isso com inúmeras pragas; eles perseguiram os judeus, que se retiravam, a fim de reconduzi-los à escravidão, e a mão de Deus derrotou todo o exército egípcio; os seus corpos, engoliu-os o mar Vermelho; as suas almas, o inferno. Portanto, o povo do Maranhão devia cair em si, a fim de que não pesasse a cólera de Deus sobre ele neste mundo e no outro; todas as desculpas com que quisessem disfarçar a escravidão dos índios, a necessidade, o bem do Estado, não poderiam dar resultado, pois era o dever cristão tudo sacrificar em favor da consciência".

Porém Vieira era homem experimentado demais nas coisas do mundo para esperar, para exigir rigorosa realização dessas suas idéias; ele compreendia que era impossível a emancipação geral dos índios, como a decretava a lei de 1650; ele queria, contudo, aliviar a sorte deles, coibir os abusos do sistema em vigor; e por isto contentava-se em associar a todas aquelas exortações gerais uma proposição prática, muito moderada.

O efetivo de índios então existentes no Maranhão dividia-se em duas classes: uns eram escravos particulares, pertencentes a certas famílias, e em parte nascidos e criados em suas casas; estes, propunha Vieira, deviam ter a faculdade de escolha e, conforme resolvessem, permanecer com os seus senhores ou passar para a outra classe.

A segunda classe, os denominados índios livres, eram primitivamente aliados dos portugueses e, sob a administração de autoridades civis, estabelecidos em aldeias próprias (missões e aldeias de missões ainda não existiam no Maranhão); contudo, eram desde muito tempo tratados como escravos do Estado e empregados pelos governadores, quer no próprio proveito, quer alugados a particulares, em turmas, por determinado tempo; a sua sorte era, portanto, ainda muito mais desgraçada que a dos escravos particulares, porque cada particular, que obtinha uma tal turma para seu serviço, procurava durante o prazo concedido tirar a maior vantagem possível do seu trabalho e poupar o mais possível na sua alimentação, morressem ou definhassem depois. A respeito destes, reclamava o padre Vieira que se limitasse a sua servidão e que fosse estabelecido um determinado ordenado mensal; todo índio livre devia servir aos portugueses seis meses ao ano, ao menos dois de cada vez, porém não maior tempo.

Finalmente, no tocante ao aumento do seu número, prontificava-se o padre Vieira a reconhecer as causas legítimas de escravidão, as que eram sancionadas pela lei e pela tradição, isto é, a prisão numa guerra justa e o resgate da servidão de tribos inimigas; porém os abusos deviam acabar.

Até então qualquer particular, quando e como entendesse, empreendia uma expedição ao sertão, uma caçada ao homem, e encobria o seu projeto com o pretexto de que visava somente resgatar os "índios das cordas" (assim eram denominados os prisioneiros de tribos inimigas, que, segundo o costume do canibalismo, eram condenados ao martírio); os prisioneiros que eles, no regresso, traziam, e que não ousavam protestar, eram, sem exceção, declarados como resgatados. Exigia o padre Vieira que, para o futuro, as expedições deste gênero só se fizessem com a licença e sob a inspeção das autoridades, e um tribunal especial, composto das mais altas autoridades civis, do clero secular e do claustro, devia julgar acerca desses índios apanhados. Todos aqueles de quem se pudesse provar que estavam incluídos em uma daquelas cláusulas legítimas seriam reconhecidos, por direito, escravos de seus senhores, e os demais deviam ser incluídos na classe dos denominados índios livres.

Testemunhava a proposta grande moderação, e sob a impressão da eloqüência do pregador pareceu aceitável, mesmo aos mais zelosos defensores da escravidão; não só todas as pessoas presentes manifestaram a sua aprovação, mas ainda nessa mesma tarde, numa reunião popular, sob a presidência do governador-geral, teve a proposta do padre Vieira formal sanção; preparou-se um documento para esse fim, em forma legal, assinado pelos funcionários da coroa e pelos mais influentes fazendeiros, no primeiro domingo da quaresma de 1653.

Parecia assim resolvida a causa da escravidão no Maranhão, por meio de uma conciliação, e nos primeiros tempos andou tudo muito bem, na verdade; ficou estabelecida uma comissão para investigar a condição dos escravos particulares, e muitos destes por sua vontade passaram para a classe dos índios livres; estes últimos, por sua vez, puderam regozijar-se de um tratamento mais benigno, de sorte que muitas tribos saíram do interior das matas virgens para se submeterem sob iguais condições ao domínio português; e simultaneamente começou o padre Vieira, secundado pelos irmãos da ordem, as suas abençoadas atividades das missões. Todavia breve ocorreu completo reviramento; dentro de poucos meses lastimava-se toda a população branca de que, no entusiasmo do momento, havia sacrificado parte de seus lucros materiais; os particulares não queriam mais abrir mão dos escravos, os funcionários não queriam renunciar ao ganho que costumavam haurir do trabalho e do aluguel dos índios livres; para onde quer que o padre Vieira se voltasse, por toda parte eram só dificuldades; retardavam-se, impediam-se as viagens de missão que ele queria empreender no sertão; seus conselhos não tinham mais ouvintes, e, ao cabo de um ano, já nem se falava dos dispositivos do compromisso. Também pouco depois foi ele formalmente revogado; a deputação, mandada em fins de 1652 para Lisboa, a fim de fazer representações ao rei, a respeito da emancipação dos índios, havia tido êxito e alcançara uma lei que restabelecia, em geral, as normas de 1574 e 1611; foi este decreto registrado a 3 de junho de 1654 pelos funcionários municipais da Câmara em Belém, e com isso entrou em validade; estava anulada a obra do padre Vieira, a conciliação, e tudo voltava a ser como antes.

Todavia, não podia o humanitário missionário conformar-se com isso; já alguns meses antes, em princípio de 1654, havia ele numa carta ao governo português feito descrição do estado de coisas, e apresentado ponderações; agora, em meados de junho, ele próprio embarcava, a fim de conferenciar pessoalmente com o rei. Na verdade, achou ele também em Lisboa adversários acirrados, que tomavam a peito defender o antigo estado de coisas, a escravidão dos índios; especialmente a deputação do Maranhão, ainda presente, empregava todas as suas forças para manter de pé o antigo sistema; porém, tanto no gabinete do rei, como na comissão extraordinária, que se reunia para resolver esta questão, composta dos homens mais eminentes do reino, prevaleceu a eloqüência do padre Vieira, a sua influência pessoal; e, assim, de conformidade com a sua proposta, resultou a 9 de abril de 1655 um novo decreto sobre a situação dos índios.

Esta lei baseava-se, de um modo geral, nos princípios da conciliação de 1653 e atestava, como esta, grande moderação, sérios esforços para acomodar as vantagens materiais dos colonos brancos com a causa da humanidade. A escravidão particular continuava a existir e, tratando-se de índios prisioneiros de guerra, devia ser vitalícia e hereditária, porém a dos resgatados devia durar somente cinco anos.

Por outro lado, a condição dos assim chamados índios livres era inteiramente mudada; em vez de caber a fiscalização, como até então, a funcionários civis, seriam doravante os índios livres, no Estado do Brasil, como no Maranhão, governados pelos missionários da Companhia de Jesus; o superior da missão devia ter voto decisivo em todas as ‘expedições ao sertão, e estabelecer, segundo o seu parecer, as tribos submetidas em aldeamentos de missão; e, mais, eram os missionários obrigados a alugar os seus pupilos índios anualmente, durante seis meses, sempre dois de cada vez, mediante o pagamento estipulado por lei. Foi também organizado, como na conciliação de 1653, assim na lei de 1655, um tribunal, que se compunha das sumidades dos funcionários públicos, do clero secular e conventual, que devia sentenciar sobre os índios apanhados, prisioneiros de guerra ou resgatados. O próprio padre Vieira foi confirmado na sua dignidade de até então, como superior da missão do Maranhão, e encarregado da execução da pretendida reforma.

A fim de lhe garantir nesse pesado encargo um colaborador seguro, desinteressado, enérgico, nomeou o rei d. João IV a seu pedido, para governador-geral do Estado do Maranhão, André Vidal de Negreiros, natural da Paraíba, que se havia distinguido gloriosamente na guerra da liberdade pernambucana.

A escolha não podia ser mais feliz; quando o padre Vieira, em meados do ano, regressou a São Luís, já havia Vidal tomado posse do seu novo cargo (11 de maio de 1655), e ele achou nesse governador o que dele esperava, um zeloso partidário de seus planos para o bem dos índios. E de tal precisava ele, na verdade, muito; pois apenas se proclamou o teor da nova lei, rebentou de novo a efervescência; mesmo chegou a declarar-se a revolta, que Vidal, contudo, subjugou a tempo, com severidade rápida e bem sucedida.

Aparentemente submeteu-se então toda a população branca ao novo sistema; porém considerava-o com decidida má vontade; pois todas as classes, funcionários e cidadãos, padres e leigos, eram interessados e partidários dos velhos abusos. Onde quer que pudessem, punham obstáculos às tentativas de reforma, e não olhavam aos meios, de sorte que Vidal e Vieira, apesar de toda a boa vontade, se viam muitas vezes impossibilitados de fazer executar a nova lei. Isto foi principalmente o caso, quando, em São Luís e em Belém, os tribunais se reuniram, a fim de dar o julgamento a respeito dos índios escravos, trazidos das correrias e caçadas ao homem. Mais da metade destes foram ocultados e não apresentados, e, no processo sobre os outros, não recuavam os ladrões de homens diante da mentira, do perjúrio, a fim de assegurar a posse de suas propriedades humanas; os índios, do seu

lado, aterrados pelas mais terríveis ameaças, declaravam unânimes o que os seus senhores lhes haviam ordenado. Finalmente, os juízes estavam sempre prontos a reconhecer a escravidão vitalícia e hereditária; pois não eram eles todos donos de escravos? Tanto os funcionários, como os padres seculares e os monges das ordens (além da Companhia de Jesus), domiciliados no Maranhão? E não tinham estes últimos, além disso, inveja dos jesuítas e da sua influência recém-fundada?

Vieira e Vidal, que na congregação tinham somente um voto cada um, foram na maioria das vezes derrotados, e, do grande número de índios exibidos, só conseguiram proteger alguns contra a escravidão.

Noutros casos mostrava-se mesmo a oposição por meio de violências. Assim haviam alguns jesuítas fundado estação em Gurupá, no Amazonas, de onde eles empreendiam por todos os lados expedições ao sertão; porém os habitantes que, pela presença dos missionários, se viam estorvados nas suas costumadas caçadas ao homem, cansaram-se em breve dos hóspedes; agarraram os santos padres, meteram-nos num navio e devolveram-nos a Belém. Contudo, esta violência não ficou sem castigo; o governador-geral Vidal mandou prender os cabeças do motim, levá-los à justiça e foram todos para sempre expulsos do Estado do Maranhão, e a missão foi restabelecida em Gurupá.

Nesse ínterim prosseguia Vieira com incansável ardor nos seus trabalhos humanitários, e, com a zelosa cooperação que achou nos seus irmãos de ordem, tanto como no governador-geral Vidal, apesar de todos os obstáculos, sempre alcançou resultados importantes. Os aldeamentos de índios livres do Maranhão foram agora postos sob a direção de missionários jesuítas; a situação de seus moradores foi sensivelmente melhorada; ao mesmo tempo os índios, que haviam sido escravizados de modo ilegal e agora por sentença judicial recuperavam a liberdade, eram despachados, com dádivas, às suas terras, às suas tribos. Assim se espalhou no sertão a notícia do novo sistema, da atuação humanitária da Companhia de Jesus; onde quer que aparecessem os "padres negros" nas suas viagens, em toda parte encontravam acolhimento amigável. Esta boa disposição dos indígenas soube Vieira logo aproveitá-la; em todas as direções mandou empreender viagens de missão. Os naturais da ilha Marajó, à embocadura do Amazonas, que até aqui se haviam defendido corajosamente contra o ataque dos portugueses, foram agora domesticados e subjugados pela catequese cristã.

De Belém seguiam missionários pelo rio Tocantins, de Gurupá subiam pelos rios Xingu e Tapajós; outros tomavam pelo curso do Amazonas, penetravam primeiro até ao rio Negro; e muitas vezes resolviam tribos inteiras acompanhar o pregador ao domínio da colônia portuguesa, trocar a sua liberdade selvagem pela suave soberania dos missionários. Todavia, os cuidados de Vieira não se limitavam exclusivamente ao vale do Amazonas; ao mesmo tempo ele despachava missionários às solidões do Piauí e do Ceará; e não somente na costa, na foz do rio Camocim e do rio Ceará, também no sertão, na serra de Ibiapaba, era pregado o Evangelho, eram as tribos indígenas convertidas a uma vida séria de lavradores. Uma série de aldeamentos de missão surgiu também aqui, duplamente importante, por haver assegurado o primeiro meio de comunicação terrestre entre Maranhão e Pernambuco.

Por esta maneira havia Vieira atuado durante cinco anos, 1655-1660, como superior das missões do Maranhão, sem que, além de pequenos estorvos, sofresse oposição séria. Sem dúvida estavam os colonos, como antes, extremamente descontentes com o novo sistema, porém sujeitavam-se calados, pois sabiam que Vieira muito podia na corte de Lisboa, e que já por este motivo as autoridades civis o apoiariam zelosas. Contudo, pouco a pouco, foi mudando a situação; no rei d. João IV, falecido em 6 de novembro de 1656, perdeu Vieira o seu mais poderoso protetor, e o único patrono influente que lhe restava, André Fernandes, bispo titular do Japão e confessor da rainha regente, faleceu também em 1660; além disso, exonerou-se o até então governador-geral do Estado do Maranhão, André Vidal de Negreiros, a 23 de setembro de 1656, a fim de assumir o governo de Pernambuco. O seu sucessor, Pedro de Melo, era homem sem moralidade alguma, egoísta e cobiçoso; aparentemente era o mais zeloso promotor do novo sistema, o melhor amigo de Vieira, enquanto viveu o bispo do Japão; secretamente entendia-se com os descontentes e atiçava o mau humor, a fim de obter para si o favor do povo.

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