Continued from: O Estado do Maranhão - A COLONIZAÇÃO DO BRASIL

Nestas circunstâncias tomou novo ânimo o partido dos escravocratas, as autoridades de ambas as capitais, São Luís e Belém, entenderam-se, e começou então nova agitação para o restabelecimento da escravidão sob o velho sistema (1661).

À frente do movimento apresentava-se a municipalidade de Belém; num oficio a Vieira, descrevia as supostas conseqüências prejudiciais do novo sistema, o declínio da prosperidade particular e pública; índios livres nada podiam servir à colônia, só escravos. Um segundo escrito ainda ia mais longe: não somente nele se exigia o direito de, como antes, sem consentimento e sem fiscalização dos jesuítas, fazer expedições para angariar escravos no sertão, mas também eram abertamente contestados os poderes extraordinários e a superintendência sobre os denominados índios livres, que a lei de 1655 havia conferido à Companhia de Jesus.

Ao mesmo tempo vinham deputados de Belém, a fim de apresentar em São Luís as reclamações do povo ao governador-geral, e em Lisboa no governo da mãe-pátria.

Assim estavam as coisas, quando um incidente, em si mesmo insignificante, levou a agitação dos espíritos a rompimento violento.

Foi que por esse tempo regressou de Lisboa um frade ao seu convento em São Luís, trazendo de lá algumas cartas do punho de Vieira, que ele havia conseguido (não sabemos como) do inventário do bispo do Japão; acontece que estas cartas continham uma descrição fiel dos costumes do Maranhão e, justamente por estarem conforme a verdade, eram nada lisonjeiras para a população.

Estavam então, como já se disse, todas as ordens religiosas do Maranhão abertamente em indisfarçada oposição à Companhia xle Jesus; assim, não hesitaram um instante em utilizar-se dessa arma contra os seus odiados rivais e tornaram públicas as cartas.

Estalou então em São Luís uma arruaça tumultuosa; o povo ajuntou-se, escolheu um chefe revolucionário, um juiz do povo, que, como os tribunais da antiguidade, devia representar e defender os direitos do povo perante o governo; e depois arremeteu um povaréu desenfreado contra o Colégio dos Jesuítas.

Debalde advertia o governador-geral que sossegassem; não se lhe dava ouvidos e é difícil crer que fossem sérias as suas exortações, porque não empregou meio algum para restabelecer a ordem; porém os padres seculares e os frades tiraram completamente as máscaras e estimularam o povo enfurecido, com discursos em público e com promessas, a praticar ainda maiores violências. Assim, foi assaltado o Colégio dos Jesuítas; obteve-se, à força, do diretor, um documento, no qual ele renunciava a qualquer influência em relação aos índios; em seguida, foi arrastado

com seus irmãos da ordem para fora da cidade, provisoriamente com eles embarcado a bordo de um navio, sob custódia; logo que se prendessem e trouxessem os restantes das outras estações — assim decretava uma resolução do povo — seriam todos embarcados e deportados do Estado do Maranhão.

Durante estes acontecimentos, estava Vieira casualmente ausente; chamado a negócios em Belém, estava ele justamente de regresso a São Luís, quando, em caminho, teve notícia dos fatos ali ocorridos. Nestas circunstâncias, a sua presença em São Luís nada mais podia valer; então ele se apressou, rapidamente resolvido, a voltar a Belém, a fim de impedir, se possível, que o sedicioso movimento se transplantasse também para ali. Chegando lá, apresentou ele imediatamente um memorial ao Conselho Municipal, no qual expunha detidamente as vantagens que o novo sistema havia trazido para o bem geral: "Pela atividade pacífica dos missionários, havia o rei ganho grande número de novos súditos, a Igreja, novas almas; os índios de Marajó, diante dos quais Belém tantas vezes havia tremido, estavam pacificados; a oeste, todo o curso do Amazonas, a leste as solidões do Piauí e Ceará, estavam abertos ao domínio português, à colonização e ao comércio. Todos estes proveitos de novo se perderiam, se se abandonasse o sistema empregado até aqui; por este motivo, pedia ele, o Conselho Municipal devia manter a lei existente e empenhar tudo para que os acontecimentos de São Luís não fossem imitados em Belém".

Todavia, ficaram sem efeito estas representações; o Conselho Municipal deu resposta evasiva; mas, pela sua conduta de antes, não podia haver dúvida de que ele aprovava absolutamente o motim dos maranhenses; assim também não pôs obstáculo algum às notícias, às mensagens e aos agentes excitantes que chegavam de São Luís.

Em conseqüência, o povo de Belém também se amotinou; também ali foi assaltado o Colégio dos jesuítas. Vieira, que, audaz, fez frente aos amotinados, foi vaiado e maltratado, em seguida mandado preso para São Luís, onde teve de sofrer novas ofensas.

Debalde reclamou ele que o levassem à presença do Conselho Municipal, do governador-geral; não foi atendido. Depois de algumas semanas de prisão, foi finalmente publicado um decreto que o condenava para sempre à deportação do Estado do Maranhão, e o navio que devia levá-lo, com uma parte dos seus irmãos da ordem, para Portugal, levantou âncora.

Saiu, assim, o padre Vieira, como desterrado, do país, onde ele havia entrado com tão grandes esperanças e planos e onde duas vezes havia perdido os frutos de trabalhos extenuantes, abençoados: nunca mais ele tornaria a vê-lo!

A revolta havia vencido; todavia, o seu sucesso não foi completo, nem teve longa duração. Consumados os atos das duas capitais, São Luís e Belém, naturalmente as pequenas colônias deram a sua adesão; porém a terceira cidade do Estado do Maranhão, Gurupá, à entrada do Amazonas, recusou tomar parte. Ali, o comandante mantinha as leis e concedia aos missionários da Companhia de Jesus seguro abrigo. Duas vezes seguiram para ali expedições armadas, vindas de Belém, a fim de obrigá-lo à submissão; a primeira foi repelida e o seu chefe aprisionado; a segunda apoderou-se de fato da cidade, e ali muitos jesuítas lhe caíram às mãos; porém o castelo, fortificado, resistiu a seus ataques e assim ela teve que retroceder sem haver conseguido coisa alguma.

Também a decretada deportação dos jesuítas foi protelada. No Pará, para completar o número, ainda faltavam alguns que se conservavam escondidos, uns nas matas, outros no forte de Gurupá, e o povo insistia teimoso em que se deportassem todos juntos de uma vez. No Maranhão haviam-se, de fato, depois da partida de Vieira, embarcado os restantes num navio; porém, não longe da costa, este caiu em poder de um cruzador holandês, o qual pôs de novo em terra os passageiros.

Ficaram assim provisoriamente presos os irmãos da ordem, parte em São Luís, parte em Belém.

Nesse ínterim, havia chegado a Lisboa o navio, no qual navegava Vieira; ele levou a primeira notícia do levante no Maranhão e, se bem que um deputado do povo, que ia também a bordo, procurasse desculpar do melhor modo os acontecimentos de lá, não deixou de ficar bem patente a sua feição violenta e revolucionária. O governo demonstrou a maior indignação; ao primeiro ímpeto ordenou a rainha regente que embarcassem imediatamente 200 soldados, para bater os rebeldes; contudo, depois de madura reflexão, reconheceu que em tal país seriam de difícil execução medidas violentas, e contentou-se então em nomear outro governador, Rui Vaz de Sequeira, para substituir Pedro de Melo, e encarregado de pacificar os ânimos e restabelecer a ordem com brandura e prudência.

Embarcou logo Sequeira e chegou a 25 de março de 1662 a São Luís, onde ainda encontrou o povo na maior efervescência; o juiz do povo declarou-lhe francamente: "Se ele tivesse trazido consigo soldados ou jesuítas, ter-lhe-ia sido oposta resistência com armas na mão; assim, porém, estava-se pronto a reconhecê-lo, mas sob condições".

Comportou-se inteligentemente; fez uma publicação, na qual prometia nada empreender sobre a questão com a Companhia de Jesus, sem se pôr de acordo com o Conselho Municipal e com o povo; e consentiu que, das suas instruções, o que fosse contrário a isso fosse expressamente anulado em nome do povo; só então tomou o Conselho Municipal conhecimento da sua patente de nomeação régia e lhe prestou a devida homenagem.

Já se vê que Sequeira não tencionava manter de pé essas promessas, extorquidas, que feriam a autoridade do seu cargo e a prerrogativa da coroa; porém, a princípio, achando-se impotente diante dos funcionários rebeldes, não teve remédio senão contemporizar; aparentemente ele fez coro com a grita geral contra os jesuítas, deixou os irmãos da ordem nas suas prisões e ordenou até ao comandante de Gurupá, que se mantinha fiel ao seu dever, que viesse prestar contas em São Luís. Ao passo que ele deste modo enganava o zelo suspeitoso dos chefes da facção popular, tomou às caladas os seus preparativos. Com severa justiça e generosidade foi ganhando a afeição dos soldados; ao mesmo tempo ia atando relações com os habitantes da cidade, o que lhe foi tanto mais fácil, porque muitos, mormente da classe mais distinta e mais abastada, já estavam cansados das maquinações dos revolucionários, receosos pelas suas posses, se continuasse esse estado de coisas.

Já ao cabo de algumas semanas ele se sentiu bastante forte para atuar. Convocou a Câmara Municipal, as autoridades ordinárias e os chefes populares para uma sessão comum; depois, dirigiu-se ele próprio à Câmara Municipal, acompanhado por 20 mosqueteiros seguros. Quando ele ali chegou, encontrou a praça do mercado com uma turba compacta de gente, cuja atitude fazia recear o pior; porém, impávido e em voz alta, ordenou aos seus soldados que imediatamente fizessem fogo, apenas alguém por palavra ou ação ousasse perturbar a ordem.

O povo, intimidado com esta atitude decidida, dispersou-se, e Sequeira entrou na sala das sessões, onde em curtas palavras declarou que era o seu intento propor a readmissão da Companhia de Jesus, ao menos para cuidar de suas posses particulares e das suas atividades em prol das almas, contudo, em consideração pela opinião pública, ainda se abstinha; a anarquia reinante devia, porém, cessar. Ele significou em seguida ao juiz do povo que despisse imediatamente a sua autoridade usurpada, que não era justificada nem pela lei nem pela tradição, e à Câmara Municipal, que se limitasse à sua competência legal: "De hoje em diante, começava ele governador-geral, a governar, ele próprio".

Ninguém ousou contestar e assim foi restabelecida a ordem legal sem luta armada. E não ficou nisso; depois de tão violento levante contra os jesuítas, não podia deixar de haver reação; pouco a pouco muitas vozes se levantaram em seu favor, parte de velhos amigos, parte de antigos adversários, que julgaram oportuno, por uma acomodação amigável, evitar averiguações; e assim chegou em breve ao governador-geral uma petição para entabular a conciliação entre o povo do Maranhão e a Companhia de Jesus.

Sequeira estava pronto para isso; convocou uma reunião popular para 29 de maio e apresentou-lhe uma proposta: "Convinha restituir a liberdade aos jesuítas e permitir-lhes regressarem aos seus colégios; por outro lado, deviam ficar suspensas as prerrogativas seculares da ordem, mormente o direito de fiscalização sobre os índios, até que se recebesse notícia da vontade da coroa".

Esta moderada proposta foi acolhida com geral regozijo e aprovação; somente uma pequena minoria, a cuja frente se havia posto o ex-governador-geral Pedro de Melo, deu pública demonstração de descontentamento e de querer impedir com tumultos a deliberação regular. Porém Sequeira tomou-lhe a dianteira; ele havia tomado providências para qualquer emergência: a igreja, onde se realizava a reunião, estava cercada por suas tropas, e, mal a maioria dera o seu voto favorável, ele encaminhou-se para os descontentes, tomou Pedro de Melo pelo braço e, com amigável constrangimento, o conduziu para fora, ao passo que o repicar dos sinos e as salvas de canhão festejavam a realização da conciliação. Nos dias seguintes foi este acordo efetuado; os jesuítas tomaram de novo posse da sua Casa da Ordem e conformaram-se com as limitações impostas; mas Sequeira anunciou, numa proclamação, plena anistia por tudo que havia acontecido e ao mesmo passo ameaçava toda nova perturbação da ordem com os mais severos castigos (2 de junho de 1662).

Estava terminada a revolução; porém o motivo dela, a questão dos índios, ainda estava para ser resolvida, e passou mais de um ano antes que o governo de Lisboa, apertado por ambos os partidos, pudesse chegar a uma resolução. Finalmente, foi dada a lei de 12 de setembro de 1663, que satisfazia inteiramente os interesses dos escravocratas; o rei confirmou a plena anistia concedida por Sequeira, proibiu ao padre Vieira voltar ao Maranhão e retirou da Companhia de Jesus toda autoridade civil. Para o futuro deviam exclusivamente as câmaras exercer fiscalização sobre as relações com os índios; o cuidado das almas dos mesmos devia ser repartido entre todas as ordens monásticas estabelecidas no Maranhão, pois*era de justiça que todos trabalhassem na vinha do Senhor.

Estas resoluções satisfizeram de algum modo o povo do Maranhão; na verdade a nova lei também impunha algumas restrições, que deviam coibir eventuais abusos, porém a exclusiva decisão na questão estava nas mãos das câmaras municipais, e dessas não havia que recear demasiados escrúpulos, pois os seus membros, escolhidos dentre o povo, eram eles próprios interessados na escravidão.

Por outro lado, aos funcionários régios não agradou de nenhum modo o

decreto de 1663; antigamente, antes do tempo de Vieira, eles tinham exercido, mormente o governador-geral, a fiscalização superior sobre os índios e com isso ganhavam grossas quantias; agora, depois da derrota dos jesuítas, eles contavam reaver esse direito, porém desenganaram-se amargamente, pois as autoridades municipais os preteriram. Por este motivo resolveu Sequeira suspender a nova lei, até que conseguisse alteração no seu sentido; ele protelou a sua publicação o mais que pôde, com grande descontentamento do povo; porém, finalmente, viu-se forçado a ceder, pela Câmara Municipal de Belém, que ameaçava proceder por sua própria autoridade, e, no correr do ano de 1666, foi feita a publicação regulamentar em todo o Estado do Maranhão.

Não obstante, reviveu a mesma contenda nos governos dos sucessores de Sequeira, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, 1667-1672, e Pedro César de Meneses, 1672-1679, e, se bem que fosse evitado o rompimento formal, não faltaram contínuos atritos. Muitas vezes precisavam agora as autoridades municipais, como procuradores dos índios, de intervir contra as usurpações do governador-geral; chegou a tanto, que o Conselho de Belém apresentou queixa formal contra Albuquerque, em Lisboa, e mandou ajuízo o filho bastardo deste, como réu; do seu lado, Meneses escapou, por um triz, de uma conjuração que, com a cumplicidade de diversos cidadãos conspícuos, padres e leigos, havia sido tramada contra a sua vida.

O ano de 1679 foi de importantes alterações para o Estado do Maranhão. Primeiro, foi nomeado um novo governador-geral, Inácio Coelho da Silva (1679-1682), que, já como o seu antecessor e também o seu sucessor, Francisco de Sá de Meneses (1682), e seguintes, estabeleceu a sede de seu governo em Belém, de sorte que esta cidade, durante algum tempo, foi agora, ao invés de São Luís, a própria capital do Estado. Além disso, foram reorganizados os negócios eclesiásticos no Estado, ficando inteiramente separados dos do próprio Brasil (1677); daí em diante devia o Maranhão ter um bispo seu e, de fato, foi revestido em primeiro lugar com esta dignidade Gregório dos Anjos, em 1679. Ainda neste mesmo ano tomou posse da sua sede episcopal e empreendeu, sem tardar, uma viagem de inspeção pela sua nova diocese, na qual achou oportunidade de se informar rigorosamente a respeito das condições dos índios.

Não haviam estas melhorado em nada, sob a fiscalização das autoridades municipais; todos os antigos abusos floresciam com renovado vigor, como antes, sob a administração dos funcionários da coroa; também o cuidado das almas, a obra das missões estavam em grande decadência, desde que todas as ordens monásticas deles tomavam igualmente parte, porque só os jesuítas lidavam à maneira antiga, com zelo verdadeiramente humanitário, ao passo que a maioria dos outros religiosos negligenciavam a nova obrigação assumida e se empenhavam somente por sua própria vantagem. Neste sentido informou o bispo ao governo em Lisboa, depois de se haver entendido com o governador-geral; as suas representações acharam logo ouvido atento, e já em abril do ano seguinte o rei d. Pedro II decretou uma série de medidas legislativas, que tendiam para profunda reforma.

Primeiramente a lei de 1? de abril de 1680 suprimia quase por completo a escravidão dos índios: ela declarava libertos todos os prisioneiros resgatados de tribos indígenas e ordenava que fossem sem exceção agasalhados nos aldeamentos índios; somente os prisioneiros de guerra permaneciam escravos; todo aquele que de futuro se tornasse culpado de transgressão dessas ordens seria preso imediatamente, sem consideração pela sua categoria social e pelo foro próprio, e deportado para Lisboa.

Segundo decreto, de 10 de abril de 1680, ordenava que os habitantes dos aldeamentos indígenas livres não mais fossem alugados anualmente durante seis meses, mas somente dois meses por ano, a fim de trabalharem para os colonos brancos; e finalmente, terceira lei, de 30 de abril de 1680, restituiu os plenos poderes sobre a população indígena, a fiscalização temporal tanto como o cuidado das almas, exclusivamente às mãos dos jesuítas.

Pode-se imaginar quanto descontentamento estas leis produziram; eram ainda mais desfavoráveis aos interesses materiais dos colonos do que antes o decreto de 1655, por motivo do qual o povo se havia abertamente revoltado.

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