Continued from:

A segunda seção da história do Estado do Maranhão, para a qual agora passamos, ocupa-se com a formação da independência das suas diferentes regiões e seu destino ulterior; e começamos por aquela região que, pelo tamanho e importância, excede a todas as outras.

A capitania, mais tarde capitania-geral, e, segundo a denominação moderna, província do Pará ou do Grão-Pará, como se sabe, compreendia até há poucos anos o conjunto do vale do Amazonas brasileiro ao norte do grau 8-9, latitude sul, uma superfície de cerca de 89.000 léguas quadradas portuguesas. Aí se costumavam distinguir antigamente duas grandes porções de território por nomes diferentes; assim pelo fato de se incluírem durante muito tempo sob o nome comum de Guiana todas as terras entre o Orenoco e o Amazonas, chamava-se a menor porção da província, ao norte do Amazonas, de Guiana portuguesa ou brasileira; porém a outra parte no extremo oeste, entre o Amazonas e o rio Madeira, denominava-se a região do Solimões; contudo, ambas estas denominações eram meras noções geográficas. Por outro lado, a verdadeira divisão política, o número de distritos de governo, que se chamavam antes capitanias, atualmente comarcas, naturalmente foi de tempos em tempos mudando; portanto, seria inútil seguirmos essas oscilações.

Da história especial do Pará pouco resta a acrescentar, de parte o ponto mais importante, a questão dos índios; e, na verdade, durante todo o século XVIII, o único acontecimento de interesse histórico é a formação separada da província, o seu desmembramento do antigo Estado do Maranhão. A separação fez-se a princípio em assuntos eclesiásticos. No ano de 1719 redrou o papa Clemente XI, de combinação com o rei d. João V de Portugal, a província do Pará da autoridade do bispo de São Luís do Maranhão, e erigiu em Belém um bispado próprio, ao qual era sujeito todo o interior ocidental, isto é, além do Pará, ainda Goiás e Mato Grosso; os dois últimos foram, todavia, por sua vez, separados pela bula papal de 6 de dezembro de 1746, e a diocese do bispo de Belém compreende, por conseguinte, atualmente, só as províncias do Pará e Alto Amazonas.

Não é tão clara e tão precisa a separação política. O curso de nossa narração histórica assinalou que o governador-geral do Estado do Maranhão residia sempre alternadamente em uma das capitais, ora em Belém, ora em São Luís, e na verdade, desde o fim do século XVII, de preferência em Belém; durante a sua ausência, governava na segunda capital um lugar-tenente, que se achava, segundo o sentido das suas instruções, em maior ou menor subordinação; para consumar a separação, bastava, portanto, que o segundo governador obtivesse para o seu território plenos poderes e direitos iguais aos do governador-geral. Isto parece ter sido a regra, desde o ministério Pombal (cerca de 1760); Pará e Maranhão foram desde então províncias equiparadas, ambas sujeitas apenas ao gabinete de Lisboa, e extinguiu-se o velho Estado do Maranhão.

Nesse ínterim, progredia incessantemente a colonização, não em todas as direções como a norte-americana, porém (excetuadas as colônias da costa, que se estendiam desde os limites do Maranhão, sobre a ilha Marajó, até ao cabo Norte) seguindo o curso dos rios. Eram os seus pioneiros os missionários, os negociantes dos índios, os caçadores de escravos; atrás desses, vinha o colono, que, onde a oportunidade de caça ou de pesca convidava, ou onde com uma pequena roçada, ou melhor com a simples colheita dos produtos da mata virgem, podia comodamente ganhar o seu sustento, construía a sua ligeira habitação, em nada melhor que as choupanas dos indígenas selvagens.

Daí se seguiram as missões e finalmente as fortificações do governo. Portugal, de fato, vigiava o vale do Amazonas com o mais cioso zelo, mormente contra a França e a Espanha; logo que as relações se turbavam na Europa e havia perigo iminente de guerra, levantavam-se à margem dos mais importantes rios, dominando a navegação, novas fortalezas, que, restabelecido o sossego, novamente se deixavam arruinar. Assim foram os portugueses penetrando sem demora no coração do continente; firmaram-se eles, porém, sobretudo em três cursos de água.

Uma série de colônias foi bordando o caudaloso curso do Amazonas, de Gurup; até à povoação de São José e ao forte de São Francisco Xavier de Tabatinga, poua distante dos limites peruanos, fundado cerca de 1780; segunda série, partindo d< Belém, seguia o rio Pará e Tocantins até à embocadura do Araguaia, onde se ach; a alfândega da fronteira da província de Goiás, a atual cidadezinha de São Joãc das Duas Barras; terceira série, finalmente, margeava o rio Negro. Os restante: afluentes principais do rio Amazonas, o rio Xingu, o Tapajós, o Madeira, foran colonizados somente na embocadura e algumas léguas a montante. Contudo, sempre o rio Madeira adquiriu grande importância, pelo fato de constituir o caminhe fluvial para o comércio entre o Pará e Mato Grosso; da povoação Borba Moura partiam os navegantes em verdadeiras frotas de canoas, rio acima pelo Madeira, e entravam pelo Guaporé, que os levava a Vila Bela (Mato Grosso); por este caminho abastecia-se a província de Mato Grosso, desde 1750, de todas as suas mercadorias, até que, cerca do ano 1780, as hostilidades contínuas dos selvagens Muras e Mundrucus interromperam completamente por muitos anos esse comércio tão rendoso para Belém.

Tiremos daí as conclusões. A colonização do vale do Amazonas fora nas linhas gerais rapidamente esboçada: porém Portugal, ao passo que ciosamente excluía todo o estrangeiro, não dispunha ele próprio de homens, nem de capitais bastantes, para preencher as lacunas, e, por isso, até atualmente ficou tudo em esboço. Assim as províncias do Pará e Alto Amazonas contam (excetuando-se os índios ainda selvagens) apenas uns 50.000 habitantes, destes 207.400 do Pará (?). As diversas povoações, míseras aldeias ou pequenas cidades insignificantes, estão afastadas muitas léguas umas das outras, e o único meio de comunicação entre elas é o rio, a via fluvial; as roças nas suas vizinhanças estão como que enterradas na mata virgem, somente acessíveis por estreitas picadas, e por toda parte, logo que o abandono, a interrupção do cultivo oferecem oportunidade, as selvas dentro de curto prazo recuperam o seu perdido predomínio.

O povo, na maioria criado sem instrução alguma, está ainda por toda parte no grau de cultura de matuto; em parte alguma do Brasil reinam como aqui a indolência, a violência, a imoralidade; e antigamente ainda eram os paraenses famigerados especialmente por sua crueldade contra os escravos; para os negros das províncias do Sul não havia ameaça mais eficaz do que a de serem vendidos para o Pará. Somente a capital, Belém, importante como sede das autoridades eclesiásticas e civis, ainda mais como principal empório do comércio do vale do Amazonas, havia tomado uma espécie de feição européia, sobretudo depois que o marquês de Pombal ali mandou construir magníficos edifícios públicos; a ele deve Belém igualmente a sua elevação a cidade de primeira ordem; contudo, só no Brasil pode ela ser como tal considerada.

No ano de 1848, orçava a população urbana somente em 14.010 almas, das quais 4.726 escravos; e imediatamente às portas se ostenta ainda a mata tropical primitiva, em todo o seu virginal esplendor.

Da história mais recente do Pará ainda se podem destacar alguns fatos. Belém foi a primeira cidade, Pará a primeira província do Brasil, onde soldados e povo aderiram à revolução portuguesa de agosto-setembro de 1820 e reclamaram um governo constitucional (l9 de janeiro de 1821).

Por outro lado, ela foi a última que aderiu à declaração de independência e ao novo império do Brasil; somente em setembro de 1823, quando um navio de guerra brasileiro, sob o comando do capitão Grenfell, chegou diante da cidade e se apresentou como vanguarda de urna grande esquadra que estava no Maranhão, sob o comando de lorde Cochrane, depuseram as autoridades portuguesas o seu poder, foi instituída uma junta provincial, e a cidade e a província renderam homenagem ao imperador d. Pedro I. Mas imediatamente depois irrompeu uma arruaça em Belém, a qual, em si e por si mesmo insignificante, foi suplantada no mesmo dia com o auxílio dos soldados do mar; contudo, por causa de um trágico incidente, tomou celebridade tremenda.

Os rebeldes prisioneiros, em número de 253, foram levados alta noite ao porto, para bordo de um navio, e ali metidos num estreito espaço; loucos de sede e de calor, procuraram os desgraçados sair da prisão e alcançar a coberta do navio; porém a guarda os rechaçou a tiro; as escotilhas foram fechadas, e para fazer peso foram rolados canhões para cima da cobertura. E então desencadeou-se no estreito e tenebroso porão do navio uma terrível luta de vida e morte entre os companheiros de infortúnio; sem compaixão os mais fortes calcaram aos pés os mais fracos, para garantirem para si um lugar, ar para respirar, uma gota de água; toda a noite durou o tumulto, ressoou o clamor do desespero, até que finalmente pela madrugada todo o rumor cessou. Era o silêncio da morte: quando as escotilhas foram reabertas, achou a guarda somente quatro dos prisioneiros ainda com vida; em seguro esconderijo, atrás de uma pipa de água, haviam escapado à geral mortandade.

De maior importância histórica são os acontecimentos durante a minoridade do imperador d. Pedro II, especialmente a grande revolução dos Cabanos (moradores de cabanas), que assolou de 1835 até 1837 o vale do Amazonas57. Como todos os levantes daquele período, também este apresentava um fim político, sobre o qual, entretanto, são muito diversas as versões: ora cita-se como motivo o descontentamento com o governo provincial, ora cobiças particularistas. Porém era tudo pretexto: o verdadeiro motivo era o ódio dos brasileiros contra os portugueses — ódio que se originava, não numa passageira antipatia nacional, explicável logo depois da separação inamistosa entre a pátria-mãe e a pátria-filha, porém em fundamentais motivos materiais; é por conseguinte, de origem mais antiga e perdura sempre.

Compreende-se que os portugueses prefiram entre todos os países da terra emigrar para o Brasil, onde encontram a língua e os costumes de sua pátria e onde podem adaptar-se mais facilmente às novas condições; o número de portugueses aqui é, portanto, muito grande, e quase sem exceção dedicam-se ao comércio; como merceeiros, vendedores ambulantes, mercadores de índios, percorrem eles em todos os sentidos o país, e, como em geral superam em instrução, habilidade e, o que é o principal, em atividade os seus indolentes concorrentes brasileiros, alcançam, assim, em toda parte, a supremacia; eles monopolizam o pequeno comércio, e na maioria conseguem dentro de pouco tempo considerável bem-estar.

O povo baixo brasileiro considera-os verdadeiros sanguessugas estrangeiros (como os europeus consideram os judeus); ele odeia os portugueses por causa de seu espírito comercial judeu, inveja-lhes a fortuna, e por toda parte, onde se declara algum levante sério, são eles as primeiras vítimas do seu furor. Assim também aconteceu aqui no Pará, quer numa arruaça na cidade de Belém (17 de abril de

1833), quer novamente em 1835. Todavia essa feição primitiva apagou-se, quando os chefes das revoltas chamaram às armas as populações índias meio selvagens, os Tapuias, e a sublevação apresentou-se como uma guerra de índios contra os brancos, dos destituídos de bens contra os que possuíam bens.

Definida assim a feição do movimento, cuidemos agora dos fatos. Podemos considerar como um prelúdio os levantes que começaram em 1834 no rio Acará, algumas léguas a sudeste de Belém; estes foram em breve dominados, e o indigitado cabeça do motim, Félix Antônio Clemente Malcher, foi mandado preso para a cidade.

Porém, logo em seguida, desencadeou-se a borrasca na própria Belém. A 7 de janeiro de 1835, de manhã muito cedo, rebelou-se a guarda do palácio do governo, assassinou o presidente e comandante militar da província; a mesma sorte tiveram os oficiais que procuraram restabelecer a ordem; um primeiro sargento assumiu o comando. Toda a guarnição levantou a bandeira da sedição; a plebe aderiu; arrombaram as prisões, soltaram cinqüenta presos, entre eles Malcher.

E voltaram-se então contra os portugueses: cerca de uns vinte negociantes abastados foram trucidados, as suas casas saqueadas, ao passo que uma fila de sentinelas postadas no porto fuzilavam qualquer pessoa que procurasse refugiar-se a bordo dos navios.

Depois destes atos de crueldade, trataram os cabeças de estabelecer nova ordem nas coisas; uma proclamação anunciava que a província do Pará, durante a menoridade de d. Pedro II, nada teria que ver com o governo do Rio de Janeiro, nem dali receberia funcionário, nem ordem alguma: em seguida, por sufrágio popular, foi nomeado Malcher presidente, e Francisco Pedro Vinagre comandante militar da província. Todavia, estes chefes revolucionários logo se desavieram; Vinagre, assim que soube que estava resolvida a sua prisão, antecipou-se ao seu rival, chamou às armas soldados e plebe, a 19 de fevereiro. Depois de muitos dias de combates, que custaram a vida de uns duzentos homens, conseguiu ele tomar de assalto o forte onde Malcher se havia refugiado; este foi preso e trucidado, e Vinagre tornou-se então senhor único. A notícia destes acontecimentos chegou somente ao cabo de 60 dias ao Rio de Janeiro, via Inglaterra58; assim tiveram os revolucionários no Pará tempo para se firmar; quando, finalmente, a 12 de maio, chegou a Belém uma esquadra de treze barcos de guerra, estavam eles bastante fortes para repelir a mesma, impedir qualquer desembarque.

Em breve, porém, seguiram novas forças de combate, com elas um recém-nomeado presidente, Rodriguez59, e este pôde, sem combater, tomar posse de

Belém (24 de junho). É que Vinagre se havia retirado para o sertão, onde então ele chamou às armas os índios, em massa, e assim acendeu a chama da rebelião, a guerra dos sem-terra (índios) contra os proprietários (brancos), em todo o vale do Amazonas. O interior, ou, melhor, a mata virgem ficou em breve nas mãos dos Tapuias sublevados; as recônditas colônias e plantações foram saqueadas e destruídas, os seus habitantes trucidados; somente as grandes povoações resistiram ainda, porém não muito tempo. Mesmo a capital, Belém, não foi poupada; a 14 de agosto apareceu Vinagre com as suas hordas de índios diante das suas portas; desencadeou-se sangrento combate nas ruas, no qual os índios matavam desapiedadamente todo branco, sem olhar nacionalidade. Na verdade, os cidadãos fizeram enérgica resistência; também os navios estrangeiros, que ancoravam no porto, desembarcaram os seus soldados de marinha; porém, o presidente Rodriguez perdeu o ânimo; abandonou a cidade (23 de agosto de 1835); e então tratou cada qual, nacional e estrangeiro, de ao menos salvar a vida, com rápida fuga para bordo dos navios. O chefe dos rebeldes, Eduardo (Vinagre morreu no combate), por seu lado fez na verdade o que pôde para domar, pelo terror, os selvagens e salvar a vida e os bens, sobretudo dos estrangeiros; tudo, porém, debalde: entre os seus partidários, declararam-se cisões; violências de toda espécie; assassínio e matança estavam na ordem .do dia; todos os negócios ficaram paralisados e a cidade tornou-se deserta.

O mesmo aconteceu em toda a província: somente uma única cidadezinha no Alto Amazonas (Barra do Rio Negro?) conseguiu conservar a ordem legal durante todo o tempo; todas as outras caíram, uma após a outra, no poder dos rebeldes; dia a dia devastaram os índios novas plantações, mataram o gado e os escravos, e em diversos vastos distritos nem um homem branco ficou com vida.

Finalmente, em maio do ano seguinte, chegou do Rio um novo presidente provincial, o general Andréa, acompanhado por uma considerável força de guerra; ele forçou o desembarque, apoderou-se de Belém (13 de junho de 1836) e declarou o estado de sítio. Pela severidade e energia, conseguiu de novo restabelecer a ordem; porém, somente depois de demoradas e penosas lutas, tanto mais sangrentas, quanto em breve em ambos os partidos, quer dos rebeldes, quer imperialistas, combatiam índios selvagens e mansos; só no fim de 1837 estavam as mais importantes povoações ao longo dos rios principais nas mãos das legítimas autoridades, e as últimas convulsões duraram até o ano de 1839.

Este levante, denominado dos Cabanos, destruiu quase completamente o bem-estar da província; passou muito tempo antes que os comerciantes estrangeiros e capitais estrangeiros ousassem ali acudir novamente, antes que os negócios obtivessem a antiga opulência; e o que era ainda pior: a revolução, segundo se dizia, custara a vida de dez a doze mil homens, dos quais a maioria sucumbiu na luta, mas também muitos pereceram na prisão, à falta de alimentação e pelos cruéis tormentos; só a bordo de um navio-prisão, o Xin Xin, morreram no correr de cinco a seis anos 3.000 prisioneiros60.

Ultimamente, foi a província do Pará dividida em duas partes; a maior metade a oeste de uma linha traçada de norte a sul, junto dos afluentes do Amazonas, -rio Trombetas e rio Tupinambaranas, — foi separada, e, pelo decreto de .5 de se tembro de 1850, constituída em província independente, do Alto Amazonas (con 42.600 (?) habitantes). A esta nova província couberam, assim, pela divisão de fron teiras que acaba de ser mencionada, todas as colônias ao longo do Amazonas, d; Vila Nova da Rainha, rio acima, até à fortaleza da fronteira, Tabatinga, assim come as do rio Madeira; o seu núcleo propriamente dito, porém, é o que forma a ter ceira série de colônias que se escalonam ao longo do rio Negro.

O vale do rio Negro é, na opinião unânime de todos os viajantes, uma da mais belas regiões da terra e é com tanto maior entusiasmo gabado pelo fato d( serem as águas muito escuras desse rio negro (uma notável exceção em toda a baci; do Amazonas) completamente isentas da terrível praga dos venenosos mosquitos Além disso, é incomparável a sua importância para a navegação interior: por un canal natural, o Cassiquiare, ele se comunica com o Orenoco, ao passo que, poi outro lado, o seu afluente oriental, de águas quase cor de leite, o rio Branco, s( origina de nascentes quase confundidas com as do Essequibo (Guiana).

Este belo rio já desde cedo atraiu as vistas dos portugueses; nas suas margem fundaram os carmelitas oito missões de índios; em seguida, estabeleceram-se co lônias de brancos, que se estendiam desde o forte, na embocadura da atual cidad< de Barra do Rio Negro, fundada em 1674, até ao forte de São José dos Marabita nas, não distante dos limites da Colômbia. Em breve foi o vale do rio elevado a distrito autônomo, a princípio com o nome de capitania do Rio Negro, que com o tempo mudou pelo de comarca, finalmente, pelo de província do Alto Amazonas; a sede de suas autoridades era primeiro em Barcelos, porém desde fins do século XVIII e atualmente é em Barra do Rio Negro.

Fatos históricos, poucos há para mencionar nesta província. Nos umbrais de sua história, apresenta-se um poderoso cacique, Ajuricaba, da raça dos Manaus que, em 1720, dominava o rio Negro com uma frota de canoas, e levava os seus prisioneiros de guerra pelos rios Branco e Essequibo à Guiana, a fim de ali os vender como escravos aos holandeses. Muitas vezes esta sorte tocou também aos cate-cúmenos dos carmelitas, de modo que estes pediram socorro ao governo provincial de Belém; apareceu um destacamento de soldados, e, depois de demorado combate, foram aprisionados mais de 2.000 manaus, entre eles o próprio Ajuricaba, e remetidos para serem julgados em Belém. De caminho, na oscilante canoa que o levava, assim como mais alguns dos seus companheiros de infortúnio, fez o ousado selvagem tentativa de se libertar; foi subjugado, amarrado; então ele saltou o bordo da canoa e afundou-se nas águas do Amazonas. Durante muitos anos ainda era o seu nome recordado, o seu povo esperava a volta do grande cacique!

Depois, no ano de 1757, estalou uma terrível guerra de índios. Um índio convertido foi obrigado pelo missionário a abandonar uma mulher com a qual vivia em casamento livre; irritado ao mais alto grau, tramou uma conspiração com algumas tribos selvagens, assaltou e destruiu a missão, onde ele havia sofrido a suposta vergonha. E então lhe acudiram em multidão de todos os lados novos confederados selvagens; diversos aldeamentos pacíficos e diversas povoações de brancos foram destruídos; mesmo Barcelos foi ameaçada, e, sem os rápidos sq-corros que o governo provincial de Belém para ali despachou, toda a colônia portuguesa, à margem do rio Negro, teria sido aniquilada.

Estas correrias, depois a transformação e a ruína das missões, em seguida um levante passageiro em que o território do Rio Negro formalmente se separou da província do Pará, 23 de junho de 1832, finalmente, a revolução de 1835, que também aqui lavrou, — tudo isto muito atrasou o vale do rio, e o Alto Amazonas permanece atualmente num grau de cultura ainda mais baixo que o interior bravio do Pará. A nova capital, Barra, conta só 6.000 habitantes, na maioria índios e mestiços, e quando muito tem alguma importância, como praça de comércio dos índios, no qual quase todos os cidadãos participam. A velha capital, Barcelos, está quase deserta; somente as largas ruas delineadas, que no meio do mato mal se reconhecem, somente uns blocos de mármore mandados vir de Portugal, desde muitos decênios, para construção de edifícios públicos, e que agora jazem inúteis à margem do rio, recordam a antiga importância da cidade.

Ainda em piores condições estão as outras povoações; muitas delas, que estão assinaladas no mapa, acham-se vazias ou habitadas por uma única família.

À outra banda de Barcelos estão apenas fortalezas meio arruinadas e aldeias de indígenas; fala-se quase exclusivamente a língua dos índios, e os únicos brancos ali são alguns padres, funcionários, negociantes de índios e construtores de canoas. Nestas circunstâncias, o Alto Amazonas sem dúvida não estará ainda por alguns decênios em estado de cobrir as suas despesas de administração, mas terá que ser sustentado inteiramente à custa do tesouro do império, pelas rendas aduaneiras de Belém.

A sua constituição independente, que torna necessário um grande aparelho de governo, foi por isto muitas vezes combatida, porém com pouca razão; o novo estado de coisas sempre trará na pessoa dos funcionários alguns elementos de cultura, e com os seus vencimentos algum dinheiro, e ambas estas coisas faltam aqui mais que em qualquer outro lugar do Brasil.

Ultimamente o gabinete do Rio de Janeiro tomou uma medida igualmente importante para o Pará e o Alto Amazonas.

A bacia do Amazonas (em natural comunicação com a do Orenoco) estende-se, como se sabe, longe, além dos limites brasileiros, pelos Estados vizinhos de Venezuela, Nova Granada, Equador, Peru e Bolívia; não obstante, o Brasil, como possuidor da maior parte dessa bacia e especialmente da foz, conservava até recentemente rigoroso exclusivismo e com isso cortava toda a comunicação fluvial de todos aqueles Estados com o oceano Atlântico. Agora já se abriu mão disso; o governo brasileiro estabeleceu o princípio de reciprocidade, de sorte que cada Estado marginal que franqueasse aos outros Estados a sua porção, teria a livre navegação de todo o sistema do Amazonas; e sobre essa base concluiu-se primeiro com a República do Peru um convênio (de limites e de navegação), 23 de outubro de 1851. Os restantes Estados marginais foram incontinenti convidados a aderir; todavia, os tratados de navegação ajustados com Venezuela e Nova Granada (de 25 de janeiro e 14 de junho de 1853) até agora ainda não foram ratificados; o

Equador ainda não se declarou, e a Bolívia francamente se recusou, não por mesquinho exclusivismo, mas, ao contrário, porque a medida lhe pareceu acanhada e insuficiente.

Em vez do princípio adotado pelo Brasil, de liberdade recíproca para os Estados marginais, queria a Bolívia que fosse transplantado para todas as águas interiores da América do Sul o princípio da "liberdade dos mares", e tomou mesmo a dianteira, dando o exemplo, pelo decreto presidencial de 27 de janeiro de 1853, que abriu todos os rios navegáveis da República, que correm para o Amazonas e para o Prata, à navegação e ao comércio de todas as nações da terra. "É o único meio — diziam as razões justificativas — de levar o comércio, a civilização, o progresso às extensas, fecundas selvas sul-americanas; devia-se apelar para o auxílio das energias e da concorrência de todas as nações comerciantes, visto que os Estados sul-americanos, com as suas escassas populações e com a falta de recursos, são incapazes de desempenhar essa tarefa".

Esta tão liberal e verdadeira argumentação não achou, contudo, ainda acolhimento no Rio de Janeiro; também as reclamações diplomáticas, que os Estados Unidos da América do Norte levantaram no mesmo sentido que a Bolívia e continuaram durante anos, não obtiveram resultado algum e assim continua por ora a liberdade recíproca da navegação fluvial no rio Amazonas um direito exclusivo dos Estados marginais.

Todavia, já é um progresso considerável, em comparação com a situação anterior, se bem que de modo algum suficiente; mais cedo ou mais tarde, queira ou não queira, terá o Brasil que convir na aplicação da liberdade dos mares para o Amazonas, como já aconteceu com o segundo rio principal sul-americano, o Prata, e somente então começará para a bacia do Amazonas uma nova era de progresso.

Segundo importante acontecimento da história moderna desses territórios é a aplicação da força do vapor na navegação do Amazonas, que até então somente se fazia com embarcações muito imperfeitas, a remo e a vela. Já desde muitos anos se cogitava disso. A princípio, em janeiro de 1827, procurou o enviado brasileiro junto ao gabinete de Washington, Rebelo, interessar capitalistas norte-americanos em tal empresa, e, como ele prometesse da parte de seu governo amplos privilégios e todos os possíveis auxílios, foram os seus esforços coroados de sucesso. Fundou-se em Nova York, com vistas especialmente ao Amazonas, a "Companhia Sul-Americana de Navios a Vapor", que para fazer o reconhecimento mandou um vapor a Belém e fez muitos outros dispendiosos preparativos. Todavia, a empresa falhou, porque as autoridades brasileiras não acudiram com nenhum auxílio, e muito tempo a companhia reclamou debalde a restituição do desembolso feito. No correr do seguinte decênio recusou o governo brasileiro redondamente ao menos uma oferta de navegação com vapores no Amazonas, sem subsídio, porém com privilégio; ao que parece, simplesmente por ser empresa estrangeira.

O plano ficou então abandonado, até ao já mencionado tratado de 23 de outubro de 1851, no qual os dois governos pactuantes, do Peru e do Brasil, se entenderam logo para o estabelecimento de uma navegação fluvial a vapor.

Em conseqüência, organizou-se no Rio de Janeiro a Companhia de Comercio e Navegação do Amazonas, entre cujos membros teve posição proeminente um banqueiro dali, o barão de Mauá; e esta obteve, por um contrato, que o imperador d. Pedro II sancionou com o decreto de 30 de agosto de 1852, por trinta anos, o exclusivo privilégio de navegar naquele rio com embarcações a vapor, e junta-

mente a garantia de avultados subsídios. As cláusulas primitivas não vigoraram, contudo, muito tempo; como logo se compreendeu o inconveniente de semelhante medida monopolizadora, o gabinete do Rio de Janeiro, autorizado pelo Parlamento, em 3 de outubro de 1853, de novo cortou o privilégio; e conseguiu firmar novo contrato com a Companhia do Amazonas (2 de outubro de 1854), o que ao menos retirava o exclusivismo.

Por ele obriga-se a companhia a fazer a navegação em quatro linhas de vapores, as duas primeiras no curso principal do Amazonas, de Belém até Barra do Rio Negro (Alto Amazonas) e de Barra do Rio Negro até ao porto peruano de Nauta; a terceira linha navega no rio Tocantins (Pará), de Belém, passando por Cametá, até Baião, onde começam as primeiras corredeiras; e a quarta de Barra, pelo Rio Negro acima, até à miserável aldeia de Santa Isabel, ou, alternando, um trecho do rio Branco; e deviam nas primeiras três linhas viajar os vapores, por ora, duas vezes por mês, na quarta, provisoriamente, uma vez por mês. Tinha a companhia que transportar grátis as malas do correio, dinheiros públicos e um determinado número de passageiros do governo, a troco do que este lhe garantia uma determinada subvenção para cada viagem; no todo cerca de 400 contos anuais.

De par com este contrato de navegação, estabeleceu-se uma série de cláusulas que se referem a uma colaboração da companhia para promover a colonização, mormente na província do Alto Amazonas. O governo cedia à companhia 70 trechos de terra do domínio da nação, à livre escolha, e gratuitamente, cada um de duas léguas quadradas, sendo 20 na margem do curso principal do Amazonas; 10 em cada um dos rios Javari, Madeira e Purus; 10 nos rios Negro e Tapajós; 10 em outros afluentes; podia ela aí estabelecer, com aprovação do governo, fundações de aldeias de índios ou outras colônias agrícolas; fora isto, era-lhe cedido gratuitamente todo o terreno à margem dos rios quanto necessário, para estabelecer pontes, desembarcadouros, depósitos, etc, contanto que ele seja ainda do Estado.

Em compensação, obriga-se a Companhia do Amazonas a fundar 12 colônias, sendo quatro no Amazonas, quatro nos rios Negro e Tapajós, duas no rio Purus, finalmente, uma no rio Madeira e uma no Javari, dependendo a sua situação, entretanto, da aprovação do governo. Cada uma destas colônias deve contar, ao menos, 600 habitantes, todos de origem européia e da nacionalidade que o governo designar, e é atribuição da empresa recrutar os colonos e transportá-los; fora isto, no que diz respeito aos prazos, devem estar fundadas seis colônias, no mínimo, dentro dos primeiros cinco anos, as outras seis dentro do prazo de dez anos.

Este contrato entrou a vigorar desde poucos anos; inaugurou-se a navegação a vapor na forma estipulada, instalou-se a primeira colônia, Mauá, no Amazonas, pouco distante da Barra do Rio Negro, povoadas com 100 colonos portugueses (dos Açores), entre esses somente oito mulheres e três crianças (dezembro de 1854).

Em resumo, entretanto, consideramos a empresa mal sucedida. O que pensamos sobre a futura colonização do vale do Amazonas e sobre uma direta imigração européia para ali, já o manifestamos noutro ponto; por este motivo, apenas insistimos: a Europa pode empregar os seus capitais, o seu espírito empreendedor na bacia desse grande rio, porém um povoamento agrícola propriamente ela não pode nem deve fornecer, sem se sobrecarregar com a maior responsabilidade. A fundação de 12 colônias agrícolas européias, parece-nos, portanto, impossível; e mesmo no caso de que se conseguisse ajuntar alguns mil europeus do Sul, com maior facilidade portugueses, estes dentro de curto espaço de tempo abandonariam o arado, para se entregarem à irresistível vocação pelo comércio. As novas estações não serão jamais colônias agrícolas modelos, que deveriam ser, não serão, nem mais nem menos do que as outras povoações do vale do Amazonas, senão simples feitorias para a venda dos produtos da mata virgem, do produto da pesca e da caçada. As avultadas quantias que o governo brasileiro emprega na subvenção da companhia não serão, pois, aplicadas pelo melhor. Mais inteligente e mais proveitoso teria sido, se o Brasil tivesse aberto o Amazonas ao comércio mundial e deixado a navegação a vapor à livre concorrência, sem se sobrecarregar com compromissos, os quais pesarão tanto mais sobre o tesouro do Império quanto ele está por todos os lados atribulado de modo extraordinário. Aqui no Norte — ninguém deve iludir-se — só a colaboração do mundo todo pode obter grandes resultados e criar nas selvas do rio Amazonas, talvez dentro de séculos, uma segunda índia!

Em conclusão, antes de deixarmos o vale do Amazonas, vamos ainda acrescentar a descrição do caráter da terra e da gente, que o inglês Wallace esboçou; a sua permanência de três anos nas mais diversas regiões (maio de 1848-julho de 1852) habilitou-o, como a poucos, a julgar com acerto, e o seu julgamento tem para nós tanto maior valor, quanto ele, não ofuscado pelo esplendor tropical, se conservou rigorosamente no ponto de vista de um europeu do Norte.

"Talvez não exista nenhum outro país no mundo, que possa recompensar o agricultor de modo tão opulento, e entretanto esteja tão pouco cultivado; não há lugar onde a terra possa dar tal diversidade de produtos preciosos, e onde esteja tão completamente abandonada; nenhum onde a natureza tivesse feito tão fácil a comunicação interior, e onde seja mais difícil e mais demorado viajar de um ponto para outro; nenhum, que em tal abundância possua os meios naturais para formidável comércio com o mundo inteiro, e onde o comércio seja tão restrito e insignificante. Disso devemos admirar-nos, verificando que os habitantes são de origem portuguesa — de uma nação que há poucos séculos estava à frente de todas as descobertas e empresas comerciais, que estendia as suas colônias por todo o mundo e que, quando se tratava de superar os perigos da navegação em mares desconhecidos e de abrir negociações comerciais com povos bárbaros e não civilizados, demonstrava o mais cavalheiresco espírito empreendedor. Contudo, tanto quanto as minhas observações alcançam, o caráter nacional não mudou.

Os portugueses e seus descendentes demonstram aqui a mesma perseverança, a mesma resistência às provações e o mesmo gênio errante, que dantes tinham e que ainda hoje os anima a se internarem nos mais bravios e recônditos países, em busca do comércio e do ouro. Porém, ao mesmo tempo, mostram aversão pelas atividades do agricultor e do operário, aversão que desde tempos imemoriais, ao que parece, é um traço característico nacional e que é a causa de sua atual baixa na balança das nações.

Assim é que vemos as terras do Amazonas inundadas de negociantes, dos quais a maioria não merece outro nome que o de vendedores ambulantes (mascates), somente com a diferença que levam as suas mercadorias numa canoa e não às costas. Como a aversão pela agricultura, e talvez ainda mais a paixão irresistível pelo comércio, não permitem a ninguém domiciliar-se e produzir alguma coisa para o comércio, as únicas fontes de recurso para os negociantes são os indígenas; porém estes pouca inclinação sentem para o regular e continuado trabalho da lavoura e não plantam senão o suficiente para o seu gasto; melhor condiz aos seus costumes a inconstância da vida errante, na qual eles ao mesmo tempo podem colher e apanhar os produtos naturais, e por conseguinte são esses produtos espontâneos os únicos artigos de comércio; no comércio de sertão, especialmente figuram o peixe seco, o óleo de ovos de tartaruga e do peixe-boi; na exportação, aparecem, a borracha (ind. cauchu), o cacau, as castanhas, o bálsamo de capivara, salsaparrilha e piaçava61. Embora o café, a cana-de-açúcar medrem quase em toda a parte62, entretanto, açúcar e café são importados; a carne de vaca é má em toda parte, pelo fato de não existirem na vizinhança das cidades pastagens para a engorda, e nin guém pensa em estabelecer roçados para esse fim; hortaliças são raras e caras, assim como as frutas, com exceção de laranjas e bananas que, uma vez plantadas, é só colher; galinhas custam no Pará por cabeça três xelins e seis dinheiros, e o açúcar custa tão caro como na Inglaterra. E isto tudo porque ninguém quer ocupar-se de fazer dessas coisas negócios, abastecer os mais com esses artigos! Não obstante, operários profissionais e trabalhadores de todos os misteres abandonam sempre e sempre as suas ocupações, tomam a crédito algumas mercadorias, e vão mascateá-las pelo país.

Esta paixão geral pelo comércio é, como eu creio, a principal causa dos três vícios dominantes, bebida, jogo e mentira, sem contar uma teoria completa de artimanhas, intrigas e excessos de toda espécie. A vida de um negociante de rio e de índios não permite ao homem, que não tem recursos espirituais próprios, senão poucos gozos; não admira, pois, que a maioria dessa gente mais ou menos se entregue à embriaguez, tanto mais que por toda parte pode obter a crédito vinho e aguardente.

A paixão pelo jogo, em maior ou menor escala, é quase geral, e devemos atribuí-la ao mesmo desejo imoderado pelo ganho fácil, sem esforço físico, que incita a tantos para o comércio. Finalmente, o grande número de negociantes que querem ganhar a sua subsistência, quando, entretanto, o negócio apenas dá para um terço dos que a ele se entregam, é a causa por que as mentiras e alicantinas de toda espécie vigoram como meio honroso para apanhar um freguês ou arruinar um concorrente. De fato, nos negócios pouco uso se faz da verdade; mesmo quando a mentira de nada pode valer, e quando o ouvinte a percebe perfeitamente, parece, contudo, ter a falsidade a preferência, e a polidez portuguesa não permite que por palavra ou gesto se manifeste uma dúvida63. Sobre a reinante espécie de imoralidade, é-me impossível dizer sem revelar fatos que são repugnantes demais para confiá-los ao papel. Vícios a que no nosso país nem se pode aludir, são aqui assunto corrente de conversa, e não se deixa escapar nenhuma oportunidade de dar a mais ignóbil interpretação a qualquer palavra, a qualquer ação do próximo.

"Entre as razões que favorecem o desenvolvimento de tão espalhada imoralidade, talvez possamos contar a posição geográfica, as condições políticas e o especial estado de cultura do país. A um nacional oferece o clima dos trópicos certamente menor variedade de divertimentos e ocupações do que na zona temperada. O calor nos meses secos (junho a dezembro) e a umidade no tempo das águas (janeiro a maio) não permitem os exercícios e recreios ao ar livre, aos quais recorrem os habitantes de um clima temperado, quase continuamente, para alegrar-se e desafogar-se. O curto crepúsculo dura apenas alguns instantes, entre o pôr do sol deslumbrante e a escuridão da noite. A própria natureza, na sua eterna e quase imutável florescência, oferece àqueles, que desde a sua infância a vêem, apenas um espetáculo monótono.

No interior do país, fora das cidades, não há uma estrada, não há uma vereda, por onde com prazer e comodidade se possa caminhar; tudo é mata fechada ou roçado ainda mais intransitável. Aqui não existem prados com variegado revestimento de flores, nem relvados, nem áleas niveladas, ensombradas, que encantem o amigo da natureza; aqui não existem enxutos passeios ensaibrados, onde se possa, logo que a chuva cessa, fazer exercício agradável e saudável; aqui não existem atalhos, por entre trigais de ouro e luxuriantes trevos. Aqui não existem as compridas tardes de verão, nas quais, com vagar, se passeia errante, admirando lentamente as cambiantes cores vivas de esplêndidos ocasos; aqui não existem os serões compridos de inverno, onde as chamas alegres da lareira convidam a se reunirem em torno todos os membros da família, e, com isso, favorecem a íntima convivência, o gozo da vida doméstica, que o habitante dos climas tropicais só pode. conhecer e realizar em pálido reflexo!"

* * *

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.