Antônio Conselheiro – Crônica de Olavo Bilac

quem foi antonio conselheiro

Antônio Conselheiro – Olavo Bilac

Confesso
que nunca entendo bem as cousas que se pas­sam aqui. Tenho viajado tanto, que
já não há canto da terra que os meus pés de cabra não tenham calcado, nem
recanto de horizonte em que não tenham pousado os meus olhos satânicos: e tenho,
em todas as terras, entendido tu­do; aqui, porém, o mais insignificante caso se
reveste de tão extraordinárias circunstâncias e se complica de tão sin­gulares
episódios, que a minha pobre cabeça de diabo, com as idéias baralhadas, se
perde, delira, ensandece… Vede-me, para exemplo, este caso do Antônio Conselheiro…1

O Conselheiro é (dizem-no todos) um fanático, um
desequilibrado, um histérico. Em criança, tinha crises de epilepsia. Casou. A
mãe dele desandou logo a ter conflitos, e bate-línguas, e troca de insultos
ásperos com a nora. En­tre as duas, Antônio Conselheiro penava, querendo
em vão reconciliá-las. Um dia, desesperado, foi-se à velha: "Por que briga
a senhora com minha mulher? que lhe fez ela? por que não a deixa em paz?".

A velha, alma danada, para reconquistar o amor e
a confiança do filho, não trepida em se valer de uma calúnia. E convence
Antônio de que a mulher o engana: "Queres a prova? finge uma viagem, volta
depois às escondidas, ocul­ta-te na chácara, e espreita! Verás que, às horas
tantas da noite, há de chegar aquele que é mais amado do que tu!".

Aceita o moço o conselho, diz que vai jornadear,
beija a mulher, e parte. Mas, à boca da noite volta, e, dentro de uma moita,
fica à espreita. Daí a pouco, vê que um vulto de homem salta o muro e, com
passo de gatuno, leve e abafado, se aproxima da casa. Antônio (em todo homem há
sempre a fúria de um Otelo!),2 Antônio não resiste ao primeiro
impulso da cólera: põe à cara o clavinote e dis­para-o. Cai o vulto, baleado. E
quando o desgraçado vai ver de perto quem matou, vê estendida por terra, numa
poça de sangue, a própria mãe, vestida de homem. A mísera, querendo iludir o
filho, tivera a diabólica idéia de combinar toda esta aventura, cujo êxito
pagou com a morte…

Isso é o que diz a lenda. E diz mais que Antônio, deses­perado,
internou-se nos matos bravios, transformando-se desde então neste Conselheiro
que é hoje diretor de 3 mil fanáticos que, armados de carabinas Chuchu,
devastam a Bahia e estão dando que fazer às tropas do general Sólon.1

Há desgraçados que o remorso transforma em frades, ou em
criminosos relapsos, ou em suicidas, ou cm idiotas. Outros, muda-os o remorso em apóstolos… E o Conselheiro não foi impelido para o Apostolado unicamente pelo re­morso.
Este já achou o terreno preparado na alma do Antônio — alma de inquieto, de
agitado, de nevrótico. Podia dar para outra cousa o homem: mas deu para se
julgar Enviado de Deus, encarregado de regenerar o mundo, de redimir a
humanidade, de combater os governos existentes.

Ainda se ele parasse aí! se os 3 mil homens se
limi­tassem a correr os desertos, e a comer gafanhotos como são João Batista, e
a jejuar e a orar como santo Antão, na Tebaida!… Mas, não! os fanáticos de
Antônio Conselheiro, apesar de se dedicarem à penitência e à reza, e à
reforma dos costumes dos homens — não podem passar sem pão, sem carne, sem
cachaça, e sem mulheres. E, pois, saqueiam as vilas, assolam as aldeias, matam
os ricos, escravizam os pobres, defloram as raparigas, e assim vão vivendo
bem, bem combinando os sacrifícios do viver religioso com as delícias do comer
à tripa forra.

Ora bem! chegamos agora ao ponto principal do
caso. Pelo que todo mundo diz do Conselheiro, ele não é só um fanático:
é também um salteador; e salteadores, além de fanáticos, são também todos os
seus sequazes. E, em qual­quer outra parte do mundo, esse pessoal seria
baleado, cor­rido a pedra e a sabre, sem complicações, sumariamente.

Aqui, não!
Aqui tudo é política. Aqui não se compreende que se faça
alguma cousa., ou boa ou má, sem ser por política. Houve um incêndio? política!
Um bonde elétrico matou um homem? uma senhora fugiu de casa? política. Caiu um
andaime? o Prudente tinha uma pedra na bexiga? política! E, assim, o Conselheiro,
na opinião da imprensa indígena, nem é um fanático, um Jesus de fan­caria —
nem é um salteador, um Fra Diavolo4 da Bahia: é um homem político, é um
conspirador, é um restaurador da monarquia…

A Liberdade cala-se sobre ele: manha de monarquista. A
República
diz que ele é emissário do príncipe do Grão-Pará: recurso de
jacobino.

Entre essas duas manias, quem lucra é o nosso Conse­lheiro,
que, sendo, ao mesmo tempo, um maluco acabado e um refinadíssimo patife,
deixa de ser tudo isso, para ficar sendo, graças à mania política da terra, um
agitador, um Kossuth,5 um Montt,6 um não sei quê!

Viva a
política! Nada há mais sobre a Terra, debaixo do clarão esplendido do sol!

O Diabo Vesgo

A
Bruxa
11/12/1896

 

Notas

1.
Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro (1828-97): nascido em
Quixeramobim, no Ceará, Antônio Conselheiro liderou a rebelião de Canudos, no
interior da Bahia. Este episódio de nossa história, ocorrido entre 1896 e 1897,
foi a base de Euclides da Cunha para escrever Os sertões (1902).

2. 
Otelo, o Mouro de Veneza, é personagem de peça homônima de Shakespeare  (1564-1616). Casado com a bela
Desdemona, Otelo mata-a num acesso de ciúme, persuadido de que ela o
traíra com Cássio. Depois de saber-se enganado, Otelo se mata.

3 General Frederico Sólon
Ribeiro (1842-1900): comandante do Dis­trito Militar da Bahia, sob cuja
responsabilidade deu-se a Ia Expedição a Canudos, encabeçada pelo
tenente Pires Ferreira, em novembro de 1896. Depois dessa derrota em Uauá,
armou-se um conflito de interesses entre o governador Luís Viana e o general
Sólon.

4
Fra Diavolo (Frei Diabo) (1771-1806): aventureiro de origem italia­na, Pca
Diavolo em o apelido de Micbele Pezza, que foi executado no reino
de Nápoles, a mando dos franceses.

5 Lajos Kossuth
(1802-94): político húngaro, Kossuth batalhou pela independência de seu pais e
por medidas aduaneiras que protegessem a indústria e o comércio da Hungria.

6  Manuel Montt
(1808-80): político chileno, Manuel Montt foi presidente do seu país entre 1851 e 1861, quando implantou uma política de modernização
e de reformas.

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