AS MINAS DOS MARTÍRIOS

AS MINAS DOS MARTIRIOS

A terra é virgem; homens, parai.

Bandeirantes que vos internais pelos sertões Araés, à procura do gentio que vos odeia de morte, sustai os vossos passos; é virgem a terra que pisais.

Penitência e oração. Tirai da mente a idéia da escravização dos indígenas da ubertosa terra; são eles vossos irmãos, Deus não admite escravos.

Audaciosos desbravadores dos sertões Araés, alimpai a vossa alma, intrépidos bandeirantes, só assim é que podereis ver em todo o seu esplendor esta parte do território matogrossense em que penetrais.

Anchieta, o catequista modelo, o anjo das florestas, o pioneiro da nossa civilização, atravessando brenhas profundas, descobria o segredo das florestas e as feras acompanhavam-no humildes, quais cordeiros mansos. Considerai: as feras dobram as cabeças perante as almas limpas, perante os corações puros, sem mancha.

Com as almas puras, corajosos sertanistas, tudo vos será propício.

Bandeirantes dos sertões Araés, alongai a vista por onde palpitais em ânsia.

Vede aqueles montes, aquelas matas, estes campos! Vede que rios, que céu e que soll É o território matogrossense com toda a pujança dos seus singulares dons.

Que espetáculo sem solução de continuidade; que vistas soberbas, aparatosas, encantadoras; que abismo de beleza sem rival; que orquestração eterna, celestial! È a plaga virgem matogrossense tocando todas as gamas da poesia da terra…

Os bandeirantes descobrem a grandiosa terra encantada. Pimpona e soberana de quantas pelo mundo há, ocultava-se na parte mais central do continente americano com o cofre das suas riquezas exposto ao sol.

Setembro! Os paratudos, as piúbas e tarumeiros estavam cobertos de flores que amarelavam, avermelhavam e roxeavam as planícies, os montes e os horizontes — nota sublime da orquestração amorável que precede as outras, cada vez mais sedutoras da veneranda terra virgem.

Aborígenes donzelas, no florejar dos anos, com saiotes de fios de pindaíba, brincavam alegres à sombra das árvores, cantando as árias selváticas das suas tradições e, cantando, dançavam com raminhos de flores nas mãos, ora de braços dados, ora cruzando as ramas no ar, ora perfilan-do-as ou meneando-as.

Dançavam, em longas alas, uma dança estudada, simpática, jovial e amorável, dançavam as donzelas selvagens contentes e felizes, no sombreiro vasto da perfumosa flora.

As floresteadas alas vinham umas ao encontro d’outras e, fazendo alegre mesura, recuavam fazendo trejeitos, rico-cheteavam em delicados e inocentes mucangos.

— "Dancemos e cantemos; a mocidade é longa nas florestas, nossos pais vivem felizes, as flores são nosso amor.

"Belas são as nossas flores, as flores com que brincamos, louvemos, sempre cantando, a Tupã que as gerou, a Tupã que manda chuvas para as flores do nosso amor.

"Cantemos, irmãs, cantemos, debaixo das nossas floras, as floras do nosso amor".

Era um quadro mitológico, alegres jogos florais…

Os bandeirantes passavam e se internavam pela região encantada, pisando o solo borrifado das pétalas que caiam, em brando chuveiro das árvores festivas.

Caminharam rumo Norte.

Na grandiosa terra virgem, surpresas incontadas aguardavam os seus descobridores: os leitos dos seus piscosos rios eram granidos de ouro, de diamantes e de esmeraldas e suas chãs e acidentados, abundantes de aves e de milhares de espécies de animais desconhecidos e de fácil caçada.

E corriam pelo solo abençoado, rios de águas cristalinas, rios de águas azuis e rios de águas côr de leite.

A serra que vinha de regiões longínquas, por ali passava, ondulosa e serpeante, com os seus ramais e contrafortes e era a mais elevada de quantas havia na região até aquele ponto descoberto.

E, do cume mais elevado da alta serra, um grande foco de luz saia nas horas em que mais ardia o sol.

E aqueles focos de luz, aqueles raios ferinos que vinham mendigar reflexos na mataria verde das árvores, se viam mesmo de longe.

O chefe da grande bandeira deixou por algumas horas todos os seus camaradas e, profundamente impressionado com aquele importante fenômeno, se meteu pela mata a dentro, acompanhado de seu filho menor, seguindo a direção daquela altura e, com muita dificuldade, chegou ao lugar desejado.

Um tesouro enorme, inestimável, ali estava exposto à luz do sol. O ouro ali brilhava, fulgia, em monstruosas barras de difícil remoção e dispostas de modo e formas tais pela Providência, no dia da criação, que o chefe dos bandeirantes se pôs de joelhos e orou, bendizendo o Deus Criador.

A coroa, a lança e os cravos do martírio de N. S. Jesus Cristo, ali estavam representados no ouro pesado e estupendamente abundante de assombrosa mina.

— Pai, ouro tudo isto?

— Cala-te, meu filho. A ninguém dirás, de modo algum, nada de quanto vês. É uma riqueza fabulosa e estupenda, tudo quanto presenciamos neste instante.

— Pai, estamos ricos, imensamente ricos!

— Mais ricos que o próprio rei de Portugal, mais ricos, talvez, que todos os reis da terra; mas, filho, silêncio e o mais rigoroso segredo para que não despertem curiosidades. Estas minas nos pertencem enquanto sobre elas guardarmos sigilo.

Eram as Minas dos Martírios assim chamadas pelas semelhanças das lanças, coroa e cravos do martírio do bom Jesus, feitos de monstruosas peças de ouro que se viam naquelas alturas misteriosas.

Eram as Minas dos Martírios descobertas pelos corações puros, em que em vão tentarão os exploradores chegar, enquanto não fôr banida pelo sopro regenerador do Evangelho a imperante corrupção dos homens.

Terra maravilhosa, arca imensa de preciosas gemas, tu, que tens em teu grandioso seio um tesouro assombroso com o qual podes submeter todos os reinos da terra, conserva fechadas as tuas riquezas antes que os homens que te desejam a ruína usem delas para mais te envergonharem.

Terra encantada em que nasci, é grande e horrorosa a corrupção que se alastra! Fecha, minha amada, fecha as tuas opulentas urnas!

Fecha aos exploradores das minas e do povo as veias das tuas riquezas, fecha-lhes para sempre o caminho dos Martírios!

Fecha, terra do meu amor, terra do meu coração, terra dos meus cuidados e sincero devotoamento, fecha as tuas urnas aos inimigos do teu progresso, do contrário as tuas riquezas lhes servirão para compras de consciências e ficarás pobre e vasia e serás vendida em leilão nas orgias dos falsos representantes da República!

Fecha, terra do meu amor, fecha as tuas arcas, fecha as tuas urnas, fecha as tuas riquezas incomparáveis…

Feliciano Galdino: Lendas Malogrossenses. Tipografia Calháo & Filho, Cuiabá, 1919, pp. 11-16.

Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962

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