A MADRE DO OURO – Lenda da Mineração em Poço da roda — Arredores de Bomfim – GO

garimpo escravo

A MADRE DO OURO

Poço da roda — Arredores de Bomfim

Bomfim é uma das mais antigas cidades de Goiás. Como suas irmãs mais velhas, Meia Ponte e Vila Boa de Goiás, guarda ainda, sob muitos aspetos, o cunho dos núcleos coloniais do século XVIII, com a sua inconfundível arquitetura reinol, estilo barroco, de feição pesada, simplória e, ao mesmo tempo que bonachona, hospitaleira, as-peto esse que se vai aos poucos apagando dos burgos e vi-lórios progressistas mais próximos da linha férrea…

Ficou-lhe, pois, ainda intato, o antiquado perfume de antanho, coisas mortas que a mente aviva e a tradição re-doura, vago encanto do passado, sabor que já não têm ou já perderam os centros mercantilistas, tomados de febre de riqueza e inovações do litoral.

Como Goiás-Triste, embala-a o mesmo sono de duzentos anos de Bela Adormecida, com as reminiscências da época das descobertas, os aluviões de aventureiros e desbravadores à cata do rico filão, página heróica do esforço extinto da raça, que à memória apraz reviver.

Excavações profundas, minas ao desamparo, veeiros revolvidos, barrocas solapadas, esboroando-se nas chuvas, velam de melancolia o olhar do viandante que demanda aquele recanto do Planalto. E à medida que se aproxima de seus arredores, mais vivos e constantes são os atestados do delírio avoengo em esmiuçar, estripando-as, as entranhas da terra, para delas dar cibo e pascio à sede do luxo, ao esplendor bizantino da velha Metrópole, já então em via franca de decadência.

Hoje, minas, lavras, catas, tudo jaz ao abandono. Alveja em montes o pedrouço das "formações" à beira das estradas; uma coma verde de "gordura" corre a crista dos valos e carreiros argilosos e tristes, outrora sacudidos pelo estalo do rêlho dos feitores e o grito angustiado da escravatura, na lavagem do cascalho. Foram-se os antigos bateei-ros da "descoberta", extingui-se a febre da mineração; ficou, enraizada, uma população pacífica e laboriosa, que faz a prosperidade do município na lavoura, na criação do gado, no comércio, nas letras, em outras profissões liberais.

Da primitiva exaltação, porém, no ouro, restam, como tradição, histórias e lendas, das quais, talvez porque haja no fundo, como na maioria das lendas, um ponto qualquer de contato com a verdade, é a do Poço da Roda das mais populares.

Fica nas proximidades de Bomfim, no ermo de um descampado, ocupando o espaço de duzentos metros, mais ou menos, de circunferência. Contam moradores e viajantes que, à luz forte do dia, quando a superfície se lhe aquieta, mui transparente e cristalina na calma circundante, uma enorme pedra responde do fundo das águas aos fogos do meio-dia, irradiando em torno um brilho de mil chispas e centelhas, cujo estranho fulgor inebria e cega de deslumbramento e cobiça os olhos mortais ali empenhados, às bordas do frágil igarité, em devassar-lhe o líquido arcano. É a Madre do Ouro, cujo encantamento curiosos e mergulhadores tentam, em vão, surpreender o segredo, e de longos, mui longos anos habitadora daquelas águas remansadas…

Embalde é a teima porém, que o mistério do sítio, a profundidade do poço, a refrangência, o desvio de seus raios e o momentâneo desaparecimento da visão assim lhe perturbem o imoto cristal, zelam e guardam para sempre inviolada em seu retiro, a pedra maravilhosa.

E se um, mais afoito e sôfrego, volve de novo à tentação da miragem, e mergulha mais uma vez no lençol silencioso e frio, à busca do encantado tesouro — o obscuro Alberico a quem faltou o anel dos Niebelungens —, logo o pune de morte a Madre gloriosa, voltando à tona o seu corpo tempos depois, pasto de lambaris, papa-iscas e mais arraia miúda do lago.

Serenada a agitação das ondas, alisando o espelho translúcido na queda da aragem, eis de novo, fulgurando, a Madre do Ouro, aviva, como um sol submerso, a auriful-gência de seus raios mágicos ante a adoração das florinhas anônimas, debruçadas à beira da lagoa…

Tal é a lenda nesse trecho do território. Se esplende ali a Madre do Ouro sepultada no fundo do Poço da Roda, continua, entanto, sua peregrinação através outras paragens do rincão goiano, numa viagem aérea, cujo termo é a explosão de meteoro na noite silenciosa.

E tal como a ouvimos no interior, o seu quebranto consta do seguinte. — Quem escuta ou vê, no ermo da noite, a passagem da Mãe do Ouro cortando o céu estrelado com seu listrão ardente, toma na cozinha da choça um tição em brasa, corre ao limiar, e faz no espaço uma cruz de fogo.

Logo, cede a Aparição ao sortilégio do homem, detém a sua carreira vertiginosa e arrebenta em estilhas, lascas, pedrouços calhaus e blocos, tudo de ouro maciço e do mais puro quilate. E depois toca a catar e meter no surrão aquela fortuna inesperada…

Hugo de Carvalho Ramos: Tropas e Boiadas. Editora Panorama, São Paulo, 1950, pp. 49-50.

Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962

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