LEVANTE DE BROQUÉIS

Oliveira Lima

LEVANTE DE BROQUÉIS

Um amigo meu, que me faz sempre o favor de dar em conversa ou cm carta sua impressão sincera e que eu muito acato acerca dos meus artigos, qualificou o último de cruel. Defendi-me neste ponto dizendo-lhe que não costumava ser cruel nem com uma mosca, enxo-tando-as quando me aborrecem, mas nunca esmagando-as com um golpe de toalha, muito menos, como Domiciano e não sei que outra personagem ilustre, queimando-as com pingos de resina incandescente. Que crueldade podia de fato haver em recordar a mais faus-tuosa e gloriosa época da história portuguesa a propósito de uma reunião em palácio, à qual faltavam grandeza e majestade, que mais se pareceu com um entremez do que com um auto?

Se eu tivesse querido ser maligno, ou pelo menos malicioso, e me não inspirassem tamanha consideração as pessoas que lá compareceram e juraram — não como na conjura dos Huguenotes, brandindo punhais, mas baixando os olhos c a crista —, eu teria procurado uma analogia na história tropical, no Paraguai por exemplo. Lá estive há pouco e vi na decaída Assunção — uma decadência que não é muito diferente do que foi o seu apogeu como cidade — o palácio dos Lopez, uma casa de aspecto colonial, com um alpendre sustentado por uma colunada, donde saía a lei para os grandes c para os pequenos.

O velho Carlos A. Lopez, um homem gordo mas de mau gênio, que tinha entretanto a caridade de dar a conhecer aos seus súditos o estado do seu fígado, arvorando um chapéu alto (a que nós des-respeitosamente damos o nome de "jaca"), branco quando estava de bom humor e um chapéu alto preto quando estava de mau humor, dava-se de quando em vez ao luxo de renunciar, ou melhor dito de declarar que tinham cessado suas funções presidenciais. Reunia-se então em Palácio o Congresso paraguaio, onde ainda hoje o guarani é de uso freqüente, por ser a única língua de que dispõe o legislador, e subia à cena a peça cujos papéis tinham sido de antemão distribuídos.

Os oradores imploravam "El Supremo" que os não abandonasse, abandonando os destinos da pátria às flutuações da corrente que levaria com certeza a nau do Estado rio abaixo. "El Supremo" ia ouvindo, ouvindo, até que num dado momento se deixava enternecer; engolia um soluço, talvez de mistura com um trago de fumo do "puro", e obedecia a rogos tão insistentes. Se acontecia porém dar-se uma confusão entre os atores por defeito de ensaio ou por ser algum mais apressado ou mais entusiasta, levantando-se antes de lhe caber a vez para dar o seu recado, o Presidente esquecia o "augusto recinto" e a "egrégia Assembléia" e passava uma ‘descompostura — em guarani, bem entendido, para ser compreendida — ao artista infeliz. Assim consorciava êle a dignidade das suas funções com a soberania do corpo deliberante.

No Palácio levantado pelo Conde da Boa Vista, único do título, no local do antigo Paço de Maurício de Nassau, também único, donde se cogita de desalojar, não sei por que, a sede da suprema au-toridade estadual, as coisas não se passaram contudo com maior independência; digamos que se passaram com as mesmas prudência e sabedoria, pois que ninguém se quis expor ao vexame de protestos do auditório ou de ser-lhe negada a palavra pelo ditador da candidatura — emprego aí a palavra ditador na acepção etimológica de quem dita —, muito embora com as formas corteses, diversas dos palavrões do velho Lopez e adequadas aos tempos e ao meio, de mais fina educação.

Que Pernambuco se deu conta de que o estavam ludibriando com esse arremedo de opinião pública, muito embora a houvesse um dia definido um homem de espírito a opinião que se publica, prova-o o sentimento de revolta que em muitos provocou o processo adotado, ao qual não ousou recorrer no mesmo caso o Sr. Marechal Dantas Barreto, de quem se dizia que era um ferrabrás e cujo governo tem sido — como mais de uma vez o hei escrito em seu louvor — um modelo de honestidade, não o foi todavia de tolerância.

No próprio dia em que saía o meu artigo, um telegrama do Rio anunciava que pernambucanos dos mais conceituados ali residentes e seguramente de concerto com pernambucanos daqui, pois para tanto existe o telégrafo, levantaram uma outra candidatura em oposição àquela da qual se pode dizer mais do que qualquer outra, que recebeu o bafejo oficial. — O certo é que houve um sursum corda nesta terra reconhecidamente avessa a imposições do poder e que romperia com todas as suas tradições, com tudo quanto constitui o tesouro da alma de uma comunidade, no dia cm que as recebesse sem protesto.

A seleção do candidato livre foi feliz. É portador de um nome histórico, de nobreza revolucionária: já em 1801 os Suassunas eram perseguidos e sofriam prisão pelo seu ideal republicano. Apresenta um passado honroso de dignidade política e de integridade pessoal. Pertence ao número dos pernambucanos que vive em Pernambuco, número que tem ido progressivamente escasseando. Tem-se conservado exemplarmente afastado das intrigas partidárias, sem cortejar os poderosos do dia e também sem lhes fazer uma oposição acintosa. Nunca abdicou do seu interesse pelas coisas públicas de proveito geral, prestando-lhes o seu concurso com o mínimo de ostentação. Ê ilustrado sem ser pedante, e é mais que tudo um agricultor que sabe do seu ofício e não confia a mãos alheias o governo das suas vastas propriedades.

Por tudo isto e mais ainda se achava o Sr. Barão de Suassuna indicado para a ocasião em que o eleitorado desta terra quisesse chamar a si a tarefa, que aliás nunca delegou aos seus governantes mas que estes usurparam, de irem eles próprios provendo a continuidade da sucessão. Era uma reserva que o Estado de Pernambuco possuía e de que lançou mão quando foi mister, para uma vez mais, dentro de um século, combater a "candidatura oficial" que nos começos da vida nacional foi causa da revolução de 1824 e da Confederação do Equador. O que não conseguiram então a vontade e o prestígio do Príncipe que fêz a independência, não o conseguirá por certo um capricho do Sr. Manuel Borba, desejo de desforrar-se do ocaso da sua popularidade.

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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