FRANCISCO DE SALES TORRES HOMEM, Visconde de Inhomerim, formou-se em Medicina pela Faculdade do Rio, e em Direito pela Universidade de Paris. Nascido no Rio, em 1812, exerceu importantes cargos: — Diretor geral das rendas, presidente do Banco do Brasil, e duas vezes ministro da Fazenda. Deputado provincial e geral, tomou assento no Senado como representante do Rio Grande do Norte. Panfletista mordaz, publicou o Libelo do Povo sob o pseudônimo de Timan-dro, manifestando tendências anti-dinásticas, de que depois se retratou.
Como escritor político, orador parlamentar e estudioso financeiro, prestou ao nosso país os mais relevantes serviços, e, entre as feições características da sua poderosa individualidade, cumpre não esquecer que foi sempre estrénuo adversário da escravidão.
Do seu disperso espólio parece-nos interessante divulgar o artigo que em seguida se lê, de 1843, e no qual em resumo, está dito tudo quanto se houve de repetir um quarto de século depois.
O Visconde de Inhomerim morreu em 1876, na cidade de Paris.
Colonização
Infelizmente nada se há feito até aqui sobre tão importante objeto; nem ao menos se curou de atenuar, tanto quanto cabia na alçada do legislador, os efeitos da próxima e terrível crise, que pela cessação do tráfico tem de vir aos nossos plantadores. Daqui a poucos anos, é mister que ninguém se iluda, essa cessação será completa, atento o afinco portentoso com que nisso trabalha a Inglaterra, a natureza dos meios e recursos ilimitados de que dispõe, e então o agricultor brasileiro, que, fascinado de ano em ano pela esperança enganadora de que o contrabando durará sempre (21) como até aqui, fechou os olhos ao porvir, achar-se-á lançado repentinamente na posição mais aflitiva, reduzido a mudar em um só dia, por assim dizer, um método de trabalho que existe há três séculos; e sujeito, portanto, inevitavelmente a tão súbita revolução operada na indústria nacional.
Na iminência de semelhante crise, suspensa sobre a cabeça de nossos lavradores como uma nuvem carregada de tempestades, não tínhamos acaso o direito de esperar que as câmaras legislativas tratassem sem perda de tempo, senão de preveni–la, ao menos de diminuir as suas conseqüências indeclináveis, por meio de uma lei de colonização, que atraísse pouco a pouco ao nosso solo os braços exuberantes da indústria européia, dispondo e preparando assim gradualmente o país à grande mudança que se tem de operar no sistema de trabalho, à substituição da indústria servil pela indústria livre? Nenhuma providência, porém, se tomou; nem um só instante este objeto, que preocupa tão vivamente a todos quantos (22) olham em torno de si, e daí estendem as vistas para o futuro, fixou a atenção dos representantes da nação! Que deplorável incúria!
No entanto, por deficiência de medidas capazes de encher as lacunas que a morte deixa na escravatura, o contrabandista de homens, o introdutor da barbaria (23) no meio da nossa civilização retardada, está seguro da impunidade. Por essa longa costa do Brasil o tráfico (24) se tem tornado franco e livre de riscos, e o nosso país vai sendo inundado, sem medida, de gente grosseira e estúpida, cujo número existente deverá seriamente assustar-nos.
Capitais imensos empregados em negros são todos os anos sepultados debaixo da terra, ou anulados pela velhice; e, entretanto, a facilidade de achar à mão estas máquinas já feitas impede que olhemos para tantos melhoramentos, introduzidos pela atividade do gênio europeu nos processos da indústria, e que procuremos para o Brasil uma população melhor, convidando de outras nações colonos, que por conta de particulares venham cultivar o nosso solo.
A existência dos escravos e, o que é mais fatal à civilização, a sua continuada importação desses sertões d’África, perpetua a ignorância e a ignávia em uma classe numerosa de nossos lavradores, e torna impossível desbastar os erros que na agricultura tem introduzido a rotina cega dos tempos passados. O escravo não tem interesse algum no aperfeiçoamento; o mesmo estímulo do lucro não o punge (25) para melhorar o método por que desempenha a sua aborrecida tarefa: máquina caduca, embrutecida pelo seu próprio estado e pela vida selvática que passou na terra natal, êle não pode ser senão um imperfeitíssimo instrumento para o adiantamento da nossa lavoura, e é de todo inútil para as artes e custeio de qualquer manufatura.
Se, por este lado, a continuação forçosa do tráfico é uma praga (26) que se lançou sobre a nossa terra abençoada, e que há retardado a verdadeira prosperidade, aviltando e entorpecendo aí a indústria, sem a qual não há progresso nem ventura social, que diremos dos seus efeitos pelo que toca ao moral! Quem não vê que certos hábitos, contraídos por muitos de nossos compatriotas, são oriundos da escravidão! Desde a infância temos quem nos sirva em todos os menores movimentos da vida; desdenhamos o trabalho como só próprio da condição servil, e assim ganhamos defeitos que nos são funestíssimos na carreira toda da existência.
A escravidão leva a corrupção e o vício até o centro das famílias, quer seja por exemplos reiterados (27) da mais grosseira imoralidade, quer pela depravação que infiltra na alma inocente de tantos meninos confiados aos desvelos de estúpidos escravos, só pedagogos da infâmia e preceptores do crime. Que exemplo recebem eles dos seus primeiros aios, dos companheiros de seus brincos, dos condutores de sua infância! E será livre, moral na carreira pública, o homem que desde o berço se acostumou a ser déspota e tirano no sacrário da existência doméstica? Que facilidade aberta para toda a espécie de desordens morais! E, todavia, continua-se na apatia a respeito de um objeto que, mais que qualquer outro, devia interessar-nos, como é o da colonização européia!
(Minerva Brasiliense, tomo 2.°, n. 15, pp. 448-449)
(21) de que o contrabando durará sempre — oração restritiva do substantivo esperança, ao qual se prende, não por pron. relat. como é comum, mas pela integrante de que. Casos idênticos: a notícia de que…, a promessa de que…, a participação de que…, o desejo de que…, ou, com oração de infinitivo: a certeza de alcançar, o receio de adoecer, "a mágoa de perder-te" em Camões. (22) quantos, precedido de todos, é pron. relativo. (23) barbaria, de bárbaro -f- ia; barbárie, do lat. barbaries, ambos com o mesmo sentido; há os corradicais barbarez, de Filinto, barbaridade e barbarismo, este no domínio lingüístico. (24) tráfico e tráfego — formas divergentes, de tráfico, Uai.: comércio, negócio; tráfego passou a indicar a movimentação, o transporte de mercadorias. (25) Pungir (lat. pungere) é ferir, picar; por extensão significa produzir dor morai. Tem também o sentido de incitar, estimular, como no exemplo acima. Pungir a barba é começar esta a aparecer, a picar a pele. (26) Do lat. plaga resultam as formas alotrópicas chaga, praga, praia, evolutivas, a erudita plaga. Os sentidos diversificaram. (27) Verbo reiterar (do lat. iterare e pref. re, recomeçar; raiz do adv. iteram). Significa: repelir, efetuar novamente, dizer de novo. A pronúncia atual destruiu o hiato, soando rei-te-rar em vez de re-i-te-rar. O vulgo, por sua vez, deturpa o termo, pronunciando erradamente reteirar.
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
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