A morte de deus e a morte do homem no pensamento de Nietzsche e de Michel Foucault

Índice

 

A MORTE
DE DEUS E A MORTE DO HOMEM NO
PENSAMENTO DE NIETZSCHE E DE MICHEL FOUCAULT

JOSÉ
GUILHERME DANTAS LUCARINY

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para obtenção do
título de Mestre em Filosofia.

Orientadora:

Professora Vera Portocarrero

Rio de
Janeiro

Julho
de 1998

UNIVERSIDADE
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ¾ UERJ

INSTITUTO
DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO
DE FILOSOFIA

COORDENAÇÃO
DO MESTRADO EM FILOSOFIA

TÍTULO: A morte de Deus e a morte do homem no
pensamento de Nietzsche e de Michel Foucault

AUTOR: José Guilherme Dantas Lucariny

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Filosofia.

APROVADA PELA BANCA EXAMINADORA:

VERA
PORTOCARRERO
(Orientadora,
Professora da UERJ, Departamento de Filosofia)

ROSA
MARIA DIAS
(Professora
da UERJ, Departamento de Filosofia)

JOSÉ
TERNES
(Professor
convidado, UFG, PUC-Goiás)

RESUMO

A dissertação parte do pensamento de Nietzsche, notadamente do
pensamento trágico, da crítica à consciência e à linguagem e da morte de Deus e
da morte do homem, para caracterizar uma nova atitude de suspeita e de crítica
à racionalidade. Com isso, identifica o âmbito do pensamento no qual também se
situa Michel Foucault, estudado em seguida do ponto de vista da recuperação da
interpretação e da linguagem, bem como da compreensão, na esfera da literatura,
de um vazio que se dá com a noção de sujeito. São também apreciadas a crítica
foucaultiana às ciências humanas e ao humanismo, sua compreensão ontológica da
modernidade, e sua reflexão acerca dos saberes e da racionalidade moderna.

O texto assim preparado permite falar do Nietzsche ligado a Foucault, ou
seja, de como as teses de Foucault aparecem em Nietzsche, de como Foucault é
esclarecido por Nietzsche, o que caracteriza a continuidade de uma crítica que
nasce na Alemanha do final do século passado, reafirmada e aperfeiçoada na
França contemporânea do pós-guerra. Conclui por ver a obra de Michel Foucault
estender-se a partir do pensamento de Nietzsche, como a querer demonstrar, com
a problematização da modernidade, o que Nietzsche esboçara: que, uma vez morto
Deus, o homem só também vai desaparecer; isso que se pensava fundamentá-lo ¾ a
racionalidade ¾ talvez não se sustente.

La dissertation part de la pensée de Nietzsche, notamment de la pensée
tragique, de la critique de la conscience et du langage, et de la mort de Dieu
et de l’homme, pour caractériser une nouvelle attitude de soupçon et de
critique de la rationalité. Ainsi, identifie-t-elle l’horizon de la pensée
dans lequel se trouve aussi Michel Foucault, étudié ensuite du point de vue de
la récupération de l’interprétation et du langage, ainsi que de la
compréhension, en littérature, d’un vide qui arrive au sujet. La critique foucaultienne
des sciences humaines et de l’humanisme, sa compréhension ontologique de la
modernité, et sa réflexion sur les savoirs et la rationalité moderne y sont
appréciées.

Ce texte ainsi préparé permet qu’on parle de Nietzsche lié à Foucault,
ou bien, comment les thèses de Foucault se présentent chez Nietzsche, comment
Foucault est éclairé par Nietzsche, ce qui caractérise une continuité de
critique qui est née en l’Allemagne à la fin du siècle passé et qui est
réaffirmée et achevée dans la France contemporaine de la post-guerre. Elle
conclut en voyant l’oeuvre de Michel Foucault se développer à partir de la
pensée de Nietzsche, comme s’il voulait démontrer, avec la problématisation de
la modernité, ce que Nietzsche avait esquissé: que, Dieu mort, l’homme seul va
aussi disparaître; ce qu’on pensait être le fondemment de l’homme ¾ la
rationalité ¾ est, peut être, une thèse insoutenable.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho às esquerdas brasileiras.
JGDL

Uma coisa é certa e deve aqui ser registrada: ambos, Nietzsche e
Foucault, são mestres da incitação à crítica e do aguçamento em nós da santa
vontade de ir além. A filosofia adquire um enorme sentido ao podermos
utilizá-la para interpretar o nosso mundo, transcender mesmo o pensamento de
nossos mais caros filósofos inspiradores. Pois bem: ¾ Aude
saper!
¾ aqui fazemos isso; assim pretende quem em toda sua vida
vê confirmarem-se as teses sobretudo de Nietzsche e de Foucault. Aqui,
refletimos sobre o momento presente em que essa dissertação está sendo concluída,
no ano de 1998, há 98 anos da morte de Nietzsche e há 14 da morte de Foucault.

O que nos vem a dizer de nosso mundo, especialmente de nosso mundo
brasileiro, à luz do que cogitamos nesta monografia? O que é possível dizer da
inquietação que ora nos acomete? ¾ Que a razão estertora miúda,
ávida por novos deuses? Que, hoje, nenhuma grande palavra mais parece se
sustentar? E que a racionalidade busca ávida e desesperadamente algo em que
ainda possa se fundamentar? Que, hoje, o deus por ela criado se chama Dinheiro?
Que não mais a cruz mas o cifrão impera como símbolo de uma fé no mundo? Que,
no Brasil, a Santíssima Trindade configura-se pelo Dólar, o Real e o Mercado? E
que esse Deus impiedoso e frio fundamenta hoje toda uma racionalidade excludente
voltada para o plano econômico em que o homem queda esquecido, morto?

Hoje, o homem está morto diante da Economia; não é mais ele que
importa. A linguagem da Economia é o que prevalece, soando única, triunfalista,
alienante e alienada sobre as pessoas, as nações e as culturas. Hoje, parece
que vivemos de uma forma negativa o que Foucault intuira: a morte do homem e o
brilhar mais forte do ser da linguagem. Negativa porque a linguagem da Economia
não parece ser a linguagem da superação nietzschiana, mas sim a linguagem do
último homem, merceeiro mesquinho, adorador do deus Dinheiro.

Porque, o discurso da Economia, como está hoje posto, não parece estar
voltado para a vida. Constitui-se numa metafísica, a metafísica dos sacerdotes
“executivos” vestidos de terno escuro, ar circunspecto, pesado, falar comedido ¾ o
próprio espírito de gravidade ¾ e que sonham com férias na Disneylândia…
¾ Não
será hoje a Disneylândia a mais ridícula evidência do ideal ascético do qual
falava Nietzsche? Ganhar dinheiro para ir gastá-lo em Disneyland, USA,
por que lá é um paraíso? Ganhar as bênçãos de Deus e ir usufruí-las no Paraíso?
Vontade de paraíso? Vontade de nada? Ou será viver em refrigerados gabinetes
funcionais o ascetismo maior? Assessorados por submissos e entorpecidos
empregados, cordeiros do rebanho, a entabular negociações e projetos de nenhum
compromisso com a vida, e a exigir comportamento de máquina das pessoas, e a
excluir pessoas; viver de rituais em magníficos almoços e jantares prolongados
onde o Dinheiro é o assunto a não mais poder. Dinheiro, o assunto da mídia …
e Poder. Dinheiro é Poder e Time is money, estes, os dísticos dos
oráculos contemporâneos?

Apartar-se da vida, negar a vida, eis o que parecem querer essas “madres
superioras”, movidas pela moral dos merceeiros. Resguardar-se com base numa
racionalidade engendrada; apoderar-se de uma razão e de suas regras, tornar-se

detentor da verdade e encarapitar-se numa posição metafísica; e fazer com
aquilo que sua racionalidade engendrou o próprio fundamento dessa
racionalidade. Não é isso que se dá com o “plano” de todo e qualquer déspota,
mesmo esclarecido? Kant, ingenuamente talvez, ou com fé demais, propunha ao
déspota de seu tempo (Frederico II) um tipo de contrato: “um certo tipo de
despotismo racional com a razão livre”. Mas a razão… a razão não é livre,
direi. A razão é instrumento. E Kant parece sequer ter desconfiado de que o seu
déspota poderia ter ódio: da vida!

Porque a vida é incerta, na vida tem protestos de manifestantes da CUT e
reivindicações dos Sem-Terra, tem vaias, corre-se o risco de ter que se exilar,
de ter sua conta bancária escarafunchada numa CPI, de não se reeleger e de
ficar desamparado, desacreditado, de ficar desempregado, vale dizer, sem
sentido, de passar fome, de se enlamear. Na vida tem mendigos, tem assaltos,
tem sujeira, tem criança largada nas ruas, tem covardia, tem assassinos de
crianças, tem hospitais infecciosos, tem podridão, tem calor, tem fome, tem
enchentes, tem povo fedorento, tem coceira, tem barata…

“Comer a barata”, tal qual no desfecho vivido por G.H. ¾ que
bem poderia ser F.H. ¾ em sua paixão, personagem de Clarice Lispector[1], ao cair no mundo, eis uma
outra possibilidade ¾ gesto “louco” e pleno de sentido de comunhão com a vida.
Se hoje vivemos negativamente a morte do homem pela via da linguagem da
Economia, poderemos muito bem viver uma outra morte, esta sim positiva,
verdadeira superação, é o que nos sugere Clarice. Cometer um gesto louco, de
pura abertura estética: talvez aí resida a “salvação”; um caminho para quem ama
a vida e se tornou poeta e desprezador das verdades racionais, tal qual
Friedrich Nietzsche e ¾ por que não? ¾ Michel Foucault.

Para finalizar, desejo aqui considerar o retorno das esquerdas,
inspirado no que está a configurar-se como o prenúncio da morte de mais uma
divindade: a situação vexatória em que se encontra o mundo e as recentes
tendências de opinião em várias partes deste mesmo mundo; o resultado das
eleições recentes na Inglaterra ¾ berço do Liberalismo ¾ e na
França ¾ berço do Iluminismo ¾ e também no México! ¾ berço
de experiências malogradas que acabam também brasileiras ¾ e, ora
vejam, também na Argentina! ¾ aquilo que, segundo virou costume dizer, é
o que seremos amanhã.

Desejo aqui considerar o retorno das esquerdas. Sim, das es-querdas
brasileiras, para quem esse trabalho vai dedicado, as perple-xas esquerdas
brasileiras, entendendo-se por tal todos aqueles que em nosso país se indignam
com a arrogância, a prepotência e os sofismas do poder, e que por isso se
inquietam, se sentem gauche na vida; e que sonham com um
Brasil menos ascético e mais leve. Sim, mais leve, meus senhores, mais leve…
Para esses, o caminho talvez seja “comer a barata” como na história de Clarice
Lispector: largar mão da pureza e da metafísica (porque as esquerdas também têm
¾ ou
tinham ¾ a sua) e cair no mundo. Cair no mundo como ele é,
convertendo-se num desprezador para poder tornar-se um criador ¾ um
criador de valores ¾ como o são os poetas, os artistas! O mundo, meus
senhores, está a requerer criadores, porque os deuses antigos estão para
morrer!

Alegria criadora! Talvez seja com esta dinamite que o triste deus
Dinheiro será implodido. Tirar o seu sentido! Desmascarar mais esta esfinge!
Desbaratar estes trasmundanos com alegria, com leveza, com riso e com dança,
coisa que eles não possuem porque o seu mundo é triste, meus senhores. O deus
deles é triste, e breve chegará o dia em que a nenhum homem mais trará consolo!
Fazer isto amando o jogo da vida, não propriamente “sem medo de ser feliz” mas,
sobretudo, “sem medo de tornar-se o que se é”. Eis a superação.

 

INTRODUÇÃO

POR UMA FILOSOFIA DA MORTE DE DEUS E DA MORTE DO HOMEM

Para muitos, uma característica importante da era moderna
é que, nela, Deus morreu. Personagem outrora tão importante para a explicação
do mundo, esse Deus vê-se gradualmente debilitado na história do pensamento,
torna-se cada vez mais fraco, findando por morrer. Foi Nietzsche, no final do
século XIX, quem, em mais alto e bom tom, proclamou esta morte.

Em 1966, Michel Foucault, por sua vez, proclamava que o
homem poderia estar em vias de perecer e, com isso, levantava uma controvérsia
profunda. A este respeito, considerava ele que Nietzsche indicara de longe o
ponto de inflexão, o de que “não é tanto a ausência ou a morte de Deus que é
afirmada, mas sim o fim do homem”[2]. Nietzsche, com a morte de Deus, estaria
proclamando que o conceito de uma deidade teria sido suplantado pelo de uma
consciência criativa alojada no âmago do sujeito individual, e isto
caracterizaria uma peculiaridade das disposições fundamentais do saber do
século XIX. Foucault, por sua vez, preocupado com essas disposições
fundamentais, pesquisa a questão dos saberes do homem sobre si mesmo, e
verifica que tiveram origem na passagem da era clássica para a era moderna.
Para ele, antes do fim do século XVIII o homem não existia, pelo menos não
diversamente dos saberes da vida, do trabalho e da linguagem. “O homem é uma
invenção cuja recente data a arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente.
E talvez o fim próximo.”[3], escrevia. E, para que possam existir as
ciências do homem, assim como elas hoje se configuram, a imagem do homem que
nos é habitual deve desaparecer.

À medida que nos damos conta de que todo conhecimento
humano, toda existência humana, toda vida humana e, talvez até, toda herança
biológica humana estão atadas a um conjunto formal de elementos que obedecem a
relações que são descritíveis pela linguagem, o homem, por assim dizer, deixa
de ser o sujeito de si mesmo, de ser ao mesmo tempo sujeito e objeto.
Descobre-se que aquilo que torna o homem possível, no fundo, é a linguagem, ou
seja, um conjunto de estruturas que, naturalmente, ele pode pensar e descrever,
mas do qual não é o sujeito, a consciência soberana. Trata-se aí, observa
Foucault, de um lugar que Nietzsche e Mallarmé haviam indicado: o lugar do
questionamento da linguagem em seu ser, quando um deles perguntava: “Quem
fala?” e o outro vira cintilar a resposta na própria “Palavra”[4]

Ora, isso suscita uma filosofia da morte de Deus e da
morte do homem, nosso objeto central. Em Nietzsche, Deus morreu, substitui-o o
homem que também deverá morrer. Em Foucault, a suspeita de que esse homem
também morre, sendo substituído por algo que não sabe. Nesse sentido, fala-nos
Foucault de uma impressão de acabamento e de fim, de um sentimento surdo que
sustenta, anima nosso pensamento, acalentando-o com suas promessas, e que nos
faz crer que alguma coisa de novo está em vias de começar, de que apenas se
suspeita um leve traço de luz na orla do horizonte. Dessa forma, ressalta
Foucault, este sentimento e esta impressão talvez não sejam infundados.

Pesquisar os pontos centrais da tese da morte do homem em
Michel Foucault, identificando neste âmbito aspectos de filiação nietszcheana
de crítica radical à modernidade, eis o objetivo deste trabalho.

Mas a problemática assim levantada remete-nos para a
própria questão da constituição da modernidade, modernidade essa inaugurada,
segundo Foucault, com a instituição dos saberes sobre o sujeito. Esta
modernidade, tal qual a vivenciamos hoje, estaria ela em seus estertores?
Vivemos hoje no limiar de um novo século e, mais do que isso, no limiar do
terceiro milênio. Terá sido o século XX um século vespertino? Estaremos hoje
vivendo o fim de uma era? Outra era virá? O fato é que parece estarmos em dia
de balanço milenar. Nietzsche e Foucault impelem-nos a esse balanço. O primeiro,
insurgindo-se fundo contra a possibilidade de um julgamento da vida a partir de
um critério de verdade, situando para além de bem e mal e de verdade e
aparência a sua filosofia de superação da oposição metafísica de valores, e
apontando para uma formulação mais radical. O segundo, como que num
desdobramento do primeiro, com uma arqueologia dos saberes e uma genealogia do
homem moderno.

A constituição dos saberes do homem sobre si mesmo na
modernidade será, pois, considerada ¾ a formação desses saberes e seu potencial de transformação. Aqui,
estaremos orientados por dois críticos radicais, entendendo-se essa
radicalidade como refindo-se ao próprio homem, isto é, aos saberes relacionados
ao estabelecimento do homem enquanto conceito.

Eis que a tese da morte do homem apresenta-se, assim,
como um coroamento de toda uma busca da compreensão do saber que se dá em
Foucault pela via da arqueologia e da genealogia. Será dentro deste contexto de
pensamento, que nossa dissertação versará. Face ao momento histórico em que nos
encontramos, face às perplexidades com que nos defrontamos, estudar e
relacionar os dois pensadores, Foucault e Nietzsche, parece oportuno e
instigante. Nesse sentido, trataremos de procurar a continuidade de uma
atitude inaugurada por Nietzsche na passagem do século XIX para o século XX e
assumida por Foucault em nossa contemporaneidade: de incitação à dúvida e à
suspeita, e de indagação do que está por vir.

Delimitamos o problema filosófico objeto de nossa
pesquisa. Nela, estaremos voltados para: a) o problema da modernidade ¾ tomado como ponto de partida ¾, ou seja, o pensamento moderno racional, entendendo por tal aquele
inaugurado, segundo Foucault, com a fundação dos saberes sobre o sujeito; b) a
conceituação da própria idéia de homem ¾ ou humanidade ¾, e dos saberes
deste sobre si mesmo, no que constituem as chamadas ciências humanas e a
própria filosofia; c) a indagação do que é o homem, do que tem sido o homem da
modernidade; d) a problemática levantada por Foucault, neste contexto de pensamento,
no sentido de que as disposições fundamentais daqueles saberes, assim como se
constituiram, poderão se desconstituir; e) a referida problemática no que
remeta a Nietzsche em sua crítica à verdade, à consciência, à linguagem e à
moral e nas idéias da morte de Deus e da morte do homem, do saber trágico e
conceitos correlatos de vontade de potência, eterno retorno e transvaloração de
valores, identificando aspectos de filiação nietzschiana no pensamento de
Foucault; f) o momento histórico em que vivemos, fim de século e limiar do
terceiro milênio, momento de perplexidade, no que incita à dúvida, à suspeita,
e à indagação do que está por vir.

Trataremos de buscar um encadeamento entre Nietzsche e
Foucault, sendo marcante o fato de que ambos apontam como ilusão o projeto de
encontrar um significado profundo subjacente às aparências. Mas, mostrar esse
encadeamento será também mostrar uma continuidade, um aperfeiçoamento, uma
confirmação, no que se configura já uma tradição de pensamento, tradição essa de
uma dúvida e de uma suspeita, marcas da modernidade.

Ocorre que essa dúvida e essa suspeita culminam com
grandes provocações: a da morte de Deus e da morte do homem em Nietzsche e em
Foucault. No primeiro, uma decretação-provocativa do fim de uma era e
conclamação ao início de outra. No segundo, idem. No primeiro, contudo, era
sabido o substituto de Deus: o homem. A esse respeito, Nietzsche falava na
saída negativa do último homem e na saída positiva do Übermensch, o homem-superação,
tal qual Zaratustra, como resultado de uma transvaloração de valores. Na
segundo, porém, o substituto resta obscuro. Foucault não aponta substituto ao
seu morto, apenas aponta pistas e diz que nada há por que chorar. Fala do
“brilhar mais forte em nosso horizonte o ser da linguagem como sinal”[5], e desenvolve
toda uma arqueologia dos saberes e uma genealogia do indivíduo moderno
justamente para mostrar que é o homem, enquanto conceito, que está em questão.

Desta maneira, configura-se toda uma condição de
possibilidade: crítica à racionalidade moderna tendo como centro o próprio
homem. Este será, pois, o objeto de nossa pesquisa. Junto, a nossa indagação,
como em Nietzsche e em Foucault: o que está por vir? Como pensar doravante?

Nosso método
de trabalho consiste numa análise e interpretação de textos de fontes
primárias, a saber: Nietzsche e Foucault, bem como de fontes secundárias
constituídas pelos comentadores citados no decorrer do trabalho. Nele,
partimos da filosofia de Nietzsche para chegar ao pensamento de Foucault e é
certo que estaremos procurando demonstrar uma continuidade entre os dois
filósofos, ou seja, uma filiação de Foucault a Nietzsche. Para tal, em
Nietzsche iremos explorar sobretudo o pensamento trágico e a crítica à
consciência e à linguagem, assim como a inserção em seu pensamento da morte de
Deus e da morte do homem. Neste contexto, a tese da morte de Deus será tomada
pela via da história ¾ o que caracteriza a
ascensão do Deus cristão e a derrocada dos deuses gregos ¾ , e pela perspectiva filosófica do fim da
metafísica e da ascensão do homem como fundamento no lugar de Deus, bem como da
superação deste. Prosseguimos considerando o pensamento de Michel Foucault,
pensamento este que compreende uma crítica à linguagem, aos saberes e aos
poderes, no que vem a constituir-se, segundo seu autor, uma arqueologia e uma
genealogia. Neste contexto, a tese da morte do homem será vista pela
perspectiva da superação do humanismo, do anulamento daquele que fala e pelo
ser da linguagem.

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