NO MINHO – Vila do Conde

Oliveira Lima

NO MINHO

Vila do Conde

O Minho, como aliás todo Portugal, é das regiões mais interessantes da Europa pela sugestiva combinação que oferece de história, de arte e de natureza. Em Vila do Conde, por exemplo, onde estou passando algumas semanas, temos de um lado a linha ondulante da praia, com seus rochedos negros corrigindo a monotonia da areia branca, e do outro as curvas graciosas do Rio Ave, despejando no oceano suas águas azuis e correndo entre colinas escuras de pinheirais e vales cobertos de casaria entre vinhas e milharais. À borda do mar levantam-se um forte, hoje desmantelado e inofensivo mas ainda imponente como elemento decorativo na sua massa de granito enegrecido pelo tempo, a ermida alva de N. S. da Guia, padroeira dos navegantes em águas que nem sempre são bonançosas, e um pequeno monumento cm forma de obelisco que os temporais se têm encarregado de ir corroendo e que comemora um dos incidentes da guerra civil entre absolutistas e liberais. Vila do Conde fica situada entre a Póvoa de Varzim, terra de audazes pescadores, e Mindelo, em cuja praia desembarcou a falange de 7.500 homens trazidos da Terceira e com que o Duque de Bragança, o nosso Imperador D. Pedro I, se abalançou a conquistar Portugal às tropas de D. Miguel.

Sobre o Rio Ave debruça-se do alto de um cômoro a construção grandiosa do Convento de Santa Clara, fundado no século XIV, por D. AfonSo Sanches, bastardo do Rei D. Diniz, cujo túmulo, juntamente com o de sua esposa, se encontram numa capela lateral da igreja e constituem dois formosos espécimens do estilo gótico que precedeu o manuelino. Do primitivo convento restam ruínas. Do claustro apenas subsiste a arcaria de um dos quatro lados. A igreja é a da fundação, mas com muitos acréscimos. A abóbada da capela mor é gótica, já na transição para a arquitetura manuelina; outros trechos são deste estilo que se poderia denominar gótico ultraflorido; há um púlpito de Renascença italiana da decadência e retábulos em que se deu larga a imaginação ornamental do século XVII; outros altares são puramente século XVIII, com colunas salomónicas engrinaldadas de parras,.e o órgão monumental é tudo quanto pode haver de mais estilo joanino, com sua riqueza de talha dourada à qual não faltam entretanto beleza e bom gosto na execução da obra, atenuando o que possa haver de superabundante no material posto à disposição do artista e no desenho de excessivo capricho decorativo.

Essa combinação de estilos é muito comum em Portugal. A própria igreja matriz, que data do ano do descobrimento do Brasil, portanto da época manuelina, tem uma magnífica frontaria neste estilo português, mas a torre, em que parece haver um regresso à tradição românica, é neoclássica, de transição do século XVII para o século XVIII, o que quer dizer sem a pureza dos primitivos exemplares da Renascença. Deste período são documentos dignos ile contemplação os túmulos brasonados e opulentos de altos-relevos que se encontram em Santa Clara: os dos fundadores, os dos seus netos, Condes de Castanhede, e o da filha do Santo Condestável que foi a primeira Duquesa de Bragança.

Além destes túmulos o que a igreja do convento oferece de particularmente notável são os tetos artesonados de madeira, de belíssima talha, sem exageros de ornatos. O do coro alto ou casa do capítulo passa por ser um dos mais formosos de Portugal e deve sê-lo pelas proporções imponentes e ao mesmo tempo pela cuidada execução. Os tetos da igreja, que estavam recobertos de pintura, estão sendo limpos desde que o templo foi incorporado nos monumentos nacionais, o de uma das capelas já se achando de todo restaurado. Pena é que a escassez dos recursos do erário não permita recompor mais a primitiva construção e consertar o monumental aqueduto de 999 arcos com que, na tradição joanina, se trouxe água duma légua distante ao convento clarista, jorrando dos seios de uma sereia que adorna a ponte da cerca e enchendo a bacia da fonte do claustro.

Do fim do século XVIII data a fachada sobre o rio que empresta ainda ao edifício a sua grandiosidade. No topo da cimalha, Santa Clara apóia-se num elefante. Dizem que figura um elefante branco, como se sabe, de grande raridade. O que ainda não compreendi é porque lhe dão os foros de símbolo de castidade. Escrevem os viajantes e naturalistas que se têm ocupado desta família zoológica que o elefante é um animal pudibundo, mas não me consta que seja casto. A sugestão neste caso provirá da alvura do exemplar ou porventura das defesas de marfim, brancas e fortes, emblema assim "da força moral que resiste às paixões". No convento, que agora ainda mais parece prisão com suas janelas de grades, acha-se estabelecida uma escola de correção para menores cm que sobretudo lhes são ensinados ofícios manuais.

Vila do Conde conta grande número de habitações apalaçadas em cujas frontarias se ostentam brasões de famílias nobres. Eram em avultado número os morgados minhotos e foi sobretudo com fidalgos dentre Douro e Minho que se fêz a primeira colonização aristocrática de Pernambuco. Seus dependentes, já se não podia dizer então vassalos, porque a extensão e fortalecimento da autoridade real acabara com a organização feudal e a todos fizera vassalos do rei, acompanharam a gente dalgo. Daí a introdução e persistência entre nós de aspectos, de costumes, de tradições, de utensílios domésticos, de genuína ascendência local, podendo dizer-se da minha terra, uma vez que se leve em conta a diferenciação produzida pelo clima e pelos elementos humanos diversos, o indígena e o africano, que é um Minho tropical. Lembro-me da impressão causada em Eduardo Prado, a primeira vez que veio a Portugal, há 35 anos ou mais, e em que juntos fizemos algumas excursões, por encontrar nos campos da Extremadura e no Alentejo instrumentos agrícolas, processos de irrigação e outras reminiscências dos árabes, deixadas pela longa ocupação berbere. A mesma impressão, tenho eu tido agora no norte de Portugal. A natureza difere: a vegetação é a dos pinhais e das vinhas de enforcado, mas o que se pode dizer a paisagem social, oferece quantidade de pontos de contato.

Em Vila do Conde não há por exemplo casa em que mulheres sentadas no chão, as pernas cruzadas, não tenham sobre o regaço o grande almofadão com os bilros pendentes. A mulher trabalha tanto quanto o homem. Este vai para o mar pescar; aquela toma o seu lugar nos milharais, lavrando a terra, cuidando do gado, recolhendo algas na praia ou dentro das águas, para adubos das terras. A que permanece na habitação faz rendas, como a cearense.

No desenvolvimento industrial que se observa em Portugal, várias das antigas indústrias tradicionais têm renascido ou tomado incremento, a par das que têm sido introduzidas de novo. Em Vila do Conde havia as velhas características azenhas com suas grandes rodas de moer. Hoje, além de uma fábrica de moagem a vapor e de uma fábrica de lápis de escrever, há uma fábrica de tecidos de algodão c está se montando outra de sedas.

Como na Bélgica e na Boêmia, as rendeiras trabalham para revendedoras em larga escala por elas chamadas rendilheiras, as quais mantêm oficinas-escolas em que as profissionais executam encomendas de maior valor e as rapariguitas aprendem o ofício. Não sei se em Peniche, onde há 50 anos chegaram a entregar-se ao fabrico de rendas mil mulheres, o desaparecimento da Sra. Dona Maria Augusta Bordalo Pinheiro, que partilhava das grandes aptidões artísticas da sua família, fêz decair essa indústria de luxo que ela levantou no sentido de orientá-la num melhor gosto e em superior mestria de execução. No Minho tal indústria pode dizer-se florescente apesar do adiantamento atingido noutros países pelos artefatos dessa natureza à máquina, o que significa barateamento do produto. Os salários em Portugal têm subido consideravelmente, mas ainda assim permitem a concorrência, aliás favorecida pela maior perfeição do produto puramente manual.

Julho de 1923

Pamamirim, dezembro de 1919

 

 

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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