PRECONCEITOS – Dicionário Filosófico de Voltaire

Dicionário Filosófico de Voltaire

PRECONCEITOS

O preconceito é uma opinião sem julgamento. Assim, em toda a terra, inspiram-se às crianças todas as opiniões que se desejam, antes que elas possam julgá-las.

Há preconceitos universais necessários, que constituem a própria virtude. Em todo país ensina-se às crianças a reconhecer um deus recompensador e vingador, a respeitar e a amar o pai e a mãe, a encarar o furto como um crime, a mentira interessada como um vício, antes que elas possam adivinhar o que é um vício e uma virtude.

Há bons preconceitos: são os que o juízo ratifica, quando raciocinamos. Sentimento não é simples preconceito, é qualquer coisa de mais forte. Uma mãe não ama o filho porque lhe dizem ser preciso amá-lo: ama-o, extremosamente, mesmo sem querer. Não é por preconceito que correis em socorro de uma criança desconhecida, prestes a tombar num

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precipício ou a ser devorada por um animal. Mas por preconceito respeitais um homem revestido de certos trajes, caminhando gravemente e falando de igual forma. Vossos pais vos disseram que devíeis vos inclinar diante desse homem: vós o respeitais antes de saber se ele merece vosso respeito. Crescei em idade e em conhecimentos; percebeis que o homem é um charlatão, cheio de orgulho, de interesse e de* artifícios; desprezais o que tínheis reverenciado, e o preconceito cede assim lugar ao julgamento. Acreditastes por preconceito nas fábulas com que vos embalaram ao berço, na infância: disseram-vos que os titãs fizeram guerra aos deuses, Vénus se apaixonara por Adónis; tomais, aos doze anos, essas fábulas por verdades e as encarais aos vinte anos como alegorias engenhosas.

Examinemos em poucas palavras as diferentes espécies de preconceitos, a fim de pô-los em ordem em nossas questões. Somos, talvez, como aquelas pessoas do tempo do sistema de Law, que descobriram ter calculado com riquezas imaginárias.

Preconceitos dos sentidos

Não é uma coisa engraçada que nossos olhos nos enganem sempre, mesmo quando vemos muito bem, e que o contrário aconteça com os nossos ouvidos? Se vosso ouvido bem conformado ouve: “És bela, eu te amo”, é bem certo que não vos dizem: “Odeio-te, és feia”. Mas vede um espelho liso e ele demonstra que vos enganais, é uma superfície muito grosseira. Vede o Sol com dois pés, mais ou menos, de diâmetro; e está demonstrado ser um milhão de vezes maior do que a Terra.

Parece Deus ter posto a verdade em vossos ouvidos e o erro em vossos olhos; mas estudai a óptica e vereis que Deus não vos enganou e que é impossível os objectos vos parecerem de outra maneira, se os vedes no estado presente das coisas.

Preconceitos físicos

O Sol ergue-se, a Lua também, a Terra é imóvel: estão aí preconceitos físicos naturais. Mas que os caranguejos sejam bons para o sangue, porque cozidos, tornam-se vermelhos como ele; as enguias curem a paralisia, porque se agitam; a Lua influa sobre as doenças, porque um dia se observou haver tido um enfermo uma alta de temperatura na minguante; essas ideias e muitas outras são erros de antigos charlatães que julgaram sem raciocinar e tendo-se enganado, enganaram os outros.

Preconceitos históricos

A maior parte das histórias formaram-se sem exame e tal crença é um preconceito. Fabius Pictor conta que vários séculos antes de ele existir, uma vestal da cidade de Alba indo buscar água com seu jarro, foi violada e deu a luz a Rómulo e Remo, sendo eles alimentados por uma loba, etc. O povo romano acreditou nessa fábula; não examinou, absolutamente, se naquele tempo havia vestais no Lácio; se era verossímil a filha de um rei sair do convento com seu jarro; se era provável uma loba aleitar duas crianças em lugar de devorá-las. O preconceito firmou-se.

Um monge escreve que Clóvis, estando em grande perigo na batalha de Tolbiac, fez a promessa de tornar-se cristão se dela se salvasse; mas é natural que se dirija alguém a um deus estrangeiro em tal ocasião? Não é quando a religião em que nascemos age mais poderosamente? Qual o cristão, numa batalha contra os Turcos, não se dirigirá antes à Virgem Santa do que a Maomé?

Acrescenta-se haver um pombo trazido os santos óleos no bico para ungir Clóvis e um anjo vindo com a auriflama para conduzi-lo. O preconceito adoptou todas as historietas desse género. Os que conhecem a natureza humana sabem

muito bem que o usurpador Clóvis e o usurpador Rolão ou Raul se fizeram cristãos para governar com mais segurança os cristãos, assim como os usurpadores turcos se haviam feito muçulmanos para governar com mais segurança os muçulmanos.

Preconceitos religiosos

Se a vossa ama vos diz que Ceres preside o crescimento do trigo ou que Vichnu e Xaca se fizeram homem várias vezes, ou que Sammonocodone veio derrubar uma floresta, ou que Odin vos espera em seu salão do lado na Jutlândia, e Maomé ou algum outro fez uma viagem ao céu; enfim se vosso preceptor vem em seguida aprofundar-vos no cérebro o que a vossa ama ali gravou, conservareis isso tudo para o resto da vida. Vosso juízo quer erguer-se contra esses preconceitos; vossos vizinhos, e sobretudo, vossas vizinhas gritam pela impiedade e vos assustam; vosso derviche, receando ver diminuir a respectiva renda, vos acusa ao cádi e esse cádi vos faz empalar se puder, porque só quer comandar tolos e julga que os tolos obedecem melhor do que outros. Isso durará até vossos vizinhos, o derviche e o cádi começarem a compreender que a tolice não serve para coisa alguma e a perseguição é abominável.

Fonte: VOLTAIRE. Clássicos Jackson vol XXII. Tradução de Brito Broca.

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