Fundamentos de Filosofia de Manuel Garcia Morente
Lições Preliminares
Lição XXIII
ONTOLOGIA DA VIDA
196.
A TOTALIDADE DA EXISTÊNCIA NA VIDA. —
197. ESTRUTURA ÔNTICA DA VIDA. — 198. CARACTERES DA VIDA. — 199. VIDA E
TEMPO. — 200.
A ANGÚSTIA E O NADA. — 201. O PROBLEMA DA MORTE. — 202. O PROBLEMA
DE DEUS.
196.
A totalidade da existência na vida.
Ao
terminar esta excursão que empreendemos pelo campo da ontologia, chegamos ao
momento em que, após ter estudado a estrutura ôntica dos objetos reais e
irreais e a dos valores, nos encontrávamos defronte a um quarto e último
problema ontológico: o da raiz mesma em que todos esses objetos revelam sua
existência, sua entidade; encontrávamo-nos com a vida mesma, na qual
"há" essas coisas reais, esses objetos ideais e esses valores.
.
Já
podemos prever que os problemas ontológicos que há de nos apresentar a vida
como objeto metafísico têm que ser problemas de aspectos muito distintos
daqueles que nos apresentam essas esferas da ontologia que anteriormente
percorremos.
Em
nossa vida "há" coisas reais, objetos ideais e valores. Cada uma
dessas esferas ontológicas tem sua própria estrutura; e podemos nos perguntar:
que significa isso que eu exprimo com a palavra "há"? Que significa
esse haver coisas reais, objetos ideais, valores? Esse "haver" não
significa outra coisa que a totalidade da existência. Haver algo é existir algo
de uma ou de outra forma; e a totalidade da existência, a existência inteira é
aquilo que há. Existência de que? perguntar-se-á. Pois a existência das coisas
reais, dos objetos ideais, dos valores e de mim mesmo. Todo este conjunto do
que há é, gramaticalmente dito, o complemento determinativo da existência; a
existência é existência de tudo isso.
A
existência, pois, na sua totalidade, abrange o ôntico e o ontológico, porque
me abrange a mim também. Abrange o eu, capaz de pensar as coisas, e as coisas,
que o eu pode pensar. Essa existência inteira, total, podemos denominá-la muito
bem "vida", minha vida; porque eu não posso, de modo algum, sonhar
sequer que exista algo que não existe de um modo ou de outro em minha vida:
diretamente,
com
uma existência especial, que é a existência de presença, ou indiretamente, por
meio de uma existência de referência. Esta existência de minha vida é aquilo
que o filósofo alemão contemporâneo Heidegger chama "a existência do ente
humano". Ela mesma é ente, ou seja, que ela mesma — a existência — é
entitativa. O ente humano, como existente, abrange, por conseguinte, não
somente, estritamente falando, a subjetividade, mas também a objetividade.
Desta maneira recebe um sentido pleno a fórmula que constantemente emprega o
filósofo que citei para definir aquilo que essencialmente constitui esse ente
da existência humana e é "O estar eu com as coisas no mundo".
197.
Estrutura ôntica da vida.
Vamos
tentar esboçar os problemas principais de uma ontologia fundamental da vida.
A
grande dificuldade com que tropeçamos, e à qual me referia faz um momento, para
descrever adequadamente estas sinuosidades nas estruturas íntimas da vida,
provém do seguinte: que, como era historicamente necessário, a filosofia parte
da intuição de um ente concreto e particular, de um desses entes que estão
"em" e que, por conseguinte, não são o ente absoluto e autêntico. A
filosofia parte com Parmênides da intuição de um ente particular e derivado;
forja então seus conceitos lógicos, dobrando-se à estrutura desse ente particular,
e então esses conceitos do ente particular são conceitos de entes inertes,
definitivos; de entes que "são já" tudo aquilo que têm que ser; de
entes em cuja entranha não existe o tempo; de entes absolutamente estáticos,
quietos, daquilo que chamaríamos "entes-coisas".
Duas
características tem todo ente-coisa: o "ser já", ou seja, o ser sem
tempo, e a identidade. Assim, todos os conceitos lógicos que desde Parmênides
baralham a ontologia para reproduzir ou tentar reproduzir a estrutura da
realidade, são conceitos lógicos que contêm no seu seio essas duas
características: o "já" definitivo, que exclui toda possibilidade de
futuro, e a identidade, que exclui toda possibilidade de variação.
Pois
bem; se nós, com esses conceitos que desde Parmênides até hoje dominam na
lógica, queremos apresar o ente primário da existência humana — a vida —
concluímos o que esses conceitos não servem, porque a vida é, não identidade,
mas constante variabilidade, e porque a vida é justamente o contrário do
"já"; não é descritível por meio do advérbio "já", antes é
o nome daquilo que ainda não é. Por conseguinte, a estrutura ontológica da vida
nos mostra um tipo antológico para o qual não temos conceito. E o que primeiro
tem a fazer, ou pelo menos o que, paralelamente à metafísica da existência
humana, tem que fazer uma lógica existencial, é forjar esses novos conceitos.
Existem conceitos ocasionais tais que o que designam não é nada idêntico nem
sempre igual a si mesmo, nada inerte e definitivo. antes designam o que quer
que "haja" na ocasião e no momento. Dizemos: "algo", a
palavra "algo", o pronome indefinido "algo"; dizemos também
"agora", o advérbio "agora". Pois bem; o conteúdo real
desses conceitos pode ser variadíssimo. O "agora" de 1937 é diferente
do "agora" de 1837, não obstante, com um mesmo conceito designamos
todas essas variações. Eis aqui, pois, um fundo de conceitos ocasionais cujo
estudo na lógica poderia ser de grande fecundidade para estas necessidades
novas na metafísica existencial.
Esses
conceitos ocasionais não somente não fixam o ser como uma borboleta na coleção
do entomólogo; não fixam o inerte num pensar sob eles cada vez um ser distinto,
um ser que muda. Por ser "já" e num ser idêntico, antes, pelo
contrário, nos convidam a isso, a descrição que vamos fazer da realidade
ontológica vital vai ser difícil e alguma vez deverá ter aspectos
preferentemente literários ou sugestivos; porque a verdade é que carecemos dos
conceitos puros e apropriados para isto. Assim vamos ver que esta descrição
desse ente particular que é a vida se caracteriza essencialmente por estar
semeada de alto abaixo de aparentes contradições.
198.
Caracteres da vida.
O
primeiro caráter que encontramos na vida é o da ocupação. Viver é ocupar-se;
viver é fazer; viver é praticar. A vida é uma ocupação com as coisas; quer
dizer um manejo das coisas, um tirar e pôr coisas, um andar entre coisas, um
fazer com as coisas isto ou aquilo. Se prestamos atenção um instante naquilo
que é ocupação com coisas, encontramos essa outra surpresa: que a ocupação com
coisas não é propriamente ocupação mas preocupação. Ocupar-se, fazer algo segue
imediatamente ao preocupar-se, ao ocupar-se previamente com o futuro. E é
extraordinário que a vida comece por preocupar-se para ocupar-se; que a vida
comece sendo uma preocupação do futuro, que não existe, para depois acabar
sendo uma ocupação no presente que existe. Se a vida é ocupação preocupativa,
ocupação de uma vida que está preocupada então diremos que por essência a vida
é não—indiferença. A vida não é indiferente; à vida não é indiferente ser ou
não ser; não lhe é indiferente ser isto ou aquilo. As coisas reais, os objetos
ideais — que, são entes, porém não o ente primário e autêntico que é a vida,
mas entes secundários, que estão na vida — são indiferentes. A pedra não se
importa com ser ou não ser; o triângulo retângulo não se importa com ser ou
não ser. E são indiferentes não somente quanto às suas existências — não se
importam com existir ou não existir — mas também são indiferentes quanto à sua
consistência ou essência. Não somente não se importam com ser, mas também não
se importam com ser isto ou aquilo. Porém a vida é justamente o contrário; a
vida é a não-indiforcnça. Ou, dito de outro modo, o interesse. A vida se
interessa: primeiro, com ser, e segundo, com ser isto ou ser aquilo;
interessa-se com exjstir e consistir. Digamo-lo de modo talvez mais claro.
Pense cada um em si mesmo. Vivermos não é somente existirmos (que já nos
interessa muito); além disso, vivermos é vivermos de certa maneira, E existem
momentos na história em que o interesse por essa certa maneira de viver é tão
grande, que encontramos episódios históricos de povos, homens, coletividades ou
indivíduos, que preferem morrer, a viver de outra maneira daquela como querem
viver. O poeta latino Juvenal o exprimia dizendo aos patrícios degenerados de
sua época que sacrificavam ao amor de viver as causas que tornam digno o
viver: "Et propter vitam, vivendi perdere causas". Como pode ter
interesse em ser aquilo que já é? Todavia, a vida é de tal índole e natureza,
que, mesmo sendo ou existindo, tem interesse por existir, e por existir de tal
ou qual modo.
A
vida nos apresenta esta aparente contradição: que a vida nos é e não nos é
dada. Ninguém se dá a vida a si mesmo. Nós nos encontramos na vida; nosso eu
se encontra na vida. Quando refletimos e nos dizemos: eu vivo, não sabemos como
vivemos, nem por que nem quem nos deu a vida. Sabemos apenas que vivemos. Por
conseguinte, de certo modo, a vida nos é dada. Porém essa mesma vida que nos é dada
temos que fazê-la nós. Algo temos que fazer para viver. A vida nos foi dada,
mas para seguir vivendo temos que fazer algo, temos que ocupar-nos em algo,
temos que desenvolver atividades para viver. Todavia, a vida que nos foi dada
está por sua vez por fazer. A vida nos apresenta constantemente problemas
vitais para viver, que há que resolver. A vida temos que fazê-la, e em
castelhano temos uma palavra para designar isto: a vida é um "que hacer".
E
chegamos a outro paradoxo maior: no magnífico e formidável problema que r filosofia, desde séculos, vem
estudando sob o nome de liberdade e determinismo, a liberdade e o determinismo
são dois termos contrapostos. Ou a vontade é livre e pode fazer o que quiser,
ou a vontade está determinada por leis, e então aquilo que a vontade resolve
fazer é já um efeito de causas, e, portanto, está integralmente determinada,
como o percurso da bola de bilhar pela mesa está determinado mecanicamente pela
quantidade de movimentos recebidos do taco e pelo rumo e direção que se lhe
deu. Pois bem: se nós equacionamos o problema de liberdade ou determinismo, no
caso da vida, diremos que nós na nossa vida somos livres, podemos fazer ou não
fazer, podemos fazer isto ou aquilo, que a vida pode fazer isto ou aquilo. Mas
tem que fazer algo forçosamente para ser, temos que fazer; para vivermos, temos
que fazer nossa vida. Quer dizer, para vivermos livres, para vivermos
livremente, para sermos livres vivendo, temos necessariamente que fazer essa
liberdade, dado que a vida é algo a fazer. Quer dizer, que a liberdade, no seio
da vida, coexiste irmanada com a necessidade; é liberdade necessária.
Como
vamos resolver estas contradições? Não as podemos solucionar quando aplicamos
à realidade existencial, à existência total, à vida, os conceitos estáticos e
quietos que derivamos das coisas secundárias na lógica de Parmênides. Temos
que tomar, pois, essas metafísico que é a vida. Essas que parecem contradições,
parecem contradições a um intelecto cuja idéia do ser está tomada do ser desta
lâmpada. Um intelecto, porém, cuja idéia do ser fosse tirada do contradições
como expressão do caráter ôntico, próprio deste objeto ser da vida teria
conceitos capazes de fazer conviver sem contradição aquilo que em nossas
grosseiras expressões chamamos contradições na vida.
199.
Vida e tempo.
E
com isto chegamos talvez ao mais importante: que a estrutura ontológica da vida
contém como seu nervo fundamental, sua raiz, algo que é precisamente o mais
oposto, diametralmente oposto, ao tipo do – ser estático e quieto de
Parmênides. A vida na sua raiz contém o tempo. A existência, o ser da
existência humana — falando em termos de Heidegger — ou o que eqüivale ao
mesmo: a estrutura ontológica da vida, é o tempo. Mas vamos pouco a pouco.
Tempo é uma palavra que significa muitas coisas. Devemos distinguir duas
classes de tempo: o tempo que há "em" a vida e o tempo que a vida "é".
Na vida está o tempo da física, o tempo da astronomia, o tempo da teoria da
relatividade. Esse é um tempo que está na vida, do mesmo modo que os objetos
reais, os objetos ideais e os valores estão na vida. E assim como esses objetos
são entes secundários e derivados, entes de certo modo inautênticos e
relativos, assim também o tempo que está "em" a vida é um tempo
inautêntico e relativo; é o tempo das ciências físicas, das ciências
astronômicas. Nesse tempo, o passado produz de si o presente, e o passado
produzindo de si ó presente vai criando o futuro. O futuro, nesse tempo, é o
resultado do passado e do presente; é a conclusão do processo começado. Mas
esse tempo que está na vida é o tempo pensado, excogitado para abranger nele o
ser inautêntico e derivado, o ser dos entes particulares; esse tempo não é o
tempo que constitui a vida mesmaj Por isso propunha eu que distinguíssemos
entre o tempo que está "em" a vida e o tempo que a vida
"é". E eis aqui o curioso e estranho: que o tempo que a vida é
consiste exatamente na inversão do tempo que na vida está. Se se inverte o
tempo da astronomia se tem o tempo que constitui a ossamenta da vida.
Se
se imagina ou pensa um tempo que começa pelo futuro e para c qual o presente
seja a realização do futuro, quer dizer para o qual o presente seja um futuro
que vem ser, ou, como diz Heidegger algo abstrusamente, um "futuro
sido", esse é o tempo da vida. Porque a vida tem isto de particular: que
quando foi, já não é a vida; que quando a vida passou e está no pretérito, se
converte em matéria solidificada, em matéria material ou matéria sociológica,
em idéias já feitas, anquilosadas; em concepções pretéritas que têm a presença
e inalterabilidade, o caráter do ser parmenídico, o caráter do ser eleático,
daquilo que "já" é e daquilo que é idêntico, do ser ou ente
secundário e derivado.
Porém
a vida não é isto. A vida, tão logo foi, deixa de ser. A vida é propriamente
esta antecipação, este afã de querer ser; essa antecipação do futuro, essa
preocupação que faz que o futuro seja, ele, o germe do presente. Não é como no
tempo astronômico, no qual o presente é o resultado do passado. O passado é o
germe do presente no tempo astronômico, que está "em" a vida; mas o
tempo vital, o tempo existencial em que consiste a vida, é um tempo no qual
aquilo que vai ser está antes daquilo que é, aquilo que vai ser traz aquilo que
é. O presente é um "sido" do futuro; é um "futuro sido".
Realmente, não se pode expressar melhor que como faz Heidegger nestas palavras,
só que precisava alguma explicação.
Este
"futuro sido", que é o presente, nos faz ver a vida como tempo,
essencialmente como tempo; e como tempo no qual a vida, ao ir sendo, vai
consistindo em antecipar seu ser de um modo deficiente, para chegar a sê-lo de
um modo eficiente. A vida, pois, é uma carreira; a vida é algo que corre em
busca de si mesma; a vida caminha à procura da vida, e o rastro que deixa atrás
de si depois de ter caminhado é já matéria inerte, excremento.
Assim,
pois, é o tempo que constitui essa essência. Que é o ser parmenídico? O ser sem
tempo. Que é o ser existencial da vida? É o ser com tempo, no qual o tempo não
está ao redor, e como banhando a coisa, como acontece na astronomia. Na
astronomia o tempo está aí em torno da coisa; porém a coisa é aquilo que é,
independentemente do tempo que transcorre junto dela. Ao contrário, aqui, na
vida, o tempo está dentro da coisa mesma; o ser mesmo da coisa consiste em ser
temporal, quer dizer, em antecipar-se, em querer ser, em poder ser, em ter que
ser. E então quando este poder ser e ter que ser é; quando o futuro se converte
em "futuro sido", nesse instante aquilo que "já" é, o
excremento da vida, e a vida continua seu curso à procura de si mesma, ao
longo desse infinito futuro infinitamente fecundo.
200.
A angústia e o nada.
Mas
nesta carreira da vida, quando a vida corre atrás de si mesma; nesta ocupação
que é preocupação; neste presente que é um futuro que chegou a ser; em tudo
isto se manifesta a vida essencialmente como não-indiferença; e a
não-indiferença se manifesta na angústia. A angústia é o caráter típico e
próprio da vida. A vida é angustiosa. E por que é angustiosa a vida? A angústia
da vida tem duas facetas. De um lado, é necessidade de viver; a angústia da
vida é afã de viver; é não-indiferença ao ser, que antes descrevia eu nos seus
dois aspectos de existir e de existir deste ou daquele modo; nos seus dois
aspectos existencial e essencial. De modo que, de um lado, a angústia é afã de
ser, anseio de ser, de continuar sendo, para que o futuro seja presente; mas,
de outro lado, esse anseio de ser leva dentro o temor de não ser, o temor de
deixar de ser, o temor do nada. Por isso a vida é, de um lado, anseio de ser, e
de outro lado, temor do nada. Essa é a angústia.
A
angústia contém na sua unidade emocional, sentimental, essas duas notas
ontológicas características; de um lado, a afirmação do anseio de ser, e de
outro lado, a radical temerosidade diante do nada. O nada amedronta ao homem; e
então a angústia de poder não ser o atenaza, e sobre ela se levanta a
preocupação, e sobre a preocupação a ação para ser, para continuar sendo, para
existir. Justamente o viver e ocupar-se o homem com as coisas, parte de que ele,
no fundo de sua alma se diz a si mesmo: isto é algo; o que é isto? e se lança
em busca do ser. Quando tropeça com alguma dificuldade, quando encontra os
limites de sua ação, quando vê que sua ação não pode chegar a um término
completo, antes há obstáculo, contra ela, então o homem sente a angústia e vê
diante de si o espectro do nada; e reage contra essa angústia e contra esse
espectro do nada supondo que as coisas são e procurando-lhes o ser pelos meios
científicos que tiver à sua mão: com o pensamento, com os aparelhos do
laboratório etc. etc.
Dentro
da necessária brevidade desta lição, temos já um vislumbre de um dos problemas
mais importantes que apresenta a ontologia da vida. O mais importante de todos
é o de procurar e encontrar, não somente uma terminologia adequada — que se
procura por todas as partes — mas também, e sobretudo, conceitos lógicos
adequados para apresar essa realidade vivente, essa realidade vital que está,
para um pensamento de certo estilo lógico, semeada de contradições, as quais na
realidade são contradições que desapareceriam se tivéssemos instrumentos
finos, suficientemente delicados para poder manejar esses conceitos
aparentemente contraditórios dentro de uma lógica dinâmica do mudar e do
"não-ser-já", juntamente com o ser. Esta é a primeira tarefa, à qual
é preciso atender o quanto
201.
O problema da morte,
Para
terminar, apontarei dois problemas que agora vão começando a surgir. Não são
dois problemas novos, são dois velhíssimos problemas, mas que agora, sobre essa
infinita, profunda e variada multiplicidade que há na vida avançam seu rosto,
umas vezes carrancudo, outras vezes risonho. São dois velhos problemas: um é o
problema da morte; o outro, o problema de Deus. Já os terá vislumbrado
seguramente o leitor por si mesmo. Desde que começamos a falar da vida como
objeto metafísico, no fundo de todos nós deve ter soado um guizinho; mas, e a
morte? Este é o grande problema da metafísica existencial. Como vamos
solucionar o problema da morte? Eu não posso, nem de longe, dar aqui uma
solução a esse problema da morte. Somente poderia, talvez, indicar alguma vaga
consideração acerca do lugar topográfico através do qual teria que ir procurar
a solução desse problema, e é a consideração seguinte, feita com a terminologia
que já nos é familiar: é que a morte "está em" a vida; é algo que
acontece à vida. Por conseguinte, a morte e a vida não constituem dois termos
homogêneos, num mesmo plano ontológico, antes a vida está no plano ontológico
mais profundo, o primordial, o plano do ente autêntico e primário, enquanto que
a morte, que é algo que acontece à vida, "em" a vida, está no plano
derivado dos entes particulares, das coisas reais, dos objetos ideais e dos
valores. Talvez por este lado, por este caminho, refletindo sobre isto,
poderiam encontrar-se algumas considerações ontológicas interessantes sobre o
problema da morte.
202.
O problema de Deus.
O
outro problema é o problema de Deus. Vimos que a vida á uma entidade ontológica
primária, ou, como eu digo, absoluta e autêntica. Vimos também que nela, para
a lógica parmenídica, há um viveiro de estruturas contraditórias. Porém essas
estruturas contraditórias culminam na contradição entre o ser e o nada. Vimos
que a vida, que é, que existe, olha de través para o nada. Esses dois pilares
correlativos da existência total apresentam, porém, a pergunta metafísica
fundamental. Em 1929, na aula inaugural de seu curso de filosofia na
Universidade de Friburgo (após ter publicado vários anos antes seu grande livro
Ser e tempo) Heidegger, nesse discurso inaugural que leva por título Que é
Metafísica? terminava com esta pergunta: Por que existe o ente, em vez de não
existir nada? Quatro anos antes, num trabalho jornalístico — como muitos dele —
publicado em Madrid, José Ortega y Gasset usava como título para esse trabalho
esta frase: Deus à vista, como quando os navegantes, da proa do navio, anunciam
terra. Se se põem em relação estas duas frases vê-se quão profundamente
ressurge na metafísica atual a velha pergunta de Deus.
De
modo que o velho tema da morte, que já está em Platão, e o velho tema de Deus,
que já está em Aristóteles, ressurgem de novo na metafísica existencial da
vida; mas ressurgem agora com um cariz, um aspecto e umas condicionalidades
sensivelmente diferentes. Agora entramos, por assim dizer, na terceira
navegação da filosofia. Porque nem um realismo nem um idealismo exclusivista
podem dar uma resposta satisfatória aos problemas fundamentais da filosofia, já
que percebemos que o sublinhado pelo realismo e pelo idealismo são fragmentos
de uma só entidade: aquele — o realismo — afirma o fragmento das coisas que
"estão em" a vida; este — o idealismo — o fragmento do eu, que também
"está em" a vida. Agora queremos uma metafísica que se apóie, não nos
fragmentos de um edifício, mas na plenitude de sua base: na vida mesma. Por
isso digo que agora começa a terceira navegação da filosofia, de rumos
apontados já pela proa dos navios, que, como diz Ortega, caminha para um
continente em cujo horizonte se desenha o alto promontório da Divindade.
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