- O Renascimento da Grécia e de Roma
- A mais bela mulher da Renascença
- A idade de ouro das descobertas
- O Príncipe D. Henrique, o Descobridor
- As aventuras dos Cabotos
- A conquista do Peru e do México
- A corte da rainha Bess
- O famoso "Rei-Sol"
- A Revolução ‘Francesa
- O trágico esplendor de Napoleão
- A revolução industrial
A AURORA DA HISTORIA MODERNA
Henry Thomas Buckle (1821 –1862)
O Renascimento da Grécia e de Roma
DOS séculos de escuridão raiou uma súbita revelação do antigo passado. Quase da noite para o dia, no século XIV, o mundo aprendeu que tinha havido, muito tempo antes de Cristo, na Grécia e em Roma, raças que viviam na luz de brilhante civilização. E depois, a história não havia começado no tempo de Carlos Magno! Tinha havido poderosos imperadores, grande arte e bela literatura nos remotos dias, anteriores à aurora do mundo cristão!
Diante da descoberta desse maravilhoso fato, os sábios da Europa lançaram-se no frenesi da procura. E muitas das pessoas que por primeiro decifraram os velhos manuscritos gregos e romanos foram os monges cristãos que, por centenas de anos tinham, sem saber, guardado com cuidado aqueles secretos tesouros, nas empoeiradas águas-furtadas e adegas de seus mosteiros.
Quando as histórias da Grécia e de Roma foram afinal descobertas, todo o mundo tentou reconstruir outra Grécia e outra Roma. Ergueram-se templos imitados dos palácios gregos e romanos e esplêndidos banhos. Os homens começaram a escrever poesia e prosa à maneira clássica. Todos, do papa ao camponês, ficaram absorvidos no novo mundo clássico. Os homens tentaram tornar-se crianças de novo e transformar a vida, segundo a maneira dos gregos, num belo brinquedo para sua diversão cotidiana.
E que lugares tomaram mais importante parte nesse movimento de renascença? As pequenas cidades da Itália, onde a velha civilização romana tivera seu primeiro berço.
Na cidade de Florença foram os duques, que governaram com mão de ferro e que patrocinaram as artes. Em Florença, havia o culto da beleza e da impiedade, carnaval sob as estrelas de verão, lojas de reluzentes espadas, custosos trajes e pedras preciosas, artistas que pintavam Madonas parecidas com Venus e que modelavam estátuas em mármore e bronze.
No ano de 1496, realizou-se um desses grandes carnavais. Uma multidão de barulhentos foliões acha-se na rua, bebendo e celebrando o festival de Venus. Entre risadas e músicas, o cortejo carnavalesco entra na praça. Mas eis que, de repente, um frade dc negro capuz salta no meio da multidão ébria, e vocifera palavras de fogo. Todo o barulho cessa. "Ó florentinos, amantes do prazer, estais condenados!" — grita o monge Savonarola, que se acredita enviado do céu para conquistar o povo de Florença para Deus. "A hora do julgamento está iminente!" Levanta os braços para rezar. E os foliões, com um grande clamor de penitência, caem de joelhos e choram, tão poderosa é a personalidade daquele frade semilouco e puritano. Rasgam as colgaduras e decorações das carruagens e voltam envergonhados para casa.
Não se prolongou, porém, muito o seu arrependimento. Porque aquela gente tinha o coração pagão. Florença era um novo berço de Atenas. Os florentinos da Renascença, como os gregos do mundo antigo, criaram uma religião da beleza.
A mais bela mulher da Renascença
OUÇAMOS a história da mais fascinante mulher de Florença. Essa jovem aristocrata, Rosaura Mon talbani, "era tão linda que quando chegava à janela, pela manhã, o povo enchia as ruas, impossibilitando a passagem dos coches e cadeirinhas. Tão bela era que, quando saía para fazer suas compras, os negociantes recusavam pagamento das despesas que fizesse. Quando entrava na igreja, os devotos voltavam o rosto do altar, para olhar para ela e eram assim condenados à eterna punição. Todos os dias, os pescadores retiravam do rio Arno o corpo de algum mancebo, que havia morrido por seu amor. Todas as noites, vigilantes topavam com o corpo de algum cavalheiro, ricamente vestido, tendo um punhal no coração, por haver sido repelido pela bela Rosaura. Três vezes foi levada ao tribunal, pelos amargurados pais dos mancebos. De todas as vezes foi acusada de ser demasiado bela." E de todas as vezes os juízes ficavam tão empolgados pela sua beleza que a mandavam em liberdade.
Certa vez foi intimada a comparecer perante a justiça, quando o tesoureiro da cidade, tendo dissipado com Rosaura o dinheiro que lhe havia sido confiado, se suicidara. Dessa vez foi ela condenada ao pelourinho. Mas ninguém quis executar a sentença e por isso foi posta em liberdade, de novo.
O jovem duque de Florença tornou-se, um dia, melancólico e foi para uma capela, com seu material de pintura. Fechou-se lá dentro e não queria comer nem beber. Mandaram chamar seu pai, que bateu à porta da capela, mas não obteve resposta. Ao forçar a porta, viu as paredes sagradas e o tecto cobertos de santos, de anjos sorridentes, de Madalenas penitentes e adoráveis Madonas, todos com as mesmas feições de Rosaura Montalbani. O jovem duque estava sentado no púlpito, imóvel, exceto os olhos que corriam duma pintura para outra. Enlouquecera, diante da visão do rosto de Rosaura.
Mais uma vez foi Rosaura levada à presença dos juízes. Desta, porém, uma máscara, em forma de caveira, fora colocada sobre seus olhos, nariz e boca, afim de evitar que seu rosto causasse novas ruínas. Foi sentenciada à reclusão solitária e a usar aquela máscara para o resto de sua vida. Trinta e nove anos mais tarde, quando o Grão Duque Cosme subiu ao trono, concedeu geral perdão a todos os prisioneiros de estado. Encontrou o documento que relatava o caso de uma mulher, de máscara negra, que fora condenada à prisão perpétua, por ser "demasiado bela para viver em liberdade".
Mandou buscar a mulher à sua presença. Quando ela retirou a máscara, pôs-se a contemplá-la longa e intensamente. "Bela, essa mulher?" murmurou afinal. Via uma pele fanada e uns olhos encovados. As feições de Rosaura tinham tomado a forma da caveira.
A idade de ouro das descobertas
FRANCISCO DE ALMEIDA seguiu para bordo de seu navio. — Larguem as velas! — gritou êle para os marinheiros.
— Capitão!
— Pronto, Piloto?
O piloto era moreno, de olhos pequenos, lábios finos e nariz chato. As ruas de Veneza estavam cheias de marinheiros iguais a êle. Veneza era o elo entre o Oriente e o Ocidente. Viam-se ali escravos da África, negros como carvão, negociantes de especiarias da Arábia, mercadores de seda da China, encantadores de serpentes de Ceilão, dansarinas da índia, joalheiros da Espanha, comerciantes da França e jogadores e aventureiros de todos os quadrantes da terra.
— Velejamos para a índia.
— Mas, capitão, não podemos navegar hoje!
— Que quer você dizer com isso: não podemos navegar hoje? Nossa carga para Bombaim já está pronta: peles da Rússia, vinho de Marselha e ricos panos de Lião. E traremos de volta pérolas e ouro e prata. Larguem as velas, digo eu!
— Mas nós não podemos navegar. O capitão da guarda acaba justamente de trazer más notícias.
— Más notícias? Que significa isso?
— Os turcos, — disse o piloto, — tomaram Constantinopla.
As mãos de Francisco deixaram-se cair débilmente ao longo de seus flancos. Um navio carregado de vinho, de panos e de peles, uma fortuna lentamente acumulada, uma vida inteira de esperanças, tudo, porém, perdido, agora que os turcos dominavam o Mediterrâneo. Porque isso significava o fim do comércio entre o Oriente e o Ocidente.
O capitão deixou seu navio. E com êle partiam quinze séculos de prosperidade.
Isso aconteceu em 1453. As naus que se aventuravam depois disso, no Mediterrâneo, eram capturadas pelos sombrios seguidores de Maomé. Não havia mais vida alguma na Europa, nem dansarinas da índia, nem encantadores de serpentes de Ceilão, nem ruas cheias de cores, nem carnavais, nem espetáculos de Judas e Polichinelo. Veneza, a Jóia do Sul, era como uma cidade mortuária.
Mas os comerciantes tinham que viver. Deviam procurar novos mares, novos portos, novos caminhos para alcançar a costa, ou a vida pararia 1
Para o negro e misterioso Atlântico arrojavam-se navios de leves mastros — o demônio Atlântico — onde acreditavam os homens que vivia o próprio diabo, que acirrava a fúria das ondas. Polegada a polegada, arrastavam-se os navios… para a América.
O Príncipe D. Henrique, o Descobridor
HENRIQUE era um príncipe dum pequeno país, Por tugal, e lia, nas estrelas, que a futura glória do mundo estava no Ocidente. Amava entranhadamente as estrelas. Construiu observatórios para estudá-las, de modo que, quando um marinheiro saísse para o ínvio oceano, pudesse encontrar seu caminho de regresso. E assim foi inventado o astrolábio, aperfeiçoado o compasso, e os navios da Renascença aventuraram-se cada vez mais longe, até o Atlântico. Os homens logo se acostumaram a navegar centenas de milhas distantes de seus lares.
O príncipe Henrique depois fundou uma escola para navegadores.
Mês após mês, os alunos dessa escola saíam para o mar e não mais se ouvia falar deles. Mas um dia, em 1486, Bartolomeu Dias voltou altivamente para Portugal e anunciou que havia atingido o extremo sul da África. Como seus grandes sonhos se haviam realizado, Dias chamou esse ponto extremo de Cabo da Boa Esperança.
Doze anos mais tarde, Vasco da Gama viajava para o Cabo da Boa Esperança. Aventurou-se ainda mais além, de coração palpitante, até alcançar a índia. E mais uma vez a comunicação se estabeleceu entre o Oriente e Ocidente.
Entre a multidão de aventureiros que afluíam para Portugal e ofereciam seus serviços ao rei, havia um filho do país, alto e silencioso.
Viajara em torno do continente americano, sob o pavilhão da Espanha. Quando viu um novo oceano diante de seus olhos, derramou lágrimas de alegria. Depois do tormentoso Atlântico, era uma delícia chegar a uma vasta extensão de água tranquila. Chamou-o de Oceano da Paz, ou de Oceano Pacífico.
Durante cento e doze dias navegou êle sobre o Pacífico e não achou terra. O alimento acabou-se. E seus homens comiam o couro de seus sapatos e o cordame do navio. Recorreram ao expediente de matar alguns dos seus, escolhidos por sorte, afim de que pudesse haver alimento bastante para os restantes. Cozinhavam a madeira do tombadilho e comiam ratos. Afinal amputaram seus próprios membros para terem alguma coisa de comer. Aportaram às ilhas Filipinas, onde alguém dentre uma multidão de semiloucos lançou uma flecha às costas do chefe branco.
Os marinheiros alcançaram a Espanha sem capitão, reoanho de animais desvairados, precisamente trinta e sete meses depois de sua partida. Mas haviam dado volta ao mundo. Seu comandante, que jazia com uma flecha nas costas, numa das ilhas Filipinas, era Fernão de Magalhães.
As aventuras dos Cabotos
VOLTEMOS alguns séculos a uma cidade da Inglater-ra, chamada Bristol. Para ali havia ido, de Gênova, João Caboto, com seu filho Sebastião. Mudando seu nome para John Cabot, fixou residência em Bristol. Henrique Tudor, rei da Inglaterra, lançava cobiçosos olhares para a América e balançava a cabeça diante das partilhas, cada vez maiores, de terra que Espanha e Portugal faziam, em torno do Equador. Armou uma expedição pon-do-lhe à frente John Cabot. "Deus te abençoe, em nome do rei e da Inglaterra", disse o poderoso Tudor, na hora da partida. Poderia ter acrescentado, se fosse um profeta: "Algum dia o sol nunca se porá no território inglês." A armada velejou, comandada por John Cabot.
A expedição navegou pela parte setentrional do hemisfério americano, parte que hoje chamamos Estados-Unidos e Canadá.
À sua chegada, os rudes ingleses queimaram fogos para celebrar sua feliz viagem. John Cabot, o velho e grisalho lobo do mar, batido pelas tormentas, hasteou a "Union Jack" e invocou a Deus como testemunha da posse da América do Norte para Henrique Tudor.
Quando Cabot contemplava as chamas do acampamento, teria visto um grupo de marinheiros, famintos e semienregelados, parar seus navios de proas pontudas e lançar-se àquela mesma praia, quinhentos anos antes? Porque os rudes escandinavos, às ordens de Leif Ericson, haviam descoberto a América, no ano mil de nossa era.
A conquista do Peru e do México
BOATOS de uma rica região ao sul do Panamá ha-viam chegado aos ouvidos dos espanhóis da América Central, que passavam a vida buscando ouro. E em 1531, Francisco Pizarro deixa o Panamá, com mais decem homens, buscando fortuna além do istmo. E quem se dirigiu aos navios quando eles aportaram às praias de Túmbez? O imperador dos Incas, para se maravilhar diante dos homens brancos.
— Suba a bordo de nosso navio — acenou Pizarro do tombadilho para o chefe inca, de maneira cordial. O chefe meteu-se numa canoa e navegou com uma escolta desarmada. Pizarro aprisionou-o e pô-lo a ferros.
O imperador inca suplicou que lhe desse liberdade. Mas Pizarro desejava ouro. Levou o inca a um quarto.
— Encha este quarto de ouro, do chão ao telhado. Compre sua liberdade.
O chefe inca arranjou uma quantidade de ouro, no valor de 350 mil contos e amontoou-o até que chegasse ao tecto. Pizarro então apoderou-se do dinheiro e matou o inca.
O aventureiro espanhol, em seguida, fez-se rei dos Incas e foi viver no palácio magnífico de Lima. Esse homem branco governou um vasto império indiano, durante seis anos. Mas os companheiros de Pizarro começaram a brigar por causa da divisão dos espólios. Em 1541, um grupo de conspiradores invadiu o palácio e o assassinou.
Dois anos de estudos na Universidade de Salamanca não conseguiram sufocar o espírito de aventura de outro jovem espanhol. Seu nome era Fernando Cortez. Quando atingiu a idade viril (em 1518) velejou para Cuba, "para abrir, dizia êle, uma estrada comercial para a Espanha." Ali descobriu "uma colônia de quinhentos espanhóis, trezentos índios, doze cavalos e alguns canhões de bronze." Desobedecendo às ordens de seu oficial superior, juntou um punhado de amigos fiéis e correu a combater contra os nativos. Travou a batalha e tomou, como presa, uma formosa escrava que veio a ser sua esposa. E depois, mudando uma expedição comercial em carreira de conquista, abriu campanha contra o México.
Quando chegou ao reino dos aztecas, caiu ajoelhado de espanto, porque tinha diante de si uma visão como jamais vislumbrara em seus sonhos mais fantásticos. A cidade do México, situada à beira dum lago salgado, era como um encantamento de templos, pontes e agulhas de torres, um imenso escrínio de jóias, aberto sob o firmamento resplandecente.
Cortez, ataviado duma brilhante cota de malha, entrou na cidade, em meio do clarinar das trombetas e do estrondear dos canhões. Os nativos contemplavam-no, como se fora um deus, um divino filho do sol. Montezu-ma, imperador dos aztecas, deu seu palácio de presente a Cortez, derrubou os ídolos do templo, e substituiu-os por imagens da Virgem e dos santos.
Os aztecas acusaram seu imperador de traição, porque estava protegendo o conquistador branco, Cortez. Em vão mostrava-se Montezuma às multidões, esperando que a vista de seu rei lembraria ao povo a lealdade de outrora. Mataram-no. E seu sobrinho, Guatemozin, tornou-se um mero boneco, nas mãos de Fernando Cortez.
Mas quando Cortez voltou à Espanha, o imperador Carlos V não o quis reconhecer e recusou-se a admití-lo na corte. Um dia, um velho forçou a entrada do palácio, aproximou-se do trono e pôs um pé no degrau, para obter uma audiência.
Carlos V perguntou friamente quem era o intruso e o que desejava.
— Eu sou o homem, — respondeu Cortez, — que ganhou para vós mais províncias do que cidades vos deixou vosso pai.
Como resposta, Carlos V ordenou simplesmente que pusessem Cortez para fora do palácio. Cortez morreu esquecido e solitário. Dera um continente à Espanha e obtinha como recompensa uma cova de indigente.
A corte da rainha Bess
ISABEL, famosa filha do famoso pai (Henrique VIII) foi rainha da Inglaterra, de 1568 a 1603. Montava tão bem como qualquer homem; atirava, bebia cerveja e praguejava como um moço de estribaria. Quem quer que se dirigisse a ela, deveria curvar um joelho, do contrário receberia um sopapo no ouvido. Era grosseira e cordial, mostrando ora uma terrível cólera, ora um sorriso cativante. Sua alimentação consistia em carne de boi e de carneiro, regada com cerveja. Mas não era de admirar. O povo de seu tempo comia quantidades prodigiosas de alimento. À guisa de ilustração, demos uma olhadela ao Castelo de Greenwich à hora do lanche da rainha.
Doze trombeteiros e dois timbaleiros estiveram anunciando, durante meia hora, que a rainha irá comer às duas horas. Agora entra o Camareiro da Toalha de Mesa, que se ajoelha três vezes e estende a toalha sobre a grande mesa de jantar. Em seguida, a Dama do Saleiro, que executa a mesma cerimônia de ajoelhar-se três vezes, e coloca depois o saleiro em cima da mesa. Agora vinte e sete cozinheiros enfileiram-se, com vinte e sete pratos de prata cheios de comida. Um grupo de cavalheiros, cerca de cem, põe-se a provar cada alimento por sua vez, afim de certificarem-se de que não estão envenenados. Em seguida, dão consentimento e o banquete é levado para a rainha. A rainha Bess janta sozinha no seu quarto. Seus cavalheiros e damas e seus servidores, juntamente com seus cães, comem com os dedos, pois ainda não tiveram notícia das delicadezas de uma faca e de um garfo. A primeira porção consiste em três espécies de comida. A segunda em tortas e fritadas e capão. Há quatro qualidades de pão e quatro galões de cerveja. Nos dias de jejum, há dezesseis qualidades diferentes de peixe, oito pratos de manteiga e vinte e cinco ovos duros para cada pessoa.
O custo de cada refeição da rainha ficava em cerca de cento e cincoenta dólares (Cr$ 3.000,00). Grande quantidade de alimento era naturalmente desperdiçada e ao mesmo tempo muita gente havia em Londres, que morria de fome.
Havia poucas mulheres na corte da rainha Bess. Os chefes de cozinha, os criados e servidores eram todos homens. Preferia sempre a sociedade masculina. E os homens, geralmente, gostavam de estar em sua presença. Disputavam-se os seus favores. Contudo era uma infelicidade ser o favorito da rainha Bess. Todos os seus favoritos tiveram de sofrer. Roberto Dudley, conde de Leicester, foi o primeiro homem que ela protegeu. Jovem e ambicioso, planejou elevar-se bem alto na corte, graças à estima da rainha. Mas para consegui-lo, ocultou o fato de ter-se casado com a pequena e encantadora Amy Rosebart, pois Isabel era muito ciumenta e sua cólera, contra rivais femininas, terrível.
Quando Leicester foi nomeado estribeiro-mor, ocultou sua esposa em seu castelo, ou, para ser mais preciso, fechou-a numa água-furtada e levou consigo a chave. Amy caiu pelo alçapão e quebrou o pescoço. Se foi ou não deliberadamente assassinada, por algum empregado de Leicester, é coisa que nunca se saberá.
Durante algum tempo, o conde de Leicester, o "doce Robin" de Isabel, aqueceu-se aos raios de sol de seus sorrisos. Depois, porém, foi substituído pelo conde de Es-sex, Roberto Devereux. Quando a rainha se apaixonou por Essex, contava já sessenta anos e êle era um rapaz de vinte e um. Mas Roberto desempenhou seu papel com êxito. Foi nomeado estribeiro-mor, justamente como acontecera antes a Leicester. Só êle, em toda a corte, tomou grandes liberdades com a rainha. Duma feita;
quando ela se dirigia a êle, sentiu-se Essex ofendido com suas palavras e deu-lhe as costas. Enraivecida por esse insulto, a rainha esbofeteou-o. Imediatamente Essex arrancou da espada e exclamou: "Nem mesmo de vosso pai eu suportaria uma coisa dessas!" Foi com grande dificuldade que conseguiram contê-lo. Quando Essex se casou com a viúva do poeta inglês, Sir Philip Sidney, Isabel encheu-se de cólera. Mas perdoou-o e reintegrou-o na elevada posição que tinha’ na corte.
Contudo, Roberto excedeu-se nas liberdades que tornava. Tentou fomentar uma revolução contra a boa rainha. Por causa disso, foi condenado por alta traição e teve a cabeça decepada.
Isabel, em geral, não permitia que seus favoritos casassem. No entanto, quando Sir Walter Raleigh foi acusado de ter comprometido uma de suas damas de honor, Isabel ordenou-lhe que se considerasse preso na Torre até desposar a moça, condição a que êle prontamente se sujeitou.
A rainha Bess punha divertidos apelidinhos em seus amantes. O ingênuo e tolo, Hatton, era seu cordeiro. O untuoso, enfermiço e repulsivo irmão de Henrique III, de França, era a sua perereca.
Contudo, a-pesar-de todos os seus casos amorosos, Isabel morreu sem amigos e sem amor. "Morreu duma vaga moléstia, recusando alimentar-se e tomar remédios. Não podia ficar na cama, mas sentava-se silenciosa, sobre almofadas, olhando para o vácuo, com os olhos fixos e duros. E assim, afinal, morreu!" Todos os seus favoritos haviam ido antes dela. Não teve uma mão amiga para fechar-lhe os olhos essa imperatriz da Idade de Ouro, a tôda-poderosa, mas pouco feliz rainha Bess, a lasciva Tudor.
O famoso "Rei-Sol"
TOCAI vossas cornetas, rufai vossos tambores que se aproxima o glorioso Rei-Sol de Versalhes!
"A Grécia teve Homero; Roma, Virgílio; a Inglaterra, Shakespeare; a Itália, Dante; a Alemanha, Goethe e a França, Luiz XIV."
Foi rei de França desde 1661 até 1715, cincoenta e quatro anos. Nenhum outro rei na história reinou tanto.
Foi o primeiro "rei de direito divino" da moderna Europa. Todos os outros monarcas enviavam embaixadores à sua corte, afim de observarem como êle vivia e lhes darem notícia, para que pudessem copiar suas maneiras grandiosas.
Vivia no Palácio de Versalhes, no inverno, e em Mar-ly, no verão. Versalhes não era simplesmente um palácio: era o mundo francês, pois todas as pessoas de destaque dormiam sob o tecto do rei e seguiam-no aonde quer que fosse. "Tive hoje um dia infeliz, — observava o duque d’Enghiens a um amigo. Só vi o rei uma vez". Era a ambição, e, na verdade, o solene dever, de todo homem e de toda mulher da nobreza estar com o rei o mais amiúde possível. Estar longe de Luiz era estar afastado do sol. Estar afastado de Versalhes era estar privado da luz do dia e ser mergulhado na mais negra noite. Cerca de mil nobres permaneciam constantemente no palácio. A eles estavam ligados nove mil serviçais.
O palácio achava-se a poucas milhas de Paris.
Só a cozinha compreendia mil aposentos. E coisa tão séria era a alimentação que um chefe que houvesse preparado a comida do rei com um pouco mais de sal, caía no desagrado real, recolhia-se a seu quarto de dormir e cortava o pescoço.
Âs paredes dos salões palacianos eram carmesins e douradas, docéis de púrpura pendiam presos por elos de ouro e tapetes persas, de rara tecitufa, estendiam-se sobre pavimentos de mármore. Havia o Salão de Apolo, o Salão de Mercúrio, o Salão de Marte, o Salão de Diana, o Salão de Vénus e os gabinetes de ágata e de jóias. Havia jardins contendo mil e quatrocentos repuxos, parques com vinte cinco mil árvores e canais com três quartos de milha de comprido, nos quais navegavam os gondoleiros do rei, enquanto músicos tocavam músicas, compostas pelos compositores do rei e os atores representavam peças criadas pelos poetas do rei.
Em que se ocupava aquela estranha gente que bebia, comia e passeava naquele mundo deslumbrante? Nobres de tacões altos e cabeleiras empoadas e suntuosas mulheres com pirâmides de cabelo empoado torciam-se em complicadas armações de arame. A conversação era exageradamente polida. As maneiras, superlativamente artificiais. Sua diversão favorita era o jogo. Um dos cortesãos do rei, o duque de Anjou, perdia uma média de mil contos por noite, jogando dados e cartas.
O rei despertava pontualmente às oito horas da manhã. Às cinco, todos os nobres e serviçais acordavam para estar às oito reunidos do lado de fora da porta do dormitório real, prontos a ajudar o rei na execução da cerimónia de vestir-se. Primeiro havia o "despertar". O Camareiro-Mor entrava no real dormitório. Era seguido por quatro primeiros "gentís-homens de câmara", dezesseis escudeiros, doze portadores-de-capa, dois portadores-das-armas, oito barbeiros, seis ajudantes, dois portadores-de-cadeira e dez homens de vestiário.
O Camareiro-Mor abria em seguida as cortinas do leito real e anunciava: "Sire, é hora de despertar!" Imediatamente o pajem oficial da ucharia colocava achas de lenha na lareira se o tempo era frio, enquanto os ajudantes levantavam os biombos. Alguns dos emperucados nobres, por causa de sua alta posição, eram então admitidos em audiência do rei, enquanto se achava este na câmara.
Outros só poderiam vê-lo quando estivesse tirando sua camisa de dormir.
Em seguida, processava-se o cerimonial do levantar do Rei-Sol.
Primeiro havia o "pequeno levantar". O chefe dos criados tomava na mão direita uma garrafa de vinho, cujo conteúdo derramava nas mãos reais; o Camareiro-Mor apresentava o vaso de água quente; e o primeiro criado as chinelas. Depois o barbeiro entregava a Luiz a peruca, e o Camareiro-Mor, seu penteador.
E agora estamos prontos para o "Grande Despertar", quando é permitida a primeira entrada, a dos príncipes reais. Um segundo Camareiro do Guarda-Roupa passa as meias e as ligas ao Primeiro Camareiro do, Guarda-Roupa, que as entrega ao rei. Depois o rei ordena que se sirva o desjejum. Depois da refeição, retira seu penteador, o Chefe do Guarda-Roupa agarra-o pela manga direita e o Primeiro Camareiro do Guarda-Roupa pela esquerda. Duzentos nobres, com cartões especiais de entrada, têm licença para assistir à cerimônia da "Grande Toilette".
Depois que o rei está completamente vestido, segue para a capela entre duas alas de cortesãos, que o acompanham para aonde quer que vá.
Todo esse cerimonial é repetido diariamente. Quando Luiz senta-se para jantar, dez mil pessoas permanecem em torno dele para vê-lo. Em geral, come sozinho, embora ocasionalmente permita que os príncipes de sangue real se sentem à mesa.
Quando à noite Luiz está pronto a recolher-se, fica de pé, junto à cama, enquanto todas as damas de sua corte se adiantam, uma a uma, e o cortejam. Depois a cerimônia da manhã é repetida em sentido inverso até que o Camareiro-Mor feche as cortinas do leito e o monarca adormeça.
Não obstante todo esse esplendor, Luiz e seus nobres tremem de frio, no inverno, naqueles vastos salões de mármore e ouro. As enormes lareiras não bastavam para aquecer toda aquela gente elegante. Muitas vezes, segundo consta, o grande imperador se resfriava ao mudar de cabeleira.
Luiz XIV era o "gênio mau" da Europa. Aterrorizou a Inglaterra, a Holanda e a Espanha, com seus exércitos. Contudo, em casa era objeto de admiração dos sábios, dos artistas e dos poetas. Manteve pintores como Le Brun, arquitetos como Mansard, e escritores como Racine e Molièrc. Era o monarca absoluto, "rei dos pés à cabeça". Representavam-no os escultores como um Júlio César de peruca. Tal era a sua fama em todo o mundo, que historiadores há que denominam os anos entre 1661 e 1715, como a "Era de Luiz XIV". Os maiores poetas do tempo escreviam sonetos para êle e a êle se dirigiam como "Deus do Sol, descendente de Apolo".
Mas quando êle morreu, na idade de setenta e sete anos, as classes mais baixas consideraram essa morte um dia de fef;ta, pois estavam cansadas de pagar excessivos impostos para sustentar-lhe as prodigalidades, o luxo e as guerras. Os camponeses vaiaram e atiraram pedras no seu caixão, quando de seu enterro.
Tal foi o fim do magnificente monarca da moderna Europa. O bispo da França terminou sua oração fúnebre com estas palavras: "Tu és pó e em pó te hás de tornar…"
A REVOLUÇÃO FRANCESA representa o fim de todo o esplendor de Versalhes. O palácio de Luiz XIV havia custado 2 milhões de contos de manutenção. E nem um vintém dessa quantia saíra do bolso dos nobres. Os trabalhadores e camponeses tiveram de aguentar toda a carga.
Grandes Momentos na História da Europa Moderna
A Revolução ‘Francesa
Havia na França, nessa época, três classes: uns cem mil nobres, uns cem mil clérigos e vinte e três milhões de plebeus.
Dos vinte e três milhões de plebeus, três milhões eram homens de negócios e banqueiros. Estes membros da burguesia protestavam renitentemente contra o fato de não terem direitos políticos no estado.
Muito mais pesada, porém, era a condição dos vinte milhões de camponeses espezinhados, porque eram compelidos a viver como animais e a entregar não menos de três quartos de seus bens ao estado.
Eram taxados por todo o sal que usavam para cozinhar e forçados a comprar vinte libras de sal de cozinha por ano. Se eram surpreendidos contrabandeando sal para suas casas, enforcavam-nos ou condenavam-nos às galés.
Pagavam imposto pelo vinho de Bordéus. Havia uma taxa para cada estação da viagem, de modo que, quando o vinho chegava a Paris, estava taxado em duzentos por cento de seu valor original. O vinho era uma bebida necessária na França, uma vez que a água não era pura.
Não havia uma lei comum na França. Cada pequenina vila tinha suas leis próprias, de modo que havia mais de cento e cincoenta maneiras diferentes de interpretar a justiça. A qualquer momento um homem poderia ser mandado para a Bastilha por toda a vida, sem processo, sem testemunha, e mesmo sem culpa formada. A vítima era simplesmente lançada num calabouço e esquecida.
Em contraste com o esplendor do palácio, exibia-se a imundície das ruas de Paris. Os porcos comiam os restos das cozinhas, mesmo por baixo das janelas das casas. Se um fidalgo do campo tinha que andar por uma das estreitas ruas parisienses, desmaiava por causa do fedor.
Luiz XV conheceu que a revolução estava se aproximando. Cercado de amantes que dirigiam seu governo, olhava para as massas sofredoras e dizia: "Depois de mim, o dilúvio". Dava de ombros e acrescentava. "Mas depois de mim… que se arranjem!"
Finalmente a moeda corrente desvalorizou-se. Luiz XVI, rapazola inofensivo, que não se sentia particularmente orgulhoso pelo fato de ser rei, reuniu em assembléia os nobres e o clero e dirigiu-lhes as seguintes palavras: "Senhores, parece-me que não se pode mais extorquir um vintém do povo. Por isso, tereis de pagar alguns impostos até que o governo se reajuste".
Os nobres e o clero recusaram-se a atender a essa advertência. Os banqueiros e negociantes, que haviam suprido o governo com empréstimos e créditos durante cem anos e que não tinham ainda obtido o direito de votar, ergueram-se agora e reclamaram uma constituição escrita.
E em seguida tropas populares tomaram conta dos negócios. Chefiados por um jovem advogado, chamado Desmoulins, que as atiçou com atrevidos discursos a respeito dos direitos do homem, armaram-se de chuços e pedras e correram para a Bastilha. Forçaram as grades e libertaram todos os prisioneiros. Isto aconteceu a 14 de julho de 1789, celebrando-se até hoje essa data como a da libertação francesa.
Mas o rei e sua linda esposa, Maria Antonieta, que havia levado o tesouro francês à bancarrota pela extravagância de suas diversões e pelas suas jóias, não se deram por entendidos. Nunca haviam visto o povo senão pelas janelas de uma carruagem em viagem. Continuaram a viver com custosas jóias e suas esplêndidas diversões.
Finalmente, numa noite de outubro, quando o rei se banqueteava com seus nobres e seus generais, uma multidão estacionou debaixo das janelas do palácio de Versalhes e começou a chamar pedindo pão. Imediatamente a bela, porém pouco inteligente rainha observou, com um sorriso sem graça: "Se eles não podem ter pão, que comam bolos".
Mas o rei estava atemorizado. Para pacificar seus súbditos, entrou em sua carruagem e permitiu que a multidão marchasse atrás dela até Paris. O povo cantava sel-vagemente: "Aqui vai o padeiro. Agora teremos pão!"
Luiz sentia-se agora completamente alarmado. Que poderia fazer? Êle e seu pai e o pai de seu pai haviam gasto todo o dinheiro da França em bailes e mascaradas. E agora ali estavam os pobres pedindo dinheiro para comprar comida. A França não era mais um lugar seguro para a realeza.
Disfarçado de criado, meteu a rainha e as crianças numa carruagem e apressou-se em fugir de Paris.
Ao pararem em Sainte-Menehould para mudar de cavalos, o rei foi reconhecido pelo estalajadeiro, que enviou uma rápida comunicação à guarnição de soldados. Que trágica jornada para um monarca Bourbon! Não mais banquetes, não mais riquezas, não mais amantes… Se ao menos pudesse agora escapar com vida! Mas não escapou. Foi preso em Varennes e queixou-se de estar com fome. "Dareis a um rei um pouco de comida?" — perguntou êle. Seu pedido foi satisfeito. Deram-lhe comida e depois tiraram-lhe a vida.
Foi guilhotinado no vigésimo terceiro dia de janeiro. Um homem que estava por perto, apanhou-lhe a cabeça e bradou: "Os reis da Europa nos desafiam. Atiramos para eles a cabeça de um rei!"
A rainha foi guilhotinada pouco tempo depois. Seu filho, ainda criança, deixaram-no morrer na prisão.
E o povo de Paris assumiu a suprema direção do estado. Seus chefes declararam os direitos do Homem e os princípios de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. O velho calendário foi destruído e um novo organizado. Datava como o ano um o ano da Revolução. Todas as religiões foram suprimidas e se estabeleceu o culto da Razão. Os indivíduos tratavam-se por cidadãos e cidadãs. Todos os suspeitos de sentimentos monarquistas eram condenados a um novo sistema de morte: a guilhotina. O terror reinava em Paris. O destino da França havia caído nas mãos de três homens: Danton, Marat e Robespierre. Embriagados pelo poder, começaram então aqueles três homens a lutar uns contra os outros.
O primeiro a desaparecer foi Marat. Êle havia contraído uma moléstia de pele, quando andara escondido nos esgotos de Paris. Só conseguia aliviar suas dores, permanecendo constantemente em banhos quentes. Dali dirigia êle a revolução, escrevendo, dando ordens, lendo cartas.
Uma tarde, às sete e meia, uma moça, chamada Carlota Corday, conseguiu chegar à sua presença. Deu-lhe uma carta para ler e, quando êle se curvava para isso, apunhalou-o mortalmente.
Danton foi o seguinte. Tendo trabalhado, mão a mão, com Danton a guilhotinar gente durante dois anos, Robes-pierre resolveu finalmente guilhotinar Danton. Ao caminhar para a guilhotina, Danton murmurava: "Não devemos dar parte de fracos."
Robespierre foi o último. Por algum tempo prosseguiu com seus guilhotinamentos. Um general francês que havia derrotado os ingleses, mas não muito decisivamente, foi demitido e guilhotinado. Camilo Desmoulins, que havia dirigido o assalto à Bastilha, foi guilhotinado. O prefeito Bailly, astrônomo e um dos edificadores da nova república, foi guilhotinado. Herbert, que havia colaborado na proclamação dos Direitos do Homem, foi guilhotinado. Ninguém estava a salvo de ser guilhotinado.
Num dia de julho, Robespierre apareceu diante da assembléia do povo e proferiu um estranho discurso, no qual parecia ameaçar toda a gente com a morte.
Foi apupado. Ficou vermelho e pôs-se a gaguejar querendo discursar.
— "Está engasgado com o sangue de Danton!" — gritou alguém. Robespierre retirou-se para a Câmara Municipal, com uns poucos que lhe ficaram fiéis. O povo invadiu o edifício. Três de seus amigos jogaram-se por uma janela abaixo. Feriram Robespierre no queixo. Encontraram-no debaixo de uma mesa, de olhos parados e com a parte inferior do rosto tornada uma irreconhecível
massa de sangue. Enrolaram-lhe os ferimentos em panos sujos. Êle não dizia uma palavra e conservava-se de olhos baixos. Quando o levaram à guilhotina, abriu os olhos para ver a grande lâmina acima de sua cabeça. Estrebuchou quando o cutelo desceu.
Com a morte de Robespierre, o Reino do Terror cessou. Formou-se um governo de cinco diretores. Estava no seu fim a Revolução Francesa.
SUPONDE uma viagem à ilha de Santa Helena e que lá encontrareis um homem cercado por um punhado de serviçais, alojado em uma casinhola coberta de palha, que êle chama de palácio, ordenando a seu servo que se ajoelhe, quando lhe dirigir a palavra, fazendo desfilar um pequeno pelotão de uma dúzia de homens, acima e abaixo, pela praia arenosa, como se eles fossem um regimento inteiro, resmungando consigo mesmo a respeito de grandes batalhas outrora travadas, examinando minuciosamente a mais sutil manobra, os pormenores, ao sentar-se à noite diante de seu tabuleiro de xadrez.
Haveríeis de dizer que aquele camarada era maluco. Pensa que é Napoleão. E teríeis razão, porque o louco de face lívida, de barriga inchada e de olhos tristes e inquietos, é na verdade o Pequeno Corso. Vós vos aproximais, com receio. Êle não chega a ter l,m52 de altura. Vêem-se rugas de sofrimento em torno da boca. Olhais para o ventre obeso, as pernas curtas, o rosto pálido.
E Napoleão satisfeito com a chegada de um estranho naquela deserta ilha, começa a contar-vos sua história. Já a contou centenas de vezes, a todos os que têm tempo para escutá-lo.
O trágico esplendor de Napoleão
— "Deveis saber, — começa êle, — que não sou italiano, mas francês, pois nasci na Córsega, um ano depois que ela foi tomada pela França.
"Na escola fui um dos alunos mais obscuros. Mas me distingui sempre como bom combatente. Rapazinho ainda, ajudei o exército da República no cerco de Toulon. Era amigo do irmão de Robespierre, e, em consequência disto, quase perco a cabeça na guilhotina.
"Mas consegui escapar, porque era um filho do destino.
"Quando executaram Robespierre, eu me achava na praça pública e dirigi a defesa do novo governo contra a multidão. Por este serviço, como sabeis, deram-me o comando do exército enviado contra a Itália. Todas as nações da Europa estavam lutando desesperadamente para derrubar a Revolução Francesa e era minha ardente ambição salvar a Revolução Francesa derrubando todas as outras nações.
"Estais, sem dúvida, ao corrente dos meus rápidos e completos êxitos nessa empresa. Não somente salvei a Revolução, mas construí um Império. Saí duma família pobre. Minha mãe era costureira. Fiz dela uma rainha. Minha mãe sentia-se atarantada com o seu novo esplendor. Olhava para mim com seus olhos empapuçados, e rogava que a mandasse de novo para sua casinha da Córsega."
Napoleão faz uma pausa e sorri.
"Éramos uma família de adventícios, — continua êle.
— Contudo, fui capaz de derrubar de seus tronos as mais velhas e mais orgulhosas dinastias e substituí-las pelos membros de minha própria família. Tornei reis a todos os meus irmãos.
"Eu era um grande homem, — diz êle, tristemente.— um grande homem. — Seus olhos chispam. — Porque, já o sabeis, dentro de dez curtos anos fui senhor de toda a Europa.
"Numa única batalha derrotei os exércitos da Áustria e da Prússia, tão completamente, que muito tempo se
passou antes que eles ousassem erguer novamente suas cabeças. O exército prussiano tinha sido o terror da Europa, uma máquina militar que jamais se pudera destruir. Eu a desmontei.
"Desde minha infância conheci que era um homem predestinado. Costumava assinar minhas lições caseiras com um N maiúsculo. Em 1796, era um jovem oficial do exército como milhares de outros. Oito anos mais tarde era coroado Imperador. Encarreguei juristas de organizarem um novo código de leis. Construi universidades. Embelezei os parques e ruas. Tive o universo na palma de minha mão.
"Encontrei-me com o Czar da Rússia, numa balsa em Tilsit e junto discutimos a partilha do mundo entre nós.
"Mas eu não havia nascido para o trono. Sabia que enquanto eu ganhasse vitórias, seria Imperador; mas desde que perdesse uma batalha, seria dominado. Os que têm sangue real nas veias podem ser derrotados vinte vezes e voltar a governar. Mas eu era um adventício, um usurpador, um soldado cujo império dependia duma lenda e duma espada. E dessa forma não podia ter paz. Tinha de combater, combater, combater. Não podia descansar, não podia amar. Meu irmão Jerônimo estava no trono da Vestfália; meu irmão Luiz no trono da Holanda; meu irmão José no trono de Nápoles e da Espanha. Mas suas dinastias achavam-se construídas sobre o meu nome. Os príncipes reais da Europa estavam agachados… prontos para saltar. Com que então, aquele adventício, aquele camponês corso, ousava usurpar a pompa dos velhos reis tradicionais?
"Mas a despeito de seus escárneos e de seus esforços para derrubar-me, continuei meu caminho sem me desviar. Casei-me com uma princesa austríaca, de modo que um filho meu pudesse ter nas veias sangue real.
"Meu Deus, como desejava eu ser um rei de verdade, respeitado entre meus iguais. .. e não um conquistador .. deixado em severo abandono!
"Finalmente meu amigo, Alexandre da Rússia, rompeu a trégua e eu fiz marchar um exército desde Paris até o coração das geladas planícies da Moscóvia. Mas os russos não quiseram combater. Conservaram-se em retirada, passo a passo. Alcancei Moscou, com meu grande exército de quinhentos mil homens, em outubro do ano de 1812. A cidade estava deserta. Eis a minha maior conquista, pensei. Eu era então o senhor da Rússia, também! Mas os astutos russos desmancharam os meus mais sólidos planos. Puseram fogo a Moscou e nos expulsaram com a fumarada. E vimo-nos forçados a começar a retirada da Rússia, no mais rigoroso inverno. Basta dizer que cheguei à fronteira da França com apenas mil homens, embora tivesse partido com meio milhão.
"E então os insaciáveis reis da Europa levantaram-se contra mim. Podiam ver na minha derrota na Rússia a mão de Deus. Formei novo exército de meio milhão de soldados. Mas uma inteira geração de homens tinha sido destruída e me vi forçado a convocar rapazes de quinze e dezesseis anos. A Prússia e a Rússia adiantaram-se a meu encontro. Durante três dias as águas do Elster correram tintas de sangue moço.. . e depois fui obrigado a voltar a Paris para entregar-me.
"Exilaram-me na ilha de Elba. Fugi. Saltei em terra, em Cannes. O marechal, enviado pelo rei Bourbon restaurado no trono, para prender-me, desatou a chorar quando me avistou e passou-se com toda a sua tropa para o meu lado.
"E depois perdi a batalha de Waterloo, e eles me enviaram para aqui. Fizeram voltar um homem de sangue real e o puseram em meu lugar."
Sua voz baixa a um triste murmúrio: "Para ser um rei, ficai sabendo, é preciso ter nascido rei. Eu fui um grande conquistador. Pensei que era um homem predestinado. Mas meu destino nunca fora o trono. Esta foi a minha tragédia."
A revolução industrial
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL é uma expressão usada para descrever certa mudança que se operou na maneira de viver, começando no século XIX. Aí por 1800, vasta proporção de povo, em todo o mundo, vivia no campo. Na Idade-Média, eram servos dos ricos proprietários. Davam-lhes um quarto para viver e alimento para comer, em troca de trabalho na lavoura. A Europa era constituída de milhares de senhores de terra ou senhores feudais, com seus rendeiros ou vassalos, que se reuniam em grande número na propriedade de um rico senhor e que, em troca de sua proteção, se ligavam à terra por toda a vida. Seus filhos e filhas estavam também ligados à terra, uma geração após a outra.
Por causa dos bandidos nas estradas principais e dos piratas em alto mar, havia pouco comércio. O senhor e seus servos produziam eles mesmos suas roupas, utensílios e alimento.
Com o crescer das cidades, porém, grupos de gente se juntavam em guiJds. Estes guilds, ou uniões, regulavam preços, produção e a vida social de seus membros.
Mas cada homem tratava de fazer o comércio por si. Não havia divisão do trabalho. O tecelão comprava seu próprio material, fazia suas próprias roupas e as vendia, sujeito às regras do guild. O primeiro passo na Revolução Industrial foi dado quando um cidadão rico adiantou dinheiro para comprar pano para muitos tecelões. Foi este o berço da manufatura coletiva. O segundo, e mesmo o mais importante passo, foi dado quando outro homem de posses decidiu agrupar certo número de tecelões na sua comunidade e fazê-los manufaturar rou-
pas, para que êle dispusesse delas em proveito pessoal, em troca do pagamento de salários aos tecelões. Por outras palavras, o tecelão não negociava mais por si mesmo. Trabalhava para outrem. Não podia decidir quando descansaria. Já não era mais seu próprio senhor. Tornava-se um trabalhador salariado. Podia ser despedido a qualquer momento. E não podia empregar-se e esperar competir com o industrial, cujos operários produziam o mesmo artigo em larga escala, cada trabalhador fazendo uma parte separada do artigo.
E assim essa, recentemente descoberta, nova manufatura produziu verdadeira revolução na indústria.
E em seguida, surgiu outro importante desenvolvimento, como resultado da Revolução Industrial. O povo começou a congregar-se em lugares onde as fábricas eram construídas. Como consequência disto, as cidades populosas tornaram-se ainda mais populosas e numerosos novos problemas sociais apareceram, problemas de congestionamento nos bairros pobres, de caudilhos políticos, de populações estrangeiras e de greves.
Surgiu depois o processo Bessemer de tirar o aço do ferro, e isto assinalou outro grande passo na Revolução industrial. O mundo avançava agora a passos gigantescos. A invenção do vapor, a descoberta da eletricidade e a exploração dos campos de petróleo transformaram toda a terra numa tremenda máquina. Esta máquina não somente multiplicou as ações físicas dos homens, mas deu novas asas a seus processos mentais. São necessários não apenas dedos destros, mas uma mente ativa, para manipular certos tipos de máquinas. A popularidade da universal educação de hoje é devida, em grande parte, à introdução dos maqumismos. Afim de conservar em movimento as rodas da indústria, devemos ter mentes treinadas, mecânicos, contadores, dactilógrafos, vendedores, caixeiros, mestres de oficina e secretários para não falar dos advogados, professores, banqueiros e diretores. Em outras palavras, é preciso educação para exercer os complexos deveres de um país altamente industrializado. Quanto menos educada é uma região, tanto menor é o seu desenvolvimento mecânico.
A invenção das máquinas, portanto, ergueu o nivel da inteligência coletiva. O mundo pode agora trabalhar melhor e pensar melhor e viver melhor, como resultado da Revolução Industrial.
Fonte. Globo. 1949. Trad. e Adap. de OSCAR MENDES.
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