A BATALHA DE NARVA – HISTÓRIA DE CARLOS XII, Rei da Suécia

"HISTÓRIA DE CARLOS XII, Rei da Suécia"

 

Autor: VOLTAIRE

Veja também: História da Suécia no século XVI.

 

A BATALHA DE NARVA

30 de Novembro de 1700.

Pedro Alèxiowitz surgiu diante de Narva, à frente de um grande exército, no dia 1.° de Outubro, com um tempo mais rude nessa estação do que o do mês de Janeiro em Paris. O czar, que em condições de tempo semelhantes costumava cobrir quatrocentas léguas a cavalo para visitar, em pessoa, uma mina ou algum canal, não poupava suas tropas mais do que a ele próprio. Sabia, aliás, que os Suecos, desde o tempo de Gustavo Adolfo, faziam a guerra no rigor do inverno, da mesma maneira que no verão. Por isso, procurou acostumar também os seus Moscovitas a não conhecerem estações e a se tornarem um dia pelo menos iguais aos Suecos. Assim, numa quadra do ano em que o gelo e a neve forçam as outras nações, em climas temperados, a suspender suas operações bélicas, o czar Pedro cercava Narva, a trinta graus do pólo, e Carlos XII avançava para socorrê-la. Chegando diante da praça, o czar apressou-se a pôr em prática o que acabava de aprender em suas viagens. Traçou o acampamento e fortificou-o de todos os lados, ergueu redutos de distância em distância, e abriu, com seus próprios braços, a trincheira. Confiara o comando do exército ao duque de Croi, alemão, general muito hábil, mas pouco secundado pelos oficiais russos. Quanto a ele, czar, ocupava entre suas tropas o posto de simples tenente. Oferecia o exemplo da obediência militar à sua nobreza até ali indisciplinada e com o direito de conduzir sem experiência e em tumulto escravos mal armados. Não era de espantar que aquele que se fizera carpinteiro em Amsterdão para possuir frotas, se fizesse simples tenente em Narva para ensinar à nação a arte da guerra.

Os Russos são robustos, infatigáveis, talvez tão corajosos quanto os Suecos; mas só o tempo poderá adestrar-lhes as tropas e a disciplina torná-las invencíveis. Os únicos regimentos dos quais se podia esperar alguma coisa eram comandados por oficiais alemães e em número muito reduzido. O resto era constituído de bárbaros, arrancados de suas florestas, cobertos de peles de animais selvagens, uns armados de flechas, outros de maças; poucos dispunham de fuzis; nenhum havia visto um cerco regular; não existia um bom artilheiro em todo o exército. Cento e cinquenta canhões, que deviam reduzir a pequena cidade de Narva a cinzas, não lhe tinham feito mais que uma brecha, enquanto a artilharia da cidade dizimava grupos inteiros nas trincheiras. Narva estava quase desprovida de fortificações; o barão de Horn, seu comandante, não possuía mais que mil homens de tropas regulares. Todavia, aquele exército imenso não tinha conseguido dominá-la em seis semanas.

Já se estava a 15 de Novembro, quando o czar soube que o rei da Suécia, tendo atravessado o mar com duzentos navios de transporte, marchava em socorro de Narva. O número de tropas suecas não ia além de vinte mil. O czar, embora possuindo superioridade numérica, longe de subestimar o inimigo, empregava toda sua arte no esforço para derrotá-lo. Não contente com os oitenta mil homens, preparou ainda, para opor-lhe, outro exército, procurando deter-lhe os passos. Já havia enviado contra ele perto de trinta mil homens, que avançavam de Pleskov a grandes caminhadas. Tomou, então, uma iniciativa que bem poderia torná-lo desprezível aos olhos de todos, se assim pudesse sê-lo um legislador que realizara tão grandes coisas. Deixou o acampamento, onde sua presença era necessária, para ir ao encontro daquele novo corpo de tropas, que podia muito bem chegar sem essa intervenção, dando, assim, a impressão de que estava receoso de combater em campo entrincheirado um jovem príncipe sem experiência, que podia vir atacá-lo.

Como quer que seja, o seu propósito era encurralar Carlos XII entre dois exércitos. Não era tudo: trinta mil homens, retirados do acampamento diante de Narva, foram colocados a uma légua dessa cidade, no caminho seguido pelo rei da Suécia; vinte mil infantes russos postaram-se um pouco mais distante, no mesmo caminho; cinco mil outros constituíam uma guarda avançada. Era preciso abrir passagem por entre todas essas tropas, para chegar diante do acampamento, protegido por uma paliçada e por um duplo fosso. O soberano da Suécia tinha desembarcado em Pernaw, no golfo de Riga, com cerca de dezesseis mil homens de infantaria e pouco mais de quatro mil cavalerianos. De Pernaw avançara rapidamente para Revel, seguido de toda a cavalaria e de apenas quatro mil infantes. Avançando sempre, sem esperar o resto das tropas, encontrou-se logo diante dos postos avançados do inimigo, com apenas oito mil dos seus homens. Não hesitou, todavia, em atacar os postos, uns após outros, sem lhes dar tempo de perceber o pequeno número de soldados que enfrentavam. Os moscovitas, vendo chegar os suecos, julgaram ter pela frente todo um exército. A guarda avançada de cinco mil homens que guardava entre rochedos um posto onde cem homens resolutos poderiam deter um exército inteiro, fugiu à primeira aproximação dos suecos. Os vinte mil homens da retaguarda, vendo fugir os companheiros, ficaram tomados de pavor, levando a desordem ao acampamento. Todos os postos foram capturados no espaço de dois dias, e o que em outras ocasiões seria contado por três vitórias, não chegou a retardar a marcha do soberano. Surgiu ele, por fim, com os seus oito mil homens fatigados por uma longa caminhada, diante do acampamento dos oitenta mil russos, cercado de cento e cinquenta canhões. Após breve repouso concedido às suas tropas, deu, sem mais delongas, ordens para o ataque.

O sinal convencionado era dois foguetes soltos para o ar, e a palavra de ordem, em alemão: Com a ajuda de Deus. Um oficial general procurou mostrar-lhe a extensão do perigo. "Que? Duvidais — retrucou ele — que em companhia de meus oito mil bravos suecos eu não passo sobre os corpos de oitenta mil moscovitas?" Logo em seguida, receando ter-se mostrado um tanto fanfarrão com essas palavras, foi em busca do ofi-cial: "Não sois da mesma opinião? — falou — Não conto com duas vantagens sobre os inimigos? Uma, que sua cavalaria não lhes pode ser de grande utilidade; outra, que, tratando-se de um local estreito, seu grande número só lhes servirá de empe cilho. Assim, serei, realmente, mais forte do que eles". O oficial teve o cuidado de não contrariar a opinião do soberano, e o ataque foi desfechado contra os moscovitas, ao meio-dia de 30 de Novembro de 1700. Logo que o canhão dos suecos abriu uma brecha nas posições inimigas, eles avançaram de baioneta calada, tendo a bater-lhe nas costas uma neve furiosa, que fustigava o rosto dos russos. Estes receberam firmes o impacto, deixando-se matar durante meia hora, sem abandonar as valas em que se entrincheiravam. O rei atacava pela direita do acampamento, onde o czar estabelecera seu quartel-general. Esperava encontrá-lo ali, não sabendo que o imperador tinha ido ao encontro dos quarenta mil homens que deviam chegar de um momento para outro. Às primeiras descargas da mosqueteria inimiga, recebeu o soberano uma bala perdida à altura do pescoço; mas era uma bala morta, que veio aninhar-se nas pregas de sua gravata preta, sem lhe causar nenhum dano. Logo em seguida, porém, seu cavalo tombou morto por uma nova descarga. O sr. de Sparre contou-me que o soberano saltou rapidamente para outro cavalo, dizendo: "Essa gente me obriga a fazer meus exercícios costumeiros" — e continuou a combater e a dar ordens com a mesma presença de espírito. Após três horas de combate, as trincheiras tinham sido forçadas de todos os lados. O soberano perseguiu a ala direita do inimigo até as margens do Narva, com sua ala esquerda, se assim podemos denominar quatro mil homens à caça de quarenta mil. A ponte ruiu sob os pés dos fugitivos, e o riacho ficou juncado de cadáveres. Os outros, tomados de pânico e desnorteados, acabaram indo ter de novo ao acampamento, onde se postaram atrás de algumas barracas, procurando defender-se ainda, pois não podiam escapar. Por fim, seus generais, Dolgorowki, Golowkin e Federowitz vieram render-se ao rei e depor-lhe as armas aos pés. Quando isto sucedia, chegou o duque de Croi, general do exército, que vinha render-se também com trinta oficiais.

Carlos XII recebeu todos esses importantes prisioneiros com uma polidez tão serena e ar tão humano como se estivesse na corte a presidir às honras de uma festa. Não quis reter senão os generais. Os oficiais subalternos e os soldados foram conduzidos desarmados até as margens do Narva, onde lhes forneceram barcos para atravessarem o rio e voltarem aos lares. Entretanto, a noite aproximava-se. A ala esquerda dos moscovitas batia-se ainda; os suecos tinham perdido apenas seiscentos homens, enquanto que dezoito mil moscovitas tinham sido mortos nas trincheiras, além do grande número que se afogara ao tentar transpor o rio. Muitos lograram passar para a outra margem. Restava ainda no acampamento uma quantidade suficiente para exterminar até o último sueco; mas não é o número dos mortos, e sim o pavor dos sobreviventes que faz perder as batalhas.

O soberano aproveitou o resto do dia para capturar a artilharia inimiga. Postou-se em situação vantajosa entre o acampamento moscovita e a cidade, e ali dormiu algumas horas, deitado sobre a terra, envolvido no capote, esperando poder atirar-se ao nascer do dia contra a ala esquerda inimiga, que ainda não tinha sido rompida. Às duas da manhã, o general Vede, comandante dessa ala, sabendo do benévolo acolhimento dispensado pelo soberano aos outros generais, chegando a conceder liberdade a todos os oficiais subalternos e aos soldados, mandou pedir-lhe que lhe concedesse a mesma graça. O vencedor fê-lo saber que nada mais tinha a fazer senão aproximar-se à frente de suas tropas e depor-lhe as armas e estandartes aos pés. O general surgiu logo em seguida com os moscovitas, em número de trinta mil, aproximadamente. Marchavam com a cabeça descoberta, soldados e oficiais, por entre menos de sete mil suecos. Os soldados, à medida que passavam diante do soberano, atiravam por terra os fuzis e as espadas; e os oficiais depunham-lhe aos pés as insígnias e as bandeiras. Carlos XII fez toda essa multidão atravessar o rio, sem manter um único soldado prisioneiro. Se ele os retivesse, o número de prisioneiros seria pelo menos cinco vezes maior do que o dos vencedores.

Entrou o soberano vitorioso em Narva, acompanhado pelo duque de Croi e outros oficiais generais moscovitas. Mandou devolver a todos as espadas; e, sabendo que estavam sem dinheiro e que os comerciantes de Narva se negavam a emprestar-lhes qualquer quantia, enviou mil ducados ao duque de Croi e quinhentos a cada um dos oficiais moscovitas, que não podiam deixar de admirar esse tratamento, do qual nunca poderiam ter ideia. Preparou-se logo em Narva um relatório sobre a vitória, a fim de ser enviado a Estocolmo e aos aliados da Suécia; mas o soberano procurou reduzir tudo que parecia demasiado vantajoso para si e demasiado ultrajante para o czar. Sua modéstia não impediu, todavia, que se cunhassem em Estocolmo várias medalhas para perpetuar a memória desses acontecimentos. Entre outras, cunhou-se uma que o representava, de um lado, sobre um pedestal, onde apareciam, acorrentados, um moscovita, um dinamarquês e um polonês, e do outro um Hércules armado de maça, tendo aos pés um Cérbero, com esta legenda: Tres uno contudit ictu 11.

11 "Abateu três com um só golpe".

Fonte: VOLTAIRE. Clássicos Jackson vol XXII. Tradução de Brito Broca.

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