Almeida Garrett – Biografia e obras

ESCRITORES PORTUGUESES

JOÃO BATISTA DA SILVA LEITÃO DE ALMEIDA GARRETT, Visconde de Almeida Garrett (Porto, 1799-1854) ainda quando estudante de Direito em Coimbra, já escrevia a tragédia Merope e o poema didático Retrato de Vénus. Serviu como oficial da Secretaria do Reino e, demitido desse emprego por ter publicado o elogio do revolucionário Manuel Fernandes Tomás, emigrou para a Inglaterra duas vezes, primeiro em 1823, voltando em 1826, e depois em 1828, regressando em 1832, com o exército libertador. Em 1837 foi deputado às Cortes constituintes e desde então viveu cumulado de honras, chegando a ministro de Estado e par do Reino.

É um dos da gloriosa trindade romântica em Portugal; e entre suas numerosas obras citaremos: o poema-romance Camões; o tratado da Educação; o Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa; Auto de Gil Vicente, Alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, dramas; Flores sem Fruto, Folhas Caídas, livros de poesias; Arco de SanVAna, romance; Viagens na Minha Terra, misto de romance e crítica.

O Grego e o Latim

Texto de Almeida Garrett sobre educação

O grego e o latim são necessários elementos desta educação nobre. Deixar falar modernos e modernices, petimetres (175) e neologistas de toda espécie; o homem que se destina, ou que o destinou seu nascimento, a uma vocação pública, não pode sem vergonha ignorar as belas-letras e os clássicos. Saiba êle mais Matemática do que Laplace, mais Química do que Lavoi-sier, mais Botânica do que Jussieu, mais Zoologia do que Linneu e Buffon, mais Economia Política do que Smith e Say, mais Filosofia de legislação do que Montesquieu e Bentham; se êle não fôr o que os ingleses chamam a good schoolar, triste figura há de fazer, falando, ou seja na barra, na tribuna, no púlpito, — tristíssima escrevendo, seja qual fôr a matéria, porque não há assunto em que as graças do estilo e correção da frase e beleza da dição não sejam necessárias e indispensáveis. Ponham-me (176) Demóstenes, Cícero — e Canning também, — com seus grandes talentos, fortes de químicas e economias políticas, e com todos os códigos de suas respectivas nações na cabeça, mas desprovidos de suas imensas riquezas literárias, do irresistível feitiço de sua linguagem clássica — ponham-nos no areópago de Atenas, no senado de Roma e na câmara de Londres, e veremos se são os mesmos homens, os mesmos estadistas, os mesmos oradores onipotentes, diante de quem tremem o Filipes, os Ca-tilinas e as Santas Alianças.

Escreva alguém com dobrada erudição e engenho o Espírito das Leis, mas sem os encantos do estilo clássico de Montesquieu, e veja quantos lho lêem. (177) Traduzam em língua de tarelos as obras de Plutarco, de Cícero, de Laplace, e veremos quantos leitores têm. (178).

Ora, é tão impossível escrever bem em português, em castelhano, em inglês, em qualquer das línguas do ocidente da Europa, sem saber grego, e principalmente latim, como era impossível aos escritores de Roma fazê-lo bem na sua, sem conhecerem a de Atenas; ou ainda hoje ao poeta ou orador de Ispahã ou de Estambul o escrever bom turco ou bom persiano, sem saber o árabe antigo, a língua do Corão e de Hafiz, agora tão morta para eles como o grego e latim para nós, como o sânscrito para Índios e Mongóis.

(Educação, carta I).

(175) Transcrição do fr. petit-maitre = casquilho, peralta, janota, pelintra, peralvilho. (176) ponham-me. Esse me é o chamado dativo ético, não pedido pelo verbo mas indicativo de certo interesse de quem fala; é como se fora: ponham diante de mim… Pouco adiante lê-se o mesmo verbo com o objeto direto pleonástico nos, que é o acusativo los, nasalizado sob o influxo da desinência nasal do verbo. (177) Lêem, crêem, vêem, dêem, 3.a pess. do plural de lê, crê, vê e dê, todos com o circunflexo e com duas sílabas no plural. (178) Têm, vêm, com circunflexo no pl. e uma só sílaba.

POETAS PORTUGUESES

JOÃO BATISTA DA SILVA LEITÃO DE ALMEIDA GARRETT – Poemas (Vide no l.a parte a bio-bibliografla).

A Visão – Poesia de Almeida Garrett

Aberta era par do templo estava a porta:
Entrei. Naquelas pedras animadas
Por cinzel primoroso se pasciam
Meus olhos admirados: as erguidas
Colunas, as abóbadas altivas,
As palmas, as cordagens enlaçadas,
E o sinal santo que as remata e une,
E que por toda a parte está marcando
As vitórias do lenho triunfante, (677)
O vexilo da glória portuguesa,
Nunca, nunca tão alto me clamaram
Que sós, sem Deus, sós pelo esforço humano,
Não fariam jamais os Portugueses
O que hão feito no mundo… Dei co túmulo
De custoso lavor, que aí resguarda
As cinzas do monarca afortunado,
Afortunado em vida: — a morte fecha-lhe,
Selo do Eterno, os lábios descarnados;
São segredos de Deus os do sepulcro.
Mais cansado que pio, ajoelhei-me
Sobre os degraus do túmulo: insensível,
No recostado braço a fronte inclino
E descaí num lânguido delíquio,

(677) lenho — a cruz de Cristo; lenho é também navio: …”cometendo / o duvidoso mar num lenho leve”… (Lus., I, 27), et passim.

Que nem morte, nem sono, mas olvido
Suavíssimo é da vida. Sono embora
Lhe chamaria, se as visões tão claras,
Mais rapto d’alma em êxtase sublime
Que imagem vã de sonhos, as não visse.
Talvez seria natural efeito
De agitados sentidos, porventura
Mui crédulo serei… Mais alta causa
De fenômeno estranho então a tive.
Oh! sonho não foi esse, afigurou-se-me
Ver do moimento (678) erguer-se um vapor leve,
Raro, como de nuvem transparente,
Que mal embaça o lume das estrelas
No puro azul dos céus: foi pouco a pouco
Condensando-se espesso, e longes dava
De humana forma irregular, qual soem (679)
Ao pôr do sol fantásticas figuras
As nuvens debuxar pelo horizonte.
Logo, mais certas, mais distintas formas,
Qual mole cera em mãos d’hábil artífice,
Tomando foi. Já claro ante mim era.
Roupas trajava alvíssimas e longas;
Seus braços de extensão desmesurada,
Um sobre o peito co índice apontava
Ao coração, que as vestes resplendentes
Transparecer deixavam. Viva chama,
Como luz de carbúnculo (680) brilhava
Na víscera patente; e em radiosas
Letras lhe soletrei: Amor da Pátria.
Da maravilha como por encanto,
Sem receio ou terror a contemplava,

(678) moimento — monumento; vem de ‘monimentu por monumentu-. Esse termo foi refeito. (679) soem — v. soer (do lat. solere, costumar, ter por hábito) do soíam. A raiz de soUre encontra-se ainda em soedor, acostumado, e sóllto, usado (arcaicos); insólito, fora do modo habitual; insolente, fora do hábito, das boas maneiras. Soem debuxar — é expressão verbal, de que é suj. as nuvens. (680) carbúnculo (diminut. do lat. carbane) é aqui rubi.

Quase por tal prodígio enfeitiçado;
Quando esses sons, entre áspero e suave,
Mas solenes ouvi: “Jovem ousado,
Grande empresa te coube, acerba glória,
De que não gozarás! Desgraças cruas
Fadam teus dias. . . Mas a fama ao cabo.
A pátria, que foi minha, que amei sempre,
Que amo inda agora, grão serviço aguarda
De ti. Um monumento, mais durável
Do que as moles do Egito, erguer-lhe deves…
Pirâmide será por onde os séculos
Hão de passar de longe e respeitosos.
Galardão, não o esperes. Fui ingrato
Eu, fui! ingrato rei, ingrato amigo…
E a quem! Maiores de meu sangue ainda
Ingratos nascerão. Tu serve a pátria: (681)
É teu destino celebrar seu nome.
Os homens não são dignos nem de ouvi-las,
As queixas do infeliz. (682) Segue ao Oriente
Salva do esquecimento essas ruínas,
Que já meus netos de amontoar começam
Nos campos, nos alcáçares de glória,
Preço de tanto sangue generoso.
Um dia… Em vão perante o excelso trono
Do Eterno me hei prostrado; irrevogável,
A sentença fatal tem de cumprir-se…
Um dia inda virá que, envilecido,
Esquecido na terra, envergonhado
O nome português… Opróbrio, magoa,
Dura pena de crimes! tábua única
Lhe darás tu para salvar-lhe a fama
Do naufrágio. Tu só dirás aos séculos,
Aos povos, às nações: Ali foi Lísia!

(681) Tu serve a pátria — Às vezes, por ênfase, como aqui, o pronome sujeito pode preceder o imperativo verbal: “Agora tu, Calíope, me ensina”… (Lus., 111. 1); “Tu, grande, excelso nume, e sempiterno, / que isto vês, me socorre e o mar serena”. (Gabriel P. de Castro, Ulisséia, V, 54). “Tu do grão caso a pura luz revela” (Caramuru, I, 2); “Gênio da inculta América, que inspiras / ao meu peito o furor que me transporta / Tu me levanta nas seguras asas”. (O Uruguai, c. IV). (682) Aqui, o pronome vicário, repetidor pleonástico do objeto dir., antecede elegantemente esse complemento do verbo.

Como o encerado rolo sobre as águas
Único leva à praia o nome e a fama
Do perdido baixel. Parte. Salvá-lo!
Salvá-lo, enquanto é tempo! Extinto… Infâmia!
Extinto Portugal… Oh dor!…” — Rompeu-lhe
O derradeiro acento destas vozes
Em som de pena tal e tão tremendo,
De tão profunda mágoa que inda agora
Nos cortados ouvidos me ribomba:
Estremeci, olhei; já nada vejo:
Ou acordei, ou a visão se fôra.

(Poema Camões)

Retrato – Poesia de Almeida Garrett

Onde vais tão alva e linda,
Mas tão triste e pensativa,
Pura, celeste Adozinda,
Da côr da singela rosa,
Que nasceu ao pé do rio?
Tão ingênua, tão formosa
Como a flor, das flores brio,
Que em serena madrugada
Abre o seio descuidada
À doce manhã de abril!
Roupas de seda que leva,
Alvas de neve que cega,
Como os picos do Gerês,
Quando em janeiro lhe neva;
Cinto côr de violeta,
Que à sombra desabrochou;
Cintura mais delicada
Nunca outro cinto apertou;
Anéis louros do cabelo
Como o sol resplandescentes,
Folgam soltos; dá-lho vento,
Dá no véu ligeiro e belo,
Véu por suas mãos bordado,
De um santo ermitão fadado.

(Poema-canto Adozinda)


 

Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

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