Heidegger: Kant e o Problema da Metafísica – Aula 2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

 

Curso sobre
Heidegger:

Kant e o
Problema da Metafísica


Material Enviado por José de Medeiros Machado Jr.

 2o.
semestre de 2004

 Professor Bento Prado Jr.

ÍNDICE

Data da aula 

 

08/10/2004

Então vamos ver
se hoje a gente faz o parágrafo 7 e 8 e entra em B. Eu ‘tava comentando com o
Andrezinho, o índice do cara é complicadíssimo. Vocês vejam que eu tropecei
várias vezes no índice dele e curiosamente, como observou o André, é um índice
muito parecido com o da Crítica da razão pura. Como se houvesse uma
mímese da estruturação da Crítica no comentário da Crítica. É
umíndice cabeludo porque você se localiza com dificuldade. Aliás, gostaria a
esse propósito de retomar uma observação que eu fiz anteriormente – o negócio
do ponto de partida da filosofia, a origem, o fundamento etc. Eu achoque na
minha cabeça a coisa esclareceu um pouquinho. É como se você tivesse três
modelos:  o modelo cartesiano, o modelo kantiano e o modelo heideggeriano como
uma reforma do modelo cartesiano. Quais são esses três momentos diferentes.
Entra A, B e C, vamos pensar em primeiro lugar a diferença entre A e B. No caso
do Descartes, trata-se de fundar a filosofia primeira, fundar a metafísica – é
o tema do nosso livro – mas fundar a metafísica como pré-condição para a
fundação da filosofia primeira, a metafísica entendida como uma filosofia
primeira. Vocês lembram que o Heidegger comenta: na linguagem aristotélica ???
filosofia, filosofia primeira. Tem a filosofia primeira e depois tem outras
filosofias, como a matemática, sendo que por filosofia se entende, digamos, o
conhecimento racional, o conhecimento a priori, embora essa linguagem
seja kantiana, não seja grega. Bom, no caso do Descartes, você tem a seguinte
situação: nas Meditações, você tem a dúvida metódica, a primeira
verdade, a regressão até um princípio queé o cogito amparado pelo loop que passa por Deus, o entendimento infinito que vai assegurar a verdade
objetiva das idéias claras e distintas. Tem o momento regressivo e o momento
progressivo. Os sartreanos aqui presentes sabem que o método
progressivo-regressivo é importante fora… No caso do Descartes você tem isso:
uma distinção muito clara entre o método regressivo e o método progressivo.
Você parte do não-saber absoluto, encontra um fundamento e daí deduz a
totalidade, o sistema, como eu disse na aula anterior, o total sistema da
verdade. É claro que no Descartes, apresentar o Descartes assim é apresenta-lo
como uma espécie de hiper-racionalista quando eu insisti no prefácio do livro
do meu mestre Lívio Teixeira que o Descartes é racionalista até um certo ponto.
Na sexta meditação, quando entra a questão da relação da alma e do corpo, ele
diz: a alma não está no corpo como um piloto na nave e a natureza nos ensina –
a natureza, não a razão – natureza, isto é, a sensação, os nossos impulsos, nos
ensinam a sobreviver. Há uma espécie de limite da luz racional. O mundo é um
misto do racional e do não-racional. De tal maneira que ele não é um
racionalista tão tresloucado assim. Ensina-nos a natureza – através da sede, da
fome… – e ele chega a salvar a sensação que tinha sido matada na primeira meditação.
Sensação, percepção, tudo isso dançou. Mas na última meditação, ele diz: bom, a
natureza nos ensina… O que ele quer dizer, quando a criança botar a mão no
fogo, tira porque queima, dói. Então as sensações não determinam objetos, mas
têm uma função biológica de sobrevivência, digamos assim. Têm uma certa verdade
prática. E ele conversando com a Cristina, rainha da Suécia, que lhe perguntava
sobre a sabedoria, sobre a vida, sobre a ética e ele diz: nesses casos, não é
preciso metafísica; nesses casos, nós não devemos abandonar o universo do senso
comum, devemos criticá-lo – aí eu‘tô inventando um pouco. Mas jogar a luz da
razão até onde é possível porque não é possível ir até o fim. A sensação tem
valor, não de verdade, mas de sobrevivência. Também na ética, é melhor não
meditar muito, é melhor agir bem. De qualquer maneira, você tem uma distinção
entre o método regressivo e o método progressivo. Isto é, instaurar ou
fundamentar a metafísica pra depois fundamentar a matemática e a física– a
ciência moderna – e fundamentar a medicina e a moral até onde for possível.
Sendo que esse limite em que é possível decidir racionalmente termina muito
rapidamente. Quando entra a relação da alma com o corpo, bom… Aliás vocês
sabem que o Descartes dizia numa carta a um correspondente, já depois dos 50
anos, já maduro (…), ele dizia: malogrei completamente porque eu queria
fundar a metafísica para corrigir a ética e a medicina e hoje não sou capaz de
me curar de um resfriado (???). É o limite do projeto. Mas ele diz: mas nos
botecos, eu tiro a espada com menos freqüência, como se isso fosse resultado do
esforço teórico fundacionista dele e não de uma certa maturidade. No caso do
Kant, não precisa fazer o que o Descartes fez porque a ciência ‘tá feita.  Tem
Newton, tem o Euclides e menos importante, a lógica do Aristóteles. São
monumentos de razão. A razão‘tá realizada. Eu não preciso fazer a filosofia pra
fazer a filosofia segunda, a terceira e a quarta. Porque elas já estão prontas.
Então aqui predomina, digamos, o movimento regressivo. A ciência é um fato, mas
eu preciso procurar regressivamente as condições de possibilidade do fato. No
caso do Heidegger, tem um movimento de vaivém. É progressivo, regressivo. Aí eu
volto àquela introdução, àquela distinção entre origem e fundamento , que a
gente vai ver, daqui pra frente vai se tornar um pouco  mais clara, creio. O
Heidegger ‘tá muito mais do lado do Kant do que do lado do Descartes.. Mas um
abismo separa o Heidegger do Kant porque não se trata de fundar as ciências,
trata-se de fundar a metafísica. No fundo, o que ele quer dizer é que atrás do
projeto kantiano de refundamentação, de fundamentação das ciências, existe um
projeto de fundamentação da metafísica. (…) vamos fazer a passagem de 1 a 2.
A segunda secção tem como título geral “O desenvolvimento da instauração do
fundamento da metafísica”. Quando eu falo “desenvolvimento”, eu não ‘tô falando
do modelo cartesiano. “desenvolvimento” quer dizer abrir o espaço (o que não
quer dizer muita coisa) para que a pergunta pelo fundamento da metafísica
assuma sentido. “1- Os caracteres essenciais do domínio de origem”. Esse nós já
examinamos – de uma maneira um pouco caótica, mas desenvolvemos. “2- O modo da
revelação da origem”. Eu gostaria de continuar um pouquinho no “modo da
revelação da origem”. Volto àquela questão da origem, do fundamento. Mas eu
acho que dá pra explicar isso porque na última aula, percorrendo algumas das
metáforas, nós discutimos a metáfora da souche, da raiz, da origem.

Antes de entrar
no nosso assunto, eu queria fazer uma nota sobre a metáfora da souche
porque a gente não tem o texto alemão – da souche, da raiz… Em todo
caso, o esquema é mais ou menos esse. O esquema com que Heidegger encerra a
parte A da segunda secção, ele fala das fontes, das raízes. Bom, então você tem
duas raízes: intuição e entendimento. Mas essas duas raízes podem ter uma raiz
comum. Em algum momento ele diz: pode ser a imaginação. Mas ele pára aí. Como
se ele fosse o domínio não da análise crítica, mas de hipóteses metafísicas,
que agente ‘tá proibido de fazer. Como se fosse uma pré-condição do
conhecimento, mas que nós não temos condição de rodear, dar a volta. Eu não
posso olhar a minha própria nuca. O Kant diz: to começando naquele ponto em que
as coisas se dividem. E o Heidegger vai querer dizer: não, o Kant pára cedo
demais. E, eu refletindo ontem sobre essa coisa, eu me lembrei de textos
recentes – de 50 anos atrás – de Merleau-Ponty, que insiste, principalmente em O
visível e o invisível
, na idéia de quiasma, que talvez seja melhor do que
raiz. O que é um quiasma? Eu tenho a impressão de que é um termo utilizado em
neurologia e em sistema circulatório, não sei. Mas em todo caso é um troço
assim: Y. Tem um nervo que se
bifurca ou no sistema circulatório ‘tá cheio, uma veia que se divide. Então, eu
gostaria que vocês guardassem essa metáfora que não é heideggeriana, não é
kantiana, nem merleau-pontiana, mas que… O que o Merleau-Ponty diz do quiasma
vai no mesmo sentido, na mesma direção (inaudível). A filosofia dele tem um
parentesco com Heidegger (inaudível). Ele critica o Heidegger. Entre outras
coisas ele diz: o Heidegger acha que você pode falar do Ser diretamente. A
gente só pode falar indiretamente do Ser. Não há sentido possível. O Ser só é
acessível indiretamente. Essa imagem indireta – tem um texto dele, a linguagem
indireta da qual o silêncio evidencia (???) o caráter essencialmente indireto
da linguagem. Digamos, o Ser não é um ente. Portanto, nós não podemos falar
dele a não ser… E a metáfora – então ele justifica assim o uso da linguagem
metafórica (inaudível). No fundo, ele está preocupado em ver as alternativas
clássica da filosofia– objetivismo/subjetivismo, naturalismo/espiritualismo –
são todas pseudo-oposições, que devem ser botadas do avesso, permitindo ver a
raiz comum de uma e de outra. Quer dizer, é um pensamento essencialmente
anti-dualista.

 

ALUNO: Essa
crítica que o Sr. diz do Merleau-Ponty ao Heidegger, ela ‘tá no Visível e o
Invisível
, ou…

 

Ela está no Visível
e o Invisível

 

ALUNO: Não é
nesse texto em que ele diz que a forma indireta de tratar o ser é a linguagem?

 

Não, não. Eu
acho que tem alguma coisa a ver com o outro. A linguagem fala indiretamente do
mundo. Bom, depois dessas observações prévias, vamos mergulhar no nosso texto e
ver se a gente consegue virar e A a B. Bom, já viramos, né? Ah, esse índice,
esse índice… São dois parágrafos que encerram a parte A e vamos ver se a
gente começa a parte B. Pra virar da 2A. secção pra 3A.
secção. Então “Esboço das etapas da instauração do fundamento da ontologia”.
Bom, esse é o nome do parágrafo 7. O 8 é “O método da revelação da origem”. Na
verdade, tudo se passa como se B reiterasse. Como se 2 reiterasse 1. Como se
houvesse uma caminhada que de vez em quando você pára e rememora, rememora e
refaz o caminho. Mas ao mesmo tempo que esse texto resume o texto anterior – é
aquele negócio das três sínteses, de que tem uma síntese mais radical do que as
três sínteses – e que a pergunta pela raiz última é a pergunta pelo fundamento
da metafísica. Esse texto resume o texto anterior e prepara o texto posterior
porque ele se chama “Esboço das etapas da instauração do fundamento da
ontologia”. A 1A. parte da parte B é “Projeto da possibilidade
intrínseca das ontologias – as etapas de sua realização”. Então aqui ele ‘tá
resumindo o que foi avançado nos parágrafos anteriores e ‘tá antecipando os
passos posteriores. Porque a parte B da 2A. secção são mais de 0
páginas, enquanto que a 1A. parte tinha 20 páginas. Então é um
esmiuçamento daquilo que foi avançado em A e aquilo que vai ser desesmiuçado em
B. O título é “Esboço das etapas da instauração do fundamento da ontologia”,
que será praticamente o título da parte B. Então, ele diz: “Fundar a
metafísica consiste em projetar a possibilidade interna da síntese apriórica.”
Quer dizer, a questão é como é que é possível uma síntese a priori. Mas
ele fala de uma possibilidade intrínseca, quer dizer, é uma possibilidade
interna, isto é, essa possibilidade não deve nada à experiência, quer dizer, a
subjetividade finita do homem é montada de tal maneira – ele provavelmente não
gostaria dessa linguagem– que ela torna, por sua essência, possível a síntese a
priori
. Quando ele fala de possibilidade intrínseca, o intrínseco se opõe
ao extrínseco como o a priori se opõe ao a posteriori. Deriva
necessariamente de uma certa estrutura do (inaudível). “A essência desta [a essência da síntese a priori] deve ser determinada e sua origem
deve ser compreendida a partir do domínio de onde ela surge.”
Ele diz: bom,
é claro que a possibilidade intrínseca da síntese a priori é a
necessidade (…). Acho que alguém aqui falou: o Kant distingue, comentando o
Hume – o Hume se limita a investigar as origens do conhecimento mas não se
pergunta pelo fundamento. Aqui “origem” está tomada num outro sentido. Quer
dizer, é uma origem que não é empírica e que torna possível a pergunta pelo
fundamento. Vocês vão me dizer: mas que linguagem esquisita essa, né? Digamos,
a subjetividade humana finita tem uma estrutura tal que torna possível o mundo,
a experiência, os entes, o estar ligado essencialmente a eles como um todo
essencial e não como um aglomerado e perguntar pela origem é perguntar pela
estrutura dessa subjetividade. A origem aí é o quiasma não interrogado pelo
Kant, ali onde o Kant pára. “A explicação da essência do conhecimento finito
e de suas fontes fundamentais delimitou a dimensão na qual se realiza o
desvelamento da essência em sua origem.”
Tem que comentar essa frase, né? O
que que ele diz aqui na verdade? O que ele ‘tá dizendo, é que a análise da
finitude do sujeito do conhecimento e de suas fontes – até aí não tem nenhum
mistério – delimitou a dimensão na qual se realiza o desvelamento da essência
em sua origem. Novamente nós trombamos com a palavra origem na sua possível
tensão – essa é a minha interpretação – com o fundamento. Mas enfim, existe uma
essência do conhecimento finito cuja finitude abre o caminho para encontrar a
origem da própria finitude e de sua essência. Mais uma vez: o Kant não chegou
lá. O Kant afirmou a finitude, afirmou que as duas fontes têm uma raiz comum, o
que nos cabe agora é ir um pouquinho adiante do Kant e desvendar a origem,
origem da finitude, digamos, do conhecimento. A origem da divisão entre
intuição e entendimento necessariamente finitos. “A questão da possibilidade
interna de um conhecimento sintético
a priori adquire assim, ao se
complicar, uma precisão acrescida, multiplicada.”
Quer dizer, o que ele diz
é o seguinte: eu ‘tô reformulando a pergunta kantiana, eu ‘tô complicando a
pergunta kantiana. Digamos, estou radicalizando. Radicalizar aqui, caminhar em
direção à raiz das duas fontes… é radicalizar. Mas é também complicar. É
complicar porque nós passamos desse esquema pra esse esquema aqui. Do esquema
kantiano – do fato às suas condições de possibilidade – a esse vaivém errante
entre a origem e o fundamento. É um caminhar meio tortuoso, meio aporético como
mais tarde ele vai intitular uma obra dele Holzwege, caminhos
florestais, caminhos sem saída, quer dizer, aporias.

 

ALUNO: Como se a
linguagem servisse pra cada vez menos coisas… Como se a linguagem tivesse
cada vez menos utilidade. À medida em que a gente se aproxima do fundamento.

 

O resultado
disso daqui, o resultado desse movimento de pensamento é você dizer: do ponto
de vista do conhecimento, a linguagem tem um valor instrumental, pouco
importante. Na poesia, no mito, no pensamento sem aspiração à cientificidade, a
linguagem reencontra a sua essência. Não é à toa que volto àquela frase da Carta
sobre o humanismo
: a linguagem é a mansão do Ser e os poetas e os filósofos
são os guardiães dessa mansão. Quer dizer, os filósofos e os poetas são aqueles
caras que têm a tarefa de purificar a linguagem, de fazer com que a linguagem
não seja simplesmente descrição de fatos ou de estados de coisas, mas que seja
a expressão do sentido do Ser. Agora, o que que é o sentido do Ser, nós não
sabemos. Ele vai voltar à mitologia, voltar ao Schelling, ao Hölderlin, ao
romantismo alemão, enfim. No romantismo alemão, você encontra coisas parecidas
com isso, não encontra? Tem um bom uso da linguagem – que é interrogativo,
especulativo, mitológico e não tem nada que ver com a descrição do mundo tal
como ele é. Mas aqui eu ‘tô misturando etapas do pensamento doHeidegger. Aponta
nesse caminho porque depois ele escreveu. Então é fácil você encontrar pistas
nos textos da década de 30 daquilo que ele escreveu nos anos 30 e logo no
pós-guerra. Porque há uma mudança. Entre esses textos e osúltimos textos que
vão nessa direção – que é, de uma certa maneira, uma recuperação do romantismo
alemão – tem uma virada. Uma Kehre. Kehre quer dizer “retorno”,
“virada”. Eu falei da descoberta do Hölderlin etc, mas é a volta aos
pré-socráticos também. Daí é a volta à origem esquecida da metafísica. Quer
dizer, o Heidegger dos anos 10 e tal quer libertar o Aristóteles e o Platão da
leitura medieval. Mais tarde ele vai querer liberar a filosofia pré-socrática
de Sócrates, Platão e Aristóteles. Nós nos aproximamos da passagem do mito ao logos.

 

ALUNO: Eu queria
tentar entender melhor uma coisa sobre aquela oposição entre possibilidade
intrínseca e extrínseca no juízo sintético a priori. Porque eu tenho a
impressão que o Kant fala da possibilidade lógica do juízo sintético…

 

Aí eu tenho a
impressão que ele é rigorosamente kantiano só que ele quer ir mais longe. Quer
dizer, o Kant parou aqui. Essas pontes são intrínsecas de uma certa maneira,
não são extrínsecas. Elas pertencem à essência da subjetividade humana. Agora
ele quer retroceder até a fonte comum. Então é segundo os passos do Kant mas
levando o Kant muito além do que o Kant aceitaria. O Kant provavelmente diria:
isso é recair na metafísica. Claro que a palavra “metafísica” tem sentidos
diferentes para um e para o outro. Embora o Heidegger mais tarde vá renunciar à
expressão “metafísica”, vai falar do pensamento como o fim da metafísica. Uma
espécie de hiperkantismo. Mas um hiperkantismo permeado por Nietzsche e outras
coisas.

 

“A exposição
preliminar do programa relativo ao fundamento da metafísica deu o resultado
seguinte. O conhecimento do ente só é possível na base de um conhecimento
prévio da estrutura ontológica do ente, conhecimento independente da
experiência.”
Aqui, na linguagem dele, ele traduz perfeitamente, de maneira
transparente o Kant. Se substituir a palavra ente pela palavra objeto, diz “o
conhecimento do objeto só é possível na base do conhecimento prévio da
estrutura intuitivo-cognitiva do objeto possível, do ente, conhecimento
independente da experiência.”
Até aí não tem mistério nenhum essa frase. “Mas,
além disso, o conhecimento finito cuja finitude define o objeto de nossa
questão é essencialmente uma intuição receptiva e determinante do ente.”
Quer dizer, o que ele quer insistir, é que o sujeito finito – aívamos pensar na
sensibilidade. Nós só temos acesso ao mundo através das formas da intuição do
espaço e do tempo. É só dentro desse quadro que nós podemos receber informações
do mundo externo, digamos. A intuição é essencialmente receptiva, é um filtro,
é uma peneira. Mas essa peneira que é receptiva, por ser peneira, ela é
determinante da forma de ser do ente. “Se o conhecimento finito do ente é
possível, ele deverá fundar-se sobre um conhecimento do ser do ente anterior a
todo ato receptivo.”
Bom, aqui você tem a frase heideggeriana propriamente
dita. Quer dizer, se assim é –  se o Kant tem razão –, antes da experiência,
pré-experiência, quer dizer, no espaço intrínseco da subjetividade finita, você
tem uma compreensão, ou uma pré-compreensão do ser do ente. Isto é, eu varro a
experiência antecipando, de alguma maneira, o ser do ente. Digamos, pelo menos
no sentido de que, antes de qualquer experiência, eu sei, eu deveria saber, nem
todo mundo sabe, que eu só posso recebê-la espácio-temporalmente. A
espacialidade e a temporalidade são determinações essenciais do ser do ente.
Substitua a palavra “objeto” por “ente” que você tem o… Mas você vê como ele
introduz, no interior da análise do texto do Kant, a sua própria filosofia.
Antes de refletir, antes de começar a pensar, eu tenho uma pré-compreensão do
ser do ente. “O conhecimento finito do ente exige, portanto, para ser
possível, um conhecimento não-receptivo, aparentemente não-finito, uma espécie
de intuição criadora.”
Essa frase é de doer, né? Porque intuição criadora,
a gente viu, é característica do entendimento infinito de Deus, para quem não
existem Gegenständen, mas entstehen. O que ele ‘tá dizendo é que
precisa ter uma espontaneidade na própria intuição porque o Kant distingue as
duas raízes. Você veja que nós estamos querendo mergulhar pra cá [para a raiz,
na figura Y]. Aqui você tem receptividade, a intuição; aqui você tem
espontaneidade. Mas filtrar receptivamente o ente, de uma certa maneira, é
antecipá-lo, é de uma certa maneira criá-lo.

 

ALUNO: Exercer
alguma determinação…

 

Sim, o sujeito,
que é passivo, determina de alguma maneira o que ele recebe. Tanto que ele fala
“aparentemente não-finito”. Quer dizer, esse “aparentemente não-finito”
certamente –  isso é interpretação minha –  é “só na aparência é infinito”.
Porque a gente ta acostumado com o Kant a distinguir o entendimento receptivo,
uma subjetividade finita receptiva, e uma subjetividade infinita criadora. O
que ele ‘tá querendo dizer é: se a gente caminha na direção da raiz comum do
entendimento e da intuição, nós temos algo aparentemente infinito. Quer dizer,
como se o sujeito finito tivesse uma capacidade divina de criação, projeção da
realidade. Quer dizer, provavelmente, ele vai corrigir depois e dizer: é só
aparentemente infinito. Isso é interpretação minha. Depois a gente vai
verificar se é verdade ou não. Mas eu gostaria de sublinhar a palavra
“aparentemente” pra dizer que – porque, no fundo, ele quer matar o entendimento
infinito. Então, sob o pano de fundo do esquema kantiano tem o entendimento
infinito… Você não pode falar de entendimento infinito de Deus – não a gente
fala intellectus archetypus. Mas que é puramente intuitivo (?), criador.
Não é discursivo, não é conceptual. A conceptualidade e a intuição são
características do finito. Ele que matar isso. Ao insistir nesse paradoxo de
uma receptividade criadora, de uma receptividade constitutiva, é como se ele
dissesse: tudo se passa como se esse sujeito finito não fosse finito. Porque
ele aparentemente, pela sua pré-compreensão do ser do ente, é como se ele
criasse. Intuição criadora e entendimento infinito. “A questão da síntese
apriórica precisa-se, portanto, assim.”
Quer dizer, você ‘tá vendo que ele
‘tá retrabalhando o Kant, reformando aqui e ali. Qual é o próximo passo? “A
questão da possibilidade síntese apriórica precisa-se, portanto, assim. Como o
homem, que é finito e como tal, jogado ao ente…”
No Ser e tempo,
ele já havia escrito que o Dasein é essencialmente um Entworfensein,
um ser lançado no mundo, abandonado. Ele projeta o mundo mas é também lançado
no mundo. “Como o homem, que é finito e como tal, abandonado ao ente e
ordenado à recepção deste, como ele pode, antes de toda recepção, conhecer o
ente, isto é, intuí-lo, sem ser, no entanto, seu criador?”
Como é que eu
posso  antecipar o ser do ente sem criá-lo? ‘Tá vendo: aparentemente criador,
aparentemente infinito. Quer dizer, o mistério todo ‘tá aí, pra ele. Como é que
o sujeito finito pode antecipar o sentido do ente, ou o ser do ente, sem
criá-lo? Ele que é um ente finito e, portanto, aparentemente, um ente entre
outros entes. Quer dizer, um pedregulho não constitui universo. Esqueçamos
Deus. Mas pelo menos um pedregulho, nós sabemos que não constitui universo, não
cria um universo. Ora, o homem é um ser finito como o pedregulho. Como é que
ele pode antecipar sem ser o seu criador? Como é que eu posso propor o mundo
sem pô-lo. Entendendo por “pôr o mundo” como Deus faz. Deus põe o mundo no Ser.
Digamos, inventando uma linguagem que não é propriamente heideggeriana,
digamos, a subjetividade finita humana pro-põe o mundo ou pré-põe o mundo sem
pô-lo, sem criá-lo. “Ou, dito de outra maneira, como esse homem deve, ele
próprio, ser constituído ontologicamente, para que ele possa trazer para si sem
a ajuda da experiência a estrutura ontológica do ente, isto é, uma síntese
ontológica?”
Aqui não tem mistério. Que tipo de ser é esse que, sendo
finito, é capaz de antecipar a estrutura dos seres finitos em geral e do Ser
desses seres finitos? “Mas se a questão da possibilidade da síntese
apriórica é assim colocada, e se todo conhecimento, enquanto finito, se compõe
dos dois elementos indicados, isto é, se ela mesma é uma síntese
[a síntese
entre intuição e conceito] esta questão da possibilidade da síntese
apriórica adquire uma estranha complexidade.”
Quando as coisas adquirem uma
estranha complexidade é que o Kant abriu esse espaço e não pensou. Quer dizer,
a seguir o Kant, nós temos que chegar a conclusões estranhíssimas que os
neo-kantianos não sacaram, que os idealistas não sacaram. E são essas questões
estranhas que a gente deve investigar. “Pois essa síntese não é idêntica à
síntese veritativa mencionada acima que concerne unicamente ao conhecimento
ôntico.”
Vocês lembram das três sínteses: a síntese apofântica, a última é
a veritativa e a do meio é a predicativa. Vocês lembram que ele estabelece uma
hierarquia e a verdadeira síntese é a síntese apofântica (não seria a
veritativa?
) que liga não só um sujeito com um predicado, mas liga
sinteticamente o sujeito ao predicado e liga o sujeito do juízo a um ente no
mundo. Isto é, essas três sínteses explicam, ou lançam luz sobre o conhecimento
ôntico. Traduzindo, o conhecimento científico. O conhecimento do mundo dos
objetos. Agora, o que ele ‘tá dizendo é que essa síntese apriórica levada a
fundo pressupõe algo que é mais fundo do que o conhecimento ontológico que é a
pré-compreensão do ser do ente, onde nós passamos do ôntico pro ontológico. Nós
passamos da teoria do conhecimento para a metafísica, pra ontologia. Tem essa
hierarquia. O domínio do ôntico é o domínio dos objetos. Uma coisa é a
determinação dos objetos que é a tarefa explícita da Crítica da razão pura:
como é que é possível objetividade física e universalidade matemática.

 

ALUNO: Pro
Heidegger todo conhecimento científico não passa da esfera do ôntico, não ultrapassa.

 

Não ultrapassa.
Mas para que isso seja possível, é necessário que tenha essa raiz comum num
sujeito que pré-compreende o ente antes dele pintar. Antes dele se tornar
objeto. Quer dizer, eu acho que é mais ou menos isso. Compreender o ser do ente
é ser capaz de antecipar toda e qualquer forma de ente, é ser capaz de receber.
Para que eu possa receber objetos, eu preciso, de uma certa maneira, antecipar
o ser dos objetos. E aí nós estamos passando da teoria do conhecimento para a
ontologia, da teoria do conhecimento para a pergunta pelo Ser. É por isso que –
vocês lembram da semana passada – ele diz: essas três sínteses se sucedem, a
última síntese é a síntese forte, é o coração da Crítica da razão pura.
Mas ele diz: mas na Crítica da razão pura, no começo e no fim, ele
aponta para uma raiz comum que é o que a gente ‘tá discutindo agora, que é mais
importante. Como é que eu posso antecipar o ser do ente. Então, além dessas
três sínteses que definem o domínio do ôntico, você tem uma síntese ontológica. “A síntese ontológica já é sintética na medida em que é conhecimento de
maneira que a instauração do fundamento deve começar pela iluminação dos
elementos puros: intuição pura e pensamento puro do conhecimento puro.”
Bom, isso é a tarefa que fez o Kant. “Trata-se então de esclarecer o caráter
próprio da unidade essencial e original desses elementos puros. Isto é, do
caráter específico da síntese veritativa pura.”
Isto é, então nós temos uma
síntese veritativa pura. É da interrogação da síntese veritativa pura que nós
vamos chegar à pergunta pelas ciências ontológicas. Coisa que o Kant não faz.
Assim como o Kant começa por aqui não vai até a raiz comum das duas raízes. “Esta [a síntese veritativa pura, a síntese que determina o ente, torna possível a
física e a matemática] deve possuir uma natureza tal que ela possa também
determinar
a priori a intuição pura. Os conceitos que lhe pertencem…” No fundo ele ‘tá privilegiando a intuição, como sempre. Lembrem-se que ele diz:
o pessoal esquece que o Kant diz que se conhece mediata e imediatamente mas
todo conhecimento aspira à imediação (não seria mediação?).. Então ele
diz, bom, no fundo, a síntese veritativa deve ter uma natureza que possa também
determinar a priori a intuição pura. “Os conceitos que lhe pertencem
devem preceder toda a experiência, não somente no que concerne à sua forma mas
ainda a seu conteúdo. Isto implica uma natureza muito particular da síntese
predicativa pura que pertence necessariamente à síntese veritativa pura. Em
conseqüência, a questão da essência dos predicados ontológicos deve se colocar
no centro da síntese apriórica enquanto ontológica.”
Mas no fundo o que ele
‘tá dizendo aqui é aquilo que eu antecipei. Só que ele acrescentou uma coisa
aqui. O Kant rola com tranqüilidade nesses três níveis da síntese que estão
dispostos sistematicamente na Crítica da razão pura. Ele deixa de lado
essa síntese ontológica à qual ele aponta hipoteticamente. Como fonte única das
duas fontes de todo conhecimento. Aqui ele ‘tá fazendo essa passagem da síntese
veritativa para a síntese ontológica via síntese intuitiva. O segredo está na
intuição. “Em conseqüência a questão a questão da essência dos predicados
ontológicos deve se colocar no centro do problema da síntese apriórica enquanto
ontológica.”
Ah, eu acho que eu fiz uma besteira aqui. Não tem nada que ver
com a intuição. Não, eu imaginei coisas lendo o texto que não estão presentes
no texto. O que ele ‘tá dizendo é que o movimento do pensamento kantiano exige
uma passagem da síntese veritativa para a síntese ontológica, tout
simplement
. “A questão tocante à possibilidade interna da unidade
essencial da síntese veritativa pura nos faz progredir em direção ao
esclarecimento do fundamento original dessa possibilidade.”
Aqui ele diz:
examinar a síntese veritativa vai nos levar à origem, vai nos levar da teoria
do conhecimento à ontologia. Que é o que ele vai fazer na parte B. “Pela
revelação da síntese pura a partir de seu fundamento, nós começamos a
compreender em que sentido o conhecimento ontológico pode ser a condição que
torna possível o conhecimento ôntico. Assim se delimita a plena essência da
verdade ontológica.”
Quer dizer, o que ele quer dizer é o seguinte: que a
gente precisa determinar – bom, eu‘tô repetindo mil vezes o que ele ‘tá dizendo
– a síntese ôntica, o esclarecimento da origem última da síntese ôntica ou da
síntese veritativa nos conduz à síntese ontológica e esse é o caminho que nós
vamos seguir. A contrapelo da leitura tradicional do Kant. E provavelmente a
contrapelo das intenções explícitas do próprio Immanuel Kant. “A instauração
do fundamento da ontologia percorre, portanto, as cinco etapas seguintes.”
Deixa eu ver o índice aqui. Ele ‘tá resumindo o que ele vai falar na parte B.
Não sei se a gente vai comentar a parte B inteira. Mas em todo caso aqui tem o
esqueminha da parte B. Ele diz: são cinco etapas que vão nos conduzir do ôntico
ao ontológico e da teoria do conhecimento à ontologia. Ou da crítica kantiana
para o seu fundamento não revelado. “Em primeiro lugar, os elementos essenciais
do conhecimento puro.”
Bom, não tem muita estranheza. “2- unidade
essencial do conhecimento puro”
Aqui nós já damos um passo, né? Porque nós
já afirmamos que o conhecimento puro é ele próprio uma síntese. Então nós ‘tamo
baixando ali no quiasma. Nós temos que demonstrar que a oposição
entendimento/intuição não exige apenas uma hipótese quanto a uma origem comum
mais ou menos discutível, hipoteticamente acessível mas sempre discutível. Mas
que a gente pode chegar a uma determinação positiva dessa unidade do
conhecimento finito, do conhecimento puro. “Em terceiro lugar, a
possibilidade interna da unidade essencial da síntese ontológica.”
É bom a
gente ir assim porque depois nós vamos escolher os momentos, a 2A.
parte tem 100 páginas, 70 páginas, né? A gente não vai poder se demorar assim.
Vamos escolher alguns momentos dessas cinco etapas. Então, elemento do
conhecimento puro, isso é a entrada no assunto. Pra discutir o sentido
filosófico da Crítica da razão pura precisa examinar como é que ele
classifica os elementos do conhecimento puro.  Um passo mais forte é dado
quando ele fala “a unidade essencial do conhecimento puro”. Isto é, ali onde
Kant especula hipoteticamente sobre a fonte comum dos elementos do
conhecimento, ele vai tentar mostra que a Crítica da razão pura  implica
uma tese sobre a unidade essencial do conhecimento puro. Aqui nós já passamos
pra cá. Eu posso falar sobre a raiz dos dois ramos do entendimento e da
intuição. “Em terceiro lugar  [mais grave ainda], a possibilidade
interna da unidade essencial da síntese ontológica.”
Assim como nós
determinamos intrinsecamente ou internamente a autonomia dos elementos do
conhecimento, da intuição e das categorias do entendimento que não devem nada
ao extrínseco, não só nós determinamos que há uma unidade essencial do
conhecimento puro, mas que esse conhecimento puro pode ser, por assim dizer,
como que deduzido – embora a expressão não seja boa pro Heidegger– mas possa
ser explicitada a necessidade interna essencial dessa unidade. Não é que há uma
unidade, mas é que essa unidade deriva da essência do sujeito finito. “4 – o
fundamento da possibilidade interna da síntese ontológica.”
Quer dizer nós
passamos, a possibilidade, terceiro, a possibilidade da unidade; quarto, o
fundamento da possibilidade. Nós mostramos não apenas que é possível, mas que
nós podemos encontrar o fundamento. A plena determinação da essência do
conhecimento ontológico. Que que é esse negócio da ontologia? Que ‘tá no
subterrâneo da Crítica da razão pura de que o Kant provavelmente não
teve consciência e que é ignorado por todo mundo.

 

ALUNO:  É como
se ele quisesse escrever o capítulo que viesse antes do começo da Crítica da
razão pura
.

 

Sim. Tudo se
passa como se ele dissesse: a primeira frase da Crítica da razão pura contém tudo. Se bem explicada, não precisa ler (inaudível). Quer dizer que o
Kant era muito apressado…

 

Bom, então vamos
para o parágrafo 8. Vamos ver o índice outra vez. No parágrafo anterior nós
fizemos o quê? Uma antecipação daquilo que vai ser feito na parte 2 da 2A.
secção. Aqui nós dissemos quais são as etapas que nós vamos percorrer no
futuro. Agora aqui ele vai explica o método da revelação da origem. Qual é o
método que eu tenho que utilizar pra percorrer esse itinerário? Aqui mais uma
vez a palavra origem aparece num contexto que não se opõe tanto como
fundamento. Eu lembro a vocês que a gente ‘tá indeciso na definição das
relações entre as idéias de fundamento e de origem.

 

ALUNO: Mas,
Bento, acho que isso quando a gente tiver o texto original fica mais claro
porque a palavra alemã pra origem que é Ursprung geralmente não é
empregada no sentido mais intelectual de explicação de alguma coisa. Ela é
origem como um dado de origem.

 

Mesmo que essa
origem não seja empírica, que seja interna.

 

ALUNO: Eu imagino
que quando o Heidegger ‘tá falando de origem aí no texto, ele esteja falando de
elementos e não de uma explicação.

 

Não aqui eu
tenho a impressão de que ele ‘tá falando da origem comum. Através de que método
eu vou poder ultrapassar o limite que o Kant, ele mesmo, estabeleceu para si
mesmo. Mas em todo caso vou deixar em suspenso essa questão de origem e
fundamento. Não é por método introspectivo ou hipóteses empíricas que nós vamos
determinar a tensão entre esses dois termos, mas só compreendendo o texto.

 

Então “Método do
desvelamento da origem”. Suponho que seja essa origem comum. “O esboço
preliminar da trama do conhecimento finito manifestava já uma multiplicidade de
estruturas que, implicando-se umas as outras, fazem função de síntese.”
Até
aqui, nenhum mistério. Quer dizer, a idéia de síntese é essencial na
determinação da trama do conhecimento finito. Sínteses, sínteses de sínteses e
assim por diante. Eu sempre pensei, isso vai na contracorrente do Heidegger, eu
sempre pensei, o Kant fala da síntese suprema que é a síntese da apercepção
pura. Eu = Eu. O cogito, ich denke, que não é nenhuma proposição
empírica, que é simplesmente aquela proposição que deve acompanhar todas as
minhas representações para que o mundo me apareça como mundo e não como caos.
Tudo se passa como se a Crítica da razão pura fosse uma pirâmide de
sínteses, desde as sínteses mais elementares – a intuição etc. etc., a síntese
entre conceito e intuição, todas essas sínteses aqui,como diz o Deleuze e em
cima aqui o eu transcendental que só fala “Eu = Eu”, a síntese suprema. Mas o
Heidegger vai procurar a síntese fundamental não no pináculo intelectual da…,
acho que não. Mas vai ser na síntese que permite a passagem da intuição ao
entendimento, imaginação transcendental, temporalidade, ser no tempo etc. Quer
dizer, toda a 3A. secção vai ser imaginação transcendental e
temporalidade. Que é um esquema muito diferente desse aqui. Pena que eu não
trouxe aqui o esquema do Deleuze. Que o Deleuze fez um desenho da Crítica da
razão pura
que aqui eu só consegui reproduzir o… Aliás não é “Eu = Eu”, é ich denke, cogito, cogito. Mas depois eu faço o desenho
mais completo (…). “O esboço preliminar da trama do conhecimento finito
manifestava já uma multiplicidade de estruturas que, em se implicando, fazem
função de síntese.”
Tem síntese categorial. As categorias aplicadas à
intuição tornam-se princípios que, por sua vez, sintetizam as formas da
intuição e constituem entes ou objetos. “Como a síntese pura veritativa
contém, em certo sentido, a idéia de um conhecimento aparentemente não finito,
a questão da possibilidade da ontologia concebida no ente finito se complica
mais ainda.”
Quer dizer, aqui ele ‘tá multiplicando os embaraços que a
leitura dele propõe. Nós já vimos. O Kant distingue entre entendimento finito e
entendimento infinito. Ele diz: é, mas essa história de antecipar o ser do ente
parece que o sujeito finito é infinito de alguma maneira. Então nós vamos ter
que enfrentar essa complicação. Aqui ele não ‘tá fazendo tese nenhuma. Ele ‘tá
apontando para um problema a ser dissolvido ou resolvido. “Enfim, indicando
o domínio onde surgem as fontes fundamentais do conhecimento finito e sua
unidade possível, nós éramos conduzidos em pleno desconhecido.”
Nós temos
essa dificuldade e o Kant nos deixava diante de um problema insolúvel. Tem uma
fonte comum, uma síntese prévia mas a que a gente não tem acesso. Eu repito, o
Kant fala: talvez a imaginação seja o coração da unidade do conhecimento. É um
pouco nessa direção que ele quer caminhar. Mas nós estamos no terreno do
desconhecido. O Kant fala: talvez a imaginação. “Nós só podemos
determiná-los com segurança penetrando no domínio ainda ignorado e explicitando
o que aí se manifesta.”
Bom, aí nós vamos dar um passo adiante do Kant. O
domínio inexplorado é o domínio inexplorado pelo Kant e pela tradição
neo-kantiana ou pós-kantiana. “Sem dúvida o domínio onde a origem se revela
não é outro senão o espírito
(Gemüt) humano.” Ele diz Mens sive
animus
– mente ou alma, Gemüt. Como é que você traduz Gemüt?
É espírito…

 

ANDRÉ: Mente,
coração, espírito, talvez.

 

Aliás, é
engraçado Gemüt ter o sentido de coração porque o Kant… Eu lembro a
frase do Kant: talvez a unidade do Gemüt esteja no coração… O coração
do Gemüt, o coração do coração seja a imaginação. Que tem o sentido de
sentimento também, não é, Gemüt? Coração no sentido também de
sentimento.

 

ANDRÉ: É nesse
sentido.

 

“A exploração
deste, nós deixaremos à psicologia.”
A exploração das funções do Gemüt é tarefa da psicologia. “Enquanto que essa exploração concerne ao
conhecimento, cuja essência é comumente colocada no ato de julgar, será
necessário que a lógica aí participe igualmente.”
Quer dizer, o Kant é
susceptível de uma leitura psicologista – quer dizer, a Crítica da razão
pura
é uma crítica dos elementos do conhecimento como funções da alma; ele 
fala de intuição, entendimento, razão como faculdades da alma – então, digamos,
o Kant é susceptível de uma leitura psicologista. O que ele está dizendo é:
vamos deixar de lado a psicologia e pensar a síntese – eu ‘tô produzindo aqui
hipóteses minhas – a comunicação entre as funções do Gemüt e a função
lógica do juízo. Quer dizer, ‘tá na cara que aqui é um discípulo do Husserl que
‘tá falando, é um anti-psicologista. O mestre dele, o que que ele fez? Bom, a
teoria do conhecimento, a filosofia, o fundamento da filosofia não é uma
investigação das faculdades psicológicas do sujeito, mas das funções
lógico-transcendentais da consciência. A psicologia não dá conta do juízo. A
estrutura do juízo é irrevelável à luz de uma investigação de tipo psicológico.
Não é uma função da alma, é uma função do Logos. Ele bota entre
parênteses… Em grego, o ato de julgar, ele bota Logos. Logos não tem nada que ver com psyché. “À primeira vista, a psicologia e a
lógica dividirão o trabalho, isto é, lutarão pela supremacia e por essa luta
chegarão muito felizmente a ultrapassar seus limites e a se ultrapassar.”
Aqui
não sei se é irônico ou se nãoé irônico. A gente não deve pensar o Kant como um
teórico das funções da alma, como constitutivas do conhecimento objetivo.
Porque o ato de julgar, o Logos, escapa ao domínio da psicologia. Então
digamos que dentro do Kant e dentro da tradição do kantismo existe uma espécie
de conflito de luta entre psicologia e lógica pra ver quem ganha. Os
neo-kantianos tenderão para o privilégio da lógica. Schopenhauer, o primeiro
autor que volta ao Kant é mais psico-lógico. A teoria da vontade, a
representação etc. “Mas se de um lado a gente leva em consideração a
perfeita originalidade da pesquisa kantiana, e se de outro lado consideramos o
caráter contestável da lógica e da psicologia tradicionais…”
Quer dizer,
ele diz: bom, a tradição pensa como uma luta, match, Palmeiras X
Corinthians, lógica X psicologia, vamos ver quem ganha. Quem é que é mais
importante aí. E ele diz: mas o Kant ‘tá pra além dessa alternativa porque ele
‘tá liberto da psicologia e da lógica tradicionais. Tudo se passa como se a
crítica kantiana modificasse os termos da relação entre o psicológico e o
lógico. Uma lógica e uma psicologia tradicionais cujos quadros não foram
absolutamente constituídos em relação a essa problemática. “Levando isso em
consideração, parece desesperado – ou sem esperança – querer captar o essencial
da instauração kantiana do fundamento da metafísica à luz de posições tomadas
na lógica e na psicologia.”
Então esse caminho é ruim. Nós não devemos nem
logificar a Crítica da razão pura nem psicologizar a Crítica da razão
pura
. Porque o  Kant ‘tava para além da psicologia e da  lógica
tradicionais que estavam aquém da questão do fundamento da metafísica que,
segundo o Heidegger, bom, porque o que o Heidegger projeta ou encontra na Crítica
da razão pura
. “Quanto a invocar uma psicologia transcendental…” Bom, isso é o… O Husserl chega a falar de uma psicologia transcendental. Mas
como uma ontologia regional que não fundadora da lógica, pelo contrário, é
fundada na lógica.  “Quanto a invocar uma psicologia transcendental é claro que
esse título é apenas a expressão de um embaraço logo que se compreendeu a que
dificuldades principiais e metódicas se choca a determinação da essência finita
do homem.” Quer dizer, a determinação da essência finita do homem – Menschen
Vertändnis
(?) – não tem nada que ver com psicologia, mesmo transcendental.
Precede. “Resta-me, portanto, deixar indeterminado o método…” Ele vai
determinar o método e diz “Resta-me, portanto, deixar indeterminado o método
que permite revelar a origem, sem aproximá-lo prematuramente de qualquer
disciplina tradicional ou inventada
pour le besoin de la cause.” Inventadas ad hoc, pra quebrar o galho. “Deixando indeterminada a
natureza desse método, convém lembrar-se o que Kant dizia da
Crítica da
razão pura imediatamente após tê-la terminado. Uma pesquisa de tal
envergadura permanecerá para sempre penosa.”
Na última aula eu lembrei a
vocês de um estudante japonês que perguntou pro Heidegger: tudo bem, eu sou
heideggeriano, acho ótimas as usas coisas, mas qual é o método que o Sr. segue.
E ele fala: nenhum. E aqui ele busca precocemente inspiração no Kant. Essas
pesquisa, uma pesquisa dessa envergadura é penosa. Nós não temos, como o
Descartes, nós não temos regras do método. Então, a idéia de um método a ser
aplicado para resolver problemas, você opõe a idéia de uma interrogação que
busca nos problemas que ela encontra, por debaixo dos problemas que ela
encontra, problemas mais complicados. Tem alguma coisa de geológico, aí, né?
Encontra uma primeira camada de ambigüidades ou de problemas, você mergulha,
encontra outra e daí continua. Quer dizer, o pensamento não tem fim. Não tem
começo propriamente. Não tem principium. “É, no entanto, necessário fornecer
algumas indicações gerais sobre o caráter fundamental da progressão pela qual
se instaura o fundamento da metafísica. O método de pesquisa se deixa definir
como analítico, tomado em sentido largo.”
Analítico em sentido largo quer
dizer regressivo. Retornar dos problemasàs suas condições, aos seus fundamentos.
“Essa analítica cuida da razão pura e finita na medida em que esta, por sua
essência mesma, torna possível uma síntese ontológica.”
O que que é análise
tradicionalmente? Na geometria grega se opunha o método sintético ao método
analítico. O método sintético é Euclides. Eu parto de cinco axiomas e demonstro
a totalidade (inaudível). O método analítico é um método diferente. É, diante
de um problema, regredir às condições de sua solução. É por isso que um vai de
cima pra baixo e o outro vai debaixo pra cima. Eu topo um problema, eu não
tenho como resolvê-lo a não ser descobrindo ou inventando princípios que não
existem até agora mas que me permitirão no futuro dissolver o problema. “Eis
por que Kant considera a crítica um estudo de nossa natureza interior.”
Bom, a expressão “um estudo de nossa natureza interior” é uma expressão ambígua.
Poderia ser interpretada psicologicamente, Mas é claro que essa interpretação
está deixada de lado. Como é que o Heidegger vai interpretar essa natureza
interior, essa expressão kantiana “natureza interior”? “Essa revelação do Dasein humano é mesmo um dever para a filosofia.” Quer dizer, no fundo, esse
método regressivo vai encontrar a origem da síntese ontológica na estrutura do Dasein,
na estrutura do ser finito, ou de um ser finito que ao contrário dos entes em
geral, se caracteriza pelo fato de ser intuitivo-temporal. De ter um mundo,grosso
modo
. “A analítica não se reduz portanto a qualquer forma de
dissolução.”
Ah, sim. Porque análise significa também divisão e,
provavelmente, nos geômetras gregos, essa dimensão semântica estava presente.
Pra você resolver um problema para cuja solução você não ‘tá armado, você
precisa também, de alguma maneira, dividir os elementos da questão. Ele diz,
análise aqui não é simplesmente análise no sentido cartesiano de dividir as
idéias complexas em idéias simples. “A analítica não se reduz portanto a
algum tipo de dissolução como se se tratasse de reduzir a razão pura e finita a
seus elementos. Mas trata-se ao contrário de uma forma particular de dissolução
que faz surgirem os germes da ontologia.”
Ele fala dissolução num sentido
negativo e num sentido positivo. Creio eu, dissolução pensada como era divisão
do complexo ao simples e dissolução, bom, eu penso no Wittgenstein, mas é claro
que não é isso que ‘tá em questão, mas de alguma maneira, uma transformação dos
termos do problema que faz com que o problema deixe de ser problema. Tem alguma
coisa que ver com Wittgenstein. “É ao rever as condições de que nascerá,
segundo sua possibilidade intrínseca, a totalidade de uma ontologia. Uma tal
analítica é, conforme os próprios termos de Kant, uma
mise a jour, um
trazer à luz…”
“Uma tal analítica”, ele vai dizer: bom, eu não ‘tô
inventando aqui essa concepção de análise, mas ela ‘tá expressa pelo próprio
Kant quando ele diz “que se trata de um trazer à luz pela própria razão
daquilo que ela produz inteiramente por si mesma.”
No fundo, não só da sua
receptividade, mas da sua espontaneidade. Daquilo que parece ser criador,
daquilo que parece ser divino, infinito. No fundo, eu acho que o Heidegger ta
dizendo aqui: o Kant torna possível repensar a oposição entre finito e infinito
de maneira nova. Não pensar o infinito positivo – pra usar a expressão do
Merleau-Ponty que definia a metafísica clássica como a metafísica do infinito
positivo e substituí-la por uma filosofia do finito positivo que pode aparentar
infinitude. “Fazer ver a essência da razão pura e finita a partir de seu
próprio fundamento: tal é a tarefa da analítica. Esta analítica contém,
portanto, o projeto antecipativo da essência interior total da razão pura e finita.”
Aqui esse desenho da análise/síntese não é mal bolado. Porque ele ‘tá
insistindo em dificuldades que aparentemente são incontornáveis. É preciso
dissolver. Mas ao mesmo tempo essa analítica nos permitirá o quê? “o projeto
antecipativo da essência interior total da razão pura e finita”
Essa
análise vai chegar à determinação da razão pura e finita na sua totalidade
(…).

(…)

“(…) tornar
visível o fundamento da ontologia. Assim revelada, ela determina de um só golpe
a estruturação dos fundamentos que lhe são necessário.”
Aqui não se disse
muita coisa. “Compreendendo dessa maneira o projeto antecipativo da
totalidade que torna possível uma ontologia em sua essência, reencontramos a
metafísica sobre o terreno onde ela está enraizada como uma paixão da natureza
humana.”
Como comentar esse fim da parte 1? Ele liga o uso que ele faz do
Kant transformando a Crítica da razão pura , uma teoria do conhecimento
numa pesquisa sobre os fundamentos da ontologia, ontologia cujo coração está na
subjetividade humana finita, cujo coração de cujo coração nós vamos encontrar
(inaudível). Ele diz: bom, isso também é do domínio da paixão. Aliás, mais uma
vez, eu disse a vocês que ele projeta no Kant, ou encontra no Kant, no
comentário do Kant, a subjetividade humana finita ao mesmo na sua dimensão
cognitiva mas também como Stimmung. Como é que se traduz?

 

ANDRÉ:
sentimento, estado de ânimo, estado de espírito.

 

Paixão. No Ser
e tempo
, a angústia. A angústia dá acesso à questão fundamental do ser do
ente. É preciso passa pela experiência do nada, da falta de fundamento do ser
para perguntar pelo sentido do ser. No outro texto, aquele que foi traduzido
pro português, que tem o fazendeiro e tal, ele se demora sobre a noção de
tédio. Quer dizer, a noção de tédio desempenha a função desempenhada pela
angústia no Ser e tempo. O Heidegger projeta no Kant talvez não seja
justo porque o Kant escreveu um livro sobre as Kopf Krankheiten, em
português quer dizer “os doenças do cabeça”. É um texto antropológico-empírico.
Como escreveu sobre a origem do céu, teoria que junto com Lavoisier passou a
pertencer ao repertório da tradição científica. Tem trabalhos empíricos, de
antropologia etc. E tem esse trabalho de psicologia da doença mental onde ele
define a Kopf Krankheit do filósofo. Retomando a tradição antiga da
filosofia grega, ele diz: é a melancolia. Então você tem, é claro que não
dentro da estrutura da Crítica da razão pura, mas você tem o privilégio
da melancolia como definidora da atitude filosófica. O que não deixa de ter um
cheiro meio parecido com uma paixão específica ou reveladora da vocação do
pensamento. Isso seja dito entre parênteses, sem nenhuma convicção
demonstrativa. Simplesmente pra dizer que a gente tende a ver como uma projeção
maciça das suas próprias idéias no Kant, quando talvez possamos ser mais
condescendentes com o nosso autor. Ele não é tão insensato assim, talvez, não
sei.

 

ALUNO: A
tradução aqui é nostalgia. Pra paixão.

 

Ah, bom. Precisa
esperar o texto em alemão. Mas provavelmente pode ser nostalgia sim, pode ser sehensucht (?), sehensucht (?) é “tentativa de ver”, né? “Busca de ver”,
literalmente.

 

ANDRÉ: Não, é
outro verbo, é sehnen. É uma espécie de sentir a falta de alguma coisa.

 

Sentir a falta
de alguma coisa se  traduz normalmente por saudade. O Heidegger vai utilizar em
mais de um lugar a definição da filosofia através de um verso do Novalis, o
romantismo alemão mais uma vez: A filosofia é saudade da pátria. Como se o Dasein estivesse condenado a um ser que se busca. (…) trata-se de proceder
analiticamente para encontrar os fundamentos da ontologia. Essa regressão
analítica que faz uma análise do sujeito humano finito. E grosso modo ele vai dizer: como pode um ser humano finito transcender-se a si mesmo em
direção do mundo. Como é que ele pode antecipar o mundo. Aí ele já começa a
utilizar a linguagem dele. “Como o Dasein humano e finito pode
antecipadamente ultrapassar, transcender o ente enquanto ele não somente não
criou esse ente, mas que ele deve ser ordenado, se quer existir
qui doit
lui être ordoné.”  Como é que o Dasein pode antecipar o ente
transcendendo a si mesmo se ele de alguma maneira é ordenado a esse ente? Se
esse ente não é criado? Como é que eu posso antecipar algo que eu não sei o que
é. Que eu não criei. Antecipar não é conhecer. Conhecer é determinar objetos.
Mas como é que eu posso me antecipar a objetos em geral sem conhecê-los? Eles
me são dados, eu sou receptivo. Como é que eu posso combinar essa
espontaneidade do ser que transcende a si mesmo indo na direção de algo que lê
não cria, que lê não contém em si mesmo e que no entanto ele vai encontrar no
mundo.

 

ALUNO: Bento, grosso
modo
, é muito errado pensar nessa problemática como o problema apontado por
Menão, o problema do conhecimento?

 

Nós já nos
referimos ao Menão. Porque a pré-compreensão do ser tem alguma coisa que ver
com a reminiscência. Só que a reminiscência obviamente, no sentido platônico,
exotérico, um texto endereçado ao uso público em que as teses são apresentadas
de maneira sensível. Daí o mito da reminiscência, da alma que conheceu
(inaudível) . O filósofo baixa ao nível do mito para tornar o seu texto
compreensível para o não-filósofo. Mas, de alguma maneira, você pode dizer que
sim. O que que é quando o Sócrates chama o escrevo. Bom, ele não sabe
geometria. E o Sócrates mostra que ele demonstra o teorema sem sabê-lo. De uma
certa maneira, ele antecipava, sem saber, algo que não é um produto da sua psyché,
e sim da ordem das razões objetivas transcendentes.  Aliás, no meu livro sobre
Bergson, no capítulo sobre Matéria e memória, eu comento um texto do
Jean Hyppolite que comenta o Fichte porque lá, reencontrar é encontrar algo ou
produzir algo. E o Bergson quer justamente evitar confundir uma coisa com
outra… (Inaudível) Porque no fundo a relação do Bergson com o Heidegger é
complicada porque bom, o Heidegger foi certamente influenciado pelo Bergson e,
no entanto detestava o Bergson. Achava o Bergson uma espécie de biologista (?).
Nos primeiros escritos dele, tem sobre a originalidade do tempo nas ciências
humanas. O tempo da cultura, o tempo do espírito, é diferente daquele
(inaudível). E o Bergson diz: ah, diabos, é a minha filosofia, que história é
essa? Mas aí o Heidegger tem uma certa dificuldade em engolir o Bergson que vai
se repercutir nos franceses. Só o Merleau-Ponty que vai mais tarde falar, de
uma certa maneira: não a gente ‘tava errado, o Bergson é obrigatório e tal…

 

ALUNO: Já que o
Sr. ta comparando como Bergson, o Sr. ‘tava falando do método analítico do
Heidegger, que ele mesmo tem essa dificuldade quando se trata de dissolver ou
de analisar, de decompor, mas sim de transformar ou de re-significar o
problema, eu não posso pensar nisso também como uma certa aproximação como
Bergson?

 

Pode. Você tem
dois modelos diferentes. Você tem o Wittgenstein, você tem o Bergson e o
Heidegger. Agora, claro que são histórias diferentes, mas todas têm um ar de
família, pra usar a linguagem do Wittgenstein. Sendo que o Bergson mais
positivamente positivista (?), mas também um apologista do silêncio. As coisas
não são simples.

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