JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA, o Moço

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA (Bordéus, 1827-1886) é vulgarmente cognominado o Segundo ou o Moço, para diferençar-se do seu tio e homônimo, patriarca da nossa Independência. Estudou primeiramente a Matemática na antiga Escola Militar do Rio, depois o Direito em São Paulo, onde se formou. Foi provido numa cadeira jurídica da Faculdade do Recife, e, tendo encetado a sua carreira parlamentar na Assembléia provincial de São Paulo, em 1860, chegou a senador, e foi ministro de estado duas vezes, numa das quais apenas sete dias. Depois recusou a presidência do Conselho.

Pelejou sempre nas fileiras do partido monárquico liberal, mas era o seu liberalismo avesso a todas as paixões demagógicas. Odiava o sangue e trajava a túnica alvíssima das mais generosas utopias.

Grandes foram os seus triunfos oratórios, pelo brilho da frase e arrojo das imagens, nem lhe faleceram estas qualidades em muitas produções poéticas. De alguns de seus discursos fez-se interessante volume.

Contra o Protecionismo

Não sejamos os últimos a trilhar a sencja dos progressos econômicos e políticos. O sistema protetor está condenado, apesar da autoridade de Thiers, invocada pelo nobre deputado pela Bahia, e que não posso aceitar com o valor que S. Ex. lhe dá.

Três são os principais argumentos da escola protecionista, posto que todos se possam reduzir a um só: independência nacional, acréscimo de produção, diversidade de desenvolvimento.

Independência! Ser independente do estrangeiro, exclamava um dos membros eminentes da liga contra as leis dos cereais da Inglaterra, é o termo favorito da aristocracia. Pois bem, contemplemos este advogado infatigável da independência nacional. Seu cozinheiro é francês, e seu criado suíço. Resplandecem pérolas nos ornatos de sua mulher e sobre a cabeça formosa, plumas de terra estranha. As carnes de sua mesa vêm da Bélgica; e os vinhos do Reno ou do Ródano. Pousam-lhe as vistas sobre flores vindas da América do Sul, e embriagam–lhe o olfato as folhas vindas da América do Norte. Seu cavalo favorito é de origem árabe, o seu cão de raça dos de São Bernardo. Enchem-lhe a galeria quadros flamengos e estátuas gregas. Se quer distrair-se, ouve cantores italianos ou contempla dansarinas francesas. Seu espírito mesmo é um arremedo de contribuições exóticas: a Filosofia e a Poesia vêm da Grécia e Roma, a Geometria de Alexandria, a Aritmética da Arábia, a Religião da Palestina. Desde o seu berço afiou os seus dentes no coral do Oceano Indico e depois da morte ornamentará seu túmulo o mármore de Carrara. Oh! sejamos independentes!

O nobre deputado pela Bahia citou-me Thiers, que eu peço licença para não considerar autoridade na matéria; eu cito-lhe lorde Palmerston São palavras eloqüentes com que êle fechou um dos seus formosos discursos sobre as leis de cereais. Poucas vezes a tribuna parlamentar as escutou tão belas, e nenhuma por certo mais verdadeiras.

Por que se dividiu o globo em zonas e climas? Por que os diversos países produzem frutas diferentes, quando as necessidades do homem são as mesmas? Por que as terras mais afastadas do mundo se põem em contato por meio destes oceanos imensos, que pareciam destinados para desuni-las? Por que tudo isto, senão porque o homem depende do homem; senão para que a partilha das necessidades da vida acompanhasse a extensão e difusão das luzes; senão para que a permuta dos bens e das coisas fosse a troca dos sentimentos benévolos e das idéias elevadas; senão para que o comércio, levando em uma das mãos a civilização e na outra a paz, fizesse o gênero humano mais feliz, mais sábio e melhor? Tais foram os decretos d’Aquele que criou e ordenou o mundo, mas os legisladores da terra intervieram com a sua arrogância e vaidade insensata, e, encadeando o desenvolvimento instrutivo da natureza, substituíram leis desgraçadas às leis eternas da Providência!

(Discurso proferido na Câmara dos Deputados, em 7 de junho de 1865.)


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

Bibliografia

Obras:

  • Rosas e goivos, poesia (1848):
  • Memória histórica da Faculdade de Direito de São Paulo (1859);
  • Discursos parlamentares (1880);
  • Poesias, texto organizado e apresentado por Alfredo Bosi e Nilo Scalzo (1962).

 

Textos Escolhidos

SAUDADE

I

Eu já tive em belos tempos
Alguns sonhos de criança;
Já pendurei nas estrelas
A minha verde esperança;
Já recolhi pelo mundo
Muita suave lembrança.

Sonhava então – e que sonhos
Minha mente acalentaram?!

Que visões tão feiticeiras
Minhas noites embalaram?!
Como eram puros os raios
De meus dias que passaram?!

Tinha um anjo de olhos negros,
Um anjo puro e inocente,
Um anjo que me matava
Só c’um olhar – de repente,

– Olhar que batia na alma,
Raio de luz transparente!

Quando ela ria, e que riso?!
Quando chorava – que pranto?!
Quando rezava, que prece!
E nessa prece que encanto?!
Quando soltava os cabelos,
Como esparzia quebranto!

……………………………………………………..

Por entre o chorão das campas
Minhas visões se ocultaram;
Meus pobres versos perdidos
Todos, todos acabaram;
De tantas rosas brilhantes
Só folhas secas ficaram!

II

Oh! que já fui feliz! – ardente, ansioso

Esta vida boiou-me em mar de encantos!
Os meus sonhos de amor eram mil flores
Aos sorrisos de aurora, abrindo a medo
Nos orvalhados campos!

Ela no agreste monte; ela nos prados;
Ela na luz do dia; ela nas sombras
Pardacentas do vale; ela no monte,
No céu, no firmamento – ela sorrindo!

Então o sol surgindo feiticeiro,
Entre nuvens de cores recamadas,
Segredava mistérios!

Como era verde o florejar das veigas,
Brandinha a viração, múrmura a fonte,
Meigo o clarão da lua, a estrela amiga
Na solidão do Céu!

Que sedes de querer, que amor tão santo,
Que crença pura, que inefáveis gozos,

Que venturas sem fim, calcando ousado
Humanas impurezas!

Deus sabe se por ela, em sonho estranho
A divagar sem tino em loucos êxtases,
Sonhei, penei, vivi, morri de amores!
Se um quebro fugitivo de seus olhos
Era mais do que a vida em plaga edênica,
Mais do que a luz ao cego, o orvalho às flores,
A liberdade ao triste prisioneiro,

E a terra da pátria ao foragido!!!
Mas, ai! – tudo morreu!…

Secou-se a relva, a viração calou-se,
Os queixumes da fonte emudeceram,
Mórbida a lua só prateia lousa,
A estrela amorteceu e o sol amigo
No verde-negro seio do oceano
Chorando a face esconde!

Meus amores talvez morreram todos
Da lua no clarão que eu entendia,
Nessa réstia do sol que me falava,
Que tantas vezes me aqueceu a fronte!

III

Além, além, meu pensamento, avante!
Que idéia agora a mente me assalteia?!
Lá surge afortunada,
Da minha infância a imagem feiticeira!

Quadra risonha de inocência angélica,
Minha estação no Céu, por que fugiste?
E que vens tu fazer – agora à tarde
Quando o sol já desceu os horizontes,
E a noite do saber já vem chegando
E os lúgubres lamentos?
Minha aurora gentil – tu bem sabias
Como eu falava às brisas que passavam,

Às estrelas do Céu, à lua argêntea,
sobre nuvem purpúrea ao Sol já frouxo!
Ante mim se erguia então o venerando
O vulto de meu Pai – perto, ao meu lado
Minha irmãs brincavam inocentes,
Puras, ingênuas, como a flor que nasce
Em recatado ermo! – Ai! minha infância
Não voltarás… oh! nunca!… entre ciprestes

Dormes daqueles sonhos esquecida!
Na solidão da morte – ali repoisam
Ossos de Pai, de Irmãos!… embalde choras
Coração sem ventura… a lousa é muda,
E a voz dos mortos só a campa a entende.
Tive um canteiro de estrelas,
De nuvens tive um rosal;
Roubei às tranças da aurora

De pérolas um ramal.

De aurinoturno véu
Fez-me presente uma fada;
Pedi à lua os feitiços,
A cor da face rosada.

Contente à sombra da noite
Rezava a Virgem Maria!
De noite tinha esquecido
Os pensamentos do dia.

Sabia tantas histórias
Que não me lembra nenhuma;
Ao meus prantos apagaram
Todas, todas – uma a uma!

IV

Ambições, que eu já tive, que é delas?
Minhas glórias, meu Deus, onde estão?
A ventura – onde vivi na terra?

Minha rosas – que fazem no chão?

Sonhei tanto!… Nos astros perdidos
Noites… noites inteiras dormi;
Veio o dia, meu sono acabou-se,
Não sei como no mundo me vi!

Esse mundo que outrora habitava
Era Céu… paraíso… eu não sei!
Veio um anjo de formas aéreas,

Deu-me um beijo, depois acordei!

Vi maldito esse beijo mentido,
Esse beijo do meu coração!
Ambições, que eu já tive, que é delas?
Minhas glórias, meu Deus, onde estão?

A cegueira vendou-me estes olhos,
Atirei-me num pego profundo;
Quis coroas de glória… fugiram,
Um deserto ficou-me este mundo!

As grinaldas de louro murcharam,
Nem grinaldas – somente a loucura!
Vi no trono da glória um cipreste,
Junto dele uma vil sepultura!

Negros ódios, infames traições,
E mais tarde… um sudário rasgado!
O futuro?… Uma sombra que passa,
E depois… e depois… o passado!

Ai! maldito esse beijo sentido
Esse beijo do meu coração!
A ventura – onde vive na terra?
Minhas rosas – que fazem no chão?

Por entre o chorão das campas
Minhas visões se ocultaram;
Meus pobres versos perdidos
Todos, todos acabaram;

De tantas rosas brilhantes
Só folhas secas ficaram….

S. Paulo, 1850.
(Poesias, 1962.)

 

CALABAR

Oh! não vendeu-se, não! – Ele era escravo
Do jugo português. – Quis a vingança;

Abriu sua alma às ambições de um bravo
E em nova escravidão bebeu a esperança!
Combateu… pelejou… entre a batalha
Viu essas vidas que no pó se somem;
Enrolou-se da pátria na mortalha,
Ergueu-se – inda era um homem!

Calabar! Calabar! Foi a mentira
Que a maldição cuspiu em tua memória!

Amaste a liberdade; era uma lira
De loucos sonhos, de elevada glória!
Alma adejando neste Céu brilhante
– Sonhaste escravo reviver liberto;
Subiste ao largo espaço triunfante,
Voaste – era um deserto!

A quem traíste, herói? – Na vil poeira

Que juramento te prendia à fé?!
Escravo por escravo essa bandeira
Foi de um soldado lá – ficou de pé!…
Viu o sol entre as brumas do futuro
– Ele que por si só nada podia;
Quis vingar-se também – no sonho escuro

Quis ter também seu dia!

O pulso roxo da fatal cadeia
Brandiu uma arma, pelejou também,
Viram-no erguido na refrega feia,
– Sombrio vulto que o valor sustém!
Respeitai-o – que amou a heroicidade!
Quis erguer-se também do raso chão!
Foi delírio talvez – a eternidade

Teve no coração!

Oh! que o Céu era lindo e o sol se erguia,
Como um incêndio nas brasílias terras;
Da cimeira da selva a voz surgia,
E o som dos ventos nas remotas serras!
Adormeceu… à noite em funda calma
Ouviu ao longe os ecos da floresta;
Bateu-lhe o coração – triste sua alma

Sorriu-se – era uma festa!

Homem – sentiu na carne desnudada
O açoite do algoz nodoar a honra,
E o sangue sobre a face envergonhada
Mudo escreveu o grito da desonra!
Era escravo! Deixai-o que combata;
Livre nunca ele foi – quer sê-lo agora,

Como o peixe no mar, a ave na mata,
Como no Céu a aurora!

Oh! deixai-o morrer – deste martírio!
Não alceis a calúnia ao grau da história!
Que fique a lusa mão em seu delírio
– Já que o corpo manchou, manchar a glória!
Respeitemos as cinzas do guerreiro
Que no pó sacudira a alteira fronte!

Quem sabe esse mistério segredeiro
Do sol lá no horizonte?!

Não se vendeu! Infâmia… era um escravo!
Sentiu o estigma vil, horrendo selo;
Pulsou-lhe o coração, viu que era um bravo;
Quis despertar do negro pesadelo!
Tronco sem folhas, triste e solitário,
Debalde o vento assoberbar tentou,
Das asas do tufão ao sopro vário

Estremeceu, tombou!

Paz ao sepulcro! Calabar morreu!
Sobre o topo da cruz fala a verdade!
Quis ser livre também – ele escolheu,
Entre duas prisões – quis ter vontade!
E a mão heróica que susteve a Holanda
A covardia entrega desarmada!
Vergonha eterna a Providência manda

À ingratidão manchada!

Morreu! Mas lá no marco derradeiro
O coração de amor bateu-lhe ainda!
Minha mãe! murmurou… era agoureiro
Esse queixume de uma dor infinda!
Morreu, o escravo se desfaz em pó…
Ferros lançai-lhe agora, se o podeis!
Vinde, tiranos – ele está bem só,

Ditai-lhe agora as leis!

São Paulo, 1850.
(Poesias, 1962.)

 

ENLEVO

Se invejo as coroas, os cantos perdidos
Dos bardos sentidos, que altivos ouvi,
Bem sabes, donzela, que os loucos desejos,
Que os vagos almejos, são todos por ti.

Bem sabes que, às vezes, teu pé sobre o chão,
No meu coração faz eco, passando;
Que sinto e respiro teu hálito amado;
E, mesmo acordado, só vivo sonhando!

Bem sabes, donzela, na dor ou na calma,
Que é tua a minha alma, que é meu o teu ser,
Que vivo em teus olhos; que sigo teus passos;
Que quero em teus braços viver e morrer.

A luz do teu rosto – meu sol de ventura,

Saudade, amargura, não sei o que mais –
Traduz meu destino, num simples sorriso,
Que é meu paraíso, num gesto de paz.

Se triste desmaias, se a cor te falece,
A mim me parece que foges pro céu,
E eu louco murmuro, nos amplos espaços,
Voando a teus braços: – És minhas!… Sou teu!…

Da tarde no sopro suspira baixinho,

No sopro mansinho suspira… Quem és?
Suspira… Hás de ver-me de fronte abatida,
Sem força, sem vida, curvado a teus pés.

(Poesias, 1962.)

Fonte: Academia Paulista de Letas – José Bonifácio, o moço, foi escolhido patrono da cadeira número 7 da Academia Paulista de Letras.

 

 

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